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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

JURID - Tutela antecipatória. Possibilidade. Poder Público. [10/09/09] - Jurisprudência


Tutela antecipatória. Possibilidade, em regra, de sua outorga contra o Poder Público, Ressalvadas as limitações previstas no artigo 1º da Lei nº 9.494/97.


Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 152 Divulgação 13/08/2009 Publicação 14/08/2009 Ementário nº 2369 -7

SEGUNDA TURMA

TUTELA ANTECIPADA - REFERENDO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 495.740-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECORRIDO(A/S): DISTRITO FEDERAL

ADVOGADO(A/S): PGDF - ZÉLIO MALA DA ROCHA

ADVOGADO(A/S): PGDF - MARIANA PESSOA DE MELLO PEIXOTO

INTERESSADO(A/S): GUSTAVO JULIAN DE FÉLIX SILVA (REPRESENTADO POR ELISABETH REGINA FÉLIX)

TUTELA ANTECIPATÓRIA - POSSIBILIDADE, EM REGRA, DE SUA OUTORGA CONTRA O PODER PÚBLICO, RESSALVADAS AS LIMITAÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 1º DA LEI Nº 9.494/97 - VEROSSIMILHANÇA DA PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL - OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DO "PERICULUM IN MORA" - ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS (CPC, ARTIGO 273, INCISOS I E II) - CONSEQUENTE DEFERIMENTO, NO CASO, DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS "ASTREINTES" CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - DECISÃO REFERENDADA EM MAIOR EXTENSÃO - TUTELA ANTECIPATÓRIA INTEGRALMENTE DEFERIDA.

POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE OUTORGA, CONTRA O PODER PÚBLICO, DE TUTELA ANTECIPATÓRIA.

- O ordenamento positivo brasileiro não impede, em regra, a outorga de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional contra o Poder Público, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no artigo 273, I e II do CPC, na redação dada pela Lei ns 8.952/94, ressalvadas, no entanto, as situações de pré-exclusão referidas, taxativamente, no artigo 14 da Lei nº 9.494/97, cuja validade constitucional foi integralmente confirmada, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC 4/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO. Existência, no caso, de decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu, em favor do menor impúbere, o direito em seu nome vindicado. Ocorrência, ainda, de situação configuradora de "periculum in mora" (preservação das necessidades vitais básicas do menor em referência).

LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS "ASTREINTES".

- Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no parágrafo quinto do artigo 461 do CPC. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito. Doutrina. Jurisprudência.

ACÓRDÃO

vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do ministro Celso de Mello (RISTF, artigo 37, II), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em referendar, em maior extensão, a decisão proferida pelo Relator, para, além da postulação sob "a" (fl. 396), também deferir a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional quanto aos pleitos deduzidos sob letras "b" e "c", constantes do pedido a fl. 396 e 397, estabelecendo, para efeito do pagamento das verbas nelas mencionadas ("b" e "c"), o prazo de 30 dias, sob pena, em caso de descumprimento dessa determinação, de imediata incidência da multa cominatória de R$ 20.000,00 por dia, nos termos do artigo 461, parágrafo quinto, do CPC, observados, ainda, os termos do voto do Relator no que concerne ao deferimento do pleito sob "a" (fl. 396) e à cominação da multa diária em caso de inexecução de qualquer das medidas objeto da presente tutela antecipatória (itens "a", "b" e "c", a fl. 396/397). Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 02 de junho de 2009.

CELSO DE MELLO - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Por entender configurados, na espécie, os requisitos pertinentes à verossimilhança e ao "periculum in mora", proferi, na presente sede recursal extraordinária, decisão axe concedeu, em parte, antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, postulada, em formação litisconsorcial ativa, pelo Ministério Público Federal e pelo ministério Público do Distrito Federal e Territórios, fazendo-o com apoio nas seguintes razões (fls. 408/416):

"Trata-se de 'tutela antecipada', requerida com o objetivo de fazer preservar condições mínimas de subsistência e de dignidade que garantam, ao interessado, menor impúbere que '(...) não anda, não fala, não enxerga, não come, não ri, não realiza, enfim, a mais básica ação sem ajuda de outrem (fls. 392 - grifei), a plena fruição do direito que lhe foi reconhecido, na presente causa, pela colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (fls. 3901397).

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em promoção destinada a amparar o menor impúbere Gustavo Julian de Félix Silva, com quase 10 (dez) anos de idade (fls. 14), representado por sua mãe, Elisabeth Regina Félix - e tendo em consideração as lastimáveis, terríveis e degradantes condições, absolutamente incompatíveis com a essencial dignidade da pessoa humana (fls. 392), a que referido menor se acha reduzido por efeito de comportamento inteiramente imputável ao Distrito Federal (tal como o entendeu, em julgamento colegiado, esta Suprema Corte) -, postulam a adoção, em sede liminar, das seguintes providências (fls. 396/397):

'a) a inclusão, a partir de ls de outubro de 2008, na folha de pagamento da entidade pública (Secretaria de Saúde do Distrito Federal) do valor mensal referente a 2 (dois) salários-mínimos, a título de pensão, enquanto viver o hipossuficiente (CPC, artigo 475-Q, parágrafo segundo).

b) o pagamento, em 5 (cinco) dias úteis, dos valores atrasados da pensão mensal, desde o nascimento do menor, em 22 de dezembro de 1999 (cf. certidão de fls. 14), até o corrente mês de setembro de 2008, devidamente atualizados - juros de 0,5% até a edição do novo Código Civil e de 1% após a vigência do novo Código Civil -, conforme planilha anexa efetivada pelo Setor de Perícias e Diligências do ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

c) o pagamento, em 5 (cinco) dias úteis, dos valores correspondentes a 80 (oitenta) salários mínimos, a título de dano moral, devidamente corrigido na forma supra, a partir da citação do Distrito Federal, em 10 de janeiro de 2002 (fls. 92193), de acordo com a referida planilha confeccionada pelo setor de Perícias do MPDFT.' (grifei)

Cabe verificar, preliminarmente, se se revela viável, ou não, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdícíonal contra o Poder Público.

Como se sabe, o ordenamento positivo brasileiro não impede a concessão de tutela antecipada contra o Poder Público.

Esse entendimento - que admite a antecipação jurisdicional dos efeitos da tutela, especialmente quando condenada a Fazenda Pública em regular processo de conhecimento - resulta de autorizado magistério doutrinário (NELSON NERY JUNIOR/ROSA MARIA ANDRADE NERY, 'Código de Processo Civil Comentado', p. 752, item n. 26, 4ª ed., 1999, RT; SERGIO SAHIONE FADEL, 'Antecipação da Tutela no Processo Civil', p. 85, item n. 25.1, 1998, Dialética; CARLOS ROBERTO FERES, 'Antecipação da Tutela Jurisdicional', p. 45, item n. 14, 1999, Saraiva; REIS FRIEDE, 'Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar', p. 1951196, item n. 18, 5ª ed., 1999, Del Rey; J. E. S. FRIAS, 'Tutela Antecipada em face da Fazenda Pública', 'in' Revista dos Tribunais 728160-79, 69-70; DORIVAL RENATO PAVAN/CRISTIANE DA COSTA CARVALHO, 'Tutela Antecipada em face da Fazenda Pública para Recebimento de Verbas de Cunho Alimentar', 'in' Revista de Processo 91/137-169, 145, v.g.).

Na realidade, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no artigo 273, I e II, do CPC, na redação dada pela Lei nº 8.952194 - e observadas as restrições estabelecidas no artigo 1º da Lei nº 9.494/97 (cuja validade constitucional vem de ser confirmada, por esta Suprema Corte, no julgamento final da ADC 4/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO) , tornar-se-á lícito ao magistrado deferir a tutela antecipatória requerida contra a Fazenda Pública.

Isso significa, portanto, que juízes e Tribunais - sem incorrerem em desrespeito à eficácia vinculante decorrente do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na apreciação da ADC 4/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO - poderão antecipar os efeitos da tutela jurisdicional em face do Poder Público, desde que o provimento de antecipação não incida em qualquer das situações de pré-exclusão referidas, taxativamente, no artigo 1º da Lei nº 9.494/97.

