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terça-feira, 8 de setembro de 2009

JURID - Sucessões. Recurso especial. Arrolamento de bens. [08/09/09] - Jurisprudência


Sucessões. Recurso especial. Arrolamento de bens. Testamento feito sob a vigência do CC/16.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.049.354 - SP (2008/0083708-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: ANTONIO ANGELO CASTRO DA FONSECA

ADVOGADO: CIRO FURTADO BUENO TEIXEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: MARIA ROCHA AZEVEDO CASTRO DA FONSECA

ADVOGADO: MARIA RITA GOMES DA ROCHA AZEVEDO E OUTRO(S)

INTERES.: MARIA STELLA CASTRO DA FONSECA - ESPÓLIO

EMENTA

Direito civil e processual civil. Sucessões. Recurso especial. Arrolamento de bens. Testamento feito sob a vigência do CC/16. Cláusulas restritivas apostas à legítima. Inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Prazo de um ano após a entrada em vigor do CC/02 para declarar a justa causa da restrição imposta. Abertura da sucessão antes de findo o prazo. Subsistência do gravame. Questão processual. Fundamento do acórdão não impugnado.

- Conforme dicção do art. 2.042 c/c o caput do art. 1.848 do CC/02, deve o testador declarar no testamento a justa causa da cláusula restritiva aposta à legítima, no prazo de um ano após a entrada em vigor do CC/02; na hipótese de o testamento ter sido feito sob a vigência do CC/16 e aberta a sucessão no referido prazo, e não tendo até então o testador justificado, não subsistirá a restrição.

- Ao testador são asseguradas medidas conservativas para salvaguardar a legítima dos herdeiros necessários, sendo que na interpretação das cláusulas testamentárias deve-se preferir a inteligência que faz valer o ato, àquela que o reduz à insubsistência; por isso, deve-se interpretar o testamento, de preferência, em toda a sua plenitude, desvendando a vontade do testador, libertando-o da prisão das palavras, para atender sempre a sua real intenção.

- Contudo, a presente lide não cobra juízo interpretativo para desvendar a intenção da testadora; o julgamento é objetivo, seja concernente à época em que dispôs da sua herança, seja relativo ao momento em que deveria aditar o testamento, isto porque veio à óbito ainda dentro do prazo legal para cumprir a determinação legal do art. 2.042 do CC/02, o que não ocorreu, e, por isso, não há como esquadrinhar a sua intenção nos 3 meses que remanesciam para cumprir a dicção legal.

- Não houve descompasso, tampouco descumprimento, por parte da testadora, com o art. 2.042 do CC/02, conjugado com o art. 1.848 do mesmo Código, isto porque foi colhida por fato jurídico - morte - que lhe impediu de cumprir imposição legal, que só a ela cabia, em prazo que ainda não se findara.

- O testamento é a expressão da liberdade no direito civil, cuja força é o testemunho mais solene e mais grave da vontade íntima do ser humano.

- A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado, quando suficiente para a manutenção de suas conclusões em questão processual, impede a apreciação do recurso especial no particular.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr(a). JORGE SHIGUEMITSU FUJITA, pela parte RECORRENTE: ANTONIO ANGELO CASTRO DA FONSECA.

Brasília (DF), 18 de agosto de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO

Recurso especial interposto por ANTONIO ANGELO CASTRO DA FONSECA, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/SP.

Procedimento especial de jurisdição contenciosa (fls. 12/13): arrolamento dos bens deixados por MARIA STELLA CASTRO DA FONSECA, cujo óbito ocorreu em 22/9/2003, requerido pelo recorrente, seu filho e herdeiro.

Petição de MARIA ROCHA AZEVEDO CASTRO DA FONSECA (fl. 29): requereu seu ingresso nos autos, porquanto casada com o recorrente sob o regime de comunhão universal de bens.

Prestadas as primeiras declarações às fls. 52/55, em que declara o recorrente que a falecida deixou bens imóveis a inventariar, e dois filhos, seus herdeiros, ambos casados.

Consta dos autos, ainda, certidão de testamento, por meio do qual os bens deixados ao recorrente pela testadora foram gravados de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, extensivas aos respectivos frutos e rendimentos (fls. 39/40).

Decisão interlocutória: por entender o i. Juiz que "de nulidade das cláusulas restritivas impostas no testamento de folhas 31/32, não há que se cogitar, eis que aberta a sucessão em 22 de setembro de 2003, quando ainda não passado um ano da entrada em vigor do novo Código Civil, o que constitui condição de eficácia do preceito gizado pelo artigo do 1848, conforme dispõe o artigo 2042, ambos do referido diploma legal" (fl. 86), foi obstada a recorrida de concorrer à meação sobre a legítima do marido, no arrolamento dos bens deixados por sua sogra, ainda que casados sob o regime da comunhão universal de bens.

