Anúncios


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

JURID - Constitucional. Apelação. [05/10/09] - Jurisprudência


Constitucional. Apelação. Sentença que garantiu o fornecimento de medicamentos pelo município.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.005478-7

Julgamento: 08/09/2009 Órgao Julgador: 2ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível

Apelação Cível N° 2009.005478-7 - Natal/4ª Vara da Fazenda Pública

Apelante: Município de Natal

Procuradora: Marianne Cury Paiva

Apelada: Francisca Cecília Lima da Silva

Advogado: Larry Rosenberg

Relator: Desembargador Aderson Silvino

EMENTA: CONSTITUCIONAL - APELAÇÃO - SENTENÇA QUE GARANTIU O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO MUNICÍPIO - DIREITO À SAÚDE E À VIDA - ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 15, § 2º DO ESTATUTO DO IDOSO - COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DO PACIENTE - OBRIGATORIEDADE DO FORNECIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 2009.005478-7, da Comarca de Natal, em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em sessão e à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à apelação.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Natal em face de sentença proferida pelo MM Juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Natal, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer/não Fazer em que era parte adversa Francisca Cecília Lima da Silva.

Em sua inicial, a recorrida informou que é pessoa de idade provecta (62 anos) e portadora de enfermidade classificada como K830 (CID-10), um câncer que atinge seu fígado e baço, lhe tendo sido receitado o uso de medicação conhecida como "ácido ursodesoxicólico 30mg" três (3) vezes ao dia. (fls. 10/11).

No afã de obter junto ao Poder Público o tratamento recomendado pelo seu médico, buscou nos postos de saúde do município de Natal o remédio necessário, lhe tendo sido informado que tal terapia não está disponível na rede municipal.

Sem condições financeiras de arcar com os custos do fármaco necessário para o combate de sua moléstia, veio solicitar ao Poder Judiciário provimento que determine ao Município de Natal o fornecimento do remédio, pedido este atendido ainda em sede de tutela antecipada (fls. 13/16).

Instado a contestar a demanda, o município apelante, em apertado resumo, pediu pela improcedência da ação, argumentando que a obrigação de entregar a medicação recai sobre o Estado do Rio Grande do Norte e que a apelada não fez prova de sua necessidade ou falta de condições financeiras para adquirir o tratamento.

Em consonância com parecer ministerial, o juiz de primeira instância julgou procedentes os pedidos da recorrida, lançando julgado com o seguinte dispositivo:

(...).

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral, para determinar ao Município de Natal que mantenha o fornecimento, sem ônus à autora, do medicamento ÁCIDO URSODESOXICÓLICO 30mg/kg em uma quantidade equivalente a 93 (noventa e três) comprimidos/mês, de forma contínua até ulterior ordem médica, durante todo o período em que a parte necessitar do referido tratamento, conforme prescrito no receituário médico acostado aos autos em fl. 10, devendo tal necessidade ser comprovada por prescrição médica.

(...).

Inconformado, o apelante apresentou recurso por meio do qual pugna pela reforma integral da sentença a quo, alinhando, para tanto, os mesmos argumentos já expostos na instrução processual.

Em contra-razões de fls. 63 e segs., a apelada suplica pela manutenção da decisão vergastada pelos mesmos motivos debatidos em primeiro grau.

Instada a se pronunciar, a Nona Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento de desprovimento da apelação manejada.

É o que importa relatar.

VOTO

Estando presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço a apelação e passo ao debate do mérito da contenda.

No presente caso, está em jogo o direito à vida, bem maior da pessoa humana, assim como a sua dignidade, garantidos constitucionalmente nos Arts. 1º e 5º da Lei Maior.

Por sua vez, o direito social à saúde, e a conseqüente aquisição de medicamentos, é uma obrigação estatal (Art. 196, CF), incluindo aí todos os entes federativos.

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Além disto, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) também prevê, em seu Art. 15, § 2º que:

"incube ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação"

É oportuno salientar que, no presente caso, o medicamento receitado é de importância fundamental para a sobrevivência da recorrida, que já conta com idade avançada (62 anos) e que, pelas informações constantes nos autos, não se encontram disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde do Município.

Desta forma, o direito à vida e à dignidade há de ser amplamente preservado, devendo a Constituição Federal, por evidente, preponderar sobre qualquer outra norma que possa restringir este direito, como no caso, as leis orçamentárias.

O direito à saúde não pode ser relativizado, em virtude de normas rígidas de grau inferior, nem tampouco pode-se invocar a responsabilidade solidária entre os entes federativos para não cumprir a decisão a quo.

Assim, vislumbro a obrigação estatal, no caso, do Município de Natal, de fornecer tratamento eficaz e adequado para a apelada, a fim de preservar sua vida, ou, no mínimo, proporcionar dignidade à pessoa humana, evitando maiores sofrimentos.

Nesse sentido, o seguinte Acórdão do STJ:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO. PORTARIA/MS N.º 863/02.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.

2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal não objetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. O laudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa e terapêutica "comprovadamente mais eficaz", além de propiciar ao paciente uma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamento anteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas se apresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia da terapêutica tradicional.

3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferior hierarquia (Portaria/MS n.º 863/02) não pode fazer tábula rasa do direito constitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concreta trazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação por parte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no único laudo médico anexado aos autos.

4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico." (STJ, Segunda Turma, ROMS nº 17903, Rel. Min. Castro Meira, DJ: 20/09/2004, p. 215).

Cumpre salientar que as 1ª e 2ª Câmaras Cíveis deste Tribunal, em recentes julgamentos, adotaram posicionamentos idênticos ao ora esposado:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA FUNDAMENTAL ASSEGURADA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAL E ESTADUAL. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DO PACIENTE. INDICAÇÃO MÉDICA. OBRIGATORIEDADE DO FORNECIMENTO PELO ESTADO. LIBERAÇÃO APENAS PARA OS QUE SÃO INCAPAZES DE COMPRAR SEM COMPROMETER SEU SUSTENTO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AGRAVO CONHECIDO E IMPROVIDO (TJRN - AI nº 2006.5376-2 - 2ª Câmara Cível - Relator Des. Cláudio Santos. Julgado em 12/12/2006).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. INDIVÍDUO PORTADOR DE DIABETES. PEDIDO DIRIGIDO AO MUNICÍPIO PARA QUE LHE SEJA FORNECIDO MEDICAMENTOS ESPECÍFICOS PARA O CONTROLE DE SUA ENFERMIDADE. ALEGAÇÃO DO ENTE PÚBLICO DE QUE EXISTE DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS DE EFEITOS CORRELATOS POR SUA SECRETARIA DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO CONCRETA E ESPECÍFICA DA SIMILITUDE DOS EFEITOS. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO QUE SE IMPÕE. DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE SE MANTÉM. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.

(TJRN - AC nº 2005.005536-1 - 1ª Câmara Cível - Rel. Juiz convocado VIRGÍLIO FERNANDES - Julgado em 06/02/2006).

Assim, vislumbro o acerto da decisão de 1º grau, uma vez que não há óbice para que o Município seja demandado individualmente, devendo fornecer todos os medicamentos necessários à manutenção da vida da recorrida.

À vista do exposto, VOTO, em consonância com o parecer da Nona Procuradoria de Justiça, pelo conhecimento e desprovimento da apelação, para manter incólume a decisão singular.

É como voto.

Natal, 08 de setembro de 2009.

DESEMBARGADOR ADERSON SILVINO
Presidente/Relator

Dra. MYRIAN COELI GONDIM D'OLIVEIRA SOLINO
20ª Procuradora de Justiça




JURID - Constitucional. Apelação. [05/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário