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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

JURID - Violação da soberania dos veredictos júri. [14/09/09] - Jurisprudência


Constitucional. Artigo 5º, inc. XXXVIII, alínea c, da Constituição de 1988. Violação da soberania dos veredictos júri.


Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 152 Divulgação 13/08/2009 Publicação 14/08/2009 Ementário nº 2369 - 5

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 94.052-8 PARANÁ

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACIENTE(S): CELINA CORDEIRO ABAGGE

PACIENTE(S): BEATRIZ CORDEIRO ABAGGE

IMPETRANTE(S): ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 5º, INC. XXXVIII, ALÍNEA C, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. VIOLAÇÃO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS JÚRI. NÃO-OCORRÊNCIA. DECISÃO SUJEITA A CONTROLE DO TRIBUNAL AD QUEM. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ANULAÇÃO. JUÍZO DE CASSAÇÃO, NÃO DE REFORMA. IDENTIFICAÇÃO DO CADÁVER. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.

1. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, não sendo absoluta, está sujeita a controle do juízo ad quem, nos termos do que prevê o artigo 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. Resulta daí que o Tribunal de Justiça do Paraná não violou o disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição do Brasil ao anular a decisão do Júri sob o fundamento de ter contrariado as provas coligidas nos autos,Precedentes.

2. O Tribunal local proferiu juízo de cassação, não de reforma, reservando ao Tribunal do Júri, juízo natural da causa, novo julgamento.

3. A controvérsia a respeito da identidade da vítima demanda, para seu deslinde, aprofundado reexame de fatos e provas, inviável em habeas corpus.

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus e cassar a medida cautelar anteriormente concedida, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 14 de abril de 2009.

EROS GRAU - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em acórdão cuja ementa é a seguinte [fls. 1.209/1.210 do anexo 5]:

"HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO CASSADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. VEREDICTO. SOBERANIA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. REVOLVIMENTO DA PROVA. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DA TURMA JULGADORA COM BASE NO CORPO DE DELITO. CONTRADITÓRIO. OFENSA AOS ARTIGOS 159 E 176 DO CPP VEZ QUE REALIZADO POR LAUDOS COMPLEMENTARES EM DESCONFORMIDADE COM AS REGRAS DO PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA NÃO CARACTERIZADA.

l. Não caracteriza ofensa ao princípio da soberania dos veredictos a decisão colegiada que cassa a sentença absolutória manifestamente contrária à prova contida nos autos;

2. Esta Corte já firmou posição no sentido de ser incabível utilizar-se do mandamus hipótese em que, para demonstrar se a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, demande revalorar a prova;

3. O Tribunal de origem, ao se convencer da materialidade do delito nos termos do artigo 157 do CPP, o fez com base na revalorização de todo os material probatório coligido aos autos - corpo de delito - e não em atenção aos laudos complementares de DNA;

4. Oportunizada à Defesa, em mais de uma fase procedimental, acompanhar a realização dos exames complementares aos Laudos Oficiais, inexiste violação ao princípio do contraditório, sobretudo quando observados os preceitos do artigo 169 e 176 do CPP.

5. Para que uma prova contamine outra e, via de conseqüência, todo o arcabouço probatório, é preciso ter por referencial a prova obtida de forma ilícita e admitida no processo, a partir da qual todas as demais decorram, exclusivamente, da prova imprestável.

6. Elementos outros foram valorados pela Turma Julgadora, servindo os exames complementares de DNA apenas para deixar extremes de dúvida as conclusões dos Laudos Oficiais."

2. Os impetrantes, em longa manifestação inicial, alegam, o quanto pode ser assim resumido:

[I] afronta à soberania do veredicto do Júri, que escolheu uma versão entre duas plausíveis;

[II] equívoco no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que negou a ordem afirmando ser necessário reexame de fatos e provas para chegar-se, ou não, à conclusão de que a absolvição das pacientes contrariou a prova dos autos;

[III] existência de dúvidas quanto à identidade do cadáver encontrado;

[IV] inconsistência no reconhecimento da vítima pela arcada dentária;

[V] insubsistência do exame de DNA, realizado sem observância do contraditório e da ampla defesa.

