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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

JURID - Ação de indenização. Uso de anticoncepcional. Gravidez. [04/11/09] - Jurisprudência


Ação de indenização. Uso de anticoncepcional. Gravidez indesejada. Antecipação de tutela. Requisitos.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e seus Territórios - TJDFT.

Órgão: SEXTA TURMA CÍVEL

Classe: AGI - AGRAVO DE INSTRUMENTO

Nº do Processo: 2007.00.2.007450-9

Agravante: UNIÃO QUÍMICA FARMACÊUTICA NACIONAL S/A

Agravado(s): AZENAIDE ANDRADE MARIANO DE LUCENA SILVA e OUTROS

Relatora Desa.: DIVA LUCY IBIAPINA

EMENTA

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. USO DE ANTICONCEPCIONAL. GRAVIDEZ INDESEJADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS.

A antecipação da tutela pressupõe a existência de prova inequívoca, que convença da verossimilhança da alegação, além de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, requisitos que, ausentes, impedem seja concedida a medida em ação indenizatória em que não há provas suficientes de que a autora estava usando anticoncepcional quando engravidou e nem que esse não continha a substância contraceptiva. Agravo provido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, DIVA LUCY IBIAPINA - Relatora, JAIR SOARES e JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA - Vogais, sob a Presidência do Desembargador JAIR SOARES, em CONHECER. PROVER, POR MAIORIA. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O PRIMEIRO VOGAL, de acordo com a ata de julgamento e as notas taquigráficas.

Brasília-DF, 7 de outubro de 2009.

Desembargador JAIR SOARES
Relator Designado

RELATÓRIO

A empresa União Química Farmacêutica Nacional S/A, por meio do presente agravo de instrumento, formaliza inconformismo quanto a decisão proferida pela Excelentíssima Magistrada da 2a Vara Cível da Circunscrição Judiciária do Gama, DF, que, em ação de indenização proposta em seu desfavor por Azenaide Andrade Mariano de Lucena e Judá Davi A. Lucena, a condenou, em sede de antecipação de tutela, a pagar ao segundo Autor - filho da primeira Requerente - a quantia mensal de três (03) salários mínimos, desde a data de seu nascimento até que complete 21 anos de idade.

Isso, ao fundamento de que a mãe teria engravidado após uso de anticoncepcional feminino elaborado pela Recorrente, sem a substância ativa.

O Recorrente marca a ausência de "qualquer prova inequívoca de molde a sustentar a hipótese de verossimilhança das alegações contidas na inicial." (fl. 19).

Fixa que os pareceres técnicos por ela trazidos aos autos amparam seu argumento no sentido "de que o pequeno desvio encontrado (de 90% para 87,5%), com relação à substância etinil estradiol (que não é o princípio ativo contraceptivo, mas que regula o fluxo), não tem nexo de casualidade com a gravidez em questão." (fl. 21).

Frisa que a decisão assim proferida impor-lhe-á dano de difícil reparação, eis que, a benefício do menor Agravado, haverá de desembolsar quantia mensal em moeda corrente nacional. Daí, a irreversibilidade da tutela concedida, em flagrante quebra do comando contido no Artigo 273, § 2º, do Código de Processo Civil.

Pede seja deferido provimento liminar de efeito suspensivo, de modo a que nada seja deferido ao menor. Alternativamente, a redução do valor a meio salário mínimo.

Os documentos de fls. 32-1.187 instruem as razões de agravo.

Guia de preparo, fl. 33.

Pela decisão de fls. 1.190-1.194 indeferi a medida de urgência vindicada. Inconformada, o Agravante interpôs Agravo Regimental, formulando, inclusive, pedido de reconsideração, fls. 1.197-1.227. Recurso não conhecido, acórdão de fls. 1.242-1.248. Mantive minha decisão.

Contraminuta, fls. 1.233-1.239.

