Anúncios


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

JURID - Princípio da ampla devolutividade da matéria. Configuração. [23/10/09] - Jurisprudência


Princípio da ampla devolutividade da matéria. Violação de lei. Artigo 515 do CPC. Configuração.
Conheça a Revista Forense Digital


Tribunal Superior do Trabalho - TST.

PROCESSO Nº TST-ROAR-12814/2006-000-02-00.0

A C Ó R D Ã O

(Ac. SDI-2)

GMJSF/KNOC/sm

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA.

PRINCÍPIO DA AMPLA DEVOLUTIVIDADE DA MATÉRIA. VIOLAÇÃO DE LEI. ARTIGO 515 DO CPC. CONFIGURAÇÃO. In casu, o acórdão rescindendo enfrentou a questão relacionada às horas extras condenando a Empresa-reclamada em 64 horas por semana durante todo o período laborado sem que nas razões do Recurso Ordinário na Reclamação Trabalhista o então Reclamante tenha formulado pedido nesse sentido. Tratando-se de vício nascido no próprio acórdão rescindendo, entende-se que o caso comporta o pedido de corte rescisório com fundamento em violação de lei. Recurso Ordinário parcialmente provido para julgar procedente o pedido de corte rescisório.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em Ação Rescisória n° TST-ROAR-12814/2006-000-02-00.0, em que é Recorrente TRANSPORTADORA TRANS-SHIBATA LTDA. e Recorrido ANTÔNIO CARLOS BAUN.

Trata-se de Ação Rescisória proposta por TRANSPORTADORA TRANS-SHIBATA LTDA., com fulcro no art. 485, III, V e IX, do CPC, visando a obter a desconstituição do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que, nos autos da Reclamação Trabalhista 731/2002 originária da Vara do Trabalho de Poá - SP, deu provimento parcial ao Recurso Ordinário do Reclamante para "condenar a Reclamada no pagamento de 64 horas extras por semana, durante todo o período laborado, com os adicionais estabelecidos nas normas coletivas anexadas aos autos e, na omissão o de 50% previsto constitucionalmente, e reflexos em descansos semanais remunerados, férias acrescidas do terço constitucional, gratificações natalinas, FGTS com multa de 40% e demais verbas rescisórias discriminada no termo de fls. 13, com juros de mora na forma da lei e correção monetária apurada pelo índice do mês subseqüente ao da prestação de serviços, restando autorizados os descontos previdenciários e fiscais do crédito apurado" (fl. 121).

Sob alegação de violação de lei (art. 74, § 2º, da CLT), sustentou a Autora que, tratando-se de Empresa especializada em transporte de cargas aplica-se no caso concreto a regra prevista no art. 62, I, da CLT, não se havendo falar de direito às horas extras.

Também entendeu vulnerado o art. 515 do CPC, na medida em que o julgador originário, após rejeitar a preliminar de nulidade por cerceamento do direito de defesa, prosseguiu na análise do mérito deferindo 64 (sessenta e quatro) horas extras por semana durante todo o período laborado, sem observar que nas razões do Recurso Ordinário o então Reclamante, ora Réu-recorrido, havia se limitado a requerer a reabertura da instrução processual.

Com relação à existência de dolo processual, a Empresa alegou que a narrativa exposta nas razões do Recurso Ordinário pelo Reclamante, de forma ardil, sem observar o dever de lealdade e boa-fé, foi decisiva na convicção do julgador para reconhecer o direito às horas extras, quando afirmou que os controles de horários juntados aos autos pela Reclamada demonstravam o trabalho extraordinário conforme levantamento especificado de forma aritmética em réplica.

Quanto ao erro de fato, sustentou a Empresa a possibilidade de corte rescisório pela admissão de um fato inexistente no que diz respeito à ausência de depoimento pessoal do representante legal da Empresa, e que a não juntada de cartões de ponto se deu pelo fato de se tratar de trabalhador com jornada externa.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgou improcedente o pedido, nos termos do acórdão de fls. 332/337.

Os Embargos de Declaração opostos pela Autora (fls. 338/340) foram acolhidos para prestar esclarecimentos, sem efeito modificativo, mediante o acórdão de fls. 343/345.