3. Requerem seja a liminar concedida para que se suspenda o julgamento designado para o dia 24.3.08 e, no mérito, a concessão da ordem para cassar os acórdãos do TJ/PR e do STJ, restabelecendo-se a decisão absolutória do Tribunal do Júri.

4. A liminar foi deferida.

5. A PGR manifesta-se pela denegação da ordem.

6. Os assistentes de acusação Ademir Batista Caetano e Maria Ramos Caetano requereram "(a) juntada da procuração ad judicia; (b) inclusão do nome do signatário na capa dos autos; (c) vista do processo" (fl. 117].

7. O impetrante impugnou a intervenção dos assistentes de acusação, alegando que "os sujeitos da relação processual instaurada com a impetração do remédio constitucional do habeas corpos são, além do órgão judiciário competente para julgá-lo, apenas o impetrante/paciente, a autoridade apontada coatora e o Ministério Público que oficia como custos legis junto ao órgão julgador" [fl. 129].

8. Determinei o desentranhamento das peças e a exclusão dos nomes dos assistentes de acusação da autuação.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator) : A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, não sendo absoluta, submete-se a controle judicial, nos termos do disposto no artigo 593, III, "d", do CPP ["Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] - III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: - d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária á prova dos autos." - "Art. 5º. [...] - XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: - [...] - c) a soberania dos veredictos;"]. A decisão do Tribunal local que anula a sentença do Júri, por ser contrária à prova dos autos, nem sempre viola o disposto no artigo 5º, XXXVIII, "c", da CB/882. Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte:

"PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVA. NÃO CONHECIMENTO. SOBERANIA DOS VEREDITOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. SISTEMA RECURSAL NO PROCEDIMENTO DOS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO JÚRI. [...] 4. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o artigo 593, 111, d, do Código de Processo Penal. 5. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 6. O sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, entre outros). 7. O juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio, harmonizando-se com a natureza essencialmente democrática da própria instituição do júri. 8. Recurso extraordinário não conhecido." [RE n. 559.742, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 4.12.08].

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS NÃO VIOLADA. LIMITE DE ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI E DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DENEGAÇÃO. 1. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal. 2. Conclusão manifestamente contrária à prova produzida durante a instrução criminal configura error in procedendo, a ensejar a realização de novo julgamento pelo tribunal do júri. 3. Não há afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos 4. Sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos. 5. Juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio. 6. A decisão do Conselho de Sentença do tribunal do júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, colidindo com o acervo probatório produzido nos autos de maneira legítima. 7. Habeas corpus denegado." [HC n. 88.707, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 17.10.08].

"EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. 'HABEAS CORPUS'. JÚRI: SOBERANIA. LIMITES DA APELAÇÃO. CF, ARTIGO 5º, XXXVIII, C. CPP, ARTIGO 593, III, D. I. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não exclui a recorribilidade de suas decisões, quando manifestamente contrárias à prova dos autos (CPP, artigo 593, III, d). II. - Decisão do Tribunal de Justiça, anulatória do julgamento do Tribunal do Júri, circunscrita aos fundamentos da apelação do Ministério Público. III. - H.C. indeferido." [HC n. 73.721, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 14.11.96].

"EMENTA: TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. NULIDADE. REEXAME DA MATÉRIA PROBATÓRIA. 1. A soberania dos veredictos do júri, assegurada em preceito constitucional, não é absoluta, sujeitando-se as decisões do conselho de sentença à instância recursal. 2. Não implica ofensa à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri, o acórdão proferido em grau de apelação para anular a decisão contrária à prova dos autos. 3. O reexame e revaloração de fatos e provas não é compatível com o rito especial e sumário do habeas corpus. 4. Habeas-corpus indeferido." [HC n. 73.349, Redator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 1º.12.00].

3. No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Paraná analisou exaustivamente o conjunto fático-probatório para concluir, fundamentadamente, que a decisão do Conselho de Sentença foi arbitrária e manifestamente contrária às provas dos autos. Leio no acórdão da Corte Estadual:

"4 - Decisão manifestamente contrária às provas dos autos:

Por esse fundamento, é de se dar provimento à apelação. Conforme narra a denúncia, o menor Evandro Ramos Caetano, com seis (6) anos de idade, desapareceu das imediações de sua residência, na manhã do dia 6 de abril de 1992, uma segunda-feira, e cinco (5) dias após, 11 de abril, um sábado, o corpo de uma criança foi encontrado em lugar ermo, em estado de putrefação.