O Ministério Público, em Parecer de fls. 1.254-1.269, afirma inexistir "prova robusta que demonstre com clareza que o medicamento CICLO 21, lote 9704536, comercializado pelo recorrente, é responsável pela gravidez indesejada da primeira recorrida (...) apesar dos fortes indícios nesse sentido" (fl. 1.258). Diz o ilustre órgão do Parquet da ausência de elementos de convicção a asseverar a presença de indispensável nexo de causalidade entre o uso do medicamento e a gravidez pela falta de prova de uso do medicamento (fls. 1.263). Prossegue desautorizando o laudo elaborado por perito oficial para, ao fim, dar prevalência a parecer firmado por assistente técnico indicado pela empresa Ré e ora Agravante. Opina pelo conhecimento e improvimento do presente recurso.
É o que havia a relatar.

VOTOS

A Senhora Desembargadora DIVA LUCY IBIAPINA - Relatora

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De descortino, vale pôr em relevo o cuidado, mesmo esmero, da culta Magistrada de instância prima com a demanda a ela levada à apreciação, conforme se extrai da decisão de fls. 747-749.

À oportunidade, a nobre Juíza refutou entendimento consignado pelo Ministério Público em manifestação acerca do recurso de agravo retido interposto pelo ora Recorrente, fls. 741-745, no sentido de indeferir pedido de produção de prova pericial formulado pelo Laboratório-Réu.

Por que ilustrativo:

"Questões fáticas complexas e controvertidas não ensejam o julgamento antecipado da lide. Em tal hipótese, a sentença que se lançar nos autos causará cerceamento do direito subjetivo processual da parte interessada na produção de outras provas.

Ademais, em se tratando de questão de tamanha relevância, não se pode desconsiderar que tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível, ou quando, em face das provas produzidas, encontram-se em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes.

(...) Na fase atual do processo, não se justifica desprezar a produção de prova hábil a dirimir quaisquer dúvidas por ocasião da prolação da sentença, até mesmo no sentido de assegurar-se a justiça e eficácia da prestação jurisdicional.

À vista do exposto, DEFIRO a produção da prova pericial requerida pelo laboratório Réu, para esclarecer o ponto controvertido relativo ao nexo de causalidade entre o desvio encontrado no laudo de fl. 561 e a gravidez que resultou a presente demanda."

Em consequência, vieram aos autos - entre outras peças - o ofício do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz e o Parecer - acompanhado por escritos - trazido pelo Réu/Agravante, fls. 1.057-1.061 e 1.066-1.080, respectivamente.

Somente, depois desse desvelo, a douta Julgadora proferiu a decisão a quo, fls. 1.179-1.184, quando registrou:

"A fls. 738 consta ofício do Diretor do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, o Dr. André L. Gemal, informando que "CONSIDERANDO A REPROVAÇÃO DO PRODUTO NA QUANTIDADE DE ETNIL ESTRADIOL TEMOS A ESCLARECER QUE O PRODUTO CICLO 21 NÃO APRESENTA A EFICÁCIA CONTRACEPTIVA NECESSÁRIA." (...).

Após análise dos autos, verifica este Juízo que estão presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil quanto ao pedido formulado no item "b", "in fine" da Petição Inicial.

(...).

Nesta fase do processo, já existe prova inequívoca no sentido de que o produto CICLO 21 narrado na inicial não apresenta a eficácia contraceptiva necessária. Também são verossímeis as alegações da parte requerente no sentido de que necessita, sob pena de dano irreparável, de pensão mensal para o sustento do menor.

Azenaide Andrade era atendida pelo Centro de Saúde n. 07, Ceilândia - DF e fazia parte do Programa Assistencial de Planejamento Familiar da Fundação Hospitalar do Distrito Federal na época em que ficou grávida de Judá David Andrade de Lucena (Depoimentos testemunhais de fls. 692/694 e documentos de fls. 44/97).

Há provas nos autos no sentido de que os comprimidos anticoncepcionais "ciclo21" tomados pela segunda requerente, Azenaide Andrade, faziam parte do lote n. 9704528. O documento de fls. 421 do Centro de Saúde n. 07 de Ceilândia (de onde a primeira autora recebera as pílulas anticoncepcionais) informa que foram devolvidos, em 30 de abril de 1999, vários comprimidos de Ciclo 21 do lote n. 9704528 provenientes do Centro de Saúde n. 07 de Ceilândia e do Programa Saúde em Casa. E o memorando de fls. 434 da FHDF informa que o número do lote do contraceptivo Ciclo 21 que foi fornecido pelo Centro de Saúde n. 07 foi o de n. 9704528.

