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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

JURID - Assédio processual. Caracterização. [21/10/09] - Jurisprudência


Assédio processual. Caracterização.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT 5ª Região.

2ª. TURMA

RECURSO ORDINÁRIO Nº 01224-2008-016-05-00-2-RecOrd

RECORRENTE(s): Aderbal Souza Araújo

RECORRIDO(s): Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. - Embratel

RELATOR(A): Juiz(a) Convocado(a) MARGARETH RODRIGUES COSTA

ASSÉDIO PROCESSUAL. CARACTERIZAÇÃO. O assédio processual é uma espécie do gênero assédio moral. Enquanto esse ocorre no âmbito do trabalho, aquele se situa no âmbito forense. Se caracteriza nos atos materializados e que vão de encontro à celeridade, retardando o cumprimento das obrigações e concretização da prestação jurisdicional, aviltando a boa-fé e lealdade processuais, no manifesto abuso de direito e propósito de prejudicar a parte contrária, quando não, de tentar obter vantagem ilícita, afrontando as decisões judiciais, a lei, a Constituição, e, com isso, o próprio interesse público e, em última instância, o Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito, muitas vezes convicto o assediador quanto à impunidade ou mesmo na insignificância das penalidades postas na legislação a lhe alcançar, por litigância de má-fé, insurgindo-se contra o próprio processo, conquanto instrumento ético, sendo certo que assim afronta, literalmente, a garantia constitucional de sua razoável duração (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/1988) , o que ainda vai de encontro ao que preconiza o art. 3º da Carta Federal, nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que passam pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação (inciso IV), assegurando o seu art. 5º, caput, a igualdade de todos perante a lei, além de asseverar o artigo 170, caput, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade possibilitar uma digna existência, calcada nos parâmetros da verdadeira justiça social, que se sustenta no primado do trabalho de cada cidadão.

ADERBAL SOUZA ARAÚJO, nos autos da ação em que litiga com EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES S.A. EMBRATEL, inconformado com a decisão de fls. 305/307, interpôs Recurso Ordinário, conforme razões de fls. 309/314. Contrarrazões aduzidas às fls. 320/326. Dispensada a manifestação do Ministério Público do Trabalho. Teve vista o(a) Exmo(a). Sr(a). Desembargador(a) Revisor(a). É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Em Juízo de admissibilidade, conheço do recurso, porque preenchidos os pressupostos intrínsecos (subjetivos) e extrínsecos (objetivos) para tanto.

MÉRITO

INTERESSE DE AGIR

Insurge-se o recorrente contra a sentença de cognição que extinguiu a ação sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC supletivo, ao argumento de que faltaria ao autor interesse de agir.

Sustenta que a reforma deve ser implementada, haja vista que não pretende aqui, no processo sob exame, como afirmou o julgador de origem, nada fincado em decisão prolatada nos autos do processo de n. 01225-2006-023-05-00-3 e, ao revés, pugna para que sejam reconhecidos os prejuízos e danos causados pela empresa recorrida, "EM DECORRÊNCIA DA DISPENSA ILEGAL QUE IMPEDIU O RECORRENTE DE IMPLEMENTAR AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO." (fl. 311), embora reconheça ter citado como fator de agravamento ao fato principal a dispensa ilegal, no que diz não poderia ser confundida com a causa de pedir deduzida, no que chamou de ultraje da empresa às determinações legais e normativas, invocando sobre os fundamentos exarados em sustento à tese de ocorrência de dano moral.

Adiante afirma sobre o interesse de agir, discorrendo sobre o binômio interesse/adequação, no provimento jurisdicional que pretende e aduz precisa ser útil para evitar a lesão que aponta.

Insurge-se a recorrida, pugnando pela manutenção do decisum, argumentando, por sua vez, que o autor pretende indenização por danos morais e materiais em virtude de ter sido obstada a fruição de estabilidade pré- aposentadoria, a própria aposentação pelo plano de previdência privada da empresa - TELOS, além de ter sido privado da percepção de salários e do Plano de Saúde mantido pela reclamada, invocando a despedida sem justa causa operada em 10 de novembro de 2006, quando destaca que a reclamação trabalhista antes intentada e em que foram tratadas todas essas questões - processo n. 01225-2006-023-05-00-3 - tem como objeto de discussão precípua a própria despedida efetivada, ainda com pendência de agravo de instrumento interposto, que tenta destrancar recurso de revista que não foi recebido, no que afirma que a primeira ação proposta seria "causa prejudicial" da que ora se examina, discorrendo, ao final, sobre aspectos que envolveriam a norma coletiva e matéria vinculada à estabilidade antes da aposentadoria, conforme aventada.

A sentença de cognição, discorrendo sobre as ações aqui invocadas, limitou-se a reconhecer que:

"[...]

não tem o Autor interesse de agir para pretender indenização por danos materiais e morais, cujo fundamento jurídico reside no descumprimento, por parte da Reclamada, de decisões judiciais exaradas em outro processo.

E não há interesse de agir porque o presente processo não é necessário à obtenção da tutela material pretendida (e já deferida) na reclamação n. 01225.2006.023.05.00-3.

Diante do exposto, considero o Reclamante carecedor da ação, por lhe faltar interesse de agir, e extingo o presente processo sem resolução de mérito."

Observando o que dali consta, a decisão recorrida parece fora de sintonia com o que foi trazido à baila, não aplicando o direito à espécie, na forma como poderia.

A rigor, não observo na ação sob exame que o que pretende aqui o Reclamante é dar cumprimento, de alguma forma, materializando o que foi objeto de decisão no processo em que se discute a despedida perpetrada e todo o seu corolário, independente do que ali foi decidido, considerando mesmo a fixação de astreintes, além do que permite aplicar, como tutela específica, todo o arcabouço do art. 461 do CPC, de aplicação supletiva.

