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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

JURID - Sistema nacional de armas. Art. 16 da Lei 10.826/03. [03/09/09] - Jurisprudência


Embargos infringentes e de nulidade. Sistema nacional de armas. Art. 16 da Lei 10.826/03. Autoria. Inexistência de prova segura.


Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 2005.71.00.044586-3/RS

RELATOR: Des. Federal TADAAQUI HIROSE

EMBARGANTE: GLADEMIR BARCELOS PINTO reu preso

ADVOGADO: Adriano Marcos Santos Pereira e outro

EMBARGANTE: MARCIO ADRIANO AZEREDO DE ALMEIDA reu preso

ADVOGADO: Eduardo Lima Freitas Holetz

EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. SISTEMA NACIONAL DE ARMAS. ART. 16 DA LEI 10.826/03. AUTORIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA SEGURA. ABSOLVIÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.

Inexistindo provas seguras nos autos acerca das efetivas responsabilidades dos acusados quanto ao porte ilegal de armas de uso restrito, ônus atribuído a acusação e que não se desincumbiu à altura, as absolvições se impõem, com base no princípio in dubio pro reo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a colenda Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes e de nulidade, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de agosto de 2009.

Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Embargos Infringentes e de Nulidade tempestivamente opostos por MARCIO ADRIANO AZEREDO DE ALMEIDA e GLADEMIR BARCELOS PINTO contra acórdão da Oitava Turma desta Corte que, por maioria, negou provimento ao apelo defensivo, e proveu parcialmente o recurso da acusação, restando assim ementado (fl 1106):

"PENAL E PROCESSUAL. ROUBO. AUTORIA. PROVAS. INSUFICIÊNCIA. PORTE ILEGAL DE ARMAS. ART. 16 DA LEI Nº 10.826/03. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA.

1. In casu, não há evidências suficientes quanto à participação dos acusados no crime de roubo tentado à agência da CEF. Absolvição.

2. No tocante ao porte ilegal de armas de fogo, a prisão em flagrante realizada pela autoridade policial restou corroborada pelos elementos probatórios constantes dos autos, cabendo ser prolatado decreto condenatório.

3. As circunstâncias da infração perpetrada justificam, na fase do artigo 59 do CP, o afastamento das penas-base do mínimo legal, incidindo igualmente o acréscimo da reincidência."

Buscam as partes embargantes, em síntese, a prevalência do voto vencido proferido pelo Relator, Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado (fls. 1077-1092), no qual deu provimento aos apelos dos réus, absolvendo-os dos delitos que foram acusados e condenados, ante a ausência de provas suficientes à condenação, com fulcro no art. 386, VI, do CPP, e determinando a imediata soltura de ambos, se por outros motivos não merececem a manutenção da segregação, restando prejudicado o apelo do Órgão Ministerial.

A Procuradoria Regional da República ofertou contrarrazões pelo desprovimento dos embargos (fls. 1187-1194).

É o relatório.

À revisão.

Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Relator

VOTO

Trata-se de Embargos Infringentes e de Nulidade tempestivamente opostos pela defesa de MARCIO ADRIANO AZEREDO DE ALMEIDA e GLADEMIR BARCELOS PINTO contra acórdão da Oitava Turma desta Corte que, por maioria, negou provimento ao apelo defensivo, e proveu parcialmente o recurso da acusação para condená-los como incursos no art. 16 da Lei nº 10.826/2003.

Buscam as partes embargantes, em síntese, a prevalência do voto vencido proferido pelo Relator, Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado (fls. 1077-1092), no qual deu provimento aos apelos dos réus, absolvendo-os dos delitos que foram acusados e condenados, ante a ausência de provas suficientes à condenação, com fulcro no art. 386, VI, do CPP, e determinando a imediata soltura de ambos, se por outros motivos não merececem a manutenção da segregação, restando prejudicado o apelo do Órgão Ministerial (fls. 1077-1092). Alegam não haver prova da prática do delito de porte ilegal de armas, bem como ausência de perícia no armamento, para verificar se havia digitais dos réus.

Salienta-se que o único ponto a ser analisado nos presentes embargos diz respeito ao delito do art. 16 da Lei nº 10.826/2003.

O voto divergente prevalente, cunhado pelo Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, manifestou o entendimento de que quanto ao delito do porte de armas, não houve dúvidas de que os réus efetivamente estavam portando armas de fogo no momento em que foram abordados pela autoridade policial. Para tanto, utilizou-se dos argumentos que ora transcrevo:

" (...)

A versão de que as duas metralhadoras, uma pistola e um revólver teriam sido "colocadas" dentro do carro pelos policiais militares que efetuaram a prisão carece de verossimilhança, não estando revestida de credibilidade.

Mister referir em relação aos denunciados que não se trata de pessoas ingênuas ou inocentes, mas de criminosos envolvidos em processos anteriores relacionados a delitos praticados mediante violência, inclusive cumprindo pena no regime aberto, em face de condenações definitivas pela prática de roubo qualificado. Desse modo, a tentativa de descaracterizar a prisão realizada é alegação corriqueira, fruto da experiência dos réus, desmerecendo agasalho.

Não se vislumbra, concretamente, motivo razoável para uma patrulha de policiais militares (cuja disciplina é rigorosa) possuir em separado, dentro de uma sacola, 4 (quatro) armas de fogo, sendo duas metralhadoras, com o objetivo de incriminar qualquer pessoa, tendo escolhido justamente os acusados apenas porque estavam passando no "local errado, na hora errada". Logo, não há como admitir o suposto "enxerto" das armas, até porque, se assim fosse, os agentes estatais é que deveriam ser investigados.

Veja-se, a propósito, o que declarou o policial condutor (fl. 32):

"Foram informados de que os meliantes haviam trocado de veículo e estariam em um GM/Chevette de cor vermelha, nas proximidades da Cohab. Se depararam com um Chevette vermelho, sendo o mesmo abordado. Os indivíduos demoraram a parar. Durante a abordagem, constatou que o indiciado Glademir tripulava o automóvel e portava uma pistola 7.65 mm. No seu lado, estava o indiciado Márcio, com um revólver calibre 38, com a numeração raspada. Entre os bancos dianteiros, estavam duas metralhadoras, ambas carregadas com as respectivas munições (45 e 9 mm). No momento da abordagem, Márcio tentou fugir, sendo necessário contê-lo. Foi apreendido um rádio Motorola "talk about". Glademir portava dois telefones celulares".

Na mesma linha, o sargento Rogério de Oliveira assim declarou:

"Em seguida, receberam a informação de que os meliantes haviam trocado para um Chevette vermelho. Na vila Cohab se depararam com um veículo com as características informadas. Determinaram, mas o carro não parou de pronto. Ao abordar o Chevette, constatou que o motorista, Glademir, portava uma pistola 9 mm, na cintura e o indiciado Márcio, um revólver calibre 38. A referida arma estava com a numeração raspada. Para sua surpresa, entre os bancos dianteiros, havia duas metralhadoras, uma calibre 45 e outra 9 mm, ambas municiadas (fl. 33)".

Ao ser inquirido em juízo (fl. 500) o tenente Vianey, comandante da operação, refutou veementemente as alegações dos acusados, in verbis: "Não deram nenhuma justificativa com relação às armas. Inclusive, na delegacia, tentaram inventar que nós enxertamos. Tem policial meu que trabalha com revólver 38 e nós vamos enxertar metralhadora? (...)".

Nesse contexto, as contradições apontadas entre os depoimentos dos réus e dos agentes policiais não elidem as circunstâncias fáticas evidenciadas por ocasião do flagrante.

Assim, verifica-se que a tese da defesa é fantasiosa, não se prestando sequer para gerar dúvida razoável e, portanto, não se mostra eficaz para desconstituir a prisão regularmente efetuada.

O decisum monocrático aplicou o princípio da consunção, por entender que o roubo qualificado absorve os ilícitos previstos no Estatuto do Desarmamento. Contudo, ainda que tenha sido afastado aquele delito, permanece a imputação autônoma.

Quanto ao recurso do Parquet, em face da prova constante dos autos, tenho que merece acolhida para condenar os denunciados no que tange ao porte ilegal de armas. (...)."

O voto-vista do eminente Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz manifestou-se no sentido de acompanhar as conclusões expostas pelo Revisor (fl. 1103).

Entretanto, após análise detalhada dos autos, tenho que o voto vencido, proferido pelo Des. Federal Relator, Dr. Luiz Fernando Wowk Penteado é o que deve prevalecer, conforme argumentos que passo a expor.

A materialidade do delito restou evidenciada pela Ocorrência Policial nº 488/2005 (fls. 22-24), pelos Autos de Apreensão nºs 48801/2005 (fls. 24-25), 48802 (fl. 26), 48803 (fl. 27), 48804, pela Ficha de remoção de veículo (fl. 29), pelos Laudo pericial das armas apreendidas (fls. 231-232, 699-701 e 703-706), Laudo de Exame de Confronto Microbalístico, confeccionado pelo Instituto Nacional de Criminalística (fls. 317-329) e Laudo de Exame em Material Audiovisual (imagens) procedido em fita de vídeo VHS acostada aos autos (fls. 276-279).

Já em relação à autoria delitiva, conforme bem ponderado pelo Des. Relator, deve ser analisada com absoluta atenção, eis que há diversos pontos controversos e duvidosos nas provas colhidas durante a fase instrutória.

Quanto a esse ponto, transcrevo partes do voto do Relator, eis que de relevante importância:

"(...)

Registro que a complexidade da questão encontra a particularidade de que os réus, desde o primeiro momento, negaram peremptoriamente a autoria. A acusação, e, em sede recursal, o Ministério Público Federal, na condição também de apelante, por seu turno, sustenta que os réus, de posse de armamento pesado, tentaram praticar o crime de roubo junto à Agência Barnabé da caixa Econômica Federal de Gravataí. Reconhecendo ser esse tópico objeto específico do apelo de ambos os réus, pois imprescindíveis ao deslinde do feito, seguindo a ordem proposta na sentença recorrida.

(...)

Dos policiais que realizaram a prisão dos co-réus, inicio a análise do depoimento da soldado PM Eliana Maria de Carvalho prestado à polícia civil (fl. 32).

Segundo seus dizeres, a PM, juntamente com o Ten. Vianei e o Sgt. Rogério receberam a informação de um assalto à Ag. Barnabé, da CEF, cometido por cinco meliantes que haviam fugido num GM/Vectra, cor cinza e que não sabia as placas do veículo. Também afirma ter recebido a informação de que os agentes haviam trocado de veículo e estavam em um automóvel GM/Chevette, cor vermelha. Após abordarem o referido carro, verificou que Glademir portava uma pistola calibre 7.65mm e que, ao seu lado, estava Márcio com um revólver calibre 38. Também disse que entre os bancos dianteiros havia duas metralhadoras e que Márcio portava um colete à prova de balas. Ao final, manifestou que "após a prisão os indiciados foram encaminhados ao Hospital Dom João Becker".

Em juízo (fls. 476 a 484), repisou boa parte de suas informações anteriores no sentido de que soube da tentativa de roubo à agência da CEF sendo informada de que os autores "estavam num Vectra, tinha em torno de quatro a cinco indivíduos num Vectra" e que, posteriormente, "eles tinham abandonado o Vectra e populares, pessoas que estavam na volta, informaram que dois deles tinham embarcado num Chevette vermelho". Asseverou que "com o barulho da sirene ele parou", sem que fosse necessário apontar armas e que, feita a identificação, levaram os réus "para o Batalhão, após encaminhamos para o hospital local, o Dom João Becker, e depois para a Delegacia". Também afirmou que levaram ambos ao hospital e que isso é praxe do trabalho ("indiferente do que acontecer a gente leva"). Nesse interrogatório, a depoente reconheceu os réus e alegou, após a juíza dizer que "no registro feito no Hospital Dom João Becker consta que teria havido um acidente de trânsito", - "o registro do hospital é de acidente de trânsito", que, na realidade, "não teve acidente de trânsito. Isso aí foi o registro que o médico escreveu".

(...)

Na justiça (fls. 485 a 492), o policial militar Rogério Pedroso da Silveira confirmou o que havia dito na ocasião do flagrante, acrescentando que levaram os réus ao Batalhão "para nossa segurança porque o armamento era muito pesado". Quando questionado sobre a natureza das graves lesões percebidas no réu Márcio ele respondeu que foi por força de uma queda do embate "corpo a corpo" com o tenente Vianei que é professor de artes-marciais. Disse que não acompanhou o réu na viatura até o Batalhão mas que ele foi com o tenente Vianei. Também afirmou que não houve nenhum acidente de trânsito envolvendo o automóvel Chevette e que tal informação não partiu dos policiais.

José Vianei da Rosa, coordenador da operação, também ratificou (fls. 493 a 502) a informação de que os réus estavam fortemente armados e que Márcio usava, por baixo da roupa, um colete à prova de balas. Justificou as lesões do réu porquanto, após a tentativa de fuga, o Primeiro Tenente "deu uma rasteira, ele caiu junto ao cordão da calçada". Confirmou que "não houve qualquer acidente com o veículo Chevette" e que não sabe "quem é que inventou essa história do acidente" porque ele, depoente, não ventilou "em momento algum nada relacionado à acidente".