O lote supracitado revelou-se inadequado ao fim que se destinava, eis que o documento de fls. 560/568 dos autos, expedido pelo Ministério da Saúde - Secretaria Executiva - Diretoria de Programas Estratégicos - Coordenação de Acompanhamento de Produção e Qualidade de Medicamentos - informa a este Juízo que o lote 9704528 do contraceptivo em comento, no que toca à uniformidade de conteúdo de "Etinil estradiol", "NÃO PASSA NO TESTE". Foi realizada contra-prova no lote citado pela Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Farmácia - Laboratório de Controle de Qualidade - e o mesmo foi considerado "REPROVADO".

Quanto a esse fato, há prova pericial nos autos no sentido de que "o baixo teor e a falta de uniformidade de conteúdo do Etinil estradiol irá comprometer a eficácia anticonceptiva do produto, isto é, não apresenta a eficácia contraceptiva necessária" (fls. 955 dos autos) e que "...o resultado analítico para o etinil estradiol não atende às especificações da USP 23, e que, nesse caso, a eficácia do produto CICLO 21 pode estar comprometida... Pode-se afirmar que o lote 9704528 de CICLO 21 é menos eficaz ao que se destina do que se estivesse dentro dos valores de referência utilizados nos testes a que foi submetido." (fls. 1007/1008).

Assim, verifica-se que o produto CICLO 21 narrado na inicial não apresenta a eficácia contraceptiva necessária. O "anticoncepcional" em tela é de ser considerado "produto defeituoso" e impróprio ao uso e consumo, de acordo com o disposto no art. 12, §1º e art. 18, §6º, II, ambos do Código de Defesa do Consumidor, eis que não oferecia a segurança que dele legitimamente se podia esperar.

Ficou provado nos autos que a autora fazia tratamento com o anticoncepcional oral Ciclo 21, medicamento prescrito, quando engravidou. (...).

Ora, ao colocar produto defeituoso no mercado, a União Química Farmacêutica automaticamente assumiu o ônus de reparar eventuais danos causados às pessoas vitimadas, independentemente de se perquirir sobre a existência de vínculo alimentar stricto sensu. Mesmo porque não se pleiteia aqui verba alimentícia, mas uma tentativa de retorno ao statu quo ante por parte de Azenaide e, consequentemente, a garantia de suprimento das necessidades de seu filho menor. (...).

Repise-se que não postula o apelante-autor aqui pensão alimentícia, em sentido estrito, mas reparação por danos materiais consubstanciados na garantia de manutenção, dado o aumento inesperado da prole, que extrapolou o planejamento familiar realizado por seus pais, inviabilizando-o devido o uso de anticoncepcional ineficaz fabricado pela apelada-ré.

Desse modo, entendo ser cabível indenização, na forma de alimentos, em favor do apelante Judá Davi." - realcei.

A propósito, colaciono a letra do Artigo 273 do Código de Processo Civil, verbis:

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

(...);

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

(...);

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (...)."- sublinhei.

Na extensão dada pelo caput deste dispositivo legal, não se reclama convicção de verdade sobre os fatos articulados nos autos, pois - considerando tratar-se de provimento concedido no curso do processo - suficiente a convicção de verossimilhança.

Tanto que "A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada", como preceitua o parágrafo 4º, da norma em comento.

Nesse contexto, admite-se que o Magistrado defira a medida de urgência com base na chamada "verossimilhança preponderante", segundo a lição ministrada por Luiz Guilherme Marinoni, in Antecipação da Tutela, 10ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, 2008, às páginas 170-172, litteris:

"A Chamada convicção de ' verossimilhança preponderante'.

Se existe convicção de verdade e convicção de verossimilhança, cabe explicar a diferença entre as duas.

