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terça-feira, 29 de setembro de 2009

JURID - Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. [29/09/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Não incidência sobre tarifa calculada.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 586.120 - MG (2003/0167036-1)

RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

RECORRENTE: CENIBRA - CELULOSE NIPO BRASILEIRA S/A

ADVOGADO: ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR: BRUNO RODRIGUES DE FARIA E OUTRO(S)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810/MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, "a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), a fixação do valor da tarifa deve levar em conta a demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456/2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, a ação visa a obter a repetição do ICMS incidente sobre o valor da tarifa correspondente à potência elétrica contratada, sem, contudo, deduzir a parcela referente à potência efetivamente utilizada. Assim, o pedido deve ser acolhido em parte, para condenar a demandada a restituir a parcela do ICMS que seja decorrente de demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos o Srs. Ministros Relator e Castro Meira, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Votaram com o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki a Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, José Delgado, Eliana Calmon e Francisco Falcão (voto-vista).

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves (RISTJ, art. 162, § 2º).

Brasília, 22 de abril de 2009.

MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Interpõe CELULOSE NIPO BRASILEIRA S/A (CENIBRA) recurso especial fundado na alínea "c" da norma autorizadora, contra acórdão proferido pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado:

"Havendo a contratação da disponibilização de energia elétrica, há a circulação hábil a ensejar a incidência do ICMS sobre o preço do contrato" (fl. 685).

Alega a recorrente, em síntese, que o posicionamento consignado no aresto recorrido acerca da legalidade da incidência de ICMS sobre os valores referentes à demanda de energia contratada diverge da orientação desta Corte, que entende não ocorrer transmissão de energia na demanda reservada e, por conseguinte, não-materialização do fato gerador de ICMS.

As contra-razões foram apresentadas às fls. 740/749.

O apelo foi admitido às fls. 752/753.

É o relatório.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

Enfrento, inicialmente, a questão posta pelo Dr. Moacir, il. representante do Ministério Público, em relação ao cabimento, no Superior Tribunal de Justiça, do recurso pela divergência jurisprudencial com base na alínea 'c' do art. 105, da Constituição Federal. Quanto à questão da admissibilidade, penso que fica simplesmente relegada a um plano secundário na medida em que, no acórdão recorrido, foi dito que, havendo contratação de indisponibilização de energia elétrica, há circulação hábil a ensejar a incidência do ICMS sobre o preço contratado.

Ora, os paradigmas dizem exatamente o contrário. Segundo orientação traçada em julgados de ambas as Turmas integrantes desta Primeira Seção sobre as quantias relativas às chamadas demandas contratadas de energia elétrica não incide ICMS.

A identidade das teses é gritante. Uma diz que incide enquanto a outra diz que não incide. É esse o teor de ambos os julgados. O do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e os paradigmas que, aliás, foram proferidos neste Superior Tribunal de Justiça.

A questão técnica da incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica, como bem lembrado pela Dra. Vanessa, teve o seu deslinde no REsp n. 222.810/MG, relator p/acórdão o Sr. Ministro José Delgado (após longo debate, restou vencido o voto do Sr. Ministro Milton Luiz Pereira, relator original).

A ementa do acórdão que se tornou o leading case parece-me lapidar sobre a questão:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA.

1 - O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

2 - O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

3 - O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos.

4 - Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.

5 - A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria.

6 - A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

7 - Recurso conhecido e provido por maioria.

8 - Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a 'demanda reservada de potência', sem ser considerado o total consumido."

Portanto, houve um longo, um profundo debate desta Corte sobre o tema. A jurisprudência sedimentou-se após todas essas controvérsias. Aqui tenho anotado. O recurso especial em que se fixou a orientação da tese hoje reinante, prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, é de 14 de março de 2000, portanto há 7 anos. Se hoje, aqui, manifestamos preocupação pela estabilidade das decisões da Corte, se entendemos que não temos que estar revendo aquilo que se encontra estabilizado, como rever, agora, 7 anos depois, ainda mais quando recusamos até discutir o efeito prospectivo? Estaremos criando uma situação em que quem consumiu nos últimos cinco anos estará sujeito inclusive a pagar o tributo, já que não aceitamos a tese do efeito prospectivo. Aí está um fato que nos inibe até de modificar entendimentos como esse. Seria razoável? Seria bom para a estabilidade jurídica no País? 7 anos depois! Lembrando que uma mudança de orientação permite ao Fisco atuar essa empresa até 5 anos para trás. E como ficam essas empresas? Como fica a segurança jurídica?

O voto do Sr. Ministro Castro Meira é brilhante em seu estudo, mas é importante ter em conta essa realidade. Se a preocupação da Corte, hoje, foi segurança, foi estabilidade, foi prestígio das decisões, eu vejo com extrema dificuldade modificar um posicionamento já consolidado.

Segundo: vejo maior dificuldade porque modificar é, via jurisprudência, recriar tributo; ou melhor: via jurisprudência, alterar a hipótese da incidência ou a base de cálculo. Mais grave ainda: tem conotação no preço da mercadoria por este País afora, não podendo olvidar-se que a carga tributária no País já é por demais elevada - e todos nós sabemos. Aumentá-la via construção pretoriana não parece de boa oportunidade em um momento em que o País luta - e luta muito - para manter a competitividade no cenário internacional.

Assim, Sr. Ministro Castro Meira, já tendo lido o seu voto, vou pedir vênia para dele ousar-me discordar e para propugnar a manutenção da jurisprudência que vigora na Casa no sentido de que não incide ICMS sobre as quantias relativas à chamada demanda contratada de energia elétrica:

Nesse sentido confiram-se os seguintes precedentes:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 07/STJ. ART. 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ICMS. DEMANDA CONTRATADA DE ENERGIA ELÉTRICA. LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR FINAL PARA FIGURAR NO PÓLO ATIVO DE DEMANDAS VISANDO AO RECONHECIMENTO DO CARÁTER INDEVIDO DA TRIBUTAÇÃO. NÃO-INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.

1. É vedado o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial, a teor do que prescreve a Súmula 07 desta Corte.

2. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. Precedentes: EDcl no AgRg no EREsp 254949/SP, Terceira Seção, Min. Gilson Dipp, DJ de 08.06.2005; EDcl no MS 9213/DF, Primeira Seção, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.02.2005; EDcl no AgRg no CC 26808/RJ, Segunda Seção, Min. Castro Filho, DJ de 10.06.2002.

3. O consumidor final é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de contribuinte de direito e, ao mesmo tempo, de contribuinte de fato, e portanto, parte legítima para demandar visando à inexigibilidade do ICMS sobre os valores relativos à demanda contratada de energia elétrica.

4. Segundo orientação traçada em julgados de ambas as Turmas integrantes da 1ª Seção, não incide o ICMS sobre as quantias relativas à chamada demanda contratada de energia elétrica.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido." (REsp n. 809.753/PR, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 24.4.2006.)

"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA RESERVADA OU CONTRATADA. APLICAÇÃO AO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO DO ICMS. VALOR CORRESPONDENTE À ENERGIA EFETIVAMENTE UTILIZADA. PRECEDENTES.