Acórdão em agravo de instrumento (fls. 121/129): o TJ/SP conferiu provimento ao recurso interposto pela recorrida, por maioria, para decretar a insubsistência da restrição imposta no testamento, consistente na cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre os bens da legítima, a qual deverá integrar o patrimônio da sociedade conjugal, porquanto eleito o regime de bens da comunhão universal. O entendimento que prevaleceu foi o de que não havia intenção da testadora de aditar o testamento com a justa causa para o gravame, exigida pelo art. 1.848 do CC/02, ante o decurso de quase 9 meses do prazo de 1 ano previsto no art. 2.042 do mesmo Código.

Recurso especial (fls. 132/149): interposto sob alegação de ofensa aos arts. 526 do CPC; 6º da LICC; 2.042 do CC/02; além de dissídio jurisprudencial. Houve interposição de recurso extraordinário às fls. 151/165.

Contrarrazões: às fls. 170/175.

Por meio de provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão de negativa de admissibilidade do recurso especial, foram remetidos os autos principais para melhor exame da matéria, ora em análise, a este Tribunal (fl. 211/212).

Parecer do MPF (fls. 216/220): da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, em que opinou pelo não provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

A lide busca definir se as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, gravadas em testamento sobre os bens da legítima deixados a um dos herdeiros necessários, devem subsistir ou não, ainda que a testadora não tenha declarado a justa causa no prazo de um ano fixado no art. 2.042 do CC/02, com a peculiaridade de ter ocorrido o óbito da testadora antes do término do referido prazo.

I. Contornos da lide.

Para subsidiar o julgamento, importa esclarecer que, celebrado o testamento sob a égide do CC/16, houve a abertura da sucessão em 22/9/2003, isto é, na vigência do prazo de um ano da entrada em vigor do CC/02, o que atrai a aplicação conjugada dos arts. 2.042 e 1.848 do CC/02, cuja interpretação será analisada a seguir.

Como delineamento fático, distingue-se a imposição dos gravames no testamento em momento em que a lei não exigia justificativa para tanto, exigência essa que passou a ser expressa pelo art. 1.848 do CC/02, inclusive com aplicação retroativa, conforme disposição do art. 2.042 do mesmo Código.

A peculiaridade reside no fato de que antes de findar o prazo de um ano da entrada em vigor do CC/02, durante o qual deveria a testadora indicar no testamento a justa causa para aplicar cláusulas restritivas à disposição dos bens da legítima, ocorreu seu óbito, entendendo, então, o TJ/SP que, não o tendo feito durante os 9 meses em que ainda era viva, não o faria nos 3 meses faltantes para o término do lapso temporal previsto na regra de transição do CC/02.

A testadora, dessa forma, mãe do recorrente, sogra da recorrida, impôs os gravames sem indicar a justa causa e não aditou o testamento em tempo hábil.

Merece destaque, por fim, a questão de que a declaração de insubsistência do gravame, conferida pelo TJ/SP, deu-se em favor da recorrida, cuja pretensão é a de concorrer à meação sobre a legítima do recorrente, seu marido, em casamento sob o regime da comunhão universal de bens.

II. Da violação ao art. 526 do CPC e do dissídio jurisprudencial.

De início, põe-se questão processual trazida pelo recorrente, de que, se no ato de interposição do agravo de instrumento, em sua comunicação ao Juízo de origem, apresentou a recorrida, tão-somente, a primeira folha das razões de agravo, sem informar a relação dos documentos que instruíram o recurso, a hipótese seria de inadmissibilidade do agravo, nos termos do art. 526, parágrafo único, do CPC.

O TJ/SP afastou a preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento, ao fundamento de que o recorrente não sofreu prejuízo processual, porque não impedido de exercitar a sua defesa, a qual se efetivou e de modo útil, não havendo motivo para aplicar-se a sanção, por mero formalismo. Fez incidir, expressamente, os arts. 154 e 244 do CPC.

Depreende-se, das razões de recurso especial, que o recorrente não impugnou o aludido fundamento - ausência de prejuízo processual -, utilizado pelo TJ/SP para afastar a preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento interposto pela recorrida. Dessa forma, ante a aplicação da Súmula 283/STF, mantém-se o quanto decidido, no acórdão, quanto ao ponto, cujo fundamento específico não foi impugnado.