Questionado sobre a marca de corda no pescoço do co-réu Márcio, alegou que "não houve nada no pescoço dele de corda. Nunca houve nada disso aí. Não foi feito este tipo de procedimento". Ao longo de seu relato, deixa claro desconfiar da veracidade das lesões ao afirmar: "não sei se ele produziu isso aí por conta ou depois. Teria que ver o que diz o atestado médico. Eu não lembro dele ter esse monte de marcas no momento da entrega. Não lembro disso aí. Ele estava um pouco machucado realmente na região próxima da orelha, mas não lembro de toda essa..." Salientou que houve uma tentativa, na Delegacia, de inventar que os policiais enxertaram o armamento no automóvel Chevette, ao que foi respondido pela testemunha: "Tem policial meu que trabalha com revólver 38 e nós vamos enxertar metralhadora?" Quanto à informação sobre quem disse quais eram os carros envolvidos, placas, etc., asseverou que era uma menor, mas que não foi ouvida porque "não queria mais depor" por temer represálias.

(...)

O soldado da Brigada Militar Humberto Torres Machado foi quem localizou o automóvel Vectra e, em sede policial, disse que no interior do veículo havia uma marreta (fl. 37).

Referente aos elementos que estariam envolvidos na tentativa de roubo à CEF, o mesmo soldado sustentou que "um deles estava com uma blusa manga curta com uma tatuagem. Isso eu lembro" (fl. 509).

Contudo, ao serem examinadas as "características dos detentos", documento lavrado pela Secretaria da Justiça e da Segurança, verifica-se que não há registro de tatuagens em nenhum dos co-réus (fls. 84 e 89).

Em relação ao depoimento da Delegada de Polícia Civil, Sônia Patel, responsável pelo fragrante (fls. 596-603), interessante registrar que em resposta às indagações da magistrada, a depoente afirmou que "foi um flagrante bem conturbado", pois "o fato aconteceu em torno do meio-dia e aí nos ligaram, mas demoraram para nos apresentar os presos na Delegacia (fl. 597).

No que diz respeito às incoerências trazidas pelo Primeiro-Tenente, no sentido de que as lesões do co-réu Márcio não seriam tão sérias como as alegadas, embora o próprio confirmasse que os co-réus foram levados ao Batalhão antes do Hospital e antes de entregá-los à Polícia Civil, a própria Delegada reconheceu que as fotos foram tiradas nas dependências da Delegacia de polícia Civil porquanto ela refere que "Isso aqui é a parede da cela e isso aqui acho que não é sangue. É uma mancha que tem na parede. Ele estava machucado assim" (fl. 599).

Por sua vez, a Delegada narrou que "o fato aconteceu ao meio-dia. Eles apresentaram, nós começamos o flagrante, não lembro se cinco horas, quatro e pouco. Nós passamos a tarde esperando" (fl. 600) (...) "Eu não tenho exatamente certeza, mas eu acho que pelas nove horas da noite apareceu uma menina na Delegacia" e que "primeiro ela foi sozinha com os Policiais Militares".

A Policial contou que ela não foi ouvida "porque ela foi apresentada as nove da noite, o flagrante foi às quatro da tarde e ela não estava no banco, ela estava na vila, na casa dela. Eu não lembro a vila, ela no portão da casa dela, estava na casa dela. Como ela ia provar um assalto a banco no Centro? Foi por isso que ela não foi ouvida" (fl. 600).

Mais adiante, segue a Policial dizendo que o pai dessa menor ficou revoltado porquanto ele exigia que "outras pessoas tivessem sido levadas na Delegacia e não essa criança. E os policiais levaram a criança. Ela viu uma correria, carros correndo na vila. Foi isso que ela viu" (fl. 600).

Como se vê, há uma distância abissal entre o que disseram os depoentes. Contrariamente ao afirmado pelo Soldado, a Delegada afirmou lembrar muito pouco sobre os fatos e, em relação ao recordado, que a menor nada contribuiu pois estava nervosa em demasia e só chorava.

Ora, estranho que uma Delegada de Polícia, plantonista, acostumadas a situações de estresse extremo, e que ressaltou importantes tópicos daquele flagrante (lembrando, inclusive, que ele foi "conturbado"), não lembrasse da presença de uma testemunha que, nos dizeres daquele Soldado da Brigada Militar, teria dado "todos os detalhes" - identificando os responsáveis pela tentativa de roubo na agência da CEF. Imperativo registrar, por oportuno, a notícia de que o Batalhão de Policiamento Militar da região tenha respondido, em outra oportunidade, pelos delitos de abuso de autoridade e tortura (fls. 487, 497 e 498, além dos autos apensados).