A Lei nº 9.494/97, ao dispor sobre o tema ora em análise, assim disciplinou a questão pertinente à antecipação da tutela relativamente aos órgãos e entidades do Poder Público:

'Art. 1º - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos artigos 54 e seu parágrafo único e artigo 72 da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, e no artigo 1/ e seu parágrafo quarto da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos artigos 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.' (grifei)

O exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidencia que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não pode deferi-la nas hipóteses que importem em: (a) reclassificação funcional ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas.

Daí a correta observação feita por SERGIO SAHIONE FADEL ('Antecipação da Tutela no Processo Civil', p. 85 e 87, item n. 25.1, 1998, Dialética), em lição na qual - após destacar que as restrições legais ao deferimento da tutela antecipatória mas enfatizam o fato 'de ser inquestionável o seu cabimento' contra o Poder Público (pois, 'caso contrário, não haveria necessidade de a norma legal restringir o que estaria explicitamente proibido ou vedado') - assinala que as limitações impostas pela Lei nº 9.494197 (artigo 1º) apenas alcançam as ações, propostas contra a Fazenda Pública, que impliquem 'pagamentos a servidores públicos com a incorporação, em folha de pagamento, de vantagens funcionais vencidas, equiparações salariais ou reclassificações'.

Impõe-se reconhecer, portanto, que a pretensão deduzida, em litisconsórcio ativo, pelo ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (fls. 3901397) não incorre em qualquer das hipóteses taxativas de restrição legal ao deferimento da tutela antecipada.

Feitas essas considerações, passo ao exame do pedido de medida liminar ora formulado nesta sede processual. E, ao fazê-lo, enfatizo que a antecipação dos efeitos da tutela supõe, para legitimar-se, a ocorrência de determinados requisitos, como a verossimilhança da pretensão de direito material (CPC, artigo 273, 'caput') e o 'periculum in mora' (CPC, artigo 273, I).

Na realidade, a antecipação dos efeitos da tutela reclama, para sua concessão, mais do que o simples 'fumus boni juris', pois, para tal propósito, o ordenamento positivo impõe que se satisfaça a exigência da verossimilhança da pretensão de direito material (CPC, artigo 273, 'caput'), a significar, tratando-se de recurso extraordinário, a ocorrência de uma 'muito forte probabilidade, para não dizer extrema probabilidade - o que é mais do que ocorre com o 'fumus boni iuris, de o recorrente vir a sair vitorioso quando esta Corte decidir a questão em causa' (Pet 2.768-QO/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei).

E foi, precisamente, o que se registrou na espécie ora em exame, pois o direito material vindicado em favor do menor impúbere foi plenamente reconhecido por este Supremo Tribunal Federal, no julgamento da presente causa, de que resultou a sucumbência integral do Distrito Federal.

Vê-se, portanto, que, mais do que verossimilhança do pleito jurídico, acha-se presente, no caso, o próprio reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da postulação de direito material deduzida nesta causa, a legitimar, em consequência, o atendimento, ainda que parcial, da pretendida antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

Cabe assinalar, no ponto, por relevante, que o entendimento que ora venho de expor vem sendo reiteradamente afirmado, por esta Suprema Corte, em sucessivas decisões sobre este tema (RTJ 183/955, Rel. Min. MOREIRA ALVES - AC 457-MC/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO - AC 301-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO - Pet 2.696-QO/PR, Rel. Min. MOREIRA ALVES - Pet 2.393-QO/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - Pet 2.784-QO/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.):

'(...) Cuida-se, neste processo, de antecipação da tutela requerida no próprio recurso, cujo deferimento depende do 'convencimento de verossimilhança, que se traduz em muito forte probabilidade de o recorrente vir a sair vitorioso no julgamento do recurso extraordinário' (Pet 2.696-QO, Relator ministro Moreira Alves, entre outros precedentes). (...).' (AC 613-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO - grifei)

Entendo, por isso mesmo, em face do contexto em exame, que se acha plenamente caracterizada, na espécie, como já referido, a própria existência do direito material reconhecido ao menor impúbere em questão (muito mais, portanto, do que a simples verossimilhança exigida pelo artigo 273 do CPC), pois foi levo o sucesso processual de Gustavo Julian de Félix Silva, cuja pretensão foi integralmente acolhida pela colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao confirmar, por inteiro, a decisão por mim proferida (fls. 371/376), veio a negar provimento ao recurso de agravo interposto pelo Distrito Federal, de tudo resultando a total procedência da ação ordinária ajuizada, em nome do referido menor, por sua mãe, Elisabeth Regina Félix.