Pretende o autor, nos autos sob exame, diante da situação pessoal por que passa, conforme documentos nos autos, antigo empregado, no que lhe alcançam os males de ordem moral e material, na recalcitrância do que vem sendo discutido e ainda não foi espontaneamente implementado, uma reparação, diversa das que já foram concedidas.

Esclareço que as causas de pedir, próximas ou remotas, nessa ação, permitem deduzir outro caminho, que não passa pela configuração da falta de interesse de agir, efetivamente, na acepção ampla do tema.

Aliás, ensina Humberto Theodoro sobre o interesse de agir:

"localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas, especificamente, na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo ao caso concreto...essa necessidade se encontra naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão" (in Curso de Direito Processual Civil, 1995, vol. I, p. 56).

Já Cândido Dinamarco, sobre o mesmo assunto, vaticina:

"para que exista a condição da ação a que se costuma chamar interesse de agir, é preciso que o processo aponte para um resultado capaz de ser útil ao demandante, removendo óbice posto ao exercício do seu suposto direito, e útil também segundo o critério do Estado, estando presentes os requisitos de NECESSIDADE e adequação" (in Execução Civil, 1987, vol. I, p. 230).

De igual forma, Jorge Pinheiro Castelo (In O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo. 2ª ed.. LTr: São Paulo, 1996, p. 246), com base ainda em lição de Cândido Rangel Dinamarco, giza:

"a utilidade do provimento jurisdicional reveladora do legítimo interesse de agir é condicionada pela verificação de dois elementos cumulativos: a) necessidade concreta da atividade jurisdicional; b) adequação do provimento jurisdicional desejado e do procedimento escolhido em face da situação jurídica (título jurídico) deduzida em juízo".

Com base nisso, insta afirmar que as condições da ação são verificadas, ou aferidas, in statu assertionis, ou seja, de forma abstrata e lógica, dentro do enquadramento jurídico dado pela parte autora em sua petição inicial. Aliás, é este o critério adotado pela jurisprudência trabalhista na atualidade, com base na propalada Teoria da Asserção.

Portanto, pode-se dizer que o interesse de agir se subsume no fato de que a parte pretende um provimento jurisdicional - é o pedido imediato - para conseguir determinado bem da vida - é o pedido mediato -, haja vista que sem a intercessão do Poder Judiciário não poderia alcançá-lo.

No caso concreto, resta patente que há interesse de agir por parte do Autor, considerando, não o que já foi tutelado no processo antes por ele interposto, nos requerimentos ali dispostos, mediatos e imediatos, mas no que ora pretende ver deferido.

Esclarecidos estes aspectos, passo à análise do quanto foi estritamente pleiteado, madura a causa para efetivo exame, diante da devolutividade plena assegurada no art. 515, §1º e 3º do CPC supletivo.

ASSÉDIO PROCESSUAL

Consta dos autos que o reclamante trabalhou por 33 (trinta e três) anos e 09 (nove) meses para a reclamada, portanto, por mais de três décadas, usufruindo de plano de saúde que integrava o seu contrato de trabalho, faltando cerca de 12 (doze) meses para aposentar-se, quando passaria a receber benefício previdenciário por intermédio do INSS, além da complementação de aposentadoria pela TELOS - FUNDAÇÃO EMBRATEL DE SEGURIDADE SOCIAL, podendo usufruir do plano de saúde, a partir de então, na condição de aposentado, através da AMAP - PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA PARA OS APOSENTADOS E PENSIONISTAS, patrocinado pela EMBRATEL, com amparo na rede conveniada, assegurado ressarcimento de despesas, exames, internações, medicamentos, etc., como pode ser aferido no em site na internet - http://www.fundacaotelos.com.br/pdf/instrues amap.pdf.

Afirma então o reclamante que dispunha de estabilidade financeira, por mais de três décadas, além do amparo à saúde, não como meras parcelas remuneratórias do contrato de emprego, mas já como efetiva condição econômica e social incorporada ao seu patrimônio pessoal quando, inopinadamente fora despedido, a menos de um ano de implementar a aposentadoria, embora detivesse garantia normativa nesse sentido, no que avisou à empresa antes de ser efetivado o desligamento e, no particular, disso trata a decisão transitada em julgado nos autos do processo de n. 01225-2006-023-05-00-3, ali considerada nula a despedida, decisão mantida pelo Acórdão de n. 37.539/07, desse e. Regional, que além de confirmar a nulidade da dispensa perpetrada, cuidou de antecipar os efeitos da tutela, evitando prejuízos maiores, dada a verossimilhança da situação, além do periculum in mora, determinando que a reclamada incluísse o autor, de imediato, nos planos de saúde e de previdência da TELOS, cominando multa diária no valor de um dia de remuneração para cada dia de atraso perpetrado, em relação à obrigação estabelecida.

Independente do quanto decidido, e, mesmo diante de todos os recursos da empresa terem sido negados, aguardando por último agravo de instrumento; que em nada suspende o curso do processo e nem da execução, que se pode dizer seria definitiva; a reclamada, reiteradamente, se recusa a cumprir a determinação judicial exarada, deixando o reclamante em completo abandono, sob todos os aspectos, diante do que dão conta os documentos nos autos, ao confirmarem que o autor acha-se com saúde frágil e debilitada, portador de hepatite por esquistossomose, coleciste, cálculo renal, hipertensão, além de varizes esofágicas e males que vêem se agravando, submetido a uma cirurgia de colesistectomia, ainda segundo comprovam documentos nos autos.

