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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

JURID - Desobediência a decisão judicial de afastamento do lar. [02/10/09] - Jurisprudência


Apelação crime. Desobediência a decisão judicial de afastamento do lar.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Recurso Crime

Turma Recursal Criminal

Nº 71002250512

Comarca de Ibirubá

RECORRENTE RUDINEI BATISTA POSSE

RECORRIDO MINISTÉRIO PÚBLICO

APELAÇÃO CRIME. DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL DE AFASTAMENTO DO LAR. artigo 330 do CP (3X). INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DOLO NÃO CARACTERIZADO. NULIDADE PROCESSUAL. SENTENÇA REFORMADA. 1. Instrução e julgamento conjuntos de três processos apensados. 2. Existência de nulidade absoluta relativa ao processo cujo fato ocorreu em 31/10/07, uma vez que a denúncia não guarda relação com os elementos constantes do termo circunstanciado, mas descreve fato pelo qual o réu já foi processado. 3. A prova acusatória que se funda unicamente na palavra da vítima, não pode, no caso concreto, embasar a condenação porque não esclarece suficientemente os fatos. A vítima declarou que o casal havia reatado o relacionamento após a ordem judicial de afastamento, separando-se novamente após isso. Não ficou esclarecida a relação que se estabeleceu entre eles, podendo-se crer que a vítima era conivente com as aproximações do réu, o que exclui o dolo de desobedecer à ordem legal. Absolvição por atipicidade da conduta e insuficiência de provas, forte no art. 386, incisos III e VII, do CPP. RECURSO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, À UNANIMIDADE, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DR.ª LAÍS ETHEL CORRÊA PIAS (PRESIDENTE) E DR. VOLCIR ANTONIO CASAL.

Porto Alegre, 14 de setembro de 2009.

DR. CLADEMIR JOSE CEOLIN MISSAGGIA,
Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por defensor público, relativamente aos processos 2.08.0000706-0, 2.08.0000933-0 e 2.07.0001194-4, que tramitaram junto à Vara Judicial da Comarca de Ibirubá, versando todos sobre o delito de desobediência, por fatos ocorridos em 29/03/2008, 24/03/2008 e 31/10/2007 respectivamente. A sentença condenatória aplicou ao réu a pena de quatro meses de detenção, substituída por restritiva de direitos na modalidade de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e ao pagamento de quinze dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, por infração ao artigo 330, na forma do art. 71, ambos do Código Penal, uma vez que ele desobedeceu, em três ocasiões, à ordem judicial de afastamento do lar e separação de corpos (fl. 31), de que tomara ciência em 30/10/2007 (fl. 32).

No tocante ao processo principal, que tomou o n. 2.08.0000706-0, postula a defesa a reforma do decreto condenatório por não ter sido provado suficientemente que o réu esteve na residência de sua companheira Ivete em 29/03/2008, por volta das 11h, conforme descrito na denúncia. Alega o recorrente que a vítima teria dito em juízo que ele esteve em sua casa no dia 29/03/2008, por três vezes durante a noite, em dissonância com o que consta na exordial acusatória, tendo o magistrado se baseado somente na palavra da vítima para concluir pela responsabilidade penal do réu. Pede a absolvição do réu com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP.

O fato ocorreu em 29/03/2008 (fls. 07/07v.).

A transação penal foi oferecida indevidamente porque o réu já havia se utilizado do benefício, foi aceita (fl. 17), mas descumprida, razão pela qual o Ministério Público requereu sua revogação (fl. 25).

Oferecida a denúncia (fls. 02/04), o Parquet deixou de propor a suspensão condicional do processo em razão dos antecedentes do réu.