Impende enfatizar, por relevante, que a antecipação dos efeitos da tutela também supõe, para legitimar-se, que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do 'periculum in mora'.

Reconheço que o ministério Público justificou, de maneira inteiramente adequada, as razões que caracterizam a concreta ocorrência, na espécie, da situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, artigo 273, I), enfatizando, a esse propósito, o que se segue (fls. 392/393):

'O receio de dano irreparável também se afirma inquestionável na espécie, eis que, indeferida a antecipação da tutela, o menor continuará a sofrer danos incompatíveis com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana inscrito no artigo 10, inciso III, da Carta Política.

ora, o hipossuficiente, desde o nascimento, há 9 (nove) anos, vem sobrevivendo pelo esforço sobre-humano de seus pais, pessoas simples, sem receber a indispensável recomposição financeira de responsabilidade do Distrito Federal, agora reconhecida pela firme e justa proclamação do Supremo Tribunal Federal.

Não é preciso muito para imaginar os dispendiosos cuidados - p. e., locomoção, auxílio de terceiros quando os pais se ausentam para trabalhar, além de condições especiais de higiene e acomodação - requisitados pelo jovem vitimado pela doença incapacitante e generalizada resultante da ação ilícita do recorrido, tudo a exigir gastos vultosos que o Supremo Tribunal Federal determinou ao Estado suprir com a condenação por danos físicos e morais.

Em uma palavra: sem o adiantamento da tutela, a criança tem recrudescidas suas precárias condições dia a dia, sem que se possa contornar, eficazmente, a situação em futuro incerto.

A propósito, o feito ainda não transitou em julgado, cabendo, em tese, a dedução de novos recursos pelo ente estatal, não se viabilizando, sequer, execução provisória, porquanto somente reconhecido o direito do menor, após longos e longos anos, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, embora pleiteada, ainda na inicial, a concessão de tutela provisória (item 'b', fls. 10).

A tutela antecipada, em consequência, é o único meio eficaz para garantir ao incapaz Gustavo Julian de Félix Silva a subsistência e afastar o iminente risco de morte que, conforme dispensa demonstração, ameaça cotidianamente o menor. Ressoa, nesse passo, a natureza alimentar e mandamental da pretensão.' (grifei)

Como assinalei, têm inteira razão os ilustres representantes do Ministério Público, quando demonstram o gravíssimo quadro que se criou em torno do menor impúbere em questão, que permanentemente necessita de cuidados especiais tão dispendiosos que chegam a comprometer o modestíssimo orçamento doméstico de sua família.

O ministério Público definiu, com precisão, o estado lastimável a que se acha relegada a criança em referência, em cujo favor e amparo interveio, decisivamente, o 'Parquet', que assim relatou, com palavras que a realidade não pode obscurecer, a triste e dramática situação desse menor impúbere (fls. 392):

'(...) não anda, não fala, não enxerga, não come, não ri, não realiza, enfim, a mais básica ação sem ajuda de outrem.' (grifei)

É preciso reconhecer, tendo em vista o quadro pungente ora exposto, que se trata de situação - Inteiramente imputável ao Distrito Federal, conforme reconhecido, em duas decisões (fls. 371/376 e 388), pelo Supremo Tribunal Federal - diretamente lesiva ao postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, artigo 12, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Ou, em outras palavras, cumpre enfatizar que a demora irrazoável na efetivação da prestação jurisdicional, por efeito de obstáculo criado pelo próprio Estado (o Distrito Federal, no caso), revela-se conflitante com esse paradigma ético-jurídico conformados da própria organização institucional do Estado brasileiro.

Incontestável, portanto, a ocorrência, na espécie, de situação configuradora do 'periculum in mora'.