O que denuncia a ação, em verdade, é o caráter, além de desumano, no proceder de quem orienta os desígnios da empresa empregadora, de uma verdadeira chicana, de quem também se recusa a cumprir com as determinações judiciais, para quem, por sua vez, entendeu pouca e inabalável a fixação de astreintes (podem ser elevadas a qualquer tempo pelo juiz dos autos da primeira ação intentada - art. 461 do CPC supletivo), afora a idéia de que estaria a abusar de deveres precípuos, vinculados ao bom andamento do feito, atingindo, além do recorrente, nas escusas em implementar o restabelecimento de seu plano de assistência médica e consectários, o próprio judiciário, como instituição, independente do uso regular que possa fazer dos recursos que a lei lhe faculta, mas sem que se confundam os institutos com a decantada litigância de má-fé.

Insta, a princípio, fazer uma digressão sobre o que será efetivamente decidido.

Fazendo um traçado histórico, de há muito preocupa os operadores de direito, incluindo a doutrina e julgadores, o andamento dos processos e razoável período de duração enquanto tramitam, visando coibir retardos à marcha e determinações judiciais, de toda ordem, além de medidas que apenas protelam o andamento do feito, a impedir que seja implementada a verdadeira justiça, na prática, eis que com a demora das ações em curso não se efetiva a verdadeira prestação jurisdicional.

Não é de hoje que já vêem sendo criadas normas pelo legislador, sempre pressionado pela sociedade, que visam tornar a atividade jurisdicional mais célere. Nesse sentido, podemos citar a modificação trazida com a Lei 11.232/05, quando implementou o art. 475-J, do CPC supletivo, além do que preconizam os artigos 14, incisos I a V, 16, 17 e 18 do mesmo Código de Ritos, quando tratam, respectivamente, do dever de agir com lealdade e boa-fé, no que estão sujeitas as partes a responderem por perdas e danos, além da caracterização da má-fé na conduta, com imposição de multas e indenizações, arcando com prejuízos que possam dar causa.

Independente do arsenal posto à disposição, na faculdade de sua utilização, por omissão e compatibilidade, observada a regra do art. 769 Consolidada, constata-se que em muitos casos redundam em ineficazes as providências que se acham ao alcance, até pela falta de rigor na aplicação das sanções postas a uso, a corroborar com a imagem de ineficácia do Judiciário, diante do que vem sendo instado a decidir, notadamente em razão da competência que abarca, mesmo considerando os princípios simples e sem formalismo que regem o Direito do Trabalho, em uma tolerância nefasta para com quem abusa do direito, que às vezes até detém.

O direito fundamental à razoável duração do processo, denominado por Fredie Didier (in Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed.. Salvador: JusPODIVM, 2006. v.1.0, p. 55) de direito fundamental a um processo sem dilações indevidas, foi inserido na Norma Fundamental, em 2004, através da Emenda Constitucional n°45/04.

Materializa-se a idéia, no caso concreto, à efetividade que se dê aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, buscando dirigir o processo de forma a impedir subterfúgios dilatórios manejados pelas partes.

Trago, por oportuno, as lições do Juiz Jorge Luiz Souto Maior, quando trata da função jurisdicional e o respeito que a ela deve-se ter, discorrendo especificamente sobre o abuso de direito processual, no que se manifesta:

"A função jurisdicional do Estado deve ser respeitada. A Justiça possui uma dignidade, que não pode, pura e simplesmente, ser desconsiderada pelos sujeitos do processo. Como diz Ada Pellegrini Grinover, "há muito o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça"(1). Na linha de conferir autoridade à atividade jurisdicional, desenvolveu-se no direito americano, a figura do contempt of court, que "é a prática de qualquer ato que tenda a ofender um tribunal na administração da justiça ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem"(2)

O ordenamento jurídico brasileiro é repleto de dispositivos que conferem ao juiz a possibilidade de conferir efeito jurídico aos atos das partes que tenham por objetivo "diminuir sua autoridade ou dignidade". O parágrafo único, do art. 14, ainda que pudesse ser usado como limitador do efeito jurídico em face da conduta ilícita da parte, seria restrito à hipótese do inciso V, do mesmo artigo 14, não se aplicando, portanto, a todas e demais condutas da parte que pudessem ser atingidas pelo princípio do contempt of court.

Em muitas situações a parte não cria "embaraço à efetividade de provimento jurisdicional" (inciso V, do art. 14, do CPC), não age de "má-fé" (conforme definido no art. 17, do CPC), nem comete ato "atentatório à dignidade da justiça" (conforme previsto no art. 600, do CPC) e mesmo assim exerce abusivamente seu direito processual, ainda mais quando repete a conduta em um ou em vários processos, demonstrando desconsideração plena com relação à atividade jurisdicional e convicção quanto à impunidade ou mesmo da insignificância da pena por litigância de má-fé.

Por outro lado, partindo da premissa de que o tempo é igual para todos, contudo, com significados diferentes para cada um, também seria verdadeira a afirmação de que o tempo despendido num processo judicial possui significados distintos, em especial para aqueles que estão no centro do litígio, ou dele dependem até para a própria subsistência, como sói acontecer nas lides trabalhistas. Aliás, nesse sentido já dizia TUCCI que, ali, "o tempo é algo mais do que ouro: é Justiça. "(TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1997).

Diante disso, não há dúvida que a demora do processo configura-se um dos mais graves entraves à realização da Justiça e, nesse sentido, Rui Barbosa já profetizava: "A Justiça que tarda não é justiça manifesta", assim também asseverando Marcelo Uchoa, agora parafraseando Eduardo Couture, quando diz que no processo judicial aquele que dispõe de tempo "tiene en la mano las cartas de triunfo. Quien no puede esperar, se sabe de antemano derrotado." (In TUCCI, Rogério Cruz e., Ob. Cit., p. 111 apud COUTURE, Proyecto de Codigo de Procedimento Civil. Montevideo, s/ed., 1945, P.37.)