Para tanto, não há como deixar de aludir à teoria de origem sueca que entende que o juiz pode definir o mérito com base na chamada 'verossimilhança preponderante'. Tal teoria se move a partir da idéia de que a regra do ônus da prova não é justa e, assim, não deve prevalecer. A regra do ônus da prova, na perspectiva dessa teoria, não tem qualquer importância como mecanismo de distribuição do ônus probatório e, muito menos, como regra de juízo, mas como uma espécie de régua que indicaria a parte vencedora.

O ônus da prova constituiria o ponto central dessa régua, e assim não pesaria sobre nenhuma das partes; a parte que conseguisse fazer a régua pender para o seu lado, ainda que a partir de um mínimo de prova, deveria ganhar a causa, quando então prevaleceria o princípio da 'verossimilhança preponderante'.

Não é possível ter a teoria da verossimilhança preponderante como regra capaz de guiar a decisão final do juiz (que define o mérito), embora isso não signifique que a idéia de verossimilhança preponderante não possa prevalecer em determinadas situações, mesmo ao final do processo.

Excepcionalmente, a dificuldade de prova e a natureza do direito material podem justificar a redução das exigências de prova no caso concreto, dando ao juiz a possibilidade de se contentar com a verossimilhança preponderante. Isso ocorre, por exemplo, em determinadas situações de direito material em que a prova da causalidade é extremamente árdua, como acontece nos casos de lesões pré-natais.

Portanto, quando se analisa a convicção judicial, é preciso considerar se a causalidade pode ser esclarecida e em que termos. Apenas quando a possibilidade de elucidação não é plena, e assim não há como exigir uma 'convicção de certeza', basta a 'verossimilhança preponderante', pena de serem negadas as peculiaridades do direito material e, dessa maneira, a possibilidade de uma efetiva tutela jurisdicional.

Sublinhe-se, contudo, que a redução das exigências de convicção, ao final do procedimento, somente pode ser admissível em casos excepcionais; jamais como regra, como pretende a teoria sueca da verossimilhança preponderante. (...).

Porém, algo diferente acontece quando se considera a convicção de verossimilhança característica à cognição sumária, ou seja, a convicção de verossimilhança própria aos juízos que se formam no curso do processo.

Quando o art. 273 do Código de Processo Civil faz referência à convicção de verossimilhança obviamente não pretende indicar a verossimilhança própria à filosofia ou a convicção de verossimilhança suficiente para o julgamento de procedência quando presentes determinadas situações de direito material - como acima explicado, lesões pré-natais, relações de consumo etc. -, mas sim a convicção de verossimilhança característica às decisões que postecipam a participação em contraditório ou são fundadas em cognição sumária.

Trata-se, desse modo, de uma expressa autorização para o juiz decidir com base em convicção de verossimilhança, que evidentemente não se confunde com a convicção excepcionalmente aceita ao final do procedimento em determinadas situações de direito material.

Nesse caso, a convicção de verossimilhança não decorre das necessidades do direito material e do caso concreto, mas sim de uma regra processual que parte da premissa de que ao juiz basta, para conceder a tutela antecipatória, a convicção de verossimilhança.

Diante do art. 273, portanto, o juiz está autorizado a decidir com base na convicção de verossimilhança preponderante.

Decidir com base na verossimilhança preponderante, quando da tutela antecipatória, significa sacrificar o improvável em benefício do provável. E nem poderia ser diferente, mesmo que não houvesse tal expressa autorização, pois não há racionalidade em negar tutela a um direito que corre o risco de ser lesado sob o argumento de que não há convicção de verdade." - negritei.

Nesse toar, importa expor ao sol o teor do ofício de fl. 783, do Diretor do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, o Dr. André L. Gemal, comunicando que o produto "ciclo 21" não apresenta a eficácia contraceptiva necessária, tendo em vista que a menor quantidade de etinil estradiol.

Assertiva confirmada no oficio de fls. 1.057-1.061, também, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, pelo qual se encaminham as respostas da lavra de sua servidora Maria Virgínia Cavalheiro, nomeada perita pelo juízo de instância prima, aos quesitos formulados pelo Recorrente.