Inconformada, a Empresa apresentou Recurso Ordinário pelas razões de fls. 347/362, insistindo na procedência do pedido pela existência de dolo, violação de dispositivo de lei e erro de fato.

Admitido o Apelo (despacho de fl. 364), foram oferecidas contrarrazões às fls. 366/369.

Na "Promoção" de fl. 373, o Ministério Público do Trabalho alegou não haver interesse público a ser tutelado.

É o relatório.

V O T O

1 - CONHECIMENTO

Presentes os requisitos legais, conheço do Recurso Ordinário.

2 - MÉRITO

Cumpre esclarecer que a análise das causas de pedir segue a ordem apresentada tanto na inicial como no Recurso Ordinário e estão sendo examinadas uma a uma para que se não alegue eventualmente omissão na entrega da prestação jurisdicional.

2.1 - HORAS EXTRAS. DOLO. ART. 485, III, DO CPC

Nas razões do Recurso Ordinário, inicialmente a Autora insistiu na procedência do pedido de corte rescisório alegando dolo processual pelo fato de que o Recorrido faltou com o dever de lealdade processual, ao arguir, em réplica, que os controles de horários juntados aos autos demonstravam grande número de horas extraordinárias.

Sem razão.

O dolo processual suscetível de fundamentar a ação rescisória é aquele que impeça ou embarace a atuação processual ou que influencie na decisão rescindenda, implicando prejuízo para a parte.

In casu, o deferimento do pedido de horas extras não está amparado exclusivamente na alegação apresentada em réplica pelo Reclamante, e não é possível extrair da decisão rescindenda que o Reclamante tenha atuado de forma ardilosa a ponto de incutir no julgador a idéia equivocada quanto à condenação no pagamento de 64 (sessenta e quatro) horas extras por semana, durante todo o período laborado.

A conclusão de que o Reclamante estava sujeito ao controle de horário, foi feita com base nos documentos juntados aos autos, inclusive, pela defesa, o que gerou a condenação no pagamento de horas extras a partir da jornada indicada na inicial, haja vista a sonegação dos documentos pela Reclamada do controle de jornada de todo o período laborado, conforme se observa da leitura da decisão rescindenda, às fls. 112/115:

"(...)

Restou provado pelos documentos juntados nos autos e pelo teor da contestação que o Recorrente estava sujeito a controle de horário, que se fazia pelos controles de recepção das mercadorias entregues (documentos 50 e seguinte) e pela utilização de equipamentos portáteis de comunicação para contatar o Reclamante a qualquer momento (defesa, fls. 63 e 64).

Com isso desaba, qual castelo de areia, a versão da Recorrida de que, por exercer funções externa, não cumpria o Recorrente jornada alegada.

Outrossim, comprovada o efetivo controle da jornada praticada pelo Empregado, estava a Reclamada obrigada a apresentar nos autos os documentos referentes a todo o período laborado, por força do artigo 74, § 2º, da CLT, e, no entanto, embora a duração do contrato tenha sido no período de 03/02/97 a 24/04/02 (fls. 60), a Empresa trouxe para os autos os controles de apenas um ano de prestação de serviços (fls. 61), sujeitando-se às consequências de seu ato.

(...)

Daí a minha convicção de que, quando obrigado a manter documentos probatórios da jornada cumprida, o empregador que deixa de juntá-los faz com que se estabeleça a convergência sobre os fatos alegados pelo trabalhador.

(...)

Assim o efeito da sonegação dos documentos é o de admissibilidade da versão da parte contrária.

Não bastasse, em manifestação à defesa e documentos, o Reclamante apontou de forma aritmética e a título de exemplo, com esteio nos documentos dos autos, que de fato desenvolvia trabalho extraordinário, como se depreende de fls. 86/87.

Note-se que as normas coletivas não impedem o direito às horas extras sendo que a cláusula 57ª, por exemplo (documento 47) aplica-se apenas às hipóteses em que o trabalho desenvolvido seja incompatível com o controle de ponto. E nem poderia ser de forma diversa, porquanto como descabido, é inadmissível a restrição de direitos previstos em lei.

(...)

Por conseqüência, é de ser acolhida a duração do trabalho apontada na inicial, suplementar de modo habitual que, por ser variável, resta fixada em 64 horas extras por semana, durante todo o período laborado (fls. 05)."