1. Tratam os autos de Mandado de Segurança impetrado por Compre Mais Supermercado LTDA contra ato do Secretário de Estado de Fazenda e do Presidente das Centrais Elétricas Mato Grossensses S.A - CEMAT. A exordial requer: a) a concessão de Medida Liminar determinando-se às autoridades impetradas e a seus agentes, que se abstenham de cobrar ICMS incidente sobre a 'demanda reservada de potência' das unidades consumidoras da impetrante; b) a autoridade coatora se abstenha da prática de qualquer ato a restringir o direito à compensação dos indébitos decorrentes do comprovado recolhimento indevido do ICMS. Decisão preliminar indeferiu a liminar. Foi decidido pelo acórdão que: a) 'O valor do contrato de garantia da 'demanda reservada de potência' não é, por si só, fato gerador do ICMS.'; b) 'A incidência do tributo deve ter por base o valor da energia elétrica efetivamente consumida pela empresa.'; c) 'É entendimento sumulado pelo STJ (Súmula 213) que 'o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária'. Aponta para fundamento do seu recurso que: a) o sujeito passivo da obrigação tributária combatida pela recorrida é a empresa concessionária de distribuição de energia elétrica - REDE/CEMAT; b) o fato gerador do ICMS está na operação e não na circulação física do produto ou mercadoria. Contra-razões sustentando que: a) na reserva de demanda não ocorre necessariamente a tradição da energia, não incidindo, no caso, ICMS, já que nada circulou, muito menos se transferiu; b) o recorrido está autorizado por lei à compensação do indébito tributário com tributos vencidos e vicendos nos termos da disciplina inserida dentre as Normas Gerais em Matéria Tributária.

2. No que se refere à alínea 'c' do permissivo constitucional, impede o trânsito do recurso o fato de o recorrente ter desconsiderado as determinações previstas no art. 541, parágrafo único, do CPC, e art. 255 e parágrafos, do RISTJ, que exigem a transcrição dos trechos dos arestos divergentes e o cotejo analítico entre as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

3. Consoante o entendimento esposado por este Superior Tribunal de Justiça, não se admite, para efeito de cálculo de ICMS sobre transmissão de energia elétrica, o critério de Demanda Reservada ou Contratada - apura-se o ICMS sobre o 'quantum' contratado ou disponibilizado, independentemente do efetivo consumo -, uma vez que esse tributo somente deve incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida. Precedentes: REsp 647553/ES, Rel. Min. José Delgado, DJ 23.05.2005; REsp 343.952/MG, DJ 17/06/2002, Relª. Minª Eliana Calmon; REsp 222.810/MG, DJ 15/05/2000, Rel. Min. Milton Luiz Pereira.

4. O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

5. O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

6. A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

7. Recurso especial do Estado de Mato Grosso parcialmente conhecido e não- provido." (REsp n. 840.285/MT, relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 16.10.2006.)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, INC. II, CPC. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF. ICMS. CRITÉRIO DE DEMANDA RESERVADA OU CONTRATADA. TRIBUTO QUE SOMENTE INCIDE SOBRE O VALOR CORRESPONDENTE À ENERGIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE CONSUMIDA.

I - Quedou-se o recorrente-agravante em afirmar, genericamente, ter a Corte ordinária deixado de se pronunciar sobre dispositivos legais, sem demonstrar por que esta análise seria imprescindível à solução da controvérsia, de modo a viabilizar, ao menos em tese, outro resultado ao julgamento. Assim sendo, evidente incidir a Súmula n. 284/STF, a inviabilizar o especial, no particular.

II - Segundo a iterativa jurisprudência desta Corte Superior, 'o fato gerador do ICMS dá-se com a efetiva saída do bem do estabelecimento produtor, a qual não é presumida por contrato em que se estabelece uma demanda junto à fornecedora de energia elétrica, sem a sua efetiva utilização' (REsp nº 825.350/MT, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 26.05.2006, p. 250).

III - Outro precedente citado: REsp nº 806.281/SC, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 11.05.2006, p. 171.

IV - Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp n. 855.929/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 16.10.2006.)

Com essas considerações, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento.

É como voto.

ERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2003/0167036-1 REsp 586120 / MG

Números Origem: 024980081483 2806610

PAUTA: 24/10/2007 JULGADO: 24/10/2007

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAIS FILHO

Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: CENIBRA - CELULOSE NIPO BRASILEIRA S/A

ADVOGADO: EDUARDO MANEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR: BRUNO RODRIGUES DE FARIA E OUTRO(S)

ASSUNTO: Tributário - ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentaram, oralmente, as Dras. MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI, pela recorrente, VANESSA SARAIVA DE ABREU, pelo recorrido, e o Dr. Moacir Guimarães Morais Filho, pelo Ministério Público Federal.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto do Sr. Ministro Relator conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki."

Aguardam os Srs. Ministros Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins, Herman Benjamin, Eliana Calmon e Francisco Falcão

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.

Brasília, 24 de outubro de 2007

Carolina Véras
Secretária

VOTO-VISTA

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810/MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, "a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), a fixação do valor da tarifa deve levar em conta a demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456/2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, a ação visa a obter a repetição do ICMS incidente sobre o valor da tarifa correspondente à potência elétrica contratada, sem, contudo, deduzir a parcela referente à potência efetivamente utilizada. Assim, o pedido deve ser acolhido em parte, para condenar a demandada a restituir a parcela do ICMS que seja decorrente de demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido.

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:

1.Relatório:

Trata-se de recurso especial (fls. 692-701) interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que, em ação de repetição de indébito de ICMS incidente sobre a demanda reservada de potência elétrica, negou provimento à apelação interposta, mantendo a sentença de improcedência do pedido. O aresto foi assim ementado:

"Havendo a contratação da disponibilização de energia elétrica, há a circulação hábil a ensejar a incidência do ICMS sobre o preço do contrato" (fl. 685)

No recurso especial, fundado na alínea c do permissivo constitucional, a recorrente indica divergência jurisprudencial com julgados do STJ (REsp 343.952/MG, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 17.06.2002, e REsp 222.810/MG, 1ª T., Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), nos quais se decidiu ser indevido o tributo sobre a demanda reservada de potência. O relator, Min. João Otávio de Noronha, deu provimento ao recurso especial, em voto assim ementado:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA RESERVADA OU CONTRATADA. APLICAÇÃO AO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não incide ICMS sobre as quantias relativas à chamada demanda contratada de energia elétrica. Precedentes.

2. Recuso especial provido."

Pedi vista.

2.A jurisprudência do STJ:

Sobre o tema aqui debatido, a jurisprudência firmada no STJ segue a linha de entendimento adotada no REsp 222.810/MG (1ª T., Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), assim ementado:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA.

1 - O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

2 - O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

3 - O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos.

4 - Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.

5 - A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria.

6 - A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

7 - Recurso conhecido e provido por maioria.

8 - Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a "demanda reservada de potência", sem ser considerado o total consumido."

Tal orientação foi seguida desde então por inúmeros julgados (AgRg no REsp 797.826/MT, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 21.06.2007; AgRg no Ag 828.282/SC, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 25.04.2007; REsp 840.285/MT, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de 16.10.2006; AgRg no REsp 855.929/SC, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 16.10.2006; REsp 838.542/MT, 2ª T., Min. Castro Meira, DJ de 25.08.2006; REsp 343.952/MG, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 17.06.2002, entre outros, inclusive de minha relatoria, como, v.g.: REsp 972.843/RJ, 1ª T., DJ de 11.10.2007 e REsp 579.416/ES, 1ª T., DJ de 29.03.2007).

Não há como negar o acerto das premissas de ordem teórica que sustentam essa jurisprudência: "O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos"; "A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Acertadas, também, as conclusões que daí se retira em relação ao ICMS sobre energia elétrica: "O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa"; "Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência". Com efeito, veja-se.

3. Premissa (I) que justifica a jurisprudência: para efeito de ICMS, energia elétrica é mercadoria, e não serviço:

A tributação, por ICMS, das operações envolvendo energia elétrica está prevista no art. 155 da Constituição nos seguintes termos:

"Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 3° À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do 'caput' deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País."

O ADCT, no § 9º do seu art. 34, por sua vez, estabeleceu:

"Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação."

O artigo 19 do Convênio 66/88 refere-se à tributação da energia elétrica pelo ICMS, do seguinte modo:

"A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente às operações anteriores e posteriores, na condição de contribuintes substitutos, é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor."

Percebe-se assim que, como afirmado, o sistema normativo trata a energia elétrica, para fins de incidência do ICMS, como mercadoria (ou seja, como um produto, um bem móvel) e não como serviço. Isso, aliás, não é novidade em nosso ordenamento jurídico. Também o art. 155, § 3º, do Código Penal equiparou a energia elétrica à coisa móvel (para fins de configuração do crime de furto), o art. 74, § 1º, do CTN a conceituou como produto industrializado (para o efeito de incidência do extinto imposto único) e o art. 83, I, do Código Civil considera como bens móveis as "energias que tenham valor econômico". A doutrina especializada igualmente abona esse mesmo entendimento: CARRAZZA, Roque Antônio, "ICMS", 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 242; CANTO, Gilberto de Ulhôa, "Direito Tributário Aplicado: pareceres", Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 120; CAMPOS, Clever M., "Introdução ao Direito de Energia Elétrica", São Paulo, Ícone, 2001, p. 68. Sendo assim, também nas operações envolvendo energia elétrica, o ICMS está submetido à regra geral instituída pela Lei Complementar 87/96, ou seja, ele incide sobre as "operações relativas à circulação de mercadorias (...)"(art. 2º, I).

4. Premissa (II) que também justifica a jurisprudência: a energia elétrica só é gerada e só circula quando há consumo:

Há um dado da realidade que não pode ser ignorado: a energia elétrica é um bem insuscetível de ser armazenado ou depositado. Ela só é gerada para ser imediatamente consumida. Dito de outra forma: a energia elétrica é gerada porque é consumida. Não há geração e nem circulação sem que haja consumo. Por isso mesmo, não se pode conceber a existência de fato gerador de ICMS sobre operações de energia elétrica sem que haja a efetiva utilização dessa especial "mercadoria". A propósito, eis o que dizem os especialistas:

"O sistema elétrico nacional faz a conexão física de todos os geradores, transmissores, distribuidores e consumidores. Funciona, como já dito, analogamente a um sistema de 'caixa único', em um mesmo momento, recebe a energia de todos os geradores e alimenta todos os consumidores. Portanto, produção e consumo se dão instantaneamente, não havendo possibilidade de estoques entre os estágios intermediários de produção, transmissão e distribuição" (CAMPOS, Cléver M., op. cit., p. 68).

"No caso particular da eletricidade, a saída da usina, a entrega e o consumo coincide com a fabricação do produto e com o próprio consumo feito pelo usuário do serviço explorado pelo concessionário" (ÁLVARES, Walter T., "Instituições de Direito da Eletricidade", Ed. Bernardo Álvares, 1962, v. 2, p. 501)

"Embora as operações de consumo de energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis, elas se revestem de algumas especificidades, que não podem ser ignoradas. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída. A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende, ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque. É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser "estocado", para ulterior revenda aos interessados. Em boa verdade científica, só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade). (...) Com isto estamos enfatizando que tal tributação, em face das peculiaridades que cercam o fornecimento de energia elétrica, só é juridicamente possível no momento em que a energia elétrica, por força de relação contratual, sai do estabelecimento do fornecedor, sendo consumida" (CARRAZZA, Roque, op. cit., p. 242-243).

Correta, portanto, repita-se, a jurisprudência firmada no STJ no sentido de que "O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa"; "Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência".

5. Bases para compreensão da questão jurídica:

5.1. A demanda de potência elétrica

Há um outro dado da realidade física igualmente importante para a compreensão da questão jurídica em exame: quando há consumo de energia elétrica, há consumo de energia com certa potência. Potência é um atributo da energia elétrica relacionado, não propriamente com a quantidade consumida, mas com a intensidade do consumo no tempo. Na definição técnica da Resolução ANEEL 456/2000 (que estabelece as "condições gerais de fornecimento de energia elétrica"), potência é a "quantidade de energia elétrica solicitada na unidade de tempo, expressa em quilowatts (kW)" (art. 2º, XXVII). A potência elétrica, portanto, é componente essencial e inseparável da operação de consumo de energia. Com efeito, o consumo se dá, invariavelmente, em certa quantidade de energia, medida e expressa em unidades de quilowatts-hora (kWh) (Resolução ANEEL 456/2000, art. 2º XII) e com certa intensidade no tempo, o que demanda energia com a correspondente potência elétrica, medida e expressa em quilowatts (kW).

O que determina a quantidade e a potência elétrica a serem utilizadas no consumo da energia são as necessidades do consumidor: há consumidores que demandam pequena quantidade e em pequena intensidade de tempo, há os que demandam maiores quantidades mas em menor intensidade, há os que demandam pequenas quantidades mas em maior intensidade e há os que demandam grandes quantidades e com grande intensidade. Por outro lado, no que toca à concessionária, quanto maior a demanda de potência do consumidor, maiores os investimentos (adequado dimensionamento de redes, transformadores e outros equipamentos e serviços), necessários para a disponibilização da energia.

5.2 Classificação dos consumidores segundo o perfil do consumo:

Justamente pela diversidade dos perfis e do modo de consumir energia, o sistema normativo, ao disciplinar o fornecimento de energia e a fixação das correspondentes tarifas, dividiu os consumidores em dois grandes grupos, segundo as respectivas demandas de potência. Dispõe, a propósito, o Decreto 62.724/89 (que "estabelece normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de ser viços públicos de energia elétrica"):

"Art 2º Para fins de análise de custo do serviço e fixação de tarifas, as classes de consumidores de que trata o art. 177, Capítulo VII, Título IV, do Decreto nº 41.019, de 26 de fevereiro de 1957, deverão ser grupadas da seguinte forma:

1 - Grupo A; consumidores ligados em tensão igual ou superior a 2.300 volts;

2 - Grupo B; consumidores ligados em tensão inferior a 2.300 volts".

Dispõe também o Decreto, em seu art. 9º:

"Art. 9º O fornecimento de energia elétrica a unidades consumidoras do Grupo A, com tarifas reguladas, deverá ser realizado mediante a celebração de contrato entre o concessionário ou permissionário de serviço público de energia elétrica e o respectivo consumidor, e às unidades consumidoras do Grupo B será realizado sob as condições do contrato de adesão".