Nessa missiva ressaem as respostas aos pontos 5 e 13, pois no mesmo sentido do ofício de fl. 783. Isso, considerando que se afirmou que o resultado analítico para o etinil estradiol não atende às especificações da USP 23 e que, nesse caso, a eficácia do produto "ciclo 21" pode estar comprometida, bem como "que o lote 9704528 de CICLO 21 é menos eficaz ao que se destina do que se estivesse dentro dos valores de referência utilizados nos testes a que foi submetido." (fl. 1.060).

Desse modo, sem reparo o raciocínio lançado no decisum a quo, quando se grafou que "Nesta fase do processo, já existe prova inequívoca no sentido de que o produto CICLO 21 narrado na inicial não apresenta a eficácia contraceptiva necessária. Também são verossímeis as alegações da parte requerente no sentido de que necessita, sob pena de dano irreparável, de pensão mensal para o sustento do menor."

Nessa linha de pensamento e nos limites de cognição do agravo de instrumento, tenho que o conjunto probatório carreado aos autos dá lastro a que se sacrifique o improvável - que o produto "ciclo 21" apresenta a eficácia contraceptiva necessária, não sendo causa da gravidez da primeira Autora/Agravada - em beneficio do provável, nos termos assinalados na decisão atacada.

Aqui, por oportuno, não há se falar em quebra ao parágrafo 2º do Artigo 273/CPC, pois se cuida de verba indenizatória para o mister de suprir os cuidados da mãe com seu filho, em princípio, nascido de falha havida na composição de contraceptivo fabricado pelo Agravante.

Igualmente, não se afigura oponível deixar mãe e filho à própria sorte, considerando, inclusive, a abissal diferença de capacidade econômica entre as partes em litígio.

Mais. Não se descura que o parágrafo 2º do Artigo 273/CPC, é fulgurante em disciplinar a "irreversibilidade do provimento" e não em "irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento." Fenômenos - indiscutivelmente - dessemelhantes. Não formam par.

Por isso, outra vez, de se socorrer ao ensino de Marinoni, na obra antes mencionada, desta feita às páginas 195 e 199-200. Confira-se:

"O que o art. 273 do Código de Processo Civil veda, quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de 'irreversibilidade do provimento antecipado' - que nada tem a ver, repita-se, com irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento - são determinadas declarações e constituições provisórias. (...).

Não há razão para não admitirmos a possibilidade de uma tutela antecipatória que possa gerar efeitos fáticos irreversíveis, pois a tutela cautelar não raramente produz tais efeitos.

Lembre-se, por exemplo, que a Lei 8.245, de 18.10.91 (Lei do Inquilinato), prevê expressamente a concessão de liminar na ação de despejo. De acordo com o art. 59, § 1º, dessa lei, basta que o autor demonstre a ocorrência de uma das hipóteses dos cinco incisos do referido parágrafo para que a liminar seja concedida. A liminar, que satisfaz a pretensão ao despejo, obviamente pode produzir efeitos fáticos irreversíveis, até mesmo porque, sendo julgado improcedente o pedido de despejo, não haverá possibilidade de retorno do locatário ao imóvel.

(...).

Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais provável.

(...).

Não só a lógica, mas também o direito à adequada tutela jurisdicional, podem exigir a possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível, de um direito que pareça improvável em benefício de outro que pareça provável. Caso contrário, o direito que tem a maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente lesado.

Como corretamente adverte Tommaseo, sacrificar o improvável pelo provável, nisso consiste a ética da jurisdição de urgência."

Dessa arte, ressai, nesse momento processual, sem crítica determinar ao Agravante que desembolse valores em moeda corrente nacional em benefício dos Agravados, porquanto, repita-se, mostra-se correto, justo, legítimo e segundo a equidade sacrificar o direito improvável do Recorrente em face do direito provável dos Recorridos.

Sem se olvidar que as quantias em voga serão endereçadas ao suprimento das necessidades de uma criança que apresenta problemas de saúde, nascida, prima facie, por causa da ineficácia do contraceptivo fabricado pelo Agravante.