No particular, trago à baila lições do Juiz Mauro Vasni Paroski, estudioso sobre o tema, quando afirma sobre a gravidade das condutas postas à mostra e conclui, reconhecendo nos atos a figura processual que vem à tona - assédio processual:

"Falam em falta de prova de dolo processual, como se a própria conduta comprovada nos autos, repelida pela lei, não fosse o bastante para trazer em si mesma, pela sua natureza e gravidade, a semente do dolo, do propósito de prejudicar ao ex adverso ou, quando não, de tentar obter vantagem ilícita, afrontando as decisões judiciais, a lei e a Constituição.

Saliente-se que aplicar sanções que cumpram papel pedagógico, para desincentivar a atuação permeada pelo dolo processual, em genuína litigância de má fé ou ato atentatório ao exercício da jurisdição, não colide com a garantia constitucional do acesso à justiça (CF/88, art. 5º, inc. XXXV).

O exercício do direito de ação e a prática de atos processuais têm limites. O processo é instrumento ético e democrático, mas não se podem admitir, sem uma justificativa plausível, excessivas oportunidades de participação dos litigantes. Não há como olvidar os efeitos nocivos que o tempo na tramitação do processo causa ao autor que tem razão.

Talvez esse quadro, aqui retratado resumidamente, aliado à recente garantia constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/1988, introduzido pela EC 45/2004), tenha estimulado estudos mais avançados nesse âmbito, particularmente em relação às postulações e defesas na Justiça do Trabalho, começando a amadurecer a idéia de condenação por assédio processual, instituto que, se de um lado, guarda semelhança com a litigância de má-fé, de outro, apresenta algumas características que os distinguem." (PAROSKI, Mauro Vasni. Reflexões sobre a morosidade e o assédio processual na Justiça do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 02 de agosto de 2009.)

A matéria é nova, sem previsão legal específica, definições ou critérios com que possa ser reconhecida com precisão, contudo, vem sendo delineada nas situações práticas que acabam trazidas a julgamento, quando tipificados alguns aspectos que, por analogia e similitude vão tomando forma, ainda de maneira incipiente, sem contar com a boa vontade de muitos julgadores, no que desconhecem ou não admitem a figura - que de nova não tema nada - que volta e méis se apresenta.

Quem primeiro definiu o que seja assédio processual, ao que acredito, agindo na vanguarda, em artigo publicado na Revista LTr, no ano de 2006, foram Nilton Rangel Barreto Paim e Jaime Hillesheim, in verbis:

"a procrastinação do andamento do processo, por uma das partes, em qualquer uma de suas fases, negando-se ou retardando o cumprimento de decisões judiciais, respaldando-se ou não em norma processual, provocando incidentes manifestamente infundados, interpondo recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, contraditas despropositadas de testemunhas, petições inócuas, ou quaisquer outros expedientes com fito protelatório, inclusive no decorrer da fase executória, procedendo de modo temerário e provocando reiteradas apreciações estéreis pelo juiz condutor do processo, tudo objetivando obstacularizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária". (P. 1112-1113)

Os mesmos autores, ainda ali asseveram que o assédio processual era uma espécie do gênero assédio moral, consistindo este último, por sua vez:

"na utilização de meios hostis e agressivos contra este, caracterizado como um comportamento que, utilizando técnicas de desestabilização, conduzem o indivíduo a um estado de desconforto psíquico, evoluindo para a irritação, estresse, causando humilhações e inferioridade moral, com o intuito de desestabilizá-lo psicologicamente para dele obter alguma vantagem de ordem comportamental, seja a iniciativa para a ruptura contratual, seja a aceitação de condições adversas para o desenvolvimento do contrato de trabalho, a descrença nos instrumentos legítimos de controle social do trabalhador, submissão a ordens ilegais, renúncias, desistências, testemunhos e toda ordem de comportamentos contrários à vontade natural do empregado".

Com efeito, assim também larga parte da doutrina que trata do assédio moral, a exemplo do que entende a Juíza do Trabalho Márcia Novaes Guedes:

"Todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima." (GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003).

De igual modo a professora Margarida Maria Silveira Barreto, afirmando que assédio moral no trabalho:

"É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego." (BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, Saúde e Trabalho: Uma Jornada de Humilhações. 2ª reimpr. São Paulo: EDUC, 2006.)

Também a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, uma das primeiras pessoas a estudar a matéria, sob a ótica e perspectiva de sua especialidade, quando entende que o assédio moral seria qualquer conduta abusiva, configurada através de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que fogem do que é comumente aceito pela sociedade, isto é, "toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho." (HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p.65).

Como pontua o advogado Marcelo Ribeiro Uchoa, em trabalho intitulado "O Assédio Processual como Dupla Violência ao Trabalhador", ainda referindo-se a Nilton Rangel Barreto Paim e Jaime Hillesheim, aduz que:

"ademais da similitude das características - especialmente a sistematicidade das ações e o assaque contra a dignidade do assediado - o fato de que na condição de vítima estará o trabalhador, e, na condição de agente, o empregador ou alguém sob sua complacência. Mas para ambos juristas, além destas especificidades, o Assédio Processual também visa esmorecer, "pelo cansaço", o patrono judicial do trabalhador, a fim de fazer com que o obreiro desacredite na capacidade do Poder Judiciário de solucionar adequadamente a demanda."

E prossegue:

Apesar das semelhanças, sem entrar no mérito da discussão genealógica gênero-espécie dos institutos comparados, o certo é que há grandes diferenças entre uma modalidade e outra de violência, especialmente no que se refere ao local em que se perpetua a ação antijurídica e o rol de protagonistas do dano."