Quanto ao segundo fato, processo n. 2.08.0000933-0, postula a defesa a reforma do decreto condenatório pela insuficiência probatória de que o réu tenha estado na residência de Ivete em 24/03/2008, às 02h10min, ocasião em que teria tentado arrombar a porta. Segundo a defesa, a prova é baseada exclusivamente no depoimento da vítima, visto que quando a Brigada Militar chegou ao local o acusado não se encontrava. Alerta também para o fato de não ter sido realizada perícia no imóvel de maneira a comprovar a alegada tentativa de arrombamento. Assim, não haveria provas de materialidade e autoria. Ressalta que durante a fase policial referente ao processo n. 2.07.0001194-4, Ivete afirmou que o casal estava reconciliado desde 16/11/2008. Pede a absolvição do réu com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP.

O fato ocorreu em 24/03/2008 (fls. 06).

Não foi oferecida a transação penal, visto que o réu já havia se beneficiado dela anteriormente.

O Ministério Público ofereceu denúncia (fls. 02/03). A suspensão condicional do processo ficou prejudicada pela ausência do acusado na audiência (fl. 33).

Por fim, relativamente ao processo n. 2.07.0001194-4, segundo apenso, postula a defesa a reforma do decreto condenatório, alegando que o acusado esteve na residência de Ivete Kischoporski Dias com o intuito de repassar o dinheiro relativo ao aluguel. Ressalta que tal ocorreu sem emprego de violência ou grave ameaça e que havia necessidade de fazê-lo, já que não ficara convencionado nenhum pagamento no acordo de separação. Afirma a insuficiência de provas quanto à desobediência, pois a própria Ivete declarou à polícia que estavam reconciliados e morando na mesma residência desde 16/11/2008 (fl. 10), mas em juízo omitiu esse fato, o que demonstra intenção se prejudicar o ex-companheiro. Também sustenta a atipicidade da conduta pela ausência de dolo, necessário à configuração do tipo penal em comento. Pede a absolvição do réu, com fundamento no art. 386, inciso III ou VII, do CPP.

Conforme a denúncia, o fato ocorreu em 29/03/2008 (fls. 02/03), embora conste da ocorrência policial a data de 31/10/2007 (fl. 06).

A transação penal foi aceita (fl. 23), mas descumprida, razão pela qual o Ministério Público requereu sua revogação (fl. 34), o que foi deferido (fl. 35).

O Ministério Público ofereceu denúncia (fls. 02/04), deixando de propor a suspensão condicional do processo em face dos antecedentes do acusado.

As denúncias foram recebidas em 02/07/2009 (fl. 45, autos principais), e a instrução e julgamento do feito ocorreu conjuntamente. Durante a instrução foi ouvida a vítima (fl. 49) e interrogado o réu (fl. 50), seguindo-se os debates orais pelo Ministério Público e pela defesa (fls. 45/46), e a sentença condenatória que fixou a pena de quatro meses de detenção, reconhecendo a ocorrência da continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal (fls. 46/48).

Houve apresentação de contrarrazões pelo recorrido (fls. 72/76) no sentido de manutenção da sentença condenatória.

Nesta instância recursal, o Ministério Público opinou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 78/80).

VOTOS

Dr. Clademir Jose Ceolin Missaggia (RELATOR)

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo, dando-lhe provimento para absolver o réu das imputações contidas nas denúncias, conforme as quais ele teria desobedecido à ordem judicial de manter-se afastado do lar conjugal em três ocasiões.

I - O fato de que trata o processo 2.08.0000706-0, autos principais, ocorreu em 29/03/2008, por volta de 11h00min, ocasião em que Rudinei Batista Posse foi até a casa da vítima Ivete Kischoporski Dias, sua ex-companheira, desobedecendo a ordem judicial de afastamento do lar, da qual ele tinha conhecimento desde a data de 30/07/2007.

Em juízo, a vítima declarou que o réu esteve em sua residência, por três vezes durante a noite, sendo que na primeira vez, em contato com as crianças, elas começaram a chorar. Quem chamou a polícia foi o vizinho. Quando os policiais chegaram ao local, o réu lhes disse que tinha ido levar dinheiro para o aluguel, que foi entregue a ela, embora possuísse conta para depósito. Já estavam separados judicialmente na data do fato (fl. 49).