Frise-se que a alusão à manifestação apresentada pelo Reclamante contra a defesa foi inserida no acórdão rescindendo ad argumentandum, valendo observar que o julgador ressaltou que os dados ali inseridos estavam de acordo com os documentos dos autos, razão pela qual aparentemente não se vislumbra a má-fé ou deslealdade do Reclamante, dificultando a atuação da Empresa e influenciando o juízo decisório do magistrado, de sorte que o pronunciamento judicial teria sido diverso, caso ausente o referido vício.

Não sendo o caso de dolo processual, nego provimento, no particular.

2.2 - PRINCÍPIO DA AMPLA DEVOLUTIVIDADE. VIOLAÇÃO DE LEI. ART. 485, V, DO CPC

A Recorrente insistiu na alegação de ofensa ao art. 515 do CPC, argumentando que o julgador originário prosseguiu na análise do mérito deferindo 64 (sessenta e quatro) horas extras por semana, durante todo o período laborado, sem observar que nas razões do Recurso Ordinário o então Reclamante, ora Réu-recorrido, havia se limitado a requerer a decretação de nulidade dos atos processuais desde a audiência inaugural com a reabertura da instrução processual.

Com razão.

De fato, contra a sentença que julgou totalmente improcedente o pedido de horas extras, o empregado interpôs Recurso Ordinário requerendo a decretação de nulidade dos atos processuais praticados desde a audiência inaugural, ante o cerceamento do direito de defesa. Disse naquela oportunidade que somente poderia comprovar o início e término da jornada variável, por testemunhas, o que lhe foi impedido mediante o encerramento da instrução processual sem ao menos ter vistas da contestação.

Apenas no que diz respeito ao pedido de indenização por danos morais foi que o então Reclamante, ora Réu-recorrido, requereu a procedência da demanda. Quanto ao pedido de horas extras, verifica-se que não houve mesmo pedido de análise do mérito da causa. No ponto vale conferir os seguintes trechos do Recurso Ordinário interposto na Reclamação Trabalhista, às fls. 94/98:

"(...)

É certo que não há como indicar o exato início e término da jornada haja vista que a mesma, repita-se, era variável. Tal fato haveria que ser comprovado por testemunhas, entretanto, o Juízo 'a quo' encerrou a instrução, sem sequer dar vista da contestação à patrona do autor, restando assim, devidamente caracterizado o cerceamento de defesa.

Por outro lado, os controles de horário trazidos aos autos pela reclamada, ainda que demonstrem somente parte da jornada do reclamante, trazem grande número de horas extraordinárias, conforme levantamento trazido na réplica, e ainda assim, o Juízo não reconheceu o direito às horas extras pleiteadas.

Há ainda as horas relativa ao horário de intervalo para refeição e descanso, do qual não usufruía o reclamante, e que necessitavam de prova testemunhal.

O controle de jornada também dependia de prova testemunhal, porquanto conforme alegado em réplica era necessário o comparecimento do reclamante todos os dias na empresa, sempre que retornava dos locais de entrega, o que só não ocorria quando das viagens.

(...)

Por todo o exposto, temos que o cerceamento de defesa se fez patente, devendo ser declarada nulidade dos atos processuais praticados desde a audiência inaugural, eis que desrespeitado o princípio constitucional do contraditório.

(...)

Destarte, por todo o exposto, deverá ser decretada a nulidade dos atos processuais desde a audiência inaugural, retornando-se os autos à Vara de origem para que seja determinada data para instrução processual, bem como seja reformada a r. sentença para reconhecer o dano moral sofrido e condenar a recorrida a pagar ao recorrente, os valores constantes da inicial, estando certo o recorrente de que será dado provimento ao recurso, como medida de costumeira."

Segundo o princípio da ampla devolutividade (artigo 515 do CPC), o recurso devolve ao tribunal toda a matéria efetivamente impugnada, no entanto, essa devolução deve se ater aos limites do pedido, eis que a atividade jurisdicional do Estado está adstrita ao pedido, sob pena de haver julgamento extra petita e ultra petita, situação abominada pelo sistema processual brasileiro (artigos 2º, 128 e 460 do CPC).