Como se percebe, o fornecimento de energia elétrica é sempre precedido de um contrato entre concessionária e consumidor, contendo, entre outras cláusulas, a da demanda de potência elétrica, sendo que os consumidores do Grupo B (que demandam menor potência) celebram um contrato de adesão e os demais, do Grupo A (que demandam maior potência), celebram um contrato específico, para atender às suas específicas necessidades. As cláusulas e condições desse contrato são as previstas no art. 23 da Resolução ANEEL 456/2000, entre elas as que dizem respeito à potência de energia elétrica demandada pelo consumidor e que deverá ser disponibilizada pela concessionária. São as cláusulas relativas à demanda de potência. Essa Resolução traz, em seu artigo 2º, definições que elucidam o tema:

"Art. 2º. Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais:

(...)

III - Consumidor: pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, que solicitar a concessionária o fornecimento de energia elétrica e assumir a responsabilidade pelo pagamento das faturas e pelas demais obrigações fixadas em normas e regulamentos da ANEEL, assim vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de adesão, conforme cada caso.

(...)

V - Contrato de adesão: instrumento contratual com cláusulas vinculadas às normas e regulamentos aprovados pela ANEEL, não podendo o conteúdo das mesmas ser modificado pela concessionária ou consumidor, a ser aceito ou rejeitado de forma integral.

VI - Contrato de fornecimento: instrumento contratual em que a concessionária e o consumidor responsável por unidade consumidora do Grupo "A" ajustam as características técnicas e as condições comerciais do fornecimento de energia elétrica.

(...)

VIII - Demanda: média das potências elétricas ativas ou reativas, solicitadas ao sistema elétrico pela parcela da carga instalada em operação na unidade consumidora, durante um intervalo de tempo especificado.

IX - Demanda contratada: demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW).

6. Delimitação do alcance da jurisprudência do STJ: distinção entre demanda de potência contratada e demanda de potência efetivamente utilizada:

É importante atentar para a definição de demanda contratada: é a demanda de potência ativa, expressa em quilowatts (kW), a ser "disponibilizada pela concessionária" ao consumidor, "conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento", que pode ou não ser "utilizada durante o período de faturamento". Demanda de potência contratada, bem se vê, não é demanda utilizada, e, se não representa demanda de potência elétrica efetivamente utilizada, não representa energia gerada e muito menos que tenha circulado. A simples disponibilização da potência elétrica no ponto de entrega, ainda que gere custos com investimentos e prestação de serviços para a concessionária, pode constituir - e efetivamente constitui - fato gerador da tarifa do serviço público de energia, mas certamente não constitui fato gerador do ICMS, que tem como pressuposto indispensável a efetiva geração de energia, sem a qual não há circulação. Ora, é fenômeno da realidade física, já se disse, que não há geração de energia elétrica sem que haja consumo. Daí o acerto, mais uma vez, da jurisprudência do STJ: a demanda de potência de energia simplesmente contratada ou mesmo disponibilizada, mas ainda não utilizada, não está sujeita à incidência de ICMS, porque o contrato ou a disponibilização, por si sós, não constituem o fato gerador desse tributo.

Entretanto, isso não significa dizer que o ICMS jamais pode incidir sobre a tarifa correspondente à demanda de potência elétrica. Tal conclusão não está autorizada pela jurisprudência do Tribunal. O que a jurisprudência afirma é que nas operações de energia elétrica o fato gerador do ICMS não é a simples contratação da energia, mas sim o seu efetivo consumo. Por isso se afirma que, relativamente à demanda de potência, a sua simples contratação não constitui fato gerador do imposto. Não se nega, todavia, que a potência elétrica efetivamente utilizada seja fenômeno incompatível ou estranho ao referido fato gerador. Pelo contrário, as mesmas premissas teóricas que orientam a jurisprudência do STJ sobre o contrato de demanda, levam à conclusão (retirada no mínimo a contrario sensu) de que a potência elétrica, quando efetivamente utilizada, é parte integrante da operação de energia elétrica e, como tal, compõe sim o seu fato gerador.

Do que até aqui se expôs, é evidente a importância de fazer a devida distinção entre demanda de potência contratada e demanda de potência efetivamente utilizada. Assim como a energia ativa (que, tecnicamente, é medida e expressa quantidade de quilowatts-hora (kWh) (Resolução ANEEL 456/2000, art. 2º XII), também a potência elétrica utilizada no consumo está sujeita a medição, que, tecnicamente, se expressa em quilowatts - (kW) (art. 2º, XXVII).

7. Sistema brasileiro de fixação da tarifa de energia:

A medição da potência elétrica é atividade rotineira e indispensável em relação aos consumidores do Grupo A. É que, em relação a eles, que demandam potências especiais, a fixação da tarifa mensal de energia é estabelecida, não simplesmente pela quantidade de energia, mas também pelo modo como o consumo ocorre, vale dizer, pelos níveis e pelas condições de utilização da demanda de potência. A propósito, o já referido Decreto 62.724/68, que define normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, dispõe, em seu art. 14 (redação dada pelo Decreto 86.463/81):

"O custo do serviço de fornecimento de energia elétrica deverá ser repartido, entre os componentes de demanda de potência e de consumo de energia, de modo que cada grupo ou subgrupo, se houver, de consumidores, responda pela fração que lhe couber".

Nessa linha, o art. 2º da Resolução 456/2000, referindo-se à estrutura tarifária (definida, no inciso XV, como "conjunto de tarifas aplicáveis às componentes de consumo de energia elétrica e/ou demanda de potência ativas de acordo com a modalidade de fornecimento"), dividiu os consumidores em dois grupos:

XXII - Grupo "A": grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão igual ou superior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão inferior a 2,3 kV a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo nos termos definidos no art. 82, caracterizado pela estruturação tarifária binômia e subdividido nos seguintes subgrupos:

a) Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a 230 kV;

b) Subgrupo A2 - tensão de fornecimento de 88 kV a 138 kV;

c) Subgrupo A3 - tensão de fornecimento de 69 kV;

d) Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30 kV a 44 kV;

e) Subgrupo A4 - tensão de fornecimento de 2,3 kV a 25 kV;

f) Subgrupo AS - tensão de fornecimento inferior a 2,3 kV, atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo em caráter opcional.

XXIII - Grupo "B": grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão inferior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão superior a 2,3 kV e faturadas neste Grupo nos termos definidos nos arts. 79 a 81, caracterizado pela estruturação tarifária monômia e subdividido nos seguintes subgrupos:

a) Subgrupo B1 - residencial;

b) Subgrupo B1 - residencial baixa renda;

c) Subgrupo B2 - rural;

d) Subgrupo B2 - cooperativa de eletrificação rural;

e) Subgrupo B2 - serviço público de irrigação;

f) Subgrupo B3 - demais classes;

g) Subgrupo B4 - iluminação pública

Para os consumidores do Grupo B, que não necessitam de potência elétrica especial (e que, por isso, ajustam o fornecimento mediante contrato de adesão), ou que por outra razão foram incluídos em tal grupo, a tarifa mensal é determinada levando em conta um valor unitário fixo do quilowatt (kW), o qual não leva em consideração o modo como se dá o consumo, mas apenas a quantidade consumida no período. Daí a denominação de tarifa monômia. Relativamente a esses consumidores, portanto, a medição do consumo se dá apenas por quantidade. Já para os consumidores do Grupo B, o valor da tarifa mensal leva em consideração, como já se disse, não apenas a quantidade de kWh consumida no período de faturamento, mas também o modo como esse consumo ocorreu nesse período. Nesse caso, o valor unitário de cada kW consumido leva em conta dois elementos (daí denominar-se tarifa binômia), a saber: (a) um de valor unitário fixo, que é multiplicado pela quantidade de kWh consumida no período, e outro (b) de valor unitário variável, fixado de acordo com as condições de utilização da demanda de potência elétrica no período de faturamento, para o que se considera, entre outros fatores, (b.1) o horário do dia em que o consumo se deu (nos horários de ponta a energia é mais cara; de madrugada é mais barata), (b.2) o dia da semana em que ocorreu o consumo (nos dias úteis é mais cara; nos domingos e feriados é mais barata), (b.3) a época do ano em que a energia é consumida (em época de seca é mais cara; em período úmido é mais barata), e assim por diante. A especificação desses elementos de cálculo constam dos artigos 49 a 52 da Resolução ANEEL 456/2000.