III. Da violação aos arts. 6º da LICC e 2.042 do CC/02.

Alega o recorrente que a insubsistência das cláusulas testamentárias restritivas somente poderia ser declarada, caso a sucessão tivesse sido aberta após um ano da entrada em vigor do CC/02, portanto, a partir de janeiro de 2004. Considerando que a testadora faleceu em 22/9/2003, sobejava ainda 3 meses e alguns dias para ser providenciado o aditamento do testamento, com o fim de justificar a causa da inclusão das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

A presunção, adotada pelo acórdão impugnado, de que a testadora, se viva estivesse, não cumpriria as exigências legais, durante o restante do prazo que a lei lhe assegurava, não pode ser aplicada, porque carece de sustentação.

Conforme dicção do art. 2.042 c/c o caput do art. 1.848 do CC/02, deve o testador declarar no testamento a justa causa da cláusula restritiva aposta à legítima, no prazo de um ano após a entrada em vigor do CC/02. Na hipótese de o testamento ter sido feito sob a vigência do CC/16 e aberta a sucessão no referido prazo, e não tendo, até então, o testador justificado, não subsistirá a restrição.

Ao testador, de uma forma geral, são asseguradas medidas conservativas para salvaguardar a legítima dos herdeiros necessários, sendo que na interpretação das cláusulas testamentárias deve-se preferir a inteligência que faz valer o ato, àquela que o reduz à insubsistência. Por isso, deve-se interpretar o testamento, de preferência, em toda a sua plenitude, desvendando a vontade do testador, libertando-o da prisão das palavras, para atender sempre a sua real intenção.

Contudo, a presente lide não cobra juízo interpretativo para desvendar a intenção da testadora. O julgamento é objetivo, seja concernente à época em que dispôs da sua herança, seja relativo ao momento em que deveria aditar o testamento, isto porque veio à óbito ainda dentro do prazo legal para cumprir a determinação legal do art. 2.042 do CC/02, o que não ocorreu, e, por isso, não há como esquadrinhar a sua intenção nos 3 meses que remanesciam para cumprir a dicção legal.

Não houve descompasso, tampouco descumprimento, por parte da testadora, com o art. 2.042 do CC/02, conjugado com o art. 1.848 do mesmo Código, isto porque foi colhida por fato jurídico - morte - que lhe impediu de cumprir imposição legal, que só a ela cabia, em prazo que ainda não se findara.

Não há que se evocar a intenção da testadora e nem é necessário para julgar esta lide, não havendo que se tornar insubsistente a sua vontade expressa manifestada em testamento.

A respeito da força do testamento, em julgamento recente, nesta 3ª Turma, foi evidenciado o seguinte entendimento, constante da doutrina:

"Conforme lição de Troplong descrita por Washington de Barros Monteiro, ao longo de sua obra, (in Curso de direito civil: direito das sucessões, v. 6, 36ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 12, 122, 126) 'desde os primeiros tempos, a Igreja procurou favorecer o ato de última vontade, encorajando as liberalidades pro anima defuncti' (...) além de salientar que 'o testamento é o triunfo da liberdade no direito civil'. Por fim, analisa que 'o testamento de CÉZAR fez tremer seus inimigos e o de LUÍS XVI desarmou os adversários'. Tal a força desse ato de última vontade que dele se pode afirmar, na frase do mesmo jurista, ser o testemunho mais solene e mais grave da vontade íntima do homem: 'S'il y a quelque chose de sacré parmi les hommes c'est la volonté des mourants'". (REsp 802.372/MG, de minha relatoria, DJ de 10/12/2008).

Com fundamento na força do testamento e sob a premissa de que não esgotado o prazo previsto no art. 2.042 do CC/02, no momento da abertura da sucessão, para que a testadora aditasse o testamento declarando a justa causa imposta pelo art. 1.848 do CC/02, deve ser reformado o acórdão impugnado, para restabelecer a decisão interlocutória à fl. 86.

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer a decisão interlocutória e determinar a manutenção das cláusulas restritivas no testamento de MARIA STELLA CASTRO DA FONSECA.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2008/0083708-6 REsp 1049354 / SP

Números Origem: 1256572003 200600708053 31256570 3617294 36172945 3617294500 3617294701 3617294902 5830020031256570

PAUTA: 18/08/2009 JULGADO: 18/08/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ANTONIO ANGELO CASTRO DA FONSECA

ADVOGADO: CIRO FURTADO BUENO TEIXEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: MARIA ROCHA AZEVEDO CASTRO DA FONSECA

ADVOGADO: MARIA RITA GOMES DA ROCHA AZEVEDO E OUTRO(S)

INTERES.: MARIA STELLA CASTRO DA FONSECA - ESPÓLIO

ASSUNTO: Civil - Sucessão - Herança

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). JORGE SHIGUEMITSU FUJITA, pela parte RECORRENTE: ANTONIO ANGELO CASTRO DA FONSECA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 18 de agosto de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 904432

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/09/2009




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