O corpo foi levado ao Instituto Médico Legal de Paranaguá, onde a cirurgiã-dentista Dra. Adaíra Kessin Elias, que, em Guaratuba, atendia a vítima e seus familiares, reconheceu como sendo Evandro Ramos Caetano o cadáver cuja arcada dentária examinada (laudo de exame odontológico de identificação fls. 334/337, volume 2).

Em 12 de abril de 1992, o corpo foi transferido para o Instituto Médico Legal do Paraná, realizando-se o exame de necropsia e a identificação pelas arcadas dentárias (laudo de necropsia às fls. 215/222).

No laudo de necropsia, em tópico Do reconhecimento dos arcos dentários, fez-se consignar:

'Suspeitando-se que os arcos dentários do corpo putrefeito pertencessem a Evandro Ramos Caetano, foi localizada a cirurgiã-dentista indicada pela família, Dra. Adaíra Kessin Elias CRO 4171, residente na Rua Ponta Grossa, n.º 333, no município de Guaratuba-PR. A presença da Dra. Adaíra para reconhecimento deveu-se ao fato de não ter registro dos tratamentos dentários realizados, porque atendia o menor Evandro no Ambulatório do Instituto Nacional de Previdência e Assistência Social (INAMPS), que não faz registro individual de seus pacientes. Examinando os arcos dentários, a Dra. Adaíra reconheceu os arcos dentários e todas as restaurações que realizou nos dentes decíduos e permanentes, registrando a presença dos dentes 16, 26 e 46 íntegros e a restauração recente do dente 36. Afirmou ter extraído o dente 64 há um ano aproximadamente, e reconheceu a 'presença dos incisivos centrais, decíduos superiores e dos incisivos centrais permanentes inferiores'. Após, preencheu e assinou um termo de reconhecimento técnico, onde confirmou que todos os trabalhos restauradores foram por ela realizados nos arcos dentários do menor Evandro Ramos Caetano (fl. 220).

Sobre a arcada dentária de Evandro Ramos Caetano, foi inquirida em plenário uma das signatárias do laudo de necropsia, a Dra. Beatriz Helena Sottile França, Professora de Odontologia Legal e Deontologia nas Universidade Federal do Paraná, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e na Universidade Tuiuti, especialista em Odontologia Legal pela Sociedade de Medicina Legal Brasileira, mestre e doutora pela Unicamp, ex-Presidente do Conselho Regional de Odontologia, responsável pelo Departamento de Odontologia Legal e Antropologia Forense do Instituto Médico Legal do Paraná, e, após tecer considerações sobre o reconhecimento dos arcos dentários do cadáver pela dentista da família Caetano, concluiu que o corpo necropsiado indubitavelmente é de Evandro Ramos Caetano (fls. 7691/7692).

Para além desses dados, realizou-se exame de DNA pelo Núcleo de Genética Médica de Belo Horizonte, cujas conclusões foram acachapantes.

No segundo laudo preliminar emitido pelo respeitável Núcleo, já se concluíra com a confiabilidade de 99,997$, que o cadáver encontrado era de um indivíduo do sexo masculino e filho biológico do casal Ademir Batista Caetano e Maria Ramos Caetano. Podemos assim concluir cientificamente tratar-se do cadáver de Evandro Ramos Caetano, desaparecido, filho do casal (fls. 1651/1656). No laudo final, registrou-se que: O Índice Final de Paternidade (relativo ao casal) foi de 29753. Se considerarmos uma probabilidade 'a priori' de 50% (conservadora) de que o cadáver seja de Evandro Ramos Caetano, podemos, com base nos resultados obtidos, calcular uma probabilidade final de 99,997% (fls. 2013/2018).