As definições das várias formas de composição dessa estrutura tarifária, constantes do art. 2º da Resolução ANEEL 456/2000, ilustram o que se acaba de afirmar:

"XVI - Estrutura tarifária convencional: estrutura caracterizada pela aplicação de tarifas de consumo de energia elétrica e/ou demanda de potência independentemente das horas de utilização do dia e dos períodos do ano.

XVII - Estrutura tarifária horo-sazonal: estrutura caracterizada pela aplicação de tarifas diferenciadas de consumo de energia elétrica e de demanda de potência de acordo com as horas de utilização do dia e dos períodos do ano, conforme especificação a seguir:

a) Tarifa Azul: modalidade estruturada para aplicação de tarifas diferenciadas de consumo de energia elétrica de acordo com as horas de utilização do dia e os períodos do ano, bem como de tarifas diferenciadas de demanda de potência de acordo com as horas de utilização do dia.

b) Tarifa Verde: modalidade estruturada para aplicação de tarifas diferenciadas de consumo de energia elétrica de acordo com as horas de utilização do dia e os períodos do ano, bem como de uma única tarifa de demanda de potência.

c) Horário de ponta (P): período definido pela concessionária e composto por 3 (três) horas diárias consecutivas, exceção feita aos sábados, domingos, terça-feira de carnaval, sexta-feira da Paixão, "Corpus Christi", dia de finados e os demais feriados definidos por lei federal, considerando as características do seu sistema elétrico." (Redação dada pela Resolução ANEEL nº 090 de 27.03.2001)

d) Horário fora de ponta (F): período composto pelo conjunto das horas diárias consecutivas e complementares àquelas definidas no horário de ponta.

e) Período úmido (U): período de 5 (cinco) meses consecutivos, compreendendo os fornecimentos abrangidos pelas leituras de dezembro de um ano a abril do ano seguinte.

f) Período seco (S): período de 7 (sete) meses consecutivos, compreendendo os fornecimentos abrangidos pelas leituras de maio a novembro".

O que se quer salientar, com isso, é que, para efeito de faturamento da tarifa de energia consumida por unidades do Grupo A (em que o valor unitário do kWh consumido é composto também por um elemento variável), torna-se indispensável o permanente monitoramento do modo em que o consumo ocorre. Nesses casos, portanto, a medição da quantidade consumida (o que se faz por uma aparelhagem), e pela demanda potência elétrica utilizada no consumo (o que se faz por aparelhagem própria). Daí a distinção, feita expressamente no art. 2º da Resolução ANEEL 456/2000, entre demanda contratada (estabelecida no inciso IX, já transcrito) e demanda medida, assim conceituada:

"XII - Demanda medida: maior demanda de potência ativa, verificada por medição, integralizada no intervalo de 15 (quinze) minutos durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW)".

É intuitiva a constatação, por isso mesmo, de que a demanda medida pode ser menor, igual ou maior do que a demanda contratada. É o que também decorre do mesmo art. 2º da Resolução, que estabelece no inciso X:

"X - Demanda de ultrapassagem: parcela da demanda medida que excede o valor da demanda contratada, expressa em quilowatts (kW)".

8. Ponto central da controvérsia e a solução cabível:

Verifica-se, do acima exposto, que, segundo o sistema vigente, o faturamento mensal da energia é proporcional à quantidade do consumo, devendo cada um dos elementos que compõem a tarifa ser especificamente discriminado na fatura. Todavia, nos casos em que se aplica a tarifação binômia (consumidores com maior demanda de potência elétrica), um dos elementos do valor unitário da tarifa é fixado levando em consideração, entre outros fatores, a demanda contratada de potência, salvo se esta for menor que a demanda medida, ou seja, salvo quando há demanda de ultrapassagem. Se os limites contratados forem ex cedidos, "sobre a parcela da demanda medida que superar a respectiva demanda contratada, será aplicada a tarifa de ultrapassagem (...)" (art. 56 da Resolução ANEEL 456/2000), assim definida no inciso XXXVII do art. 2º:

"XXXVII - Tarifa de ultrapassagem: tarifa aplicável sobre a diferença positiva entre a demanda medida e a contratada, quando exceder os limites estabelecidos".

Fica identificado, assim, o ponto central da controvérsia, que consiste, no fundo, em saber se, para efeito de composição da tarifa de energia elétrica aplicável sobre o consumo ocorrido no período de faturamento, é legítima a adoção do valor correspondente à demanda simplesmente contratada, caso este seja inferior ao da demanda medida (quando é superior, já se viu, o cálculo é feito pela demanda medida, com aplicação da tarifa de ultrapassagem); ou se, ao contrário, a fixação deve se dar sempre com base no valor da demanda elétrica efetivamente medida.

Ora, por tudo o que se viu, o modo de cálculo que leva em consideração o valor da demanda simplesmente contratada pode ser legítimo para efeito de fixação da tarifa do serviço público de energia. Todavia, para efeito de base de cálculo de ICMS, que supõe sempre o efetivo consumo, a fixação do valor da tarifa de energia deve levar em conta a demanda de potência efetivamente utilizada, como tal considerada a demanda medida no correspondente período de faturamento, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456/2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

Cumpre registrar que esse mesmo entendimento é adotado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (v.g., Apelação em Mandado de Segurança n. 2007.035454-0, relator o Desembargador Francisco Oliveira Filho, julgado em 09.10.07), onde, inclusive, foi objeto de recente súmula (Súmula 21, relator o Desembargador Luiz Cézar Medeiros), cujo enunciado explicita adequadamente a matéria:

"Incide ICMS tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado"

Também no mesmo sentido decide o Tribunal de Justiça da Paraíba, como se vê do Mandado de Segurança n. 999.2006.000859-9/01, relator o Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos (DJ de 11.05.2007).

9.Decisão para o caso concreto

No caso dos autos, a autora é consumidora do Grupo A, mantendo com a concessionária, por isso mesmo, um contrato especial de fornecimento de energia elétrica. As condições de disponibilização de demanda de potência foram estabelecidas nos itens 1.2, 2.2 a 2.5, 3.2 e 3.3 do contrato (fls. 55 a 67), com as alterações constantes de posteriores termos aditivos (fls. 6873 e fls. 74 a 77). O pedido formulado na inicial é "para que se declare a inexistência de relação jurídica entre Autora e Réu que a obrigue ao pagamento do ICMS sobre os valores contratados de energia reservada e não consumida, bem como condene o Réu a restituir à Autora os valores pagos a esse título tal como demonstrado na planilha de notas fiscais em anexo" (fls. 07). Examinado isoladamente e dependendo do modo como se interpreta tal pedido, ele até poderia encontrar respaldo nos fundamentos acima alinhados. Todavia, a extensão exata da pretensão da autora somente pode ser aferida com o exame dos fundamentos da inicial, notadamente na segunda parte do seu item 1.1, onde está afirmado o seguinte:

"A demanda reservada consiste em uma reserva de potência de energia ou, em outras palavras, em potencial de energia elétrica colocado à disposição da Autora pela CEMIG, cuja quantidade é estabelecida em contrato. O propósito de se contratar esta demanda reservada é o de propiciar à Autora a garantia de utilização de energia elétrica de acordo com suas necessidades, que podem variar, cabendo à concessionária realizar os investimentos e obras necessários para tanto, além de operar e manter todo o sistema.