Quando então distingue as duas formas de assédio:

"A diferença inicial entre assédio moral e Assédio Processual é que a primeira violência, como não poderia deixar de ser, ocorre no ambiente de desenvolvimento do trabalho. É lá que, sistematicamente, na frente ou não de seus companheiros de labuta, o trabalhador é humilhado em sua dignidade. Por sua vez, o Assédio Processual ocorre no âmbito forense, no interstício temporal em que se dirime a demanda do trabalhador. É neste espaço de tempo que o protagonista da violência desfere todo seu poder de protelação, de tumulto e de obstacularização da atividade jurisdicional. Por isso mesmo a ação danosa pode ser confundida como a litigância de má-fé da lei processual civil."

Realmente, esclareço que são institutos distintos, na própria exegese que pode ser feita da leitura dos artigos 14, 17 e 600, todos do Código de Processo Civil Brasileiro, que não deixam margem a dúvida.

Enquanto a litigância de má-fé é a prática de qualquer dos atos estipulados nos artigos supra transcritos, podendo ser de ofício reconhecida pelo julgador, o assédio processual consiste na reiterada prática de qualquer destes atos de má-fé, além de outros atos, atentatórios à regularidade do próprio processo e à dignidade da justiça, porque, nesse último caso, a vítima não se limita à parte litigante, eis que o próprio Poder Judiciário, e, porque não dizer, o Estado Democrático de Direito também seriam vítimas em potencial.

Efetivamente, além da parte, o Estado, indiretamente, sofre os efeitos da conduta, embora não seja o sujeito passivo, haja vista que atinge tanto os legítimos interesses da parte adversária, como os objetivos da prestação jurisdicional, e por extensão, o interesse público, já que é dever do Estado, conquanto juiz, zelar pelo rápido andamento das causas (artigos 765 da CLT e 125, inc. II, do CPC) e de prestar jurisdição em tempo razoável (CF, art. 5º, inc. LXXVIII), com vistas á efetividade tão decantada.

Paroski ainda assevera sobre a finalidade e propósito do assediador, que seria:

"não a exclusão do seu adversário desta relação, pela sua exposição a situações desconfortáveis e humilhantes, mas o intento é outro: retardar a prestação jurisdicional e/ou o cumprimento das obrigações reconhecidas judicialmente, em prejuízo da outra parte, reservando a esta todos os ônus decorrentes da tramitação processual."

e

"consiste no exercício abusivo de faculdades processuais, da própria garantia da ampla defesa e do contraditório, pois, a atuação da parte não tem a finalidade de fazer prevalecer um direito que se acredita existente, apesar da dificuldade em demonstrá-lo em juízo, nem se cuida de construção de teses sobre assuntos em relação aos quais reina discórdia nos tribunais, a exemplo de uma matéria de direito, de interpretação jurídica, complexa e de alta indagação."

Para dizer que seu verdadeiro propósito é

"dissimulado, pois, sob aparência de exercício regular das faculdades processuais, deseja um resultado ilícito ou reprovável moral e eticamente, procrastinando a tramitação dos feitos e causando prejuízos à parte que tem razão, a quem se destina a tutela jurisdicional, além de colaborar para a morosidade processual, aumentando a carga de trabalho dos órgãos judiciários e consumindo recursos públicos com a prática de atos processuais que, sabidamente, jamais produzirão os efeitos (supostamente lícitos) desejados pelo litigante assediador."

E concluir que:

"Em assim agindo, o litigante que pratica o assédio processual compromete a realização do processo justo." PAROSKI, Mauro Vasni. Reflexões sobre a morosidade e o assédio processual na Justiça do Trabalho. Revista LTr, v. 72, n. 1, p. 33-44, jan. 2008.

Com efeito, o assédio processual, para restar configurado necessita da prática de alguns atos/ fatos /condutas, podendo ser enquadrado entre os casos de litigância de má-fé (art. 17, CPC), referir-se a atos atentatórios à dignidade da Justiça (art. 600, CPC), ou ainda estar relacionado à inobservância dos deveres das partes (art.14, CPC), como deve ser analisado em cada caso concreto, cabendo ainda ater-se ao exame do tempo "ganho" pelo assediador, além dos instrumentos processuais de que se valeu, em tudo para retardar a marcha do que tinha por obrigação legal cumprir.

Aqui, novamente com mais uma conclusão de Paroski quando diz que "parece irrecusável que a atuação revestida da intenção de causar prejuízos e/ou de alcançar vantagens ilícitas é viabilizada pelo uso de medidas processuais legalmente contempladas pelo sistema, de modo que se torna vazio de conteúdo o argumento de que se a parte as empregou, não cometeu assédio processual, mas apenas fez uso de instrumentos legitimados pelo sistema processual."

De fato, em assim agindo, a parte acaba indo de encontro com os fundamentos de um estado de direito democrático, no que intenta agir com justiça e de forma igualitária para com todos, punindo os excessos praticados.

Como enfatiza Jeane Sales Alves, em artigo intitulado "Assédio Processual Na Justiça do Trabalho":

"O objetivo almejado pela parte assediadora é causar desestímulo no outro litigante, fazendo com que este passe a desacreditar na efetiva prestação jurisdicional, que descuide da causa por não vislumbrar a possibilidade de sucesso face às investidas processuais protelatórias, e, algumas vezes, compeli-lo a celebrar acordos prejudiciais aos seus créditos."