Desse modo, e em face das razões expostas, defiro, em parte, o pedido ora formulado pelo ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, constante do item 'a' (fls. 396), determinando, em consequência, '(...) a inclusão, a partir de 12 de outubro de 2008, na folha de pagamento da entidade pública (Secretaria de Saúde do Distrito Federal) do valor mensal referente a 2 (dois) salários-mínimos, a titulo de pensão, enquanto viver o hipossuficiente (CPC, artigo 475-Q, parágrafo segundo)', sob pena de, em não o fazendo o Distrito Federal, submeter-se a uma 'multa diária de R$ 20.000, 00 (vinte mil reais),' nos termos do que prescreve o parágrafo quinto do artigo 461 do CPC.

Ressalto, neste ponto, por oportuno, que as 'astreintes' podem ser legitimamente impostas às pessoas jurídicas de direito público, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, 'Algumas Questões sobre as Astreintes (multa Cominatória)', 'in' 'Revista Dialética de Direito Processual nº 15', p. 95/104, item n. 7, junho-2004; GUILHERME RIZZO AMARAL, 'As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras', p. 99/103, item n. 3.5.4, 2004, Livraria do Advogado Editora; EDUARDO TALAMINI, 'Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de não Fazer: e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, artigos 461 e 461-A; CDC, artigo 84)', p. 246/247, item n. 9.3.4, 2ª ed., 2003, Editora Revista dos Tribunais, v.g.).

Esse entendimento doutrinário, por sua vez, reflete-se na jurisprudência firmada pelos Tribunais, cujas decisões (RT 808/253-256 - RF 3701297-299 - Resp nº 201.378/SP, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES - Resp nº 784.188/RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI - Resp nº 810.017/RS, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, v.g.) já reconheceram a possibilidade jurídico-processual de condenação da Fazenda Pública na multa cominatória prevista no parágrafo quinto do artigo 461 do CPC.

Deixo de acolher, no entanto, os pleitos formulados sob os itens 'b' e 'c' veiculados a fls. 397, porque incide, quanto a eles, obstáculo fundado no artigo 100 da Constituição Federal, que impõe, para cobrança de quantias anteriores à indenização, a observância estrita da disciplina constitucional do precatório, mesmo que se cuide de obrigação de natureza alimentar, não obstante o caráter de absoluta preferência de que se revestem, para efeito de pagamento, os 'créditos de natureza alimentícia':

'PRECATÓRIO - DISCIPLINA CONSTITUCIONAL - FISCALIDADE - CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA - SUBMISSÃO NECESSÁRIA AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS - CF, ARTIGO 100, 'CAPUT' - RE CONHECIDO E PROVIDO.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o alcance da norma inscrita no 'caput' do artigo 100 da Constituição, firmou-se no sentido de considerar imprescindível, mesmo tratando-se de crédito de natureza alimentícia, a expedição de precatório, ainda que reconhecendo, para efeito de pagamento do débito fazendário, a absoluta prioridade da prestação de caráter alimentar sobre os créditos ordinários de índole comum. Precedentes.

- O processo de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública rege-se, nos termos do que prescreve a própria Constituição, por normas especiais que se estendem a todas as pessoas jurídicas de direito público interno, inclusive às entidades autárquicas.

- O sentido teleológico da norma inscrita no 'caput' do artigo 100 da Carta Política - cuja gênese reside, no que concerne aos seus aspectos essenciais, na Constituição Federal de 1934 (artigo 182) - objetiva viabilizar, na concreção do seu alcance, a submissão incondicional do Poder Público ao dever de respeitar o principio que confere preferência jurídica a quem dispuser de precedência cronológica ('prior in tempore, potior in jure,).,

(RE 188.285/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO) .................................................

Ministro CELSO DE MELLO - Relator"

Para os fins a que se refere o artigo 21, inciso V, do RISTF, submeto, Senhora Presidente, ao referendo desta colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a decisão em causa.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Referendo, integralmente, por seus próprios fundamentos, a decisão que proferi a fls. 408/416.

