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terça-feira, 20 de outubro de 2009

JURID - Responsabilidade objetiva. Culto religioso. Dano moral. [20/10/09] - Jurisprudência


Apelação. Ação de indenização por danos materiais e morais. Responsabilidade objetiva. Culto religioso. Dano moral.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0480.05.076399-8/001(1)

Relator: TIBÚRCIO MARQUES

Relator do Acórdão: TIBÚRCIO MARQUES

Data do Julgamento: 24/09/2009

Data da Publicação: 14/10/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CULTO RELIGIOSO - DANO MORAL - INTEGRIDADE PSICOFÍSICA - QUANTIFICAÇÃO - DUPLA FINALIDADE. A responsabilidade da entidade religiosa apelante é objetiva, nos termos do art. 927, parágrafo único, in fine, do Código Civil. A todos é garantida a liberdade de fé e crença. O risco da atividade (art. 927, parágrafo único, in fine, do Código Civil) refere-se ao perigo de o participante do culto atingir terceiros por atos inconscientes decorrentes da fé. As manifestações dos fiéis são legítimas e merecedores de proteção legal. Todavia, mostra-se prudente evitar a provocação de prejuízos à terceiros que também tem o mesmo direito de exteriorizar sua fé nas instalações da apelante, desde que mantida a integridade psicofísica. O dano moral constitui a lesão à integridade psicofísica da vítima. A integridade psicofísica, por sua vez, é o direito a não sofrer violações em seu corpo ou em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada. Em razão da quebra de um braço nas instalações da apelante, a recorrida teve lesões corporais, aspecto integrante da integridade psicofísica e caracterizador do dano moral. Violada a integridade psicofísica (lesão ao corpo ou à personalidade) resta configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento. Estes sentimentos, que nada mais são do que possível consequência do dano moral, passam a ser analisados unicamente no instante da quantificação do valor indenizatório. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta lesiva.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0480.05.076399-8/001 - COMARCA DE PATOS DE MINAS - APELANTE(S): IGREJA UNIVERSAL REINO DEUS - APELADO(A)(S): MARIA CANDIDA MIDES - RELATOR: EXMO. SR. DES. TIBÚRCIO MARQUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 24 de setembro de 2009.

DES. TIBÚRCIO MARQUES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. TIBÚRCIO MARQUES:

VOTO

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação de indenização, movida por Maria Cândida Mides em face de Igreja Universal do Reino de Deus, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para condenar a ré a ressarcir a autora os prejuízos materiais (tratamento de saúde), bem como a pagar a quantia de R$ 8.000,00 a título de dano moral.

Na sentença (f. 108-113), o juiz de primeiro grau entendeu que o evento danoso ocorreu devido à conduta negligente da ré que não tomou os cuidados mínimos necessários para garantia da segurança dos presentes em seu culto religioso.

Inconformada, a ré interpôs apelação (f. 116-132) alegando que não restaram demonstrados os requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil.

Afirma ainda que não deu causa a queda da autora, sendo que esta caiu por fato imprevisível provocado por terceiro. Sustenta também a ausência de danos material e moral.

Ao final, pleiteia o provimento do recurso, para que os pedidos da inicial sejam julgados improcedentes.

Nas contrarrazões (f. 138-143), a autora postula a manutenção da sentença.

VOTO DO RELATOR

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais.

Conforme relato da inicial, no dia 30.09.2005, a autora/apelada participava de culto religioso nas dependências da ré/apelante quando foi "atropelada" por uma das pessoas que ali se encontrava e que, segundo pastores, estava possuída por uma entidade. Com o choque, a autora foi jogada ao solo, fraturando um dos braços.

O Código Civil, em várias hipóteses, admite a responsabilidade objetiva.

Com efeito, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem, a responsabilidade do agente será objetiva (art. 927, parágrafo único, in fine, do CC).

A aplicabilidade desta hipótese depende da exata compreensão do que seria risco normal de uma atividade.

A primeira ilação decorre da necessidade de que o risco advenha normalmente da atividade desenvolvida. Não pode ser eventual ou episódico, mas sim natural. A atividade exercida pelo causador do dano deve normalmente gerar risco para as pessoas que se utilizam do serviço ou produto.