Insta trazer à tona a regra do art. 187, do Código Civil de 2002, que tipifica como ato ilícito aquele gerado pelo exercício imoderado de um direito, no que exceder manifestamente aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Nesse sentido, o escólio de Maria Helena Diniz:

" O uso de um direito, poder ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar. Realmente, sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou por desvio de finalidade socioeconômica para o qual o direito foi estabelecido." (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 18. ed. rev., aum. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 7. Atualizada de acordo com o novo Código Civil)

Parece-nos pacífico o direito de reparação, que afirmo poderia ser requerida no próprio processo em que se deu a conduta ilícita, ou mesmo em processo autônomo, quando já concluído aquele em que foi realizado o assédio. Por conseguinte, esclareço que sendo o primeiro processo trabalhista, a ação de reparação deve ser ajuizada na Justiça do Trabalho, notadamente por força da competência declarada no art. 114, VI da CF/88.

A finalidade da reparação, aqui, acaba por se constituir em instrumento destinado a tornar realidade a tão propalada e desejada efetividade processual, desestimulando os atos de chicana e aqueles tendentes a tornar demorada a prestação jurisdicional e a efetivação do comando emanado do próprio provimento jurisdicional condenatório.

Aliás, tenho repetido que a Constituição Federal, em seu art. 3º, preconiza que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação (inciso IV), assegurando o seu art. 5º, caput, a igualdade de todos perante a lei.

Por sua vez, o art. 170, caput, assevera que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade possibilitar uma digna existência, calcada nos parâmetros da verdadeira justiça social e, seguindo a mesma trilha, o art. 193 dispõe que o primado do trabalho sustenta a ordem que, a seu turno, tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Diante do que foi dito, não há como viver de quimera e utopia, insistindo em promessas que não se materializam, devendo ser visto o texto Constitucional como instrumento legal hábil a implementar a sociedade ideal e plena que seus cidadãos almejam, dentro de uma existência de dignidade, que não se vivifica quando a Justiça, como Poder, e um dos braços da República, não se presta a dar guarida a quem procura ver seus direitos efetivados, diante dos rasgos deliberados em que são descumpridas as determinações por ela mesma exaradas, na manifesta descrença de quem já perdeu a fé na vida, nos homens, mas não pode se ver alijado de ter a descrença chegar ao Judiciário, nas atitudes que procrastinam a solução do litígio, em perversa inversão de valores, prioridades e princípios.

Sem dúvida, a razoável duração do processo, como dito, também é garantia constitucional, como se lê do art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/88, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004.

Já há precedentes, embora poucos, que autorizam ser aqui citados, a exemplo da sentença pioneira, proferida pela Juíza Mylene Pereira Ramos, da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos do processo n. 02784200406302004, quando ali asseverou:

"Praticou a ré assédio processual, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária."

De igual forma, decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, confirmando sentença de cognição, em decisão de sua primeira Turma, no recurso ordinário em que foi relator o Desembargador Tobias de Macedo Filho (processo n. 00511-2006-562- 09-00-3), condenando a empresa a pagar indenização pelo dano causado.

Também, em decisão unânime, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (Recurso de Apelação Cível nº 89150/2007), manteve decisão de Primeira Instância que determinou que uma das partes de um processo pagasse indenização por assédio processual à outra parte. No entendimento dos magistrados de Segundo Grau, "o assédio processual está configurado, pois a parte abusou do direito de defesa ao interpor repetidas vezes medidas processuais destituídas de fundamento, com o objetivo de tornar a marcha processual mais morosa, causando prejuízo moral à outra parte", que não conseguia ter adimplido seu direito constitucional de receber a tutela jurisdicional de forma célere e precisa, tendo o relator esclarecido que "é dever do Judiciário, garantir essa celeridade, essa efetiva prestação da tutela jurídica, e principalmente coibir todo e qualquer ato atentatório ao princípio constitucional da efetividade processual".

Portanto, as posturas já são no sentido de confirmar o quanto doutrinariamente vem sendo citado.

No caso concreto, o fator tempo e protelação entram para tornar mais perversa a equação de quem se viu apeado do emprego que lhe garantia o sustento, quando norma coletiva assegurava o direito de não ser despedido e, a reboque, ficou sem os benefícios à porta da aposentadoria e, mais grave, seguro saúde fornecido pelo empregador, tendo para isso também contribuído nas mais de três décadas em que ali labutou e, como insuficiente a própria condenação, envolvendo agora a fixação de astreinte (pagamento de um dia de salário para cada dia de atraso no cumprimento da medida judicial) para compelir o empregador a reverter parte da situação, até então não obteve êxito, no que chegam os autos com novo viés, pleiteando danos, morais e materiais, ante a situação de necessidade premente, além do que noticiam documentos diversos nos tratamentos de saúde e seu corolário.

Dito isso, tudo autoriza a responsabilidade civil, configurada a ilicitude dos atos, na conduta abusiva e protelatória da empresa reclamada, manifesta em ir além do simples direito de defesa e contraditório, ultrapassando os limites da boa fé e lealdade, com a própria Justiça, enquanto instituição, no desrespeito e descumprimento acintoso, de quem "paga para ver" e prefere "correr os riscos" de aguardar o futuro, que a Deus pertence, agora insta trazer de volta à Terra, seara de origem, o dever de respeito para com a parte contrária e com o próprio Poder Judiciário, dando implemento à efetividade da prestação judicial, de há muito deferida, na solução do litígio que, sendo premente, aguarda desde o ano de 2006 para ser resolvido.

DANOS MORAIS E MATERIAIS. INDENIZAÇÕES

Como nos ensina Ihering, "A pessoa tanto pode ser lesada no que tem, como no que é. E que se tenha um direito à liberdade ninguém o pode contestar, como contestar não se pode, ainda, que se tenha um direito a sentimentos afetivos, a ninguém se recusa o direito à vida, à honra, à dignidade, a tudo isso enfim, que, sem possuir valor de troca da economia política, nem por isso deixa de constituir um bem valioso para a humanidade inteira. São direitos que decorrem da própria personalidade humana. São emanações diretas do eu de cada qual, verdadeiros imperativos categóricos da existência humana".