A demanda reservada é mensurada periodicamente por meio de aparelho de medição próprio e exclusivo, separado do de consumo. Do mesmo modo, na nota fiscal emitida pela CEMIG distingue-se a energia consumida da demanda reservada, destacando-se os valores de cada uma.Assim, pretende a Autora que o ICMS recaia somente sobre o valor da energia efetivamente fornecida pela CEMIG e consumida, excluindo de sua base de cálculo o valor da energia compreendida no conceito de demanda reservada (...)" (fls. 02/03).

Bem se vê, destarte, que a real pretensão da autora é haver a repetição do valor do ICMS incidente sobre a potência elétrica contratada ("reservada"), sem, no entanto, considerar nem abater a parcela correspondente à potência efetivamente utilizada. Nessa compreensão, o pedido deve ser acolhido em parte, para condenar a demandada a restituir a parcela do ICMS sobre a parte da tarifa correspondente à diferença entre a potência elétrica contratada e a medida, quando esta for menor, conforme ficar apurado em liquidação. Ante a sucumbência recíproca, ficam proporcionalmente distribuídos e compensados os ônus sucumbenciais de despesas e honorários advocatícios, nos termos do art. 21 do CPC.

10.Diante do exposto e para os efeitos indicados, dou parcial provimento ao recurso especial. É o voto.

ERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2003/0167036-1 REsp 586120 / MG

Números Origem: 024980081483 2806610

PAUTA: 12/12/2007 JULGADO: 12/12/2007

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON

Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: CENIBRA - CELULOSE NIPO BRASILEIRA S/A

ADVOGADO: EDUARDO MANEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR: BRUNO RODRIGUES DE FARIA E OUTRO(S)

ASSUNTO: Tributário - ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki conhecendo do recurso especial e dando-lhe parcial provimento, no que foi acompanhado pelos votos dos Srs. Ministros José Delgado (que se declarou habilitado a votar) e Eliana Calmon, e o voto do Sr. Ministro Castro Meira negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Francisco Falcão."

Aguardam a Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros Humberto Martins e Herman Benjamin.

Ausente, ocasionalmente, nesta assentada, o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Brasília, 12 de dezembro de 2007

Carolina Véras
Secretária

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO: A questão em tela gravita em torno da incidência do ICMS no fornecimento de energia elétrica para os consumidores que podem escolher, através de contrato, o fornecedor da energia de que necessitam.

Na Resolução 456/2000, a ANEEL definiu que a demanda de potência contratada, disponibilizada continuamente pela concessionária, deve ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento (art. 2º, IX).

A jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça está no sentido de que o ICMS não pode incidir sobre toda a reserva de potência contratada, mas apenas sobre o que é efetivamente consumido.

Para melhor analisar a questão, pedi vista dos autos.

Durante o exame do presente processo sobreveio decisão no REsp nº 960.476/SC, julgado sob o regime do artigo 543-C do CPC, onde restou mantida a posição da jurisprudência deste STJ no sentido de que o ICMS deve incidir apenas sobre a potência consumida.

Tais as razões expendidas, dou parcial provimento ao recurso especial, para que o ICMS incida apenas sobre a potência efetivamente consumida.

É o voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA: O mercado de energia elétrica divide-se, atualmente, entre: a) consumidores livres, que podem optar pelo seu fornecedor; e b) consumidores cativos, que estão vinculados à concessionária que detém a concessão da área onde situados.

A diferença substancial entre os dois tipos de consumo está na quantidade de energia demandada. Se a tensão de fornecimento for igual ou superior a 3 MW (Mega Watts) e tensão de 69 mil Volts, adquire o consumidor a liberdade de escolher o fornecedor de sua energia, sendo possível a contratação de distribuidor de outra localidade ou até mesmo de produtor independente.

A Resolução 456/00 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL dividiu os consumidores em dois grandes grupos: A (consumidores livres) e B (consumidores cativos). Aos consumidores incluídos no grupo A, a Resolução, embora confira liberdade na escolha do fornecedor, obriga a contratação de uma reserva de potência.

A demanda contratada, definida no art. 2º, inciso IX, da Resolução, objetiva resguardar o consumidor de eventuais interrupções no fornecimento de energia elétrica, sendo indispensável para os usuários que não podem prescindir de seu uso contínuo, como hospitais e indústrias.

O dispositivo em destaque enuncia:

"IX - Demanda contratada: demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW)".

Os consumidores cativos (Grupo B) são obrigados a aderir a contrato padrão. Não podem escolher o respectivo fornecedor (recebem energia da empresa que detiver a concessão da área) e, em razão do pequeno consumo, estão sujeitos à tarifa monômia, vale dizer, pagam apenas pela energia efetivamente consumida. Observe-se a redação do art. 2º, inciso XXXV, da Resolução:

"XXXV - Tarifa monômia: tarifa de fornecimento de energia elétrica constituída por preços aplicáveis unicamente ao consumo de energia elétrica ativa".

Já os consumidores livres (Grupo A) assinam contrato que deve conter uma série de especificidades, entre elas a demanda contratada. Esses consumidores devem aferir a potência instalada em seu estabelecimento, que é a "soma das potências nominais de equipamentos elétricos de mesma espécie instalados na unidade consumidora e em condições de entrar em funcionamento" (art. 2º, XXIX da Resolução), para então contratar com a fornecedora a respectiva demanda.

Assim, a tarifa é binômia, já que abrange, além do valor da energia elétrica efetivamente consumida, o valor devido a título de demanda contratada, nos termos do art. 2º, XXXVI, da Resolução, que dispõe:

"XXXVI - Tarifa binômia: conjunto de tarifas de fornecimento constituído por preços aplicáveis ao consumo de energia elétrica ativa e à demanda faturável".

É fácil perceber que, nesse sistema de tarifação, a empresa fornecedora coloca à disposição do consumidor energia para consumo imediato, bem como uma quantia de energia elétrica contratada, para uso a qualquer momento, comprometendo-se a não comercializá-la com terceiros.

Enquanto o pagamento pela demanda consumida remunera a energia efetivamente utilizada no estabelecimento, o pagamento a título de demanda potencial corresponde à garantia de fornecimento de uma quantidade de energia previamente estipulada no contrato.

A razão dessa estrutura tarifária se explica. O atendimento das necessidades do grande consumidor possibilita identificar o grau de regularidade com que a energia é consumida, permitindo, com isso, a adoção de uma política tarifária que impute àquele que exige dimensionamento maior do sistema elétrico um preço mais elevado pela energia, mediante adoção de tarifas diferenciadas.

Se o consumo efetivamente utilizado mostrar-se inferior ao garantido pela demanda contratada, o valor referente será cobrado como energia elétrica consumida. Se for superior, o consumidor deverá arcar com a tarifa de ultrapassagem, conceituada na Resolução da seguinte forma:

"XXXVII - Tarifa de ultrapassagem: tarifa aplicável sobre a diferença positiva entre a demanda medida e a contratada, quando exceder os limites estabelecidos".