Essa interpretação alinha-se com a jurisprudência desta Corte de Justiça:

"(...). 3 - Não se pode levar ao extremo o perigo de irreversibilidade da medida, deixando de se conceder a antecipação, só porque aquele que a postula, pobre, não dispõe de patrimônio para garantir o que lhe é de direito e será antecipado. Do contrário, tornar-se-á totalmente inócua a tutela antecipada. (...)." (Agravo de Instrumento 20080020077523, Acórdão n. 316544, 6a Turma Cível, Publicado no DJ de 13/08/2008, página 48).

Esse posicionamento merece o prestígio do colendo Superior Tribunal de Justiça que, em lapidar pronunciamento, assim decidiu:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INTELIGÊNCIA DO ART. 273, § 2º, DO CPC. PRECEDENTES. 1. O perigo de irreversibilidade do provimento adiantado, óbice legal à concessão da antecipação da tutela, nos termos do artigo 273, § 2º, do CPC, deve ser interpretado cum grano salis, sob pena de se inviabilizar o instituto. 2. Irreversibilidade é um conceito relativo, que deve ser apreciado ad hoc e de forma contextual, levando em conta, dentre outros fatores, o valor atribuído pelo ordenamento constitucional e legal aos bens jurídicos em confronto e também o caráter irreversível, já não do que o juiz dá, mas do que se deixa de dar, ou seja, a irreversibilidade da ofensa que se pretende evitar ou mesmo da ausência de intervenção judicial de amparo. 3. Agravo Regimental não provido." (AgRg no Ag 736826/ RJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, Julgamento: 12/12/2006, Publicação no DJ de 28/11/2007, página: 208).

Diante do exposto, voto no sentido de que se conheça do presente Agravo de Instrumento e a ele seja negado provimento.

É como voto.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Presidente e Vogal

Peço vista.

O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA - Vogal

Aguardo.

DECISÃO PARCIAL

Após o voto da Relatora negando provimento, pediu vista o primeiro Vogal. O segundo Vogal aguarda.

VOTOS DE VISTA

O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Presidente e Vogal

O juiz, em antecipação de tutela, fixou alimentos de três salários mínimos em favor do segundo autor até que ele complete vinte e um anos de idade porque sua mãe, a primeira autora, engravidou quando usava anticoncepcional fabricado pela agravante sem a substância ativa.

Cumpre registrar, de início, que se trata de antecipação da tutela, providência de cognição sumária. O art. 273, caput, do CPC exige, como requisito da antecipação da tutela, a existência de prova inequívoca, suficiente para convencimento da verossimilhança da alegação, além do fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação.

É o exame da matéria fática que leva o julgador, de plano, a concluir quanto à veracidade do alegado pelo autor.

E, na espécie, ao menos no momento, ou seja, em sede de cognição sumária, não há provas inequívocas que convençam das alegações dos autores.

Afirma-se, em suma, que a primeira autora engravidou do segundo autor quando fazia uso do contraceptivo Ciclo 21, medicamento que apresentou carência da substância contraceptiva.

Em casos que tais, indispensável a prova da prescrição médica do remédio e que este, de fato, era carente da substância ativa contraceptiva.

Nesse sentido, precedentes desta Corte:

"DIREITO CIVIL - REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - LABORATÓRIO QUÍMICO-FARMACÊUTICO - GRAVIDEZ INDESEJADA - MEDICAMENTO ANTICONCEPCIONAL INERTE - NÃO COMPROVAÇÃO DO USO REGULAR DO MESMO - IMPROVIMENTO.

1. Em ação de reparação por danos morais e materiais ajuizada contra fabricante de medicamento anticoncepcional, decorrente de gravidez indesejada, motivada pelo uso de medicamento supostamente inerte, desprovido das propriedades terapêuticas anunciadas, há que se comprovar o uso regular, com a prescrição médica devida para o período em que ocorreu o fato gerador da obrigação que se reputa indenizável.

2. Ausente essa prova, torna-se inócuo perquirir-se acerca da eficácia do medicamento, visto que, eficaz ou não, não se sabe ao certo se a autora fez o uso correto do mesmo.