O dano pode ser patrimonial, se passível de avaliação pecuniária e, moral, quando não for suscetível de estimação dessa natureza.

Pinho Pedreira, na vanguarda sobre o tema, quando conceituou o dano moral o fez, não com definições que o relacionassem com o sofrimento, expressado pela dor, ou no que se refere a direitos personalíssimos e, ao contrário, definiu-o assim:

"a única maneira aceitável de conceituar o dano moral é fazê-lo de modo negativo, como tal considerando o dano não patrimonial. Está hoje bastante generalizada a definição do dano moral como todo e qualquer dano extrapatrimonial".

Invoco agora o magistério de Sérgio Cavalieri, que assim vaticina:

"o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum". (in Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 80).

Por sua vez, José de Aguiar Dias, citando Minozzi, comenta:

"(...)

não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral, uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado."

E continua:

"(...)

se consiste na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos permanentes, psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito ou da lesão, quando não tenha deixado resíduo concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam.".

Tenho entendido, como regra, que a simples violação de direito, como parte da conduta do agente, já importa em reconhecer o dano de ordem moral, sendo aquele que se vincula em tudo a direitos de personalidade e, para tanto, considerando as modernas concepções sobre reparação, desnecessária a prova de prejuízo, de forma concreta.

Nesse mesmo sentido, Maria Celina Bodin de Moraes quando tratou de conceituar o dano como lesão à dignidade humana, particularmente, nas conseqüências que ele gera, quando afirma que:

"Assim, em primeiro lugar, toda e qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se concretizada, causadora de dano moral a ser reparado. Acentue-se que o dano moral, para ser identificado, não precisa estar vinculado a lesão de algum "direito subjetivo" da pessoa da vítima, ou causar algum prejuízo a ela. A simples violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial (ou de um "interesse patrimonial") em que esteja envolvida a vítima, desde que merecedora da tutela, será suficiente para garantir a reparação" (MORAES, Maria Cecília Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 188).

Danos patrimoniais, ou materiais, por seu turno, são aqueles que implicam na diminuição do patrimônio do lesado, isto é, o prejuízo que se reflete na esfera patrimonial, que pode ser subdividido em "emergente" e "lucros cessantes", sendo emergente o dano que consiste na efetiva diminuição do patrimônio lesado, e lucro cessante aquele que consiste na frustração de um ganho esperado, de um acréscimo patrimonial que o lesado teria se não houvesse ocorrido a ação do lesante, como nos ensina Beatriz Della Giustina.

Os danos emergentes redundam em prejuízos reais, déficit do patrimônio do empregado. Já os lucros cessantes estão relacionados aos eventos que geram morte, defeitos físicos, privação de ganhos futuros, diminuição ou limites da capacidade de trabalho, acumuláveis com o benefício previdenciário, sem que com aquele possam ser compensados. Aqui, a lógica leva à fixação até por equivalência matemática, tanto dos danos emergentes (art. 402, CC), como dos lucros cessantes (art. 960, CC).

É certo, portanto, que a reparação por dano patrimonial não exclui nem pode substituir a indenização por dano moral, plenamente cabível a cumulação das duas indenizações, com lastro em fundamentos diversos, podendo derivar de um só fato.

Sobre o tema, a controvérsia foi encerrada ainda em 1992, com a edição da Súmula 37, pelo STJ, segundo a qual "... são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato...", no mesmo passo a Súmula 229, do STF.

Quanto à admissibilidade do dano moral e sua abrangência, de há muito foi contemplada no Código Civil, que admitiu expressamente a sua reparação. Aliás, quanto ao dano moral em si, a prova de tal dano não é nem pressuposto para indenização, sendo suficiente comprovar o ato ilícito, como nos mostra aresto antigo do STJ, literis:

"Dispensa-se a prova do prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por sua vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo - o seu interior. De qualquer forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito." (STJ. Resp. 85.019, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 10.3.98, DJ: 18.12.98).

Bens preciosos e indisponíveis, a exemplo de vida, saúde, bem estar íntimo, honra e liberdade não se mensuram e, no caso concreto, parece indubitável o descompasso em ter assegurada decisão judicial transitada em julgado, sem que se implemente a sua efetivação, nas lesões que vão se perpetuando no tempo, a gerar seqüelas que se referem a "estados d'alma, a sofrimentos ou sensações dolorosas que afetam os valores íntimos de subjetividade", como ensina Miguel Reale.

Doutrinariamente, Beatriz Della Giustina, já citada, fala da presunção legal dizendo que:

"é aquela na qual a lei determina que, provado um fato, tem-se como aceito um outro, em caráter definitivo (presunção absoluta), ou até que seja feita prova em contrário (presunção relativa). Já na presunção de fato, o magistrado decidirá sobre fatos não provados à partir de outros já provados".

E continua:

"(...)

por meio de constituição doutrinária, tem defendido que não há como se cogitar de prova do dano moral, já que a dor física e o sofrimento emocional são indemonstráveis. Essa opinião dispensa a prova em concreto do dano moral, por entender tratar-se de presunção absoluta, ou 'iures et de iure'. "

Isso para concluir que o reclamante não precisaria provar que se sentiu dorido em seus sentimentos íntimos, em virtude do que denuncia na ação sob exame, no que decorreria de uma reação humana, como trata o direito romano, o id quad plerunique.

Como observa Carlos Alberto Bittar, "há, assim, fatos sabidamente hábeis a produzir danos de ordem moral que, à sensibilidade do Juiz logo se evidenciam.". Seriam reflexos normais e perceptíveis a qualquer ser humano.