O réu admitiu que esteve na casa da vítima apenas uma vez, por volta das 21h, para levar o dinheiro do aluguel, o que não fora ajustado no acordo de separação. Foi atendido por Ivete, mas as crianças choraram apenas quando a Brigada Militar o prendeu. Sabia que estava proibido de aproximar-se de Ivete, mas na época ela não possuía conta bancária para o repasse dos recursos (fl. 50).

Embora a denúncia impute ao réu a conduta de ter estado na residência de Ivete às 11h do dia 29/03/2008, ele confessou ter estado lá por volta das 21h, o que foi confirmado pela vítima, contrariando a ordem de não se aproximar da residência dela. Contudo, verifica-se pela prova oral colhida a ausência do dolo de desobedecer à ordem de manter-se afastado do lar conjugal, caso em que há atipicidade da conduta, conforme ensina Nucci(1): "Elemento subjetivo do tipo: é o dolo. Não se exige elemento subjetivo específico, nem se pune a forma culposa. Note-se que o verbo desobedecer é do tipo que contém em si mesmo, a vontade específica de contrariar ordem alheia, infringindo, violando. [...]" não havendo dolo, que é a vontade livre e consciente de desobedecer à ordem legal emanada, não há que falar em crime "(TJMG, Ap. 26.049-1, 1ª C., rel. Guimarães Mendonça, 15/09/1992, v. u., TR 696/381)".

No mesmo sentido a lição de MIRABETE(2) ao citar a seguinte jurisprudência: TJSP: "O crime de desobediência é essencialmente doloso e não se configura sem estar patenteado esse requisito da infração" (RT 517/289). TAMG: "Para a caracterização do delito de desobediência o dolo deve ser inequivocamente apurado, evidenciando-se ele na intenção do agente de opor-se à ordem legal, com imprescindível consciência da antijuridicidade de seu comportamento" (RT 452/449).

O que se verificou foi a intenção do réu de entregar à vítima o valor referente ao aluguel, o que foi efetivamente cumprido. Também esta ao depor em juízo foi muito sucinta, não mencionando qualquer outro elemento reprovável na conduta do réu, mas limitando-se a dizer que ele estivera em sua casa.

Além disso, conforme consta à fl. 10 do segundo apenso, Ivete declarou que "no dia 16/11/07, a depoente e Rudinei conversaram, se entenderam e a partir desse dia voltaram a conviver juntos, na Rua Castanhal n º 221".

O contexto dos autos permite concluir, portanto, que Ivete era conivente com eventual aproximação do réu, tendo inclusive reatado o relacionamento após a decisão judicial de afastamento do lar. A relação que se estabeleceu entre eles após a reconciliação não ficou esclarecida, não podendo se depreender dos autos que ela fosse firme em rechaçar as aproximações.

Assim, não estando esclarecida a relação existente entre Rudimar e Ivete na data do fato, havendo inclusive indícios de conivência com suas aproximações, julgo não ter sido comprovada à saciedade a existência de dolo em sua conduta, devendo ser reformada a sentença condenatória, com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP.

Nesse sentido, já decidiu anteriormente esta Turma Recursal:

APELAÇÃO CRIME. DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL. ARTIGO 330, DO CÓDIGO PENAL. 1. (...). 2. Inobstante demonstrada a separação, com afastamento da ré do lar conjugal e proibição desta se aproximar da residência, a acusada retornou, não ficando esclarecido se as partes reataram o relacionamento ou não e, em que circunstâncias ou sob quais condições, permitiu o ofendido a permanência da vítima, persistindo dúvidas sobre a atual situação fática vivenciada pelas partes, não havendo provas suficientes que autorizem a manutenção de um juízo condenatório. APELAÇÃO PROVIDA. (Recurso Crime Nº 71001792423, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Angela Maria Silveira, Julgado em 15/09/2008).

II - Quanto ao fato datado de 24/03/2008 (processo 2.08.0000933-0, primeiro apenso), verifica-se que a prova é insuficiente para manter a condenação.