E não se pode confundir a probabilidade levada em consideração aprioristicamente (50%) com a probabilidade final, como bem esclareceu o médico-legista Dr. Francisco Moraes Silva em plenário: que os cinqüenta por cento mencionados no laudo dizem respeito ao percentual conservador de que somos mamíferos, sexuados, oriundos de metade do patrimônio genético da mãe, que o resultado quanto ao conteúdo não pode ser questionado, aliás, que o depoente nunca teve dúvida à identidade do cadáver, mesmo sem exame de DNA (fl. 7671).

Do que se esclareceu, tem-se que a alusão aos 50% (conservadora) no laudo final do Núcleo de Genética Médica de Belo Horizonte denota ter sido bastante o confronto do DNA extraído do cadáver com o que se extraiu do sangue de sua genitora Maria Ramos Caetano, uma vez que não se estava a averiguar a paternidade. Daí a probabilidade de 99,997% de certeza consignada na conclusão do referido laudo final: Pelos resultados obtidos, é possível afirmar com confiabilidade de 99,997% que o cadáver encontrado era de um indivíduo do sexo masculino e filho biológico do casal Ademir Batista Caetano e Maria Ramos Caetano. Podemos assim concluir cientificamente tratar-se do cadáver de Evandro Ramos Caetano, desaparecido, filho do casal.

Portanto, com o devido respeito à ilustrada defesa das apeladas, não podem ser levadas em linha de conta as afirmações de que os jurados apenas adoram uma das teses abordadas, e muito menos as considerações tecidas sobre os exames técnicos (mormente o exame de necropsia e o exame de DNA), tachando-os de inseguros e de relativos resultados, pois, como asseverado no brilhante parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, é absurda a pretensão de levantar-se uma dúvida salvadora quanto à materialidade do crime, com esteio tão-somente em dois pareceres de encomenda, elaborados teoricamente, alguns anos depois dos fatos, sem o necessário exame de qualquer material, humano ou não, apreendido (fl. 8298).

Relembre-se que a opção do corpo de jurados por uma das teses apresentadas em plenário deve estar respaldada em mínimo material probatório [Desde que apoiado em elementos fidedignos de convicção, não há que se falar em julgamento popular que contrarie manifestamente a prova dos autos (2ª C. Crim., j. em 06.12.2001).]

No caso, o zelo com que a materialidade delituosa foi demonstrada nos autos apresenta-se incensurável, numa seqüência de dados cientificamente examinados por especialistas de escol.

Dizer-se simplesmente que os jurados optaram por rejeitar o exame de DNA (fl. 8253) significa a aceitação de que foi aberrantemente infensa à prova dos autos sua decisão, pois negaram ser de Evandro Ramos Caetano o corpo encontrado, quando cientificamente se demonstrou o contrário.

A Defesa tenta relativizar as conclusões do exame de DNA e do laudo de exame de necropsia com pareceres e testemunhos, como se pudessem esses dados infirmar as conclusões técnicas emanadas de especialistas de altíssima credibilidade. Tenta demonstrar que as lesões em Evandro foram causadas por animais (parecer de Arlindo Blume, que admite ser de Evandro o corpo, mas apenas discorre sobre ter sido ele molestado por animais), bem assim que a memória poderia levar a dentista da família a cometer equívocos no reconhecimento da arcada dentária do menino (como já visto, o exame dos arcos dentários foram acompanhados por perita capacitada que subscreveu o laudo de exame de necropsia).

Como judiciosamente analisado pelo Procurador de Justiça Dr. Luciano Branco Lacerda, a resposta negativa, por maioria de votos, ao 1º quesito referente à materialidade do crime de homicídio do menor Evandro Ramos Caetano (fls. 7896-7903, vol. 39), contrapõe-se abusivamente a provas periciais idôneas, confirmadas por laudos de investigação genética de identidade pelo estudo direto do DNA, em número de três, elaborados por instituto científico da mais alta confiabilidade, ou seja, o Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais Ltda., com a chancela do doutor Sérgio Danilo Pena, professor e cientista consagrado mundialmente, como demonstramos no parecer emitido para julgamento do recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia (...). E assim prossegue o culto Professor Branco Lacerda:

A materialidade do homicídio, insistimos, está comprovada através de perícias oficiais (laudo de exame e levantamento do local de achado do cadáver, laudo de necropsia, laudo de exame odontológico de identificação e laudo de avaliação técnica comparativa), sendo que os trabalhos de investigação genética pelo DNA, através de tecnologia sofisticada e moderna, servem para respaldar aquelas conclusões. É claro que o homicídio do menor Evandro Ramos Caetano já estava comprovado pelo laudos oficiais. os laudos de investigação genética pelo DNA vieram apenas confirmar aquelas conclusões, eliminar com a sua precisão tecnológica qualquer dúvida que pudesse ser lançada.