Segundo Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

"O risco de que trata o parágrafo em questão não se confunde com defeito, mesmo de segurança, pois, nesse caso, há uma periculosidade anormal do produto ou serviço. (...)

Exige-se, enfim, não um perigo anormal, e nem propriamente um perigo posto intrínseco, mas antes, um risco especial naturalmente induzido pela atividade e identificado de acordo com dados estatísticos existentes sobre resultados danosos que lhe sejam resultantes, ou seja, conforme a verificação da regularidade estatística com que o evento lesivo aparece como decorrência da atividade exercida." (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 2ª Edição. Manole, p. 859).

Assim, se a natureza da atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar risco para terceiros, a responsabilidade será objetiva.

Vale observar que se mostra prescindível pesquisar a finalidade econômica da atividade. Pela teoria do risco criado, adotada por Carlos Roberto Gonçalves e Nelson Rosenvald, a atividade pode ou não ser lucrativa. O relevante, para esta tese, é o exame da criação de algum perigo por meio de determinada conduta.

No caso sob julgamento, a apelante - Igreja Universal do Reino de Deus - presta serviços religiosos à comunidade local, realizando sessões nas quais os fiéis exteriorizam a fé por meio de gestos e demais atos que necessitam de maior área de circulação.

Tal fato mostra-se incontroverso nos autos, haja vista que ambas as partes reconhecem a ocorrência dessas manifestações religiosas.

Neste sentido, a testemunha de f. 90 afirma que:

"frequenta a Igreja a cinco anos e pode informar que é comum participação de pessoas endomoniadas nas orações e que essas pessoas quando estão possuídas são auxiliadas pelos obreiros - pessoas que auxiliam o pastor na reunião - para que não machuquem a elas próprias e nem às outras pessoas".

Diante disso, conclui-se que a atividade religiosa desenvolvida pela apelante normalmente gera riscos para os demais participantes, porquanto logo após as orações, alguns fiéis promovem atos desgovernados e inconscientes, atingindo outros frequentadores, como ocorreu no caso dos autos.

O risco mostra-se tão comum que a apelante possui pessoas, denominadas de obreiros, que são responsáveis para evitar os danos decorrentes da exteriorização fervorosa da fé.

O perigo, repita-se, está no choque entre fiéis participantes das sessões religiosas, sendo que tal risco ocorre normalmente nos cultos realizados pela apelante.

Assim, caracterizado o risco natural dos serviços religiosos prestados pela apelante, o dever de indenizar os eventuais danos causados será objetivo.

Não é demais ressaltar que é garantido a todos a liberdade de fé e crença. O risco da atividade refere-se ao perigo de o participante do culto atingir terceiros por atos inconscientes decorrentes da fé. As manifestações dos fiéis são legítimas e merecedores de proteção legal. Todavia, mostra-se prudente evitar a provocação de prejuízos à terceiros que também tem o mesmo direito de exteriorizar sua fé nas instalações da apelante.

A apelante possui o dever de proteger todos os fiéis que ali desejam manifestar a sua crença, bem como evitar que uma pessoa, por ato inconsciente de fé, atinja outra.

A responsabilidade objetiva requer a comprovação da conduta, dano e nexo causal.

A conduta resta incontroversa nos autos, uma vez que ambos os litigantes afirmam que houve a queda da apelada nas dependências da apelante em razão de um participante que exaltava sua fé.

A testemunha Aline de Sousa Marins presenciou os fatos e relatou o seguinte:

"Que no dia dos fatos estava presente na Igreja, quando o pastor iniciou a reunião e convidou as pessoas presentes para se postarem por sobre o sal espalhado em um corredor em frente ao altar. Quando o autor se dirigia ao local indicado uma pessoa endemoniada fez gestos bruscos com os braços esbarrou na autora que desequilibrou-se e foi ao chão, tendo sido socorrida no momento pelos presentes".

Os danos materiais decorrem dos gastos necessários à recuperação da saúde e estão representados pelos documentos de f. 22, 24/26 e 29/31.

Está evidenciado o nexo causal entre a quebra do braço e as despesas referenciadas, razão pela qual devem ser reparados pela apelante.