Para evitar a aplicação constante da tarifa de ultrapassagem ou o desperdício, a Resolução permite ao consumidor o ajuste da demanda a ser contratada, para mais ou para menos.

Feita essa breve exposição, passo à controvérsia dos autos.

Cinge-se a questão em saber se o ICMS deve, ou não, incidir sobre o elemento tarifário identificado na fatura como demanda contratada de energia elétrica.

Examino o problema, inicialmente, sob o prisma do fato gerador do ICMS e de seu elemento temporal.

A energia elétrica é considerada, para fins tributários, mercadoria, sujeitando-se a circulação à incidência do ICMS.

Embora se considere ocorrido o fato gerador do imposto, via de regra, na saída da mercadoria do estabelecimento comercial, a Lei Complementar 87/96 fixa, nos incisos do art. 12, diversos marcos temporais de exteriorização da hipótese de incidência tributária.

À exceção das operações interestaduais com energia elétrica, em que se considera consumado o fato gerador no momento da entrada da energia em outro estado da Federação (art. 12, XII, da LC 87/96), não há explicitação alguma na Lei sobre o momento da ocorrência do fato gerador do ICMS no caso de operações internas com energia elétrica.

A genérica menção feita pelo legislador complementar à saída da mercadoria do estabelecimento como marco temporal de incidência do imposto, não encontra adequada aplicabilidade quando se trata de operação envolvendo energia elétrica. Por ocasião de sua saída do estabelecimento gerador, seu usuário é indeterminado, pois, fluindo a corrente pelas linhas de transmissão e de distribuição, poderá ser consumida por quem quer que seja que a elas tenha acesso, não havendo como identificá-lo.

Se a empresa que produz a energia não for também aquela que distribui, torna-se difícil, senão impossível, identificar a pessoa que consumiu a energia elétrica gerada.

Há também outro agravante que dificulta a adoção da saída como elemento temporal do fato gerador do imposto: o sistema elétrico é hoje totalmente interligado, composto pelas diversas usinas que estão a ele conectadas. Tal fato impossibilita a identificação do estabelecimento produtor que deu saída à energia elétrica entregue a determinado consumidor, já que todos os geradores entregam a energia ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e os compradores a recebem desse mesmo operador.

Em face das particularidades que envolvem a circulação de energia elétrica, somente a fase de distribuição se mostra apta a concretizar, no tempo, a hipótese de incidência tributária, com a entrega da energia ao consumidor.

A entrega de energia elétrica ao consumidor está prevista na Resolução 456/00, que conceitua o chamado Ponto de Entrega nos seguintes termos:

"XXVI - Ponto de entrega: ponto de conexão do sistema elétrico da concessionária com as instalações elétricas da unidade consumidora, caracterizando-se como o limite de responsabilidade do fornecimento".

O ponto de entrega situa-se no limite da via pública com o imóvel em que se localiza a unidade consumidora.

A agência reguladora do sistema elétrico considera satisfeita a prestação, por cujo cumprimento se obrigou a distribuidora, com a entrega da energia elétrica no ponto de conexão do sistema elétrico, cabendo-lhe, até então, adotar as providências necessárias a viabilizar o fornecimento da energia elétrica e cessando, a partir daí, sua responsabilidade pela prestação do serviço.

Segundo a regra, disponibilizada a energia no ponto de entrega, cessa a responsabilidade do fornecedor, por considerar-se entregue a mercadoria.

Como a energia elétrica é tratada como bem móvel por ficção legal, torna-se compreensível que a entrega da mercadoria no ponto de conexão seja adotado como critério decisivo de imputação temporal da operação tributável que, assim, se considerará ocorrida nesse instante.

Sob esse prisma, a simples colocação da energia elétrica à disposição do consumidor no ponto de entrega já é suficiente para aperfeiçoar o fato gerador do imposto. Segundo o valioso magistério de Ataliba e Cléber Giardino, a circulação a que se refere o texto constitucional implica a transmissão de um conjunto de direitos que dê ao beneficiário, no mínimo, poderes de disposição sobre a coisa, pois "convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria a circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica). Esse fenômeno é que importa, no plano do ICM" ("Núcleo da Definição Constitucional do ICM", Revista de Direito Tributário, n. 25/26, p. 111).

Nesses termos, a destinação dada à potência contratada, seja ela efetivamente utilizada ou não, é circunstância irrelevante para a incidência do ICMS.

Dá-se a circulação do bem quando disponibilizada a energia no ponto de entrega indicado no contrato de fornecimento. A partir desse momento, pode-se dizer que a empresa fornecedora já não detém titularidade sobre a demanda contratada.

Assim, o fato de não ter sido consumida a energia não desfigura a operação de circulação, já que, colocada à disposição do consumidor, nenhum outro usuário poderá consumi-la. A circulação do bem energia elétrica é inquestionável tanto no contrato padrão quanto no contrato de demanda. Naquele, o bem é fornecido pela concessionária de energia e efetivamente utilizado pelo consumidor; neste, o bem é fornecido pela concessionária, podendo ou não ser utilizado pelo consumidor.

O consumidor do Grupo A paga não apenas pela energia efetivamente consumida, mas também por aquela colocada à sua disposição, energia que lhe foi entregue, sendo esta circulação o fato gerador do ICMS.

Ainda que o consumidor não utilize toda a energia que reserva, não se pode dizer que não houve transferência da mercadoria. Havendo a necessidade, a energia necessária estará de pronto à disposição do usuário, em clara evidência de que ocorreu circulação, não apenas em relação à energia que consumiu, mas também em relação à potência que reservou.

Em outras palavras, o consumidor está pagando para garantir a energia que consome ou para dispor, quando bem lhe aprouver, de demanda de energia colada à sua disposição.

Ao contratar uma determinada potência elétrica, o grande consumidor garante-se de que a concessionária estará aparelhada para suprir a demanda estabelecida no contrato. Eventual necessidade de aumento posterior da carga instalada, que exija elevação da potência contratada, deverá ser previamente submetida à apreciação da concessionária, para aferir-se a necessidade de adequação do sistema elétrico.

Examinada a questão a partir da ótica do fato gerador, o exame sob o prisma da base de cálculo parece ainda mais esclarecedor.

O conceito de demanda contratada não deixa dúvidas quanto à natureza securitária que assume. Consoante o art. 2º, inciso IX, da Resolução 456/00, demanda contratada é a "demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento".

O consumidor de grande porte, geralmente industrial, não pode correr o risco de ficar sem o fornecimento de energia elétrica, necessária à movimentação de suas máquinas e à realização da própria atividade. Para tanto, ao contratar com o fornecedor que escolheu, fixa no contrato a demanda de energia que, obrigatória e continuamente, deve estar disponível no ponto de entrega para uso imediato, independentemente de qualquer comunicação à empresa contratada.

Mesmo que não venha a ser consumida totalmente a energia indicada no contrato, por ela deverá pagar o consumidor, já que a demanda esteve integral e ininterruptamente disponível ao consumo no ponto de entrega. Em outras palavras, o fornecedor assegurou ao usuário consumo compatível com a demanda que reservou, garantindo o fornecimento nos patamares fixados no contrato.