Ivete declarou à autoridade policial (fls. 06 e 08 do primeiro apenso) que seu ex-marido chegou em casa por volta das duas horas da madrugada, tentou arrombar a porta da frente e disse que gostaria de conversar com ela, acrescentando que não havia testemunhas presenciais, pois era de noite e os vizinhos estavam dormindo. Além disso, quando os policiais chegaram, o réu não mais se encontrava no local.

No entanto, suas declarações em juízo não esclarecem minimamente as circunstâncias em que ocorreu a suposta desobediência, pois se resumiu a afirmar que "no dia 24 de março, o autor do fato esteve na casa da depoente".

Assim, a precariedade da prova acusatória aliada à negativa de autoria do réu, e ainda ao fato de que a ocorrência foi registrada somente em 07/04/2008, ou seja, duas semanas mais tarde, bem como a anterior declaração da vítima de que havia se reconciliado com Rudimar, tornam impositiva a absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP.

III - Por fim, impõe-se o reconhecimento de nulidade absoluta do processo 2.07.0001194-4 (segundo apenso), pois o réu foi denunciado por fato diverso daquele informado no termo circunstanciado que lhe deu origem, contrariando o princípio pelo qual ninguém poderá ser indiciado, processado, julgado e punido mais de uma vez pelo mesmo fato(3).

Consta do boletim de ocorrência (fl. 06 do segundo apenso) que "Rudinei entrou na casa enquanto a família jantava e a porta da residência estava aberta. Rudinei disse que tinha ido lá levar dinheiro. Ivete salienta que Rudinei teria dito no interior da casa de que retornaria ali mais vezes porque a casa era dele". O fato ocorreu em 31/10/2007 às 21h45min.

No entanto, a denúncia assim descreve o fato: "No dia 29 de março de 2008, por volta das 11h00min, na Rua Castanhal, nº 221, nesta cidade, o denunciado Rudinei Batista Posse desobedeceu à ordem legal emitida pelo juiz de direito desta cidade (...). Na ocasião, o denunciado estava impedido de retornar a residência sem ordem expressa deste juízo, decisão e ordem da qual tinha pleno conhecimento, ante a intimação de fl. 004".

Evidentemente incorreu em equívoco o órgão acusador, pois as circunstâncias de data, horário e local do fato constantes da denúncia são aquelas relativas ao processo 2.08.0000706-0 (autos principais), e a descrição do fato limita-se a informar que o denunciado estava impedido de retornar à residência da ex-companheira.

Se certo é que erros materiais podem ser corrigidos, como um artigo de lei, por exemplo, também é certo que o réu se defende do fato descrito na exordial acusatória. Esta, contudo, narrou fato sem qualquer relação com o expediente policial, e não foi aditada em nenhum momento.

Assim, não tendo havido denúncia válida relativa ao fato descrito na ocorrência 1662/2007, de 31/10/2007, e não podendo o réu ser processado e punido duplamente - uma vez que pela desobediência do dia 29/03/2008 respondeu ao processo 2.08.0000706-0 - outra solução não há que a anulação de todo o processado.

É o voto, pois, no sentido de DAR PROVIMENTO AO APELO PARA DECLARAR A NULIDADE ab initio do processo 2.07.0001194-4, e PARA ABSOLVER O RÉU das acusações feitas nos processos 2.08.0000706-0 e 2.08.0000933-0, com fundamento no artigo 386, incisos III e VII, respectivamente, do CPP.

Dr. Volcir Antonio Casal (REVISOR) - De acordo.

Dr.ª Laís Ethel Corrêa Pias (PRESIDENTE) - De acordo.

DR.ª LAÍS ETHEL CORRÊA PIAS - Presidente - Recurso Crime nº 71002250512, Comarca de Ibirubá: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."

Juízo de Origem: VARA IBIRUBA - Comarca de Ibirubá

PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 17/09/2009



Notas:

1 - NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6ªed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pg. 1047. [Voltar]

2 - MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1785. [Voltar]

3 - SALIM, Alexandre Aranalde. Teoria da Norma Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008, pág. 229. [Voltar]




JURID - Desobediência a decisão judicial de afastamento do lar. [02/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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