(...)

Ao final, questionada sobre quais armas estavam no interior do Chevette, a depoente disse (fl. 603) que "Eles disseram que encontraram os réus com umas armas. Não lembro dessa marreta, não lembro se estavam dentro do carro as armas, mas eles me apresentaram os dois presos e que estavam conduzindo aquelas armas".

Ratifico, são muito destoantes as versões de dois servidores vinculados à segurança pública (um policial militar e uma policial civil) no tocante às afirmações de uma menor considerada testemunha-chave para a acusação. De forma particularmente relevante o fato de ser menor de idade, ter sido retirada da vila onde morava e levada, desacompanhada de seus pais, à Delegacia, já à noite, sem que nenhuma outra testemunha também tenha visto os fatos e com o acréscimo de que todos os demais envolvidos (pessoas que estavam no interior da agência invadida) afirmaram não terem condições de reconhecer os agentes delitivos.

Na esteira dos depoimentos colhidos, um bastante significativo foi o prestado pelo médico que atuava na emergência do Hospital Dom João Becker e que atendeu um dos supostos criminosos. Isso porque há outra controvertida questão que é a pertinente à gravidade das lesões apresentadas pelo co-réu Márcio Adriano de Almeida e à natureza das mesmas.

Em sede policial, o médico afirmou que "os policiais militares chegaram com os conduzidos dizendo que estes, quando em fuga, sofreram um acidente de carro" (fl. 667). Mais adiante, relata que "recorda que Adriano se queixava de fortes dores abdominais. Recorda também que este não apresentava algumas marcas características de acidente de trânsito como a marca em "V" do cinto de segurança, nem lesões nos joelhos ou no peitoral, se caso estivesse sem o cinto. (...) Como já afirmou, a informação de acidente de trânsito foi dada pelos policiais militares, pois Adriano pouco ou quase nada disse" (fl. 668).

Em juízo, quando questionado sobre tal questão confirmou que houve informação dada pelos policiais sobre a ocorrência de acidente de trânsito, bem como que as lesões presentes em Márcio Adriano não eram características de um acidente de trânsito. Além disso, informou que o co-réu às vezes parecia simular dores e desmaios, e que "os brigadianos faziam muita pressão. Estavam toda hora em cima falando e apertando, uma pressão..."

Registro que quanto a suposta agressão cometida pelos policiais militares, foi juntado na fl. 741 o Auto de Exame de Corpo de Delito.

Salienta-se, outrossim, que em sentença condenatória, apesar de nenhuma das pessoas que estavam dentro da agência da CEF (vigias, servidores, pessoas do povo) terem reconhecido os agentes delitivos, bem como que as imagens contidas na fita de vídeo gravadas pelas câmeras de segurança, e as fotografias retiradas das imagens (fls. 310 a 316) não serviram para o reconhecimento dos envolvidos, a magistrada a quo vinculou os suspeitos ao fato de que também teriam sido localizados armamentos que "coincidem com as vistas pelos vigilantes da citada agência bancária na posse dos meliantes que a invadiram" (fl. 841).

No prosseguimento da análise da sentença condenatória, verifica-se que foram trazidas as declarações dos policiais militares que apreenderam o armamento nas mãos dos réus, caracterizando o flagrante.

Contudo, da análise dos autos, bem como do voto do eminente Relator, entendo estar presente uma série de divergências comprometedoras, ensejando dúvidas em vários pontos controvertidos.

Transcrevo alguns pontos bastantes relevantes, destacados pelo ilustre Relator, que deixam claro a existência de contradições norteando o presente feito:

- Os réus, desde quando ouvidos na polícia, por ocasião do flagrante, negaram a autoria e deram idêntica versão dos fatos (fls. 39 a 52);

- em relação ao crime da Lei nº 10.826/03, Glademir disse na polícia (fl. 39) "que em seu veículo não havia nenhuma arma" e que "nesse momento a brigada largou diversas armas". No mesmo sentido, também quando do flagrante, foi a versão trazida por Márcio Adriano de Almeida (fl. 41): "(...) Que ouviu quando um brigadiano comentou com uma soldado mulher que "ele tem que assumir essa bronca, tem antecedente por assalto". Que passou a ser agredido pelos brigadianos. Que os brigadianos largaram uma sacola de armas e começaram a dizer que o assalto era com eles. Que não tinha arma dentro do carro de Glademir (...)";