óbvio que os jurados poderiam livremente aprovar ou rejeitar qualquer laudo pericial existente nos autos, não apenas aquele elaborado no Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais Ltda. Porém, rejeitando-o, agrediram o conjunto probatório, desprezaram a justiça e provocaram a realização de novo julgamento.

Aliás, seria exagerada petulância, digna de riso, que nós, leigos, com pálidos e insipientes argumentos, contestássemos ou pudéssemos em dúvida as conclusões científicas de moderna e complexa tecnologia, que poucos conseguem dominar (8278/8298).

Infere-se, então, que o veredicto do Corpo de Jurados contraria manifestamente o conjunto probatório, salientando-se, com Francisco de Assis do Rêgo Monteiro Rocha, que 'decisão manifestamente contrária à prova dos autos' só pode ser havida aquela que se divorcia completamente dos elementos suasórios do processo. O advérbio 'manifestamente' indica, na hipótese, uma solução abertamente contrária à evidência das provas, dela se afastando completamente, inteiramente (Curso de Direito Processual Penal, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 918).

Diante do que se expôs, ressalta imperiosa a conclusão de que o veredictum do Conselho de Sentença incidiu em discrepância notável com a prova dos autos, cabível, então, cassá-lo por via do apelo interposto [grifei]."

4. Evidenciado que a absolvição das pacientes contrariou a prova dos autos, não há falar em ofensa á soberania da decisão dos jurados, até porque a Corte Estadual proferiu juízo de cassação, não de reforma. Essa decisão está em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal, retratada nas seguintes ementas:

"HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. JÚRI. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ANULAÇÃO. VIOLAÇÃO A SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INOCORRÊNCIA.

l. Paciente absolvido pelo Júri, que reconheceu ter ele agido em legítima defesa. Apelação provida para anular a decisão, porque contrariou a prova dos autos. Pretensão de restabelecer a sentença absolutória: Impossibilidade, por ser vedado o reexame de provas em habeas-corpus.

2. A decisão proferida em recurso de apelação interposto com fundamento no artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal, caracteriza-se como verdadeiro juízo de cassação, não de reforma, e, por isso mesmo, não viola o princípio da soberania dos veredictos do Tribunal Popular. 3. Precedentes. Ordem denegada." [HC n. 82.050, Relator o Maurício Corrêa, DJ de 21.3.03]

"EMENTA: HABEAS-CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ANULAÇÃO DE DECISÃO ABSOLUTÓRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI, PELO TRIBUNAL A QUO, POR SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. l. Veredicto do Tribunal que adota uma das versões dos autos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagra a soberania das decisões do Tribunal do Júri, as quais devem estar apoiadas numa das versões razoáveis dos fatos; entretanto, a versão adotada pelos jurados não pode ser inverossímil ou arbitrária. Precedente. 2. O artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal, ao permitir recurso de apelação quando 'for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos', é um autêntico juízo de cassação, e não de reforma, pela instância ad quem, razão pela qual é compatível como o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (artigo 5º, XXXVIII, c). Este permissivo, para apelar contra decisão absolutória do Tribunal do Júri, aliás, o único previsto, antes de ser um privilégio da acusação ou um malefício ao réu, é, simplesmente, mais um instrumento que busca aperfeiçoar o processo na incessante busca do ideal de justiça, porquanto visa afastar do repositório jurisprudencial decisões teratológicas."

[HC n. 77.809, Redator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 18.5.01].

5. O exame de DNA, cuja realização os impetrantes alegam ter contrariado a ampla defesa e o contraditório, não foi considerado isoladamente; serviu apenas para reafirmar a identidade da vítima, já conhecida no laudo de reconhecimento da arcada dentária. Dito de outro modo, o exame de DNA somente veio confirmar o que a dentista da vítima atestara. Esse exame, determinante da verdade processual, não pode, não deve ser ignorado.