A ampla devolutividade do Recurso Ordinário, pelo qual o Tribunal ad quem, quando instado sobre determinada matéria deverá apreciar e julgar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que o juízo a quo não as tenha julgado por inteiro (CPC, art. 515, § 1º), fica adstrita à matéria devolvida para julgamento.

Dessa forma, tem-se que o tema relacionado às horas extras, não se tratando de questão de ordem pública, não foi devolvido ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, razão pela qual em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, de que trata o artigo 515 do CPC, merece acolhimento a pretensão rescisória calcada no art. 485, V, do CPC.

Tratando-se de vício nascido na própria decisão rescindenda, entende-se prescindível o prequestionamento da matéria à luz do entendimento adotado na Súmula 298, item V, desta Corte.

Assim, por todo o exposto, dou provimento ao Recurso Ordinário da Autora, no particular, para desconstituir parcialmente o acórdão proferido pelo TRT da 2ª Região nos autos da Reclamação Trabalhista 731/2002 originária da Vara do Trabalho de Poá - SP, porquanto demonstrada a violação do art. 515 do CPC, e, em juízo rescisório, proferindo novo julgamento, julgar improcedente o pedido de horas extras.

2.3 - HORAS EXTRAS. VIOLAÇÃO DE LEI

Insistiu a Recorrente na possibilidade de corte rescisório por violação do art. 74, § 2º, da CLT, ao argumento de que se tratando de Empresa especializada em transporte de cargas aplica-se no caso concreto a regra prevista no art. 62, I, da CLT, não se havendo falar de direito às horas extras.

Sem razão.

Diante da premissa fática exposta na decisão rescindenda no sentido de que restou provado que o Reclamante estava sujeito ao controle de horário e que a Reclamada não apresentou nos autos os controles de jornada, não é possível aplicar na espécie a regra prevista no art. 62, I, da CLT.

Frise-se que eventual reexame do conjunto fático- probatório do processo rescindendo não se faz possível em processo de ação rescisória calcado no art. 485, V, do CPC, consoante entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 410 do TST.

Portanto, nego provimento, nesse item.

2.4 - HORAS EXTRAS. ERRO DE FATO

Quanto ao erro de fato, sustentou a Recorrente que a alegação de que não eram verdadeiras as transcrições em réplica e a impossibilidade de admitir a confissão da Empresa, por não ter o seu patrono poderes para tanto, não foram enfrentadas no acórdão rescindendo.

Ainda que inexistente controvérsia e pronunciamento judicial sobre esses fatos, a condenação da Empresa no pagamento de horas extras, a qual se questiona no presente feito, não está amparada exclusivamente na réplica apresentada pelo Reclamante, nem tão-somente no teor da contestação.

Segundo o julgador originário, as provas produzidas na Reclamação Trabalhista (controles de recepção de mercadorias entregues e utilização de equipamentos portáteis de comunicação) foram decisivas na conclusão de que o Reclamante estava sujeito ao controle de horário.

Com relação aos demais argumentos utilizados pela Recorrente para respaldar a pretensão rescisória por erro de fato, entende-se que incide na espécie a regra prevista no art. 485, § 2º, do CPC. A não apresentação dos cartões de ponto e a distribuição do ônus da prova foram questões examinadas no acórdão rescindendo, o que não permite nova discussão nos presentes autos sob a alegação de erro de fato.

Portanto, nego provimento ao Recurso Ordinário, nesse tema.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao Recurso Ordinário da Autora para desconstituir parcialmente o acórdão proferido pelo TRT da 2ª Região nos autos da Reclamação Trabalhista 731/2002 originária da Vara do Trabalho de Poá - SP, e, em juízo rescisório, proferindo novo julgamento, julgar improcedente o pedido de horas extras. Custas processuais em reversão, das quais o Réu fica isento do pagamento em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita (declaração de miserabilidade jurídica em contestação).

Brasília, 15 de setembro de 2009.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

JOSÉ SIMPLICIANO FONTES DE F. FERNANDES
Ministro Relator

PUBLICAÇÃO: DEJT - 25/09/2009




JURID - Princípio da ampla devolutividade da matéria. Configuração. [23/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário