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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

JURID - Ação de indenização por danos morais, materiais e lucros. [25/11/09] - Jurisprudência


Ação de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes. Sementes de melão.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2005.033281-6, de São Miguel do Oeste

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. SEMENTES DE MELÃO. MÁ FORMAÇÃO DOS FRUTOS. RELAÇÃO DE CONSUMO PAUTADA NA VULNERABILIDADE DO AGRICULTOR. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO (CDC, ART. 12). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FALTA DE CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA FABRICANTE. DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"Mas além dos consumidores stricto sensu, conhece o CDC os consumidores-equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço" (Cláudia Lima Marques).

O fornecedor de sementes defeituosas responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor, nos termos do artigo 12 do Código Consumerista. Para esquivar-se do dever de indenizar, cabe-lhe demonstrar sua falta de responsabilidade pela colocação do produto defeituoso no mercado ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (CDC, artigo 12, § 3º).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.033281-6, da comarca de São Miguel do Oeste (1ª Vara Cível), em que é apelante Isla S/A Importadora de Sementes para Lavoura e apelado Nelson Foss da Silva:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Isla S/A Importadora de Sementes para Lavoura apelou da sentença do juiz de direito da 1ª Vara Cível da comarca de São Miguel do Oeste que, em ação de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes, movida contra a empresa por Nelson Foss da Silva, julgou os pedidos parcialmente procedentes, condenando-a ao pagamento de R$ 4.860,00, a título de danos materiais e lucros cessantes, mais custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% da condenação.

A apelante sustentou a impossibilidade de inversão do ônus da prova, diante da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Alegou que o comprovante de fl. 48 não prova a aquisição das sementes, por não ser nota fiscal de venda.

Ressaltou faltar prova de que as sementes foram produzidas por ela, ante a falta das embalagens referentes ao lote n. 12.233.

Disse que, do lote produzido (9,2 kg), apenas as sementes vendidas ao autor apresentaram defeito, não tendo o apelado demonstrado a ocorrência de outras reclamações. Assim, em face da falta de prova dos danos materiais e dos lucros cessantes, requereu a reforma da sentença por falta de provas. Sucessivamente, requereu a redução dos valores fixados.

Houve contrarrazões, requerendo a manutenção da sentença.

VOTO

É apelo de Isla S/A Importadora de Sementes para Lavoura de sentença do juiz de direito da 1ª Vara Cível da comarca de São Miguel do Oeste que, em ação de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes, movida contra a empresa por Nelson Foss da Silva, julgou os pedidos parcialmente procedentes.

Primeiramente, analisa-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Apesar de a empresa ré sustentar a descaracterização da relação de consumo quanto ao negócio realizado entre as partes litigantes, penso estar plenamente configurada tal situação. Embora o apelado pretendesse revender, em escala comercial, o produto decorrente da safra, inevitável o reconhecimento da desigualdade entre as partes, sendo perfeitamente reconhecível a hioossuficiência da parte autora. De outro lado, há que se ter em conta que o apelado não é grande produtor rural, mas simples agricultor trabalhando em regime de economia familiar, assentando que foi em pequena propriedade pela Reforma Agrária, tendo sido auxiliado por técnico do Incra (fl. 50).

A apelante é empresa de grande porte do ramo de sementes, sediada em Porto Alegre e com representantes em todo o País, conforme descrição retirada de seu site na internet:

A ISLA chegou ao novo século como uma das maiores empresas da América Latina na área de produção e comercialização de sementes de hortaliças, flores, temperos e ervas medicinais. Com mais de 22 mil clientes, atende todas as regiões e estados do Brasil.

No caso, embora o apelado não seja produtor rural enquadrado como destinatário final do produto, nos termos do artigo 2º do CDC, sua vulnerabilidade econômica, técnica e fática em face da apelante autoriza, excepcionalmente, a aplicação da legislação consumerista, pois a finalidade desta legislação é tutelar o direito daqueles que estejam em posição vulnerável, ou seja, proteger o mais fraco nas relações mercadológicas, nos termos do artigo 4º, I, do CDC.

Colhe-se da jurisprudência desta Corte:

Sendo reconhecido o pequeno agricultor como hipossuficiente na relação negocial, a interpretação do contrato deve se dar de maneira mais favorável, de modo a estabelecer a igualdade substancial real ao caso, o que implica dizer, no aspecto prático, tratar desigualmente os desiguais na mesma proporção de suas desigualdades (Ap. Cív. n. 2004.031428-6, de Sombrio, rel. Des. Fernando Carioni, j. 9-6-2005).

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques leciona:

Em resumo e concluindo, concordamos com a interpretação finalista das normas do CDC. A regra do art. 2º deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e conforme a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo art. 4º do CDC. Só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC. Mas além dos consumidores stricto sensu, conhece o CDC os consumidores-equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 279).

Por último, é mister lembrar lição contida no Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto:

O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I). Só que, entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo. Em resumo: são os consumidores hipossuficientes. Protege-se, com este dispositivo, através de tratamento mais rígido que o padrão, o consentimento pleno e adequado do consumidor hipossuficiente.

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores.

A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitem da hipossuficiência do consumidor caracteriza a abusividade da prática (GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 325).

Destarte, ao contrário do que afirma a apelante, está configurada a relação de consumo, sobretudo pela hipossuficiência do apelado diante da empresa fornecedora de sementes, sendo, portanto, perfeitamente aplicáveis os dispositivos contidos na Lei n. 8.078/90.

Na hipótese, constata-se que a empresa fornecedora, ora apelante, entregou 400 gramas de sementes do lote n. 12.233 à pessoa jurídica Walker e Cia Ltda. (fl. 149). De outra parte, o documento acostado à fl. 48 confirma a venda do produto ao apelado.

Nota-se que a referência indicada na nota fiscal juntada pelo autor (fl. 48), é a mesma da listagem trazida pela própria apelante à fl. 149 (ref. n. 181). Ademais, a autenticidade desses documentos vem corroborada pelos demais indícios e todos levam à conclusão de que o autor, efetivamente, comprou, em agosto de 2000, as sementes fabricadas pela empresa Isla. Ademais, não há dúvidas de que o autor adquiriu as sementes do lote n. 12.233 e realizou projeto para produção de melão em escala comercial, comprando os insumos necessários para seu regular desenvolvimento. Ocorre que, apesar da normalidade das chuvas e da colheita do melões, os frutos apresentaram rachaduras e coloração anormal.

Ivo Jacob Walker esclareceu:

Que o autor fez um projeto para produção de melão em escala comercial, adquirindo, da empresa do depoente, sementes e materiais para irrigação; na época da colheita foi constatada alteração fisiológica em alguns frutos; que os frutos apresentaram rachaduras e coloração anormal; que não sabe qual a porcentagem dos frutos colhidos que apresentaram tal alteração; como o depoente era envolvido no negócio, solicitou à ré através de um fax um visita na propriedade para constatação do problema; a ré não compareceu, apenas remetendo a missiva de fls. 58-59; que não acompanhou o processo de produção, sendo que o autor estava sendo assistido pelo Incra; que as sementes vendidas foram do tipo melão gaúcho; que recebeu as sementes vendidas em embalagem de latão, padrão, lacradas e com selo de identificação; que vendeu ao autor uma lata de 50g e uma lata de 100g; na época não tinha outra quantidade da semente específica em estoque; que não comercializa sementes a granel (fls. 282-283).

O laudo técnico de vistoria de fls. 50-51, embora produzido unilateralmente - seu subscritor foi ouvido em audiência, respeitado o contraditório -, constatou rachaduras nos frutos e perda total da lavoura.

O técnico em agropecuária Dário André Mascarelo informou:

Que acompanhou o plantio dos melões desde setembro de 2000 até a colheita; acompanhou a fase inicial do plantio das sementes, sendo que foi usado o produto da marca Isla, qualidade melão gaúcho; a partir do fruto formado, cerca de 55 a 60 dias após a semeadura, os frutos começaram a apresentar cores anormais e com o amadurecimento passaram a rachar; também apresentaram gosto diferente, típico do melão Neve desta região; que a colheita estimada era cerca de 3000 a 3500 melões, sendo que quase a totalidade apresentou problemas; que não sabia de reclamações anteriores com a marca Isla; que o clima foi normal naquele ano e o autor tinha irrigação para o caso de ocorrer falta de chuva; que a colheita foi feita no tempo correto, 60 a 70 dias; que Nelson não conseguiu vender o produto que colheu; que caso seja ultrapassado o prazo da colheita o melão apodrece, passa a ter coloração branca, mas não racha; que realizou o laudo de fls. 50-51; que o plantio, produção e colheita respeitaram as instruções feitas no catálogo da ré (fl. 285).

Assim, não há falar em falha do apelado durante o processo de produção dos frutos, já que a técnica empregada e os fatores climáticos eram adequados ao desenvolvimento das sementes. Destarte, a não obtenção da safra esperada resulta de alguma falha na formulação, manipulação, ou acondicionamento das sementes pela apelante, condutas tipificadas no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, o fato de não ter havido problema de produtividade ou qualidade no produto obtido a partir das sementes produzidas pela ré - salientado pela testemunha Cristian Canez Arnoldt (fl. 304) -, ou a circunstância de não ter o apelado apresentado outros produtores com problema idêntico ao seu, não são causas suficientes para excluir a responsabilidade da empresa pelos danos ocasionados.

Nesse sentido é o entendimento desta Corte:

É cediço que na relação de consumo os fabricantes e fornecedores de produto respondem objetivamente pelos eventuais defeitos neles apresentados e, consequentemente, pelos danos causados aos consumidores. Para se esquivarem de tal obrigação incumbe-lhes provar a ausência de defeito no produto ou que o dano tenha se originado do mau uso do objeto pelo consumidor (art. 12, § 3º, do CDC). Logo, à mingua de provas nesse sentido, a obrigação de indenizar o consumidor pelos prejuízos sofridos é medida que se impõe (Ap. Cív. n. 2007.052185-9, da Capital, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 12-2-2008).

Em regra, incumbe ao consumidor o ônus da prova no tocante ao dano e ao nexo de causalidade entre este e o defeito do produto, ressalvada a hipótese de inversão deste ônus, quando comprovada a verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência.

Não logrando a empresa ré, desincumbir-se do ônus que lhe competia - comprovar que as sementes fornecidas ao autor não estavam contaminadas pelo agente causador da "antracnose-foliar" - imperioso é o reconhecimento da procedência do pedido inicial RECURSO PROVIDO (Ap. Cív. n. 1997.002897-0, de Ituporanga, rel. Des. Silveira Lenzi, j. 5-09-2000).

Portanto, não se desincumbindo a ré de provar que o defeito nas sementes inexistiu, evidente o dever de indenizar pelos danos materiais e lucros cessantes havidos.

Com relação ao valor dos danos materiais, o total do custo da implantação da cultura atingiu a soma de R$ 1.060,00 (laudo técnico de fls. 50-51).

Quanto aos lucros cessantes, a previsão de colheita era de aproximadamente três mil frutas aptas à comercialização, caracterizando o montante de R$ 3.800,00 (fls. 50-51), não se especificando se este seria o lucro líquido ou bruto. Destarte, acertada a sentença fixando a indenização em R$ 4.860,00, porquanto mais benéfica para o agricultor.

Ante o exposto, conheço do recurso de apelação de Isla S/A e nego-lhe provimento.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do recurso e negaram-lhe provimento.

O julgamento foi realizado no dia 27 de agosto de 2009 e dele participaram, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 18 de setembro de 2009.

Luiz Carlos Freyesleben
Relator

Publicado em 27/10/09




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