Relativamente ao dano moral, ele constitui a lesão à integridade psicofísica da vítima. A integridade psicofísica, por sua vez, é o direito a não sofrer violações em seu corpo ou em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada, liberdade.

Muito se diz que o dano moral é a dor e o sofrimento. Todavia, tais sentimentos não podem ser entendimentos como lesão, mas sim repercussão, consequência a uma violação à personalidade ou a lesão corporal. Com efeito, a violação à honra da pessoa, como, por exemplo, a anotação indevida do nome de alguém no cadastro restritivo ao crédito, pode ou não gerar dor e sofrimento. Tais sentimentos são irrelevantes a configuração do dano moral que ocorre com a simples infração à integridade psicofísica.

Destarte, violada a integridade psicofísica (lesão ao corpo ou à personalidade) resta configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento. Estes sentimentos, que nada mais são do que possível consequência do dano moral, passam a ser analisados unicamente no instante da quantificação do valor indenizatório.

No caso sob julgamento, em razão da queda ocorrida nas dependências da apelante, a recorrida sofreu lesões corporais, consistente na quebra de um braço.

Diante da referida lesão, fácil concluir que a apelada sofreu dano moral, uma vez que o acidente violou sua integridade psicofísica, mais especificamente, causou lesão corporal.

Relativamente à mensuração dos danos morais, deve-se ressaltar que a reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. O exame da extensão do dano leva em conta o bem jurídico lesado, como por exemplo, a honra, a intimidade, lesão corporal, etc. Já as condições pessoais da vítima é o critério que pesquisa a situação do ofendido antes e depois da lesão.

A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, motivo pelo qual visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. Nesse ponto, observa-se a condição econômica do ofensor e o grau de culpa do agente.

No caso dos autos, verifica-se que, sob o ângulo compensatório o valor fixado pelo juiz a quo, R$ 8.000,00 (oito mil reais), mostra-se adequado, uma vez que o bem jurídico lesado - corpo - foi atingido de forma média e também que a ofendida contava com 76 anos à época dos fatos.

No tocante à função punitiva da reparação moral, percebe-se que a referida importância também se revela correta, visto que se mostra imprescindível exigir que a apelante tenha um preparo maior a fim de impedir que a exteriorização da fé de uma pessoa afete outra.

Destarte, tendo em vista o duplo objetivo da reparação moral, deve ser mantida a importância fixada na sentença - R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Custas recursais pela apelante.

O SR. DES. TIAGO PINTO:

VOTO

O que se dessume dos autos é que a autora/apelada sofreu uma queda, a que originou sua fratura no braço, quando estava presente em um culto realizado na igreja/apelante. A autora não era uma simples ouvinte no local, mas estava recebendo um atendimento espiritual sendo assistida por "obreiros" da igreja. Diante disso, ressalvado o cunho religioso da atividade, sobressaindo dela, ou melhor, dos atos realizados, a possibilidade de risco à integridade física, seria de se esperar razoavelmente que houvesse segurança material. É de se esperar, minimante, que haja segurança nas realizações dos cultos para que os membros da igreja possam participar dos atendimentos espirituais sem maiores intercorrências.

É de se relevar também que as consequências do evento danoso não se resumiram somente à esfera material, estendendo-se pela sua gravidade a higidez mental e física da autora, senhora idosa com poucas expectativas e restrições quanto à execução de atividades laboriosas, as quais ficaram prejudicadas. A propósito o testemunho de Helena Maria Borges Silva (fl. 89), quando disse que:

"depois do acidente esteve na casa da autora visitando-a e constatou que ela tem dificuldade para se locomover em atividades domésticas. Nas poucas visitas que fez a autora ela reclamou que estava sentido muitas dores; que a autora se apresentava depressiva e chorosa. A autora comentou com a depoente que ficava constrangida para sair a rua e se lamentou por não poder mais trabalhar".

Com essas considerações, acompanho o voto do eminente Relator para NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

O SR. DES. ANTÔNIO BISPO:

VOTO

De acordo com o eminente Relator.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.




JURID - Responsabilidade objetiva. Culto religioso. Dano moral. [20/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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