Não há dúvida, portanto, de que a demanda contratada ostenta a natureza de seguro. À semelhança do que ocorre nos seguros convencionais, em que deve ser pago o valor ajustado independentemente de ocorrer o sinistro, no caso da demanda contratada o montante acordado também deve ser pago independentemente do consumo integral da energia reservada.

Recorrendo à analogia, é como se o consumidor pagasse pela garantia de que o fornecimento não cessará até o limite indicado no contrato a título de demanda reservada.

Fixada a natureza securitária da demanda contratada, é preciso lembrar a regra fixada no art. 13, § 1º, da Lei Complementar 87/96, que dispõe:

"§ 1º. Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:

I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;

II - o valor correspondente a:

a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;

b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado".

Como se vê, os seguros, quando não sofrerem a incidência do IOF, devem ser incluídos na base de cálculo do ICMS quando recebidos pelo sujeito passivo do imposto.

Ademais, o art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96, ao fixar como base de cálculo do imposto nas operações com energia elétrica o valor praticado na "operação final", indiscutivelmente, autoriza a cobrança do ICMS sobre a "demanda contratada". Na operação final, a energia elétrica ingressa no estabelecimento consumidor onerada tanto pelo consumo efetivo quanto pela demanda de potência elétrica reservada pelo usuário junto ao operador do sistema.

Como a base imponível do imposto deve resultar da valorização de todos os elementos que integram o núcleo material da hipótese de incidência do ICMS, a tarifa binômia, por abrigar componentes distintos do custo diretamente afetos ao fornecimento da energia elétrica, deve necessariamente integrar sua base de cálculo, pois, somente assim, estará exprimindo a real dimensão financeira do fato gerador do imposto.

Como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor outro não poderá ser senão aquele indicado na fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos desde a geração até a entrega do produto.

Se o ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor, não há razão que justifique a exclusão de sua base de cálculo do valor cobrado a título de demanda contratada, seja porque apresenta natureza de seguro (e o art. 13, § 1º, da LC 87/96 autoriza a sua inclusão na base de cálculo do imposto), seja porque este elemento tarifário está contido no valor praticado na "operação final" (a que alude o art. art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96, ao fixar a base de cálculo do imposto nas operações com energia elétrica).

A demanda contratada apresenta-se como componente indissociável da tarifa devida à concessionária e foi introduzido, exatamente, com o propósito de corrigir a distorção constatada na estrutura tarifária, de modo a onerar em maior escala o consumidor que faz uso irregular da potência elétrica que o sistema é obrigado a disponibilizar continuamente.

Como contrapartida pela demanda contratada, o fornecedor de energia assume todos os custos, operacionais e de investimento, com a oferta contínua de energia em grande escala. Quanto maior for a demanda de potência elétrica contratada, maiores serão os investimentos que a concessionária terá que realizar para atender o consumidor eletro intensivo e, somente assim, poderá ser preservada a equação financeira do contrato. Se assim não fosse, sem a garantia de uma retribuição mínima que assegurasse sua amortização, ninguém assumiria a onerosa responsabilidade pela prestação de um serviço adequado de suprimento da energia na potência exigida.

Para mostrar a importância do elemento "demanda" na composição da tarifa, traz-se o seguinte exemplo adotado por uma equipe de auditores fiscais do Estado da Bahia:

"Uma casa de praia (Casa 1) tem apenas uma lâmpada de 100 Watts, ou seja, de 0,1 kW, ligada 24 horas por dia, ininterruptamente. A casa vizinha (Casa 2) tem apenas um chuveiro elétrico de 4,8 kW que é ligado por apenas trinta minutos, a cada dia. No final de um mês, os medidores de energia de cada casa terão registrado exatamente o mesmo consumo, ou seja, 72 kWh, mas não a mesma demanda.

Se as casas fossem dotadas de medidores de demanda, a primeira casa teria registrado a demanda de 0,1 kW no mês, enquanto a casa vizinha teria registrado a demanda de 4,8 kW".

No caso, a fornecedora que atende às duas casas deveria estar aparelhada para uma demanda de potência correspondente a 4,9 kW, que é o resultado da soma de 0,1 kW (primeira casa) com 4,8 kW (segunda casa).

No exemplo citado, não seria justo que o proprietário da Casa 2 pagasse o mesmo preço pelo serviço fornecido, se, para fazer uso diário do aparelho por apenas 30 minutos, e em horário incerto e que pode coincidir com o momento em que o abastecimento é mais crítico, exigiu do sistema uma potência elétrica de 4,8 KW, enquanto a demanda solicitada pela lâmpada da Casa 1, que permaneceu acesa durante todo o mês, consumindo a mesma quantidade de KWh, exigiu apenas 0,1 de KW.

Não é razoável concluir que a energia elétrica tenha representado para a concessionária um mesmo custo nos dois casos. Por conseqüência, também não é razoável inferir que a energia tenha ingressado no estabelecimento consumidor por um mesmo preço, tanto no exemplo 1 como no exemplo 2.

A situação hipotética serve para mostrar que o elemento "demanda contratada" se apresenta como componente indissociável da tarifa devida à concessionária, não podendo ser apartada do consumo efetivo para fins de se apurar a base de cálculo do ICMS.

Aceitar que o ICMS incida tão-somente sobre a energia elétrica efetivamente consumida é fechar os olhos para o fato de que a energia ingressa no estabelecimento onerada não apenas pelo que efetivamente foi consumido, mas também pela demanda de potência reservada pelo consumidor junto ao operador do sistema elétrico.

Por fim, não devemos esquecer que os contribuintes do ICMS incidente sobre a circulação de energia elétrica são as empresas distribuidoras, nos termos do art. 19 do Convênio 66/88, e não os consumidores da energia. Se for mantida a jurisprudência atual, que examina a incidência sobre a ótica do consumo, deixarão essas empresas de recolher o ICMS sobre um importante componente tarifário que é a demanda reservada de energia.

Se o valor referente à demanda reservada de potência é um importante componente tarifário e, juntamente como o valor cobrado a título de energia consumida, representa o preço pelo qual é vendida a mercadoria, não há razão para apartá-lo da base de cálculo do ICMS.

Acredito tenha chegado o momento de se rever a jurisprudência até aqui consolidada. Os precedentes que analisei, todos eles, sem exceção, examinaram a questão, não sob a ótica do fato gerador ou da base de cálculo do ICMS, mas sob o prisma do consumidor, pessoa que sofre a repercussão financeira da tributação, mas que não se apresenta como sujeito passivo da obrigação tributária.

Peço a Vossas Excelências que reflitam sobre o tema.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2003/0167036-1 REsp 586120 / MG

Números Origem: 024980081483 2806610

PAUTA: 22/04/2009 JULGADO: 22/04/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON

Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: CENIBRA - CELULOSE NIPO BRASILEIRA S/A

ADVOGADO: ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR: BRUNO RODRIGUES DE FARIA E OUTRO(S)

ASSUNTO: Tributário - ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, a Seção, por maioria, vencidos o Srs. Ministros Relator e Castro Meira, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, que lavrará o acórdão."

Votaram com o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki a Sra. Ministra Denise Arruda e os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, José Delgado, Eliana Calmon e Francisco Falcão (voto-vista).

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves (RISTJ, art. 162, § 2º).

Brasília, 22 de abril de 2009

Carolina Véras
Secretária

Documento: 733183

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 28/09/2009




JURID - Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. [29/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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