Sobre fixação de indenizações, vale dizer que não é possível estabelecer valores exatos, até porque, como acredito, em matéria de dano moral o arbítrio é da essência das coisas, e, o arbitramento, por excelência, o critério de indenizar o dano, aliás, o único possível, dada a impossibilidade de se avaliar o pretium doloris.

Como nos ensina Nora Magnólia Costa Rotandano, em artigo intitulado "Dano Moral. Indenização: Expressão do Princípio da Igualdade":

"(...)

no dano moral a indenização não cobre todos os múltiplos aspectos da questão posta em Juízo, mas, com a procura de maior aproximação e atenção ao princípio da igualdade, restará demonstrado que o ordenamento, como fruto do dever ser, estará cumprindo sua missão".

Feitos esses esclarecimentos, saliento que com relação à fixação do valor do dano, a reparação deve vislumbrar o empregado em toda a sua essência, que lhe assegura dignidade, na condição de ser humano e, para tanto, ressalto que o melhor princípio para se fixar a indenização é o que José Affonso Dallegrave Neto chama de "Investidura Fática", ou seja, se colocar no lugar da vítima para se ter idéia concreta do quanto seria a ela devido.

No particular, omissa a legislação, admitindo sobre a impossibilidade de critérios objetivos, na própria subjetividade do tema, sendo o arbitramento, por excelência, o melhor critério para estabelecer o valor da indenização, aqui utilizando a supletividade do art. 946 do Código Civil c/c o art. 606, II, do CPC, de sorte a não perder de vista os critérios de uma reparação que seja "ressarcitória-preventiva", traduzida em uma compensação financeira à vítima e punição ao agente, de modo a desestimular, também, a reiteração da conduta delituosa.

Nesse sentido, agora, a doutrina abalizada de Inocêncio Galvão Telles quando afirma que:

"A responsabilidade civil exerce uma função reparadora, destinando-se, como se destina, a reparar ou indenizar prejuízos por outrem sofridos. Mas desempenha também uma função sancionadora sempre que na sua base se encontra um ato ilícito e culposo, hipótese a que nos vimos reportando, pois representa uma forma de reação do ordenamento jurídico contra esse comportamento censurável." (TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. 7ª ed., Coimbra: Coimbra, 1997, p. 418).

Adentrando ao tema específico das indenizações requeridas, foi pleiteado o pagamento de danos de ordem moral, e também material, considerando nesse último aspecto os danos emergentes e lucros cessantes, aqui tomando por base as despesas realizadas com tratamento de saúde, em geral, além das pendências de ordem financeira a que se viu jungido, bem como os tratamentos que poderá a vir necessitar, na recalcitrância da empresa em não incluí-lo no Plano de Saúde, quando poderia ver ressarcido o percentual de 85% (oitenta e cinco por cento) de todas as despesas médicas.

Em relação ao valor do dano moral, tomando por base o que tem balizado essa e. Turma julgadora na hora de fixar valores, considerando o ineditismo da ação que se desborda como inovadora, renovando a própria fé na dignidade da Justiça e em seus postulados, considerando a capacidade financeira da Reclamada, fixo-o no importe de R$70.000,00 (setenta mil reais).

No que tange aos danos emergentes e lucros cessantes, há documentos nos autos que confirmam exames clínicos realizados, consultas médicas, cirurgia a que se submeteu o autor, prescrição de medicamentos e despesas várias com tratamento de saúde (fls. 98/177), além do que denunciam os documentos de fls. 183/188, deixo de estabelecer um valor fixo para firmar a premissa de que sejam apurados tais valores em execução, com base nos documentos referidos, para cobrir com todos os custos, de forma geral, englobando o que foi gasto e ainda se fará necessário nesse sentido, até que seja cumprida a determinação judicial para que usufrua do Plano de saúde da TELOS.

Reformo a decisão.

Assim sendo, conheço e dou provimento ao recurso para, ultrapassada a tese de falta de interesse de agir, reconhecer a existência de assédio processual, condenando a empresa ré a pagar danos morais no valor de R$70.000,00 (setenta mil reais), além de danos materiais, que serão apurados em execução, tomando por base todos os gastos efetuados pelo autor com médicos, hospitais, clínicas e medicamentos, até que seja implementada a sua inclusão no plano de saúde mantido pela TELOS, conforme decisão exarada nos autos do processo de n.º 01225-2006-023-05-00-3.

Acordam os Desembargadores da 2ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, unanimemente, conhecer e, no mérito, também por unanimidade, dar provimento ao recurso para, ultrapassada a tese de falta de interesse de agir, reconhecer a existência de assédio processual, condenando a empresa ré a pagar danos morais no valor de R$70.000,00 (setenta mil reais), além de danos materiais, que serão apurados em execução, tomando por base todos os gastos efetuados pelo autor com médicos, hospitais, clínicas e medicamentos, até que seja implementada a sua inclusão no plano de saúde mantido pela TELOS, conforme decisão exarado nos autos do processo de n.º 01225-2006-023-05-00-3.

Salvador, 08 de outubro de 2009

MARGARETH RODRIGUES COSTA
Juíza Convocada Relatora

A conclusão deste acórdão foi publicada no Diário Oficial da Justiça do Trabalho,edição de 15/10/2009



Notas:

1 - "Paixão e morte do 'contempt of court' brasileiro" - art. 14 do Código de Processo Civil, in Direito Processual: inovações e perspectivas. Estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Coordenadores Eliana Calmon & Uadi Lammêgo Bulos. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 1. [Voltar]

2 - Cleon Oliphant Swaysse, apud Ada Pellegrini Grinover, ob. cit., p. 5. [Voltar]




JURID - Assédio processual. Caracterização. [21/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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