- como já analisado, a suposta principal testemunha de acusação (a menor que teria visto os réus mudarem de carro e, inclusive, anotado a placa do segundo automóvel), consoante relato da Delegada que lavrou o flagrante, não disse absolutamente nada nem tampouco deu qualquer solução ao litígio, só chorou;

- não foi realizado exame técnico/pericial no automóvel Vectra (para buscar as digitais de quem o conduziu no afã de confrontar com os registros deixados pelos réus);

- não houve exame técnico/pericial residual nas mãos dos réus (para verificar se foram eles que dispararam o armamento encontrado em seu poder). Nesse ponto, ressalto que Márcio Adriano de Almeida, em seu interrogatório judicial, chegou a dizer (fl. 411): "(...) então faça as digitais nessas armas para ver se fui eu que peguei nessas armas. Se eu realmente estou envolvido nisso aí tem que ter alguma prova contra mim";

- é de estranhar o comportamento dos réus que, munidos de armamento pesado, teriam parado calmamente o referido automóvel ao ouvirem o som da viatura, considerando que a Soldado Eliana disse que "não precisou" apontar armas e braços para fora do carro (fl. 479) e que os réus pararam "só com a sirene ligada". Nesse tópico, o próprio réu Márcio Adriano de Almeida afirma (fls. 413 e 414): "(...) A senhora acha que com todo esse armamento eu não iria reagir contra a Polícia? Se eu fosse um assaltante e tivesse com todo esse armamento, eu iria reagir ou não?" Questionado se o réu estava dizendo que o "armamento foi plantado", ele prontamente respondeu: "Com toda certeza". Mais adiante, ele conta de uma situação (fls. 416 e 417) pretérita quando, já na condição de albergado, foi humilhado por um policial e que "(...) esse policial estava junto, foi ele que me pegou pelo pescoço no Batalhão, foi ele quem chegou com a viatura e ele disse para mim que ia arrumar um. Inclusive me arrumou. A senhora está vendo aí. Daí ele chegou com uma sacola de armas, apresentou-se ele e uma soldada, estavam juntos os dois. Ele me arrumou isso daí e foi o que mais me torturou dentro do batalhão deles."

Em que pese constatar que os réus são figuras de reconhecida periculosidade (conforme demonstra certidões de antecedentes acostadas nas fls. 420 a 425), o fato é que, nesse caso, as provas acusatórias não são revestidas da certeza necessária.

Bem pelo contrário.

Como se demonstrou ao longo da fundamentação do presente voto, há dúvidas insanáveis entre o que foi alegado pelos policiais que realizaram o flagrante e o confronto com outros elementos, já examinados, dentre os quais destaco, fundamentalmente, o depoimento da Delegada que lavrou o flagrante, que prejudicam a convicção necessária para manter o juízo condenatório.

Também desfavorece totalmente as provas acusatórias o demasiado tempo decorrido entre o flagrante e a entrega dos presos na delegacia de polícia, sem contar a veemente negativa dos réus pertinente à posse das armas e, principalmente, os nebulosos fatos ocorridos no interior do Batalhão que acarretou as lesões de Márcio Adriano (foto à fl. 79).

Desta forma, dadas as peculiaridades do caso em concreto, que não permite uma segurança jurídica para a condenação, eis que presente a precariedade de provas, acolho integralmente o voto proferido pelo eminente Relator.

Ademais, deve-se aplicar ao caso o princípio in dubio pro reo.

Ante o exposto, voto por dar provimento aos Embargos Infringentes e de Nulidade de ambos os réus, para absolvê-los, fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Relator

VOTO DIVERGENTE

Com a vênia do Relator, acompanho o entendimento na Turma majoritário, pelos fundamentos lá expostos. Penso que as divergências não permitem inferir que policiais em conjunto colocaram no carro que ocasionalmente encontraram, de foragidos, de armamento e inclusive metralhadora, material que realmente não possuem sequer os praças da polícia militar.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes.

É o voto.

Des. Federal NÉFI CORDEIRO

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Nº de Série do Certificado: 42C5AC5F

Data e Hora: 25/08/2009 12:06:45

D.E. Publicado em 01/09/2009




JURID - Sistema nacional de armas. Art. 16 da Lei 10.826/03. [03/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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