3. Não comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o fato, não se configura a responsabilidade civil passível de indenização.

4. Recurso conhecido e desprovido, à unanimidade." (19980910051322APC, Relator ADELITH DE CARVALHO LOPES, 2a Turma Cível, julgado em 04/04/2002, DJ 09/10/2002 p. 46).

"AÇÃO DE REPARAÇÃO - DANOS MORAIS - DANOS MATERIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - LABORATÓRIO FARMACÊUTICO - GRAVIDEZ INDESEJADA - USO DE MEDICAMENTO INERTE - SENTENÇA - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE - APELAÇÃO - NÃO COMPROVADO O USO REGULAR DO CONTRACEPTIVO - IMPROVIMENTO - UNÂNIME. Em Ação de Reparação por Danos Morais e Materiais ajuizada contra fabricante de medicamento anticoncepcional, decorrente de gravidez indesejada, motivada pelo uso de medicamento inerte, desprovido das propriedades terapêuticas anunciadas, há que se comprovar o uso regular, com a prescrição médica devida para o período em que ocorreu o fato gerador da obrigação que se reputa indenizável. Não comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o fato, não se configura a responsabilidade civil específica." (19980910038988APC, Relator LÉCIO RESENDE, 3a Turma Cível, julgado em 20/08/2001, DJ 10/10/2001 p. 55).

Os depoimentos da autora foram contraditórios quanto ao uso do medicamento - ora afirmava que era receitado por médica, ora por enfermeira. Confundiu-se, ela, também, quanto aos locais onde adquiria o remédio.

No tocante à eficácia do medicamento, o il. Procurador de Justiça, Dr. José Firmo Reis Soub, realizou pesquisa sobre as substâncias que compõem o medicamento, e chegou à seguinte conclusão:

"No presente caso, o parecer técnico, além de conter aparente erro grosseiro, o que gera considerável dúvida sobre a manifestação exarada pela perita oficial, não é conclusivo sobre o debate da questão. Nessa hipótese, prudente seria a nomeação de um segundo perito para confrontar e elucidar as dúvidas que surgiram no primeiro parecer, como deseja a recorrente" (f. 1269).

Não há, pois, provas inequívocas suficientes a demonstrar que a primeira autora estava usando o anticoncepcional Ciclo 21 quando engravidou e nem que esse não continha a substância contraceptiva.

Além do mais, os alimentos são irrepetíveis. O juiz deve agir com prudência na sua fixação, máxime em sede de antecipação de tutela, vez que ainda não exaurida a instrução probatória, sobretudo porque recomendável seja realizada outra perícia e examinadas, com mais cautela, as provas dos autos antes de serem fixados alimentos em favor dos autores.

Dou provimento e reformo a decisão agravada.

O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA - Vogal

Senhor Presidente, ouvi, com a devida atenção, o voto que V. Exa. acaba de proferir.

Na sessão anterior, a eminente Relatora houve por bem negar provimento ao recurso interposto pelo laboratório demandado, enquanto V. Exa. dá provimento ao recurso.

Peço respeitosa vênia à eminente Relatora para acompanhar o voto de V. Exa. No juízo de cognição não exauriente, parece-me um pouco açodada a antecipação dos efeitos da tutela buscada, uma vez que, no estado em que o processo se encontra, há dúvida até se a autora realmente utilizou - se é que houve prescrição médica -, o anticoncepcional.

Por outro lado, nada se acertou ainda sobre a eficácia desse produto farmacêutico. Assim sendo, melhor poderá dizer o direito o juízo da causa, após a exaustão dos elementos probatórios colocados à disposição das partes.

Nesse diapasão, peço vênia à eminente Relatora para acompanhar o douto voto de V. Exa. dando provimento ao recurso, a fim de, reformando a respeitável decisão impugnada, indeferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

DECISÃO

Conhecido. Provido, por maioria. Redigirá o acórdão o primeiro Vogal.

DJ-e: 28/10/2009




JURID - Ação de indenização. Uso de anticoncepcional. Gravidez. [04/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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