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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

JURID - Responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Elementos. [10/09/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Elementos estruturais. Pressupostos legitimadores da incidência do artigo 37, § 6º, da Constituição da República.
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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 152 Divulgação 13/08/2009 Publicação 14/08/2009 Ementário nº 2369 -7

SEGUNDA TURMA

AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 495.740-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

AGRAVANTE(S): DISTRITO FEDERAL