6. De mais a mais, o habeas corpos não é, como afirmado no acórdão do STJ, a via processual apropriada ao reexame de fatos visando ao deslinde da controvérsia a respeito da identidade da vítima.

7. O Ministério Público Federal demonstrou, à saciedade, a improcedência das razões da impetração, qual se vê da leitura dos seguintes trechos de seu parecer [fls. 6, 13 e 14]:

"[...]

8. Inicialmente, cumpre ressaltar a inequívoca pretensão dos impetrantes de obter, via writ, amplo revolvimento de provas, haja vista que a tese sustentada na impetração apóia-se - exclusivamente - na alegação de que o cadáver periciado, que evidencia materialidade delitiva, não seria do menor Evandro Ramos Caetano; a tese apega-se, na verdade, na frágil e inconsistente argüição da suposta 'identidade controvertida', que, à toda evidência, foi definitivamente rechaçada pela farta prova colacionada aos autos.

9. No entanto, ainda que se proceda ao cotejo de provas, como pretende a Defesa, não há como chegar-se à conclusão que lhe favoreça, mas tão-somente ao irrefragável desfecho de que a absolvição decretada pelo Conselho de Sentença está em franca dissonância com o que demonstra, de modo clarividente, o robusto conjunto

probatório: a meticulosa identificação do pequeno

cadáver - ou dos restos remanescentes, dada a brutalidade com que foi dilacerado o pequeno corpo - não deixa qualquer dúvida acerca da materialidade delitiva dos crimes que foram perpetrados contra o menor Evandro Ramos Caetano, vítima dos bárbaros delitos segundo as irrefutáveis provas apontadas nos autos.

10. Com efeito, o Tribunal de Justiça do Paraná analisou exaustivamente o complexo material probatório que compõe o caso concreto, concluindo que o veredicto absolutório fora proferido em total discrepância com o que evidenciam as provas técnico-periciais produzidas ao longo de todo o procedimento; o cresto aponta, de forma minudente, e em demasia, elementos suficientes à comprovação da materialidade delitiva, demonstrando a absoluta incoerência da decisão (absolutória) no Tribunal do Júri [...].

[...]

11. Não há, portanto, cogitar-se que dentre as várias versões apresentadas em Plenário tenha o Conselho de Sentença optado por uma delas - no caso, absolutória -, haja vista que também nesta hipótese imprescindível seria que tal decisão fosse estritamente pautada nas provas reveladas nos autos, o que efetivamente não ocorreu no caso em tela: o Conselho de Sentença incorreu em equívoco, dissociando-se completamente do que escancarado pelo material probatório.

12. Na verdade, a Defesa tenta inutilmente ilidir os contundentes elementos que compõem o acervo probatório relativo à materialidade delitiva, valendo-se de argumentos pueris e meras conjecturas que em verdade são inábeis a desconstituir laudos oficiais (Laudo e Exame de Levantamento do Local e de Achado do Cadáver, Laudo de Necropsia, Laudo de Exame Odontológico de Identificação, Laudo de Avaliação Técnica Comparativa), perícias e exames de investigação de material genético (DNA), todos de altíssima tecnologia e emanados de profissionais cuja qualificação é inquestionável, bem como de instituições científicas de induvidosa credibilidade, sempre conclusivos no sentido de que o corpo do menor encontrado é de Evandro Ramos Caetano.

13. Frise-se, por oportuno, que foi franqueado à Defesa, nas várias etapas do procedimento, o acompanhamento das várias provas produzidas, não havendo cogitar-se de qualquer mácula aos ditames constitucionais do contraditório e ampla defesa."

Denego a ordem, ficando cassada a liminar.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 94.052-8

PROCED.: PARANÁ

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACTE.(S): CELINA CORDEIRO ABAGGE

PACTE.(S): BEATRIZ CORDEIRO ABAGGE

IMPTE.(S): ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO (A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus e cassou a medida cautelar anteriormente concedida, nos termos do voto do Relator. Falou, pelas pacientes, o Dr. Antonio Nabor Areias Bulhões e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Wagner Gonçalves. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Presidiu, este julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 14.04.2009.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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