Comunique-se, com urgência, ao senhor Procurador-Geral, ao Senhor Secretário de Finanças e ao Senhor Secretário de Saúde do Distrito Federal, o resultado do presente julgamento, que referendou a decisão de fls. 408/416, para efeito de sua imediata, execução no que concerne ao pedido de antecipação de tutela, que foi parcialmente deferido (fls. 396, item n. 22, n. I, "a"), sob pena de incidência, no caso, nos termos do artigo 461, parágrafo 5º, do CPC, de "multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)", se descumprido o presente ato decisório.

A comunicação em questão deverá ser instruída com cópia da decisão ora referendada, da petição de fls. 390/400 e da certidão pertinente ao presente julgamento.

O depósito em questão deverá ser efetivado na conta bancária da mãe (Elisabeth Regina Félix) do menor impúbere, indicada a fls. 397, item n. IV.

Saliento, finalmente, Senhores Ministros, que, embora a decisão "sub examine" tenha concedido, em parte, tutela antecipatória em favor do menor impúbere interessado, desejo registrar que estou aberto a ponderações de Vossas Excelências, disposto, até mesmo, a ampliar o alcance do ato decisório ora submetido ao referendo desta colenda Turma.

É o meu voto.

À revisão de aparte do Senhor Ministro CELSO DE MELO (Presidente e Relator).

PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhor Presidente, eu tenho uma sugestão.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Pois não.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Pondero que o prazo de cinco dias parece um pouco exíguo, sobretudo por causa desses trâmites burocráticos intransponíveis das Fazendas. Sugeriria que concedêssemos prazo de trinta dias e que fosse pelo menos depositado todo o valor em juízo até que se decida a causa, porque, no instante em que se esgotarem os recursos mais relevantes, se for o caso, é só mandar levantar os valores imediatamente.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Eu estou de pleno acordo com a proposta de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Trinta dias e fica depositado em juízo. Assim que transitar em julgado, ou em caso de recurso com efeito manifestamente protelatório, o Tribunal determinará que se levante a indenização.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Referenda-se, portanto, em maior extensão, a decisão ora submetida ao exame desta colenda Turma.

Em consequência, estende-se a antecipação de tutela às postulações, deduzidas, em litisconsórcio ativo, pelo ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em ordem a também abranger o que se contém nos itens "b" e "c" (fls. 396/397) do pedido de "tutela antecipada", ampliado, para 30 (trinta) dias, o prazo referido em mencionados itens, em face da sugestão apresentada pelo eminente Ministro CEZAR PELUSO.

Registro, por necessário, em virtude da decisão ora referendada em maior extensão, que o Distrito Federal estará sujeito à multa cominatória de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia (CPC, artigo 461, parágrafo quinto) em caso de descumprimento de qualquer, dos itens "a", "b" ou "c" constantes do pedido de antecipação de tutela (fls. 396/397).

Proclama-se, portanto, nesse sentido, o resultado do presente julgamento.

EXTRATO DE ATA

TUTELA ANTECIPADA - REFERENDO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 495.740-0

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

RECTE.(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECDO.(A/S): DISTRITO FEDERAL

ADV.(A/S): PGDF - ZÉLIO MALA DA ROCHA

ADV.(A/S): PGDF - MARIANA PESSOA DE MELLO PEIXOTO

INTDO.(A/S): GUSTAVO JULIAN DE FÉLIX SILVA (REPRESENTADO POR ELISABETH REGINA FÉLIX)

Decisão: A Turma, por votação unânime, referendou, em maior extensão, a decisão proferida pelo Relator, para, além da postulação sob "a" (fl. 396), também deferir a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional quanto aos pleitos deduzidos sob letras "b" e "c", constantes do pedido a fl. 396 e 397, estabelecendo, para efeito do pagamento das verbas nelas mencionadas("b" e "c"), o prazo de 30 dias, sob pena, em caso de descumprimento dessa determinação, de imediata incidência da multa cominatória de R$ 20.000,00 por dia, nos termos do artigo 461, parágrafo quinto, do CPC, observados, ainda, os termos do voto do Relator no que concerne ao deferimento do pleito sob "a" (fl. 396) e à cominação da multa diária em caso de inexecução de qualquer das medidas objeto da presente tutela antecipatória(itens "a", "b" e "c", a fl. 396/397). Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu este julgamento o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 02.06.2009.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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