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terça-feira, 15 de setembro de 2009

JURID - Tributário. ICMS. Substituição tributária para frente. [15/09/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-C, do CPC. Tributário. ICMS. Substituição tributária para frente.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 931.727 - RS (2007/0047463-8)

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: FELICE AUTOMÓVEIS LTDA

ADVOGADO: ANTONINHA DE OLIVEIRA BALSEMÃO E OUTRO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADOR: MARISA KAMINSKI MARQUES PINTO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE. MONTADORA/FABRICANTE (SUBSTITUTA) E CONCESSIONÁRIA/REVENDEDORA (SUBSTITUÍDA). VEÍCULOS AUTOMOTORES. VALOR DO FRETE. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO QUANDO O TRANSPORTE É EFETUADO PELA MONTADORA OU POR SUA ORDEM. EXCLUSÃO NA HIPÓTESE EXCEPCIONAL EM QUE O TRANSPORTE É CONTRATADO PELA PRÓPRIA CONCESSIONÁRIA. ARTIGOS 8º, II, "B", C/C 13, § 1º, II, "B", DA LC 87/96. ARTIGO 128, DO CTN. APLICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA.

1. O valor do frete (referente ao transporte do veículo entre a montadora/fabricante e a concessionária/revendedora) integra a base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação da mercadoria, para fins da substituição tributária progressiva ("para frente"), à luz do artigo 8º, II, "b", da Lei Complementar 87/96.

2. Entrementes, nos casos em que a substituta tributária (a montadora/fabricante de veículos) não efetua o transporte, nem o engendra por sua conta e ordem, o valor do frete não deve ser incluído na base de cálculo do imposto, ex vi do disposto no artigo 13, § 1º, II, "b", da LC 87/96, verbis:

"Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

(...)

§ 1º Integra a base de cálculo do imposto:

§ 1o Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

(...)

II - o valor correspondente a:

(...)

b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.

(...)"

3. Com efeito, o valor do frete deverá compor a base de cálculo do ICMS, recolhido sob o regime de substituição tributária, somente quando o substituto encontra-se vinculado ao contrato de transporte da mercadoria, uma vez que, nessa hipótese, a despesa efetivamente realizada poderá ser repassada ao substituído tributário (adquirente/destinatário). Ao revés, no caso em que o transporte é contratado pelo próprio adquirente (concessionária de veículos), inexiste controle, ingerência ou conhecimento prévio do valor do frete por parte do substituto, razão pela qual a aludida parcela não pode integrar a base de cálculo do imposto (Precedente da Primeira Turma: REsp 865.792/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 23.04.2009, DJe 27.05.2009).

4. O artigo 128, do CTN (cuja interpretação estrita se impõe), dispõe que, sem prejuízo do disposto no capítulo atinente à Responsabilidade Tributária, "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação".

5. Deveras, doutrina abalizada elucida o conteúdo normativo do artigo 128, do Codex Tributário:

"O artigo pretende consubstanciar uma norma geral formalizada em duas idéias básicas, a saber:

1) a responsabilidade tributária é aquela definida no capítulo;

2) a lei, entretanto, pode estabelecer outros tipos de responsabilidade não previstos no capítulo a terceiros.

O artigo começa com a expressão 'sem prejuízo do disposto neste Capítulo', que deve ser entendida como exclusão da possibilidade de a lei determinar alguma forma de responsabilidade conflitante com a determinada no Código.

Isso vale dizer que a responsabilidade não prevista pelo Capítulo pode ser objeto de lei, não podendo, entretanto, a lei determinar nenhuma responsabilidade que entre em choque com os arts. 128 a 138.

A seguir o artigo continua: 'a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa', determinando, de plano, que esta escolha de um terceiro somente pode ser feita se clara, inequívoca e cristalinamente exposta na lei.

Uma responsabilidade, entretanto, sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado, não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada 'de forma expressa'.

Por outro lado, fala o legislador, em 'crédito tributário', de tal maneira que a expressão abrange tanto os tributos como as multas, quando assim a lei o determinar.

Significa dizer que o crédito tributário, cuja obrigação de pagar for transferida a terceiros, sempre que não limitado, por força do CTN ou de lei promulgada nesses moldes, à tributação apenas, deve ser entendido por crédito tributário total. Em havendo, todavia, qualquer limitação expressa, a transferência da responsabilidade pela liquidação do crédito só se dará nos limites da determinação legal." (Ives Gandra da Silva Martins, in "Comentários ao Código Tributário Nacional", vol. 2, Ed. Saraiva, 1998, p. 232/234).

6. Nesse segmento, Paulo de Barros Carvalho, enfatizando que o substituído permanece à distância, como importante fonte de referência para o esclarecimento de aspectos que dizem com o nascimento, a vida e a extinção da obrigação tributária, consigna que:
"A responsabilidade tributária por substituição ocorre quando um terceiro, na condição de sujeito passivo por especificação da lei, ostenta a integral responsabilidade pelo quantum devido a título de tributo. 'Enquanto nas outras hipóteses permanece a responsabilidade supletiva do contribuinte, aqui o substituto absorve totalmente o debitum, assumindo, na plenitude, os deveres de sujeito passivo, quer os pertinentes à prestação patrimonial, quer os que dizem respeito aos expedientes de caráter instrumental, que a lei costuma chamar de 'obrigações acessórias'. Paralelamente, os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação, ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, formulando impugnações ou recursos, bem como deduzindo suas pretensões em juízo para, sobre elas, obter a prestação jurisdicional do Estado." (In "Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência", Ed. Saraiva, 4ª ed., 2006, São Paulo, págs. 158/177)

7. Conseqüentemente, "o tributo é indevido pela concessionária nesse caso, não por que houve sua incidência na operação anterior, mas, antes, porquanto em sendo o regime da substituição tributária, técnica de arrecadação, e sendo uma das característica da técnica a consideração presumida da base de cálculo, nas hipóteses em que um dos dados que a integram não se realiza na operação promovida pelo substituído, deve o Fisco buscar a diferença junto ao substituto. Com efeito, cobrando o valor faltante do substituído, como faz o requerido, está considerando como sujeito passivo quem não figura na relação jurídico-tributária." (REsp 865.792/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 23.04.2009, DJe 27.05.2009).

8. É que a responsabilização da concessionária (substituída) pelo ICMS referente à não inclusão pelo substituto do valor do frete (que este último não realizara) na base de cálculo do imposto, à luz da Cláusula Terceira, § 3º, do Convênio ICMS 132/92, conspira contra a ratio essendi da sistemática da substituição tributária progressiva. Isto porque a exigência do valor "remanescente" do substituído contraria a sujeição passiva atribuída integralmente ao substituto (montadora), este, sim, integrante da relação jurídica tributária.

9. Outrossim, ressalvando-se o entendimento de que a obrigação tributária admite a sua dicotomização em débito (shuld) e responsabilidade (haftung), merece destaque a lição do saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker, segundo o qual inexiste relação jurídica entre o substituído e o Estado:

"145. Embriogenia e conceito de substituto legal tributário

(...)

A fenomenologia jurídica da substituição legal tributária consiste, pois, no seguinte: Existe substituto legal tributário toda a vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário.

(...)

149. Natureza da relação jurídica entre substituto e substituído

(...)

Todo o problema referente à natureza das relações jurídicas entre substituto e substituído resolve-se pelas três conclusões adiante indicadas. O fundamento científico-jurídico sobre o qual estão baseadas as três conclusões foi exposto quando se demonstrou que a valorização dos interesses em conflito e o critério de preferência que inspiraram a solução legislativa (regra jurídica) participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados, nem suavizados pelo intérprete sob o pretexto de uma melhor adequação à realidade econômico-social.

As três referidas conclusões são as seguintes:

Primeira conclusão: Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.

Segunda conclusão: Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído).

Terceira conclusão: O substituído não paga 'tributo' ao substituto. A prestação jurídica do substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do substituto, não é de natureza tributária, mas, sim, de natureza privada.

(...)

150. Inexistência de relação jurídica entre substituído e Estado

A inexistência de qualquer relação jurídica entre substituído e Estado é conclusão que decorre facilmente das duas premissas já analisadas. Primeira: embriogenia e conceito do substituto legal tributário. Segunda: natureza da relação jurídica entre substituto e substituído.

(...)" (Alfredo Augusto Becker, in "Teoria Geral do Direito Tributário", Ed. Noeses, 4ª ed., 2007, São Paulo, págs. 581/586 e 595/601)

10. Impende ainda ressaltar que a transportadora não tem qualquer vinculação com o fato gerador do ICMS incidente sobre a comercialização de veículos, o que reforça a tese de que não subsiste qualquer saldo de imposto a ser cobrado da concessionária que contratou o serviço de transporte.

11. Ademais, o artigo 535, do CPC, resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

12. Recurso especial provido, para declarar a inexigibilidade da cobrança de complementação da base de cálculo do ICMS da concessionária de veículos, invertendo-se o ônus de sucumbência. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Eliana Calmon (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (RISTJ, art. 162, § 2º).

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.

Brasília (DF), 26 de agosto de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por FELICE AUTOMÓVEIS LTDA., com fulcro nas alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, no intuito de ver reformado acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa restou assim vazada:

"APELAÇÃO CÍVEL. ação declaratória. substituição tributária. aquisição de veículos. valor do frete na base de cálculo do icms. legalidade.

O valor do frete compõe a base de cálculo do ICMS nas vendas sujeitas à substituição tributária (art. 13, 'II', letra 'b', da Lei Complementar n.º 87/96).

Não sendo o valor do frete conhecido da vendedora (substituta tributária), o recolhimento do tributo correspondente a este será efetuado pelo comprador, destinatário da mercadoria, na forma do Convênio n.º 132/92.

Legalidade desta disposição.

Apelação desprovida, por maioria."

Noticiam os autos que FELICE AUTOMÓVEIS LTDA., concessionária de veículos, ajuizou ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela jurisdicional, em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, objetivando: (i) a declaração da "ilegalidade da exigência de complementação do ICMS nas operações com veículos automotores sob o regime da substituição tributária por afrontar a Lei Complementar nº 87/96, arts. 8º e 13, a Lei do ICMS nº 8.820/89, art. 33, § 3º, o CTN, art. 128, e o RICMS, Dec. nº 37.699/97, art. 11"; (ii) a declaração da "inconstitucionalidade da exigência de complementação do ICMS nas operações com veículos automotores sob o regime da substituição tributária por afrontar a Constituição Federal, art. 150, I, e o parágrafo 7º, e art. 155, § 2º, XII, 'b'"; (iii) determinação "ao Estado que se abstenha de exigir recolhimento do ICMS sobre o frete, a título de complementação de base de cálculo, da autora"; e (iv) a condenação do Estado "à devolução dos valores recolhidos indevidamente, dentro do prazo prescricional, na forma de estorno por compensação, e ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios à base de 20% sobre o valor envolvido na causa".

Sobreveio sentença que julgou improcedente a ação , condenando a autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no percentual de 20% sobre o valor atualizado da causa.

Em sede de apelação, o Tribunal de origem manteve o decisum singular, nos termos da ementa anteriormente reproduzida. Na oportunidade, assinalou-se que:

"A espécie trata de operações sujeitas à substituição tributária (veículos novos), mantidas entre o fabricante e a concessionária de veículos.

Nesses casos, a base de cálculo do ICMS, na forma do art. 13 da Lei Complementar n.º 87/96 é "o valor de venda e o valor correspondente ao frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado" (inciso "II", letra 'b').

Acontece que, quando o valor do frete não é conhecido da montadora (substituta tributária), foi editado o Convênio ICMS n.º 132/92, o qual prevê a cobrança em separado do ICMS sobre o frete, da responsabilidade do destinatário da mercadoria, vale dizer, da concessionária.

Assim dispõe a cláusula 3ª:

'Na impossibilidade de inclusão do valor do frete na composição da base de cálculo, o recolhimento do imposto correspondente será efetuado pelo estabelecimento destinatário.'

Não há qualquer ilegalidade nesta disposição, haja vista que o valor do frete compõe a base de cálculo do tributo, no regime de substituição tributária.

(...)"

Opostos embargos de declaração, rejeitados, uma vez não vislumbrados quaisquer dos vícios elencados no artigo 535, do CPC.

Nas razões do especial, sustenta a empresa, preliminarmente, que o acórdão hostilizado incorreu em violação do artigo 535, do CPC, ao não suprir a contradição ventilada nos embargos de declaração, qual seja, o argumento acerca da existência de uma condicionante no artigo 13, da Lei Complementar 87/96, para que o frete integre a base de cálculo do ICMS (que o transporte seja efetuado pelo próprio remetente).

Meritoriamente, aponta ofensa aos artigos 13, da Lei Complementar 87/96 e 128, do CTN, aduzindo que "o frete do veículo é de responsabilidade do destinatário (concessionária recorrente), e que este é pago pela concessionária ao transportador quando recebe o veículo (Conhecimento de Transporte de Cargas), inclusive com o ICMS cobrado e destacado neste documento", não havendo, portanto, "como exigir nova tributação do imposto quando da venda do veículo ao consumidor final". Enfatiza que: "como é de conhecimento notório, há ICMS destacado no CTRC (Conhecimento de Transporte), este imposto é cobrado do destinatário (autora), visto que por ele contratado e, portanto, pago pela concessionária".

Ao final, traz arestos para confronto, oriundos do STJ, no sentido de que:

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DO FRETE. INCLUSÃO. PRECEDENTES.

1. O STJ firmou o entendimento de que não é possível a exclusão do valor do frete da base de cálculo do ICMS, excepcionando, contudo, a hipótese em que o adquirente efetua o transporte da mercadoria.

2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 115472/ES, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 14/02/2005 p. 147)

"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "B" - ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 535, I E 480 DO CPC - SÚMULA 211 DO STJ - TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - ICMS - INCLUSÃO DO FRETE NA BASE DE CÁLCULO DA EXAÇÃO - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 8º, DO DECRETO-LEI 204/1968 E ITEM 97 - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ.

(...)

De outra parte, observa-se do teor do r. voto condutor do acórdão recorrido que o Tribunal a quo negou provimento ao agravo de instrumento interposto contra a decisão que indeferiu a liminar no mandado de segurança com base na questão de mérito, qual seja, a necessidade de inclusão do frete na base de cálculo do ICMS a ser pago pela empresa, ao invés de ter examinado a possibilidade de concessão da liminar na hipótese vertente.

O recorrente, no entanto, ao invés de impugnar a decisão por estar desfocada do contexto dos autos, requer, nas razões do recurso especial, seja reconhecido que a inclusão do frete na base de cálculo do ICMS é incompatível com o disposto no art. 8º do Decreto-Lei nº 204/1968 e item 97, de seu anexo na redação da Lei Complementar nº 57/1987, conforme determinado pelos arts. 2º, VI e V, 12, VIII, 13 IV e § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996.

Superada essa questão, bem é de ver que não prospera a alegação do recorrente no sentido da incompatibilidade do entendimento do Tribunal a quo com disposto no art. 8º do Decreto-Lei nº 204/1968 e item 97, de seu anexo.

A uma, porque o referido dispositivo de Lei Federal não foi objeto de exame pela Corte de origem, que sobre ele não emitiu qualquer juízo de valor, a ensejar o não-conhecimento do recurso ante a ausência de prequestionamento. Como bem ressaltou o ínclito Relator, ao rejeitar os embargos de declaração, "a decisão impugnada se baseou no artigo 9º, II, da Lei nº 8.933/89, no artigo 6º, II, do Convênio nº 66/88 e no artigo 6º, § 1º, II, 'b', da Lei nº 11.580/96, sendo desnecessário tecer comentários a propósito dos artigos 155, II e 156, III, da Constituição Federal, 8º do Decreto-Lei nº 204/1968 e item 97 de seu anexo".

A duas, porque, ainda que superado esse óbice, efetivamente não há possibilidade de exclusão do frete da base de cálculo do ICMS, visto que a própria legislação do ICMS, qual seja, o Convênio ICMS 66/88, que regulou o imposto estadual até o advento da Lei Kandir, determinou a sua inclusão, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente (cf. art. 6º, inciso II do Convênio), comando reproduzido pelo art. 13, § 1º, inciso II, da Lei Complementar n. 87/96.

Recurso especial improvido.' (REsp 596873/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2004, DJ 30/06/2004 p. 321)

Apresentadas contra-razões ao apelo extremo, inadmitido na origem.

Os presentes autos ascenderam a esta Corte por força de provimento de agravo de instrumento.

Em 15.05.2009, o presente recurso especial foi submetido ao regime do recurso representativo de controvérsia (artigo 543-C, do CPC), tendo sido afetado à Primeira Seção desta Sodalício (artigo 2º, § 1º, da Resolução n.º 08, de 07.08.2008, do STJ).

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ICMS. VENDA DE VEÍCULO. FIXAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESSA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ. PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL."

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, não merece acolhimento o presente recurso no tocante à alegada violação do artigo 535, do CPC, uma vez que o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

Subjaz a análise da insurgência especial atinente à questão de fundo, sendo certo que os dispositivos legais invocados restaram prequestionados na instância ordinária.

Cinge-se a controvérsia à legalidade da cobrança da complementação da base de cálculo do ICMS incidente sobre as vendas de veículos novos, tendo em vista a não inclusão, pela montadora, do valor do frete na base de cálculo do ICMS nas vendas de veículos sujeitas à substituição tributária, em que o transporte não é efetuado pela montadora (substituta), à luz do disposto no artigo 13, § 1º, II, "b", da Lei Complementar 87/96.

O valor do frete (referente ao transporte do veículo entre a montadora/fabricante e a concessionária/revendedora) integra a base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação da mercadoria, para fins da substituição tributária progressiva ("para frente"), à luz do artigo 8º, II, "b", da Lei Complementar 87/96.

Entrementes, nos casos em que a substituta tributária (a montadora/fabricante de veículos) não efetua o transporte, nem o engendra por sua conta e ordem, o valor do frete não deve ser incluído na base de cálculo do imposto, ex vi do disposto no artigo 13, § 1º, II, "b", da LC 87/96, verbis:

"Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

(...)

§ 1º Integra a base de cálculo do imposto:

§ 1o Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

(...)

II - o valor correspondente a:

(...)

b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.

(...)"

Com efeito, o valor do frete deverá compor a base de cálculo do ICMS, recolhido sob o regime de substituição tributária, somente quando o substituto encontra-se vinculado ao contrato de transporte da mercadoria, uma vez que, nessa hipótese, a despesa efetivamente realizada poderá ser repassada ao substituído tributário (adquirente/destinatário). Ao revés, no caso em que o transporte é contratado pelo próprio adquirente (concessionária de veículos), inexiste controle, ingerência ou conhecimento prévio do valor do frete por parte do substituto, razão pela qual a aludida parcela não pode integrar a base de cálculo do imposto.

Destarte, impõe-se a interpretação estrita do disposto no artigo 128, do CTN, verbis:

"Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação."

Por oportuno, insta destacar doutrina abalizada que elucida o conteúdo normativo do artigo 128, do Codex Tributário:

"O artigo pretende consubstanciar uma norma geral formalizada em duas idéias básicas, a saber:

1) a responsabilidade tributária é aquela definida no capítulo;

2) a lei, entretanto, pode estabelecer outros tipos de responsabilidade não previstos no capítulo a terceiros.

O artigo começa com a expressão 'sem prejuízo do disposto neste Capítulo', que deve ser entendida como exclusão da possibilidade de a lei determinar alguma forma de responsabilidade conflitante com a determinada no Código.

Isso vale dizer que a responsabilidade não prevista pelo Capítulo pode ser objeto de lei, não podendo, entretanto, a lei determinar nenhuma responsabilidade que entre em choque com os arts. 128 a 138.

A seguir o artigo continua: 'a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa', determinando, de plano, que esta escolha de um terceiro somente pode ser feita se clara, inequívoca e cristalinamente exposta na lei.

Uma responsabilidade, entretanto, sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado, não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada 'de forma expressa'.

Por outro lado, fala o legislador, em 'crédito tributário', de tal maneira que a expressão abrange tanto os tributos como as multas, quando assim a lei o determinar.

Significa dizer que o crédito tributário, cuja obrigação de pagar for transferida a terceiros, sempre que não limitado, por força do CTN ou de lei promulgada nesses moldes, à tributação apenas, deve ser entendido por crédito tributário total. Em havendo, todavia, qualquer limitação expressa, a transferência da responsabilidade pela liquidação do crédito só se dará nos limites da determinação legal.

(...)" (Ives Gandra da Silva Martins, in "Comentários ao Código Tributário Nacional", vol. 2, Ed. Saraiva, 1998, p. 232/234)

Nesse segmento, Paulo de Barros Carvalho, enfatizando que o substituído permanece à distância, como importante fonte de referência para o esclarecimento de aspectos que dizem com o nascimento, a vida e a extinção da obrigação tributária, consigna que:

"A responsabilidade tributária por substituição ocorre quando um terceiro, na condição de sujeito passivo por especificação da lei, ostenta a integral responsabilidade pelo quantum devido a título de tributo. 'Enquanto nas outras hipóteses permanece a responsabilidade supletiva do contribuinte, aqui o substituto absorve totalmente o debitum, assumindo, na plenitude, os deveres de sujeito passivo, quer os pertinentes à prestação patrimonial, quer os que dizem respeito aos expedientes de caráter instrumental, que a lei costuma chamar de 'obrigações acessórias'. Paralelamente, os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação, ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, formulando impugnações ou recursos, bem como deduzindo suas pretensões em juízo para, sobre elas, obter a prestação jurisdicional do Estado." (In "Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência", Ed. Saraiva, 4ª ed., 2006, São Paulo, págs. 158/177)

Conseqüentemente, a responsabilização da concessionária pelo ICMS referente à não inclusão pelo substituto do valor do frete (que este último não realizara) na base de cálculo do imposto, à luz da Cláusula Terceira, § 3º, do Convênio ICMS 132/92, conspira contra a ratio essendi da sistemática da substituição tributária progressiva. Isto porque a exigência do valor "remanescente" do substituído contraria a sujeição passiva atribuída integralmente ao substituto (montadora), este, sim, integrante da relação jurídica tributária.

Ressalvando-se o entendimento de que a obrigação tributária admite a sua dicotomização em débito (shuld) e responsabilidade (haftung), merece destaque a lição do saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker, segundo o qual inexiste relação jurídica entre o substituído e o Estado:

"145. Embriogenia e conceito de substituto legal tributário

O legislador constrói a regra jurídica, trabalhando sobre os 'dados' oferecidos pelas ciências pré-jurídicas. Na construção das regras jurídicas de natureza tributária, a principal matéria-prima é oferecida pela Ciência das Finanças Públicas e pela política fiscal. Ora, na investigação e análise dos 'dados' que servirão de matéria-prima ao legislador tributário, estas duas ciências pré-jurídicas reconheceram:

a) A impraticabilidade de fazer com que a realidade integral da riqueza de cada indivíduo integre a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária.

b) A possibilidade da repercussão econômica de qualquer tributo.

c) A natureza macro-econômica da previsibilidade da repercussão econômica de qualquer tributo.

d) A impraticabilidade da identificação do contribuinte de fato.

Recebendo os 'dados' acima indicados, o legislador tributário, a fim de resolver aquele conflito de interesses econômicos e impraticabilidades científicas, criou a seguinte solução:

a) para a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária, o legislador escolhe fatos que sejam signos presuntivos de renda ou capital de um determinado indivíduo;

b) para contribuinte de jure (sujeito passivo da relação jurídica tributária), toma aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo.

Note-se que, até aqui, ainda não ocorreu a fenomenologia da substituição legal tributária. O intelecto que tiver bem presente a nítida distinção entre: incidência econômica e incidência jurídica; entre repercussão econômica e repercussão jurídica; entre contribuinte de fato e contribuinte de jure, compreenderá que ainda não há o fenômeno da substituição legal tributária, quando o legislador escolhe para sujeito passivo da relação jurídica tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Compreenderá também que contribuinte de jure é o gênero que abrange duas espécies de sujeito passivo da relação jurídico-tributária: este determinado indivíduo que acabou de ser apontado e o substituto legal tributário logo adiante conceituado.

A solução do legislador tributário acima apontada (embora já tenha simplificado em muito o nascimento, vida e extinção das relações jurídicas), hoje, está se tornando impraticável em setores cada vez mais numerosos.

O extraordinário desenvolvimento econômico-social nos últimos cinqüenta anos atingiu tal ritmo vertiginoso que levou os historiadores à constatação do Princípio da Aceleração da História; a centripetação dos indíviduos ao redor dos centros urbanos, formando enormes massas de indivíduos; a crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador; na parte referente à escolha do indivíduo que figurará no pólo negativo da relação jurídica tributária.

Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sempre, aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária fato-signo presuntivo. Entretanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo o legislador a escolher um outro indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária. E este outro indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época atual, já é freqüentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será 'a regra geral'.

Antes de se definir melhor o que é o substituto legal, apontar-se-ão dois exemplos de sua utilização, para melhor entendimento da desta fenomenologia jurídica:

Primeiro exemplo: Na relação jurídica do imposto de consumo, o sujeito passivo, teoricamente, deveria ser o consumidor. Ora, criar regra jurídica que estabeleça relações jurídicas tributárias do imposto de consumo, vinculando o Estado a cada um dos indivíduos consumidores, é criar regra jurídica tributária absolutamente impraticável, pois jamais haverá órgão administrativo e órgão judiciário, ainda que equiparados com cerébros eletrônicos, capazes de garantirem a respeitabilidade aos efeitos jurídicos daquela regra.

A solução criada pelo legislador foi a seguinte: em lugar do consumidor, o sujeito passivo, na relação jurídica do imposto de consumo, é o produtor do bem que será consumido.

Simultaneamente, o legislador outorga ao produtor mediante outra regra jurídica, o direito de repercussão jurídica por reembolso do imposto de consumo por ele pago. A outorga deste direito de reembolso não é essencial à fenomenologia do substituto legal tributário. O legislador só estará juridicamente obrigado a outorgar este direito de reembolso quando legisla dentro de um sistema jurídico cuja constituição juridicizou o princípio da capacidade contributiva.

Segundo exemplo: O número de indivíduos que recebem rendimentos, na qualidade de sócios de sociedade, praticamente oscila entre algumas dezenas e algumas dezenas de milhares, com relação a uma única sociedade. Criar regra jurídica de imposto de renda que ponha cada um daqueles indivíduos sócios na posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária do imposto de renda, é, no tocante aos títulos societários nominativos, aumentar extraordinariamente o trabalho dos órgãos administrativos incumbidos da arrecadação e fiscalização daquele imposto de renda. No tocante às ações ao portador seria criar regra jurídica impraticável.

Como solução, o legislador escolheu para sujeito passivo desta relação jurídica, em lugar de cada um dos sócios, a própria sociedade.

Simultaneamente, o legislador mediante outra regra jurídica outorga a esta sociedade o direito de repercussão jurídica mediante retenção na fonte do imposto de renda por ela pago. A outorga deste direito de retenção não é essencial para a existência do substituto legal tributário e o legislador só estará juridicamente obrigado a outorgar este direito de retenção, quando legisla dentro de um sistema jurídico cuja constituição juridicizou o princípio da capacidade contributiva.

Nos dois exemplos acima indicados opera-se a fenomenologia da substituição legal tributária. No primeiro caso, o substituto legal tributário é o produtor; no segundo caso, o substituto legal tributário é a sociedade. A fenomenologia jurídica da substituição legal tributária consiste, pois, no seguinte: Existe substituto legal tributário toda a vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário.

(...)

149. Natureza da relação jurídica entre substituto e substituído

(...)

Todo o problema referente à natureza das relações jurídicas entre substituto e substituído resolve-se pelas três conclusões adiante indicadas. O fundamento científico-jurídico sobre o qual estão baseadas as três conclusões foi exposto quando se demonstrou que a valorização dos interesses em conflito e o critério de preferência que inspiraram a solução legislativa (regra jurídica) participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados, nem suavizados pelo intérprete sob o pretexto de uma melhor adequação à realidade econômico-social.

As três referidas conclusões são as seguintes:

Primeira conclusão: Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.

Segunda conclusão: Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído).

Terceira conclusão: O substituído não paga 'tributo' ao substituto. A prestação jurídica do substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do substituto, não é de natureza tributária, mas, sim, de natureza privada.

(...)

A existência da repercussão jurídica, outorgando o direito de reembolso ou retenção na fonte ao substituto contra o substituído, é o principal foco das vacilações, dúvidas e críticas dos doutrinadores que ainda hoje se recusam a aceitar as três referidas conclusões. Estes autores vêem no direito de reembolso ou retenção na fonte um direito de natureza pública que é exercido pelo substituto na qualidade jurídica de um intermediário que arrecada o tributo em nome e por conta do Estado. Em síntese: na qualidade jurídica de um órgão sui generis da Administração Estatal incumbido de arrecadar o tributo.

Preliminarmente, convém recordar que não existe critério científico-jurídico para se pretender sustentar uma classificação de direitos ('créditos') em: públicos e privados. E isto porque não há critério científico-jurídico onde fundar a tradicional divisão: Direito Público e Direito Privado. Todo e qualquer Direito ('crédito') é efeito da regra jurídica. O gênero direito ('crédito') subdivide-se em diferentes espécies: direito ao preço; direito à indenização; direito ao exercício profissional; direito ao voto; direito ao reembolso (ou à retenção) do valor do tributo pago; direito o tributo; etc.

Em segundo lugar, é preciso ter bem clara a noção de Direito Subjetivo. Direito Subjetivo nada mais é que o conteúdo mínimo de toda e qualquer relação jurídica: no pólo positivo o direito (direito subjetivo) e no pólo negativo o correlativo dever. O jurista que esquece esta fenomenologia jurídica deixa de ser jurista e torna-se um retórico ou um filósofo de Direito Natural. No plano científico-jurídico, Direito Subjetivo privado significa: o Direito que forma o conteúdo de uma relação jurídica, em cujo pólo positivo, na condição de sujeito ativo, está qualquer pessoa não-estatal; em síntese: Direito cujo titular é qualquer pessoa não-estatal. Por sua vez, Direito Subjetivo público significa: Direito cujo titular é pessoa estatal.

Isto posto, prossegue-se.

A circunstância de (quando o direito de reembolso ou retenção é outorgado por lei) o substituto não ter a faculdade, mas a obrigação de exigir o reembolso ou retenção, não deverá servir de critério para considerar atribuído ao substituto um Direito Subjetivo público. Como mostra JEAN DABIN, também as relações privadas (direta ou indiretamente, em maior ou menor extensão) são de interesse público e, por outro lado, o cuidado do bem público não é monopólio exclusivo do Estado ao encarnar 'o político', isto é, ao encarnar o órgão de administração pública. Artificial é o critério de certos autores que pretendem ligar ao direito público toda a norma que - ditada para salvaguardar um interesse público não admite disposição de vontade contrária.

Para que o substituto tivesse um direito subjetivo público frente ao substituído, seria necessário que uma parcela do poder público tivesse sido transferida ao substituto. Esclarecedoras são as palavras de RUY CIRNE LIMA:

'Em conexão, atenta a origem, deverão conumerar-se também, entre os direitos subjetivos públicos, os que surgem do exercício pelo Estado de seu poder de mando, como os créditos resultantes da imposição fiscal, ou os direitos sobre a pessoa resultante da circunscrição militar. Assim que, pode dizer-se, o direito subjetivo público invariavelmente nasce da transferência ou do exercício de uma parcela do poder estatal'.

Ora, para que o substituto estivesse no exercício de uma parcela do poder estatal seria necessário que assumisse a qualidade jurídica de um intermediário a arrecadar tributo em nome e por conta do Estado; em síntese: a qualidade jurídica de um órgão da administração estatal incumbido de arrecadar o tributo. Porém, o substituto não está no exercício de nenhuma parcela do poder estatal pelo fundamento que ENRICO ALLORIO sintetiza no raciocínio seguinte:

Se a lei impôs o dever tributário a cargo de pessoa (ex.: o produtor) diversa daquela (o consumidor) sobre a qual a obrigação deveria cair, isto foi feito no interesse do próprio poder estatal (o órgão público arrecadador) e com a finalidade de eliminar o fatigante contato com múltiplos e esquivos contribuintes. Ora, estaria frustrada a solução da norma tributária se o contato afastado na primeira fase administrativa de imposição (Estado versus substituto) retornasse na fase de reembolso (substituto versus substituído), pois se o direito de reembolso fosse um Direito subjetivo público, o substituto poderia e deveria chamar em seu auxílio os meios que o Direito confere ao Estado para melhor garantir a exigibilidade dos créditos públicos.

(...)

Finalmente, é interessante notar que a natureza jurídica privada (não-estatal) do direito de reembolso ou retenção na fonte, exercido pelo substituto contra o substituído, determina conseqüências práticas importantes. Por exemplo: o exercício deste direito de reembolso ou retenção é disciplinado pelas regras jurídicas (substantivas e adjetivas) de Direito Civil que regulam o exercício dos direitos de crédito.

Se a lei tributária que criou o tributo também contiver regras disciplinadoras do exercício do direito de reembolso ou de retenção na fonte, esta regra, embora seja uma fórmula literal legislativa enquadrada fisicamente dentro da lei (ou Código) tributária, ela não participa da natureza das regras jurídicas tributárias, mas é de natureza civil. Isto se mostra claro quando se tem presente que a autonomia de qualquer ramo de Direito é problema falso quando se conhece o critério para aferir a natureza das regras jurídicas; e quando se compreendeu o fundamentalíssimo cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico.

150. Inexistência de relação jurídica entre substituído e Estado

A inexistência de qualquer relação jurídica entre substituído e Estado é conclusão que decorre facilmente das duas premissas já analisadas. Primeira: embriogenia e conceito do substituto legal tributário. Segunda: natureza da relação jurídica entre substituto e substituído.

(...)" (Alfredo Augusto Becker, in "Teoria Geral do Direito Tributário", Ed. Noeses, 4ª ed., 2007, São Paulo, págs. 581/586 e 595/601)

Conseqüentemente, a responsabilização da concessionária pelo ICMS referente à não inclusão pelo substituto do valor do frete (que este último não realizara) na base de cálculo do imposto, à luz da Cláusula Terceira, § 3º, do Convênio ICMS 132/92, conspira contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem informar a sistemática da substituição tributária progressiva. Isto porque a exigência do valor "remanescente" do substituído contraria a sujeição passiva atribuída ao substituto (montadora), este, sim, integrante da relação jurídica tributária.

Nesse segmento, destaca-se a valiosa lição do saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker, que defende a inexistência de relação jurídica entre o substituído e o Estado:

"145. Embriogenia e conceito de substituto legal tributário

O legislador constrói a regra jurídica, trabalhando sobre os 'dados' oferecidos pelas ciências pré-jurídicas. Na construção das regras jurídicas de natureza tributária, a principal matéria-prima é oferecida pela Ciência das Finanças Públicas e pela política fiscal. Ora, na investigação e análise dos 'dados' que servirão de matéria-prima ao legislador tributário, estas duas ciências pré-jurídicas reconheceram:

a) A impraticabilidade de fazer com que a realidade integral da riqueza de cada indivíduo integre a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária.

b) A possibilidade da repercussão econômica de qualquer tributo.

c) A natureza macro-econômica da previsibilidade da repercussão econômica de qualquer tributo.

d) A impraticabilidade da identificação do contribuinte de fato.

Recebendo os 'dados' acima indicados, o legislador tributário, a fim de resolver aquele conflito de interesses econômicos e impraticabilidades científicas, criou a seguinte solução:

a) para a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária, o legislador escolhe fatos que sejam signos presuntivos de renda ou capital de um determinado indivíduo;

b) para contribuinte de jure (sujeito passivo da relação jurídica tributária), toma aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo.

Note-se que, até aqui, ainda não ocorreu a fenomenologia da substituição legal tributária. O intelecto que tiver bem presente a nítida distinção entre: incidência econômica e incidência jurídica; entre repercussão econômica e repercussão jurídica; entre contribuinte de fato e contribuinte de jure, compreenderá que ainda não há o fenômeno da substituição legal tributária, quando o legislador escolhe para sujeito passivo da relação jurídica tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Compreenderá também que contribuinte de jure é o gênero que abrange duas espécies de sujeito passivo da relação jurídico-tributária: este determinado indivíduo que acabou de ser apontado e o substituto legal tributário logo adiante conceituado.

A solução do legislador tributário acima apontada (embora já tenha simplificado em muito o nascimento, vida e extinção das relações jurídicas), hoje, está se tornando impraticável em setores cada vez mais numerosos.

O extraordinário desenvolvimento econômico-social nos últimos cinqüenta anos atingiu tal ritmo vertiginoso que levou os historiadores à constatação do Princípio da Aceleração da História; a centripetação dos indíviduos ao redor dos centros urbanos, formando enormes massas de indivíduos; a crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador; na parte referente à escolha do indivíduo que figurará no pólo negativo da relação jurídica tributária.

Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sempre, aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária fato-signo presuntivo. Entretanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo o legislador a escolher um outro indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária. E este outro indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época atual, já é freqüentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será 'a regra geral'.

Antes de se definir melhor o que é o substituto legal, apontar-se-ão dois exemplos de sua utilização, para melhor entendimento da desta fenomenologia jurídica:

Primeiro exemplo: Na relação jurídica do imposto de consumo, o sujeito passivo, teoricamente, deveria ser o consumidor. Ora, criar regra jurídica que estabeleça relações jurídicas tributárias do imposto de consumo, vinculando o Estado a cada um dos indivíduos consumidores, é criar regra jurídica tributária absolutamente impraticável, pois jamais haverá órgão administrativo e órgão judiciário, ainda que equiparados com cerébros eletrônicos, capazes de garantirem a respeitabilidade aos efeitos jurídicos daquela regra.

A solução criada pelo legislador foi a seguinte: em lugar do consumidor, o sujeito passivo, na relação jurídica do imposto de consumo, é o produtor do bem que será consumido.

Simultaneamente, o legislador outorga ao produtor mediante outra regra jurídica, o direito de repercussão jurídica por reembolso do imposto de consumo por ele pago. A outorga deste direito de reembolso não é essencial à fenomenologia do substituto legal tributário. O legislador só estará juridicamente obrigado a outorgar este direito de reembolso quando legisla dentro de um sistema jurídico cuja constituição juridicizou o princípio da capacidade contributiva.

Segundo exemplo: O número de indivíduos que recebem rendimentos, na qualidade de sócios de sociedade, praticamente oscila entre algumas dezenas e algumas dezenas de milhares, com relação a uma única sociedade. Criar regra jurídica de imposto de renda que ponha cada um daqueles indivíduos sócios na posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária do imposto de renda, é, no tocante aos títulos societários nominativos, aumentar extraordinariamente o trabalho dos órgãos administrativos incumbidos da arrecadação e fiscalização daquele imposto de renda. No tocante às ações ao portador seria criar regra jurídica impraticável.

Como solução, o legislador escolheu para sujeito passivo desta relação jurídica, em lugar de cada um dos sócios, a própria sociedade.

Simultaneamente, o legislador mediante outra regra jurídica outorga a esta sociedade o direito de repercussão jurídica mediante retenção na fonte do imposto de renda por ela pago. A outorga deste direito de retenção não é essencial para a existência do substituto legal tributário e o legislador só estará juridicamente obrigado a outorgar este direito de retenção, quando legisla dentro de um sistema jurídico cuja constituição juridicizou o princípio da capacidade contributiva.

Nos dois exemplos acima indicados opera-se a fenomenologia da substituição legal tributária. No primeiro caso, o substituto legal tributário é o produtor; no segundo caso, o substituto legal tributário é a sociedade. A fenomenologia jurídica da substituição legal tributária consiste, pois, no seguinte: Existe substituto legal tributário toda a vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário.

(...)

149. Natureza da relação jurídica entre substituto e substituído

(...)

Todo o problema referente à natureza das relações jurídicas entre substituto e substituído resolve-se pelas três conclusões adiante indicadas. O fundamento científico-jurídico sobre o qual estão baseadas as três conclusões foi exposto quando se demonstrou que a valorização dos interesses em conflito e o critério de preferência que inspiraram a solução legislativa (regra jurídica) participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados, nem suavizados pelo intérprete sob o pretexto de uma melhor adequação à realidade econômico-social.

As três referidas conclusões são as seguintes:

Primeira conclusão: Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.

Segunda conclusão: Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído).

Terceira conclusão: O substituído não paga 'tributo' ao substituto. A prestação jurídica do substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do substituto, não é de natureza tributária, mas, sim, de natureza privada.

(...)

A existência da repercussão jurídica, outorgando o direito de reembolso ou retenção na fonte ao substituto contra o substituído, é o principal foco das vacilações, dúvidas e críticas dos doutrinadores que ainda hoje se recusam a aceitar as três referidas conclusões. Estes autores vêem no direito de reembolso ou retenção na fonte um direito de natureza pública que é exercido pelo substituto na qualidade jurídica de um intermediário que arrecada o tributo em nome e por conta do Estado. Em síntese: na qualidade jurídica de um órgão sui generis da Administração Estatal incumbido de arrecadar o tributo.

Preliminarmente, convém recordar que não existe critério científico-jurídico para se pretender sustentar uma classificação de direitos ('créditos') em: públicos e privados. E isto porque não há critério científico-jurídico onde fundar a tradicional divisão: Direito Público e Direito Privado. Todo e qualquer Direito ('crédito') é efeito da regra jurídica. O gênero direito ('crédito') subdivide-se em diferentes espécies: direito ao preço; direito à indenização; direito ao exercício profissional; direito ao voto; direito ao reembolso (ou à retenção) do valor do tributo pago; direito o tributo; etc.

Em segundo lugar, é preciso ter bem clara a noção de Direito Subjetivo. Direito Subjetivo nada mais é que o conteúdo mínimo de toda e qualquer relação jurídica: no pólo positivo o direito (direito subjetivo) e no pólo negativo o correlativo dever. O jurista que esquece esta fenomenologia jurídica deixa de ser jurista e torna-se um retórico ou um filósofo de Direito Natural. No plano científico-jurídico, Direito Subjetivo privado significa: o Direito que forma o conteúdo de uma relação jurídica, em cujo pólo positivo, na condição de sujeito ativo, está qualquer pessoa não-estatal; em síntese: Direito cujo titular é qualquer pessoa não-estatal. Por sua vez, Direito Subjetivo público significa: Direito cujo titular é pessoa estatal.

Isto posto, prossegue-se.

A circunstância de (quando o direito de reembolso ou retenção é outorgado por lei) o substituto não ter a faculdade, mas a obrigação de exigir o reembolso ou retenção, não deverá servir de critério para considerar atribuído ao substituto um Direito Subjetivo público. Como mostra JEAN DABIN, também as relações privadas (direta ou indiretamente, em maior ou menor extensão) são de interesse público e, por outro lado, o cuidado do bem público não é monopólio exclusivo do Estado ao encarnar 'o político', isto é, ao encarnar o órgão de administração pública. Artificial é o critério de certos autores que pretendem ligar ao direito público toda a norma que - ditada para salvaguardar um interesse público não admite disposição de vontade contrária.

Para que o substituto tivesse um direito subjetivo público frente ao substituído, seria necessário que uma parcela do poder público tivesse sido transferida ao substituto. Esclarecedoras são as palavras de RUY CIRNE LIMA:

'Em conexão, atenta a origem, deverão conumerar-se também, entre os direitos subjetivos públicos, os que surgem do exercício pelo Estado de seu poder de mando, como os créditos resultantes da imposição fiscal, ou os direitos sobre a pessoa resultante da circunscrição militar. Assim que, pode dizer-se, o direito subjetivo público invariavelmente nasce da transferência ou do exercício de uma parcela do poder estatal'.

Ora, para que o substituto estivesse no exercício de uma parcela do poder estatal seria necessário que assumisse a qualidade jurídica de um intermediário a arrecadar tributo em nome e por conta do Estado; em síntese: a qualidade jurídica de um órgão da administração estatal incumbido de arrecadar o tributo. Porém, o substituto não está no exercício de nenhuma parcela do poder estatal pelo fundamento que ENRICO ALLORIO sintetiza no raciocínio seguinte:

Se a lei impôs o dever tributário a cargo de pessoa (ex.: o produtor) diversa daquela (o consumidor) sobre a qual a obrigação deveria cair, isto foi feito no interesse do próprio poder estatal (o órgão público arrecadador) e com a finalidade de eliminar o fatigante contato com múltiplos e esquivos contribuintes. Ora, estaria frustrada a solução da norma tributária se o contato afastado na primeira fase administrativa de imposição (Estado versus substituto) retornasse na fase de reembolso (substituto versus substituído), pois se o direito de reembolso fosse um Direito subjetivo público, o substituto poderia e deveria chamar em seu auxílio os meios que o Direito confere ao Estado para melhor garantir a exigibilidade dos créditos públicos.

(...)

Finalmente, é interessante notar que a natureza jurídica privada (não-estatal) do direito de reembolso ou retenção na fonte, exercido pelo substituto contra o substituído, determina conseqüências práticas importantes. Por exemplo: o exercício deste direito de reembolso ou retenção é disciplinado pelas regras jurídicas (substantivas e adjetivas) de Direito Civil que regulam o exercício dos direitos de crédito.

Se a lei tributária que criou o tributo também contiver regras disciplinadoras do exercício do direito de reembolso ou de retenção na fonte, esta regra, embora seja uma fórmula literal legislativa enquadrada fisicamente dentro da lei (ou Código) tributária, ela não participa da natureza das regras jurídicas tributárias, mas é de natureza civil. Isto se mostra claro quando se tem presente que a autonomia de qualquer ramo de Direito é problema falso quando se conhece o critério para aferir a natureza das regras jurídicas; e quando se compreendeu o fundamentalíssimo cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico.

150. Inexistência de relação jurídica entre substituído e Estado

A inexistência de qualquer relação jurídica entre substituído e Estado é conclusão que decorre facilmente das duas premissas já analisadas. Primeira: embriogenia e conceito do substituto legal tributário. Segunda: natureza da relação jurídica entre substituto e substituído.

(...)" (Alfredo Augusto Becker, in "Teoria Geral do Direito Tributário", Ed. Noeses, 4ª ed., 2007, São Paulo, págs. 581/586 e 595/601)

No mesmo sentido, confira-se a ementa do seguinte precedente oriundo da Primeira Turma:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. VENDA DE VEÍCULOS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE. TRANSPORTE EFETUADO PELA MONTADORA OU POR SUA ORDEM.

1. O frete não resta incluído na base de cálculo por parte da montadora (substituta tributária), nas hipóteses em que não foi ela quem efetuou o transporte, nem esse foi feito por sua conta e ordem.

2. É dizer: o contrato de transporte foi estabelecido entre transportadora e concessionária.

3. Consectariamente, impõe-se a interpretação estrita do artigo 128 do Código Tributário Nacional - CTN no sentido de que: "Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação".

4. Deveras, o art. 13, § 1º, II, 'b' da LC 87/96, dispõe que o frete integra a base de cálculo do ICMS nas operações de venda de veículos regidas pelo regime da substituição tributária, "caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado".

5. In casu, o frete não se refere a transporte efetuado pela montadora ou por sua conta e ordem.

6. O tributo é indevido pela concessionária nesse caso, não por que houve sua incidência na operação anterior, mas, antes, porquanto em sendo o regime da substituição tributária, técnica de arrecadação, e sendo uma das característica da técnica a consideração presumida da base de cálculo, nas hipóteses em que um dos dados que a integram não se realiza na operação promovida pelo substituído, deve o Fisco buscar a diferença junto ao substituto. Com efeito, cobrando o valor faltante do substituído, como faz o requerido, está considerando como sujeito passivo quem não figura na relação jurídico-tributária.

7. Em suma: o art. 13, § 1º, II, 'b' da LC 87/96, dispõe que o frete integra a base de cálculo do ICMS nas operações de venda de veículos regidas pelo regime da substituição tributária, "caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado". A contrario sensu, o frete não integra a base de cálculo, no regime de substituição tributária, quando, como no caso, o frete não se refere a transporte efetuado pela montadora ou por sua conta e ordem.

8. Assim é que exigir o tributo, pelo regime da substituição tributária, em hipóteses em que a substituta (no caso, a montadora) não tem vinculação com o fato gerador (no caso, o elemento do fato relativo ao transporte), importaria ofensa ao art. 128 do CTN.

9. Recurso especial provido, reconsiderando-se o voto anteriormente proferido." (REsp 865.792/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23.04.2009, DJe 27.05.2009)

Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL para declarar a inexigibilidade da cobrança de complementação da base de cálculo do ICMS da concessionária de veículos, devendo ser invertidos os ônus de sucumbência.

Uma vez tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fins de cumprimento do disposto no parágrafo 7.º do artigo 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º, da Resolução 08/2008).

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2007/0047463-8 REsp 931727 / RS

Números Origem: 115163538 200601723646 70010327682 70013016464 70014412787 70015632102

PAUTA: 24/06/2009 JULGADO: 24/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAES FILHO

Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: FELICE AUTOMÓVEIS LTDA

ADVOGADO: ANTONINHA DE OLIVEIRA BALSEMÃO E OUTRO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADOR: MARISA KAMINSKI MARQUES PINTO E OUTRO(S)

ASSUNTO: Tributário - ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentaram, oralmente, os Drs. Paulo Valério de Oliveira Balsemao, pela recorrente e Luiz Carlos Adams, pelo recorrido.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso especial, pediu vista antecipada a Sra. Ministra Eliana Calmon."

Aguardam os Srs. Ministros Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves."

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.

Brasília, 24 de junho de 2009

Carolina Véras
Secretária

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - O presente recurso especial, de relatoria do Ministro Luz Fux, foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos da Lei 11.672/2008.

A questão discutida nos autos diz respeito à pretensão da empresa de não ter incluído na base de cálculo do ICMS, nas vendas sujeitas à substituição tributária, o valor do frete dos veículos objeto da operação mercantil.

O relator, em judicioso voto proferido na sessão do dia 24 de junho do corrente ano, deu provimento ao recurso especial, consagrando a tese da não-inclusão do frete na base de cálculo do ICMS, destacando no seu pronunciamento os aspectos seguintes:

1) o valor do frete do veículo, entre a montadora/fabricante e a concessionária/revendedora, integra a base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação da mercadoria, para fins de substituição tributária para frente, à luz do art. 8º, II, "b", da Lei Complementar 87/96;

2) entretanto, quando a substituta tributária (montadora/fabricante) não efetua o transporte, o valor do frete não deve ser incluído na base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, § 1º, II, "b", da Lei Complementar 87/96, porque a despesa efetivamente realizada poderá ser repassada ao substituído tributário (adquirente/destinatário);

3) no caso de ser o transporte contratado pelo adquirente (concessionária de veículos), inexiste controle ou conhecimento prévio do valor do frete por parte do substituto, razão pela qual o valor do frete não pode integrar a base de cálculo do imposto;

4) invocou o relator, como suporte do seu voto, o disposto no art. 128 do CTN, o qual autoriza o legislador a impor outros tipos de responsabilidade tributária; e

5) a responsabilização da concessionária pelo ICMS referente à não-inclusão pelo substituto do valor do frete na base de cálculo do imposto, à luz da cláusula terceira, § 3º, do Convênio n. 132/92, conspira contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem informar a sistemática da substituição tributária progressiva.

Pedi vista dos autos para melhor examinar a situação fática, porque aparentemente está a Primeira Turma desta Corte em divergência com o entendimento da Segunda Turma.

Entretanto, a partir da fundamentação do voto do relator, verifiquei que não há divergência alguma, senão peculiaridade fática em torno da tese jurídica que tem como regra básica:

1) a inclusão do valor do frete na base de cálculo do ICMS, nos termos do art. 8º da L.C. 87/96, o qual estabeleceu que, em relação às operações posteriores da substituição tributária, o cálculo do ICMS seria feito de forma aproximada através de regime de valor agregado, obtido pelo somatório das seguintes parcelas:

a) valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituído tributário ou pelo substituído intermediário;

b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíreis aos adquirentes ou tomadores de serviço;

c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes.

É até uma questão contábil, porque se o frete é pago pela intermediária, a concessionária, agregando-se a despesa ao valor do bem a ser adquirido, o ICMS será calculado sobre o valor real e mais o agregado, por força de literal disposição de lei.

2) Existem exceções. Uma das exceções está configurada na peculiar situação de não se envolver a concessionária com o frete, pago diretamente pelo adquirente, sem qualquer intermediação.

A hipótese em julgamento encerra a exceção e como tal, tenha-se presente que não poderia o frete ser incluído como valor agregado na base de cálculo, como o exige a regra geral.

Assim sendo, tem razão o relator quando conclui em favor do contribuinte, dando provimento ao recurso especial para mudar a decisão que vem sendo favorável ao fisco desde a primeira insistência.

Em conclusão, voto acompanhando o relator.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2007/0047463-8 REsp 931727 / RS

Números Origem: 115163538 200601723646 70010327682 70013016464 70014412787 70015632102

PAUTA: 24/06/2009 JULGADO: 26/08/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON

Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: FELICE AUTOMÓVEIS LTDA

ADVOGADO: ANTONINHA DE OLIVEIRA BALSEMÃO E OUTRO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADOR: MARISA KAMINSKI MARQUES PINTO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Impostos - ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Eliana Calmon (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (RISTJ, art. 162, § 2º).

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.

Brasília, 26 de agosto de 2009

Carolina Véras
Secretária

Documento: 897661

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 14/09/2009




JURID - Tributário. ICMS. Substituição tributária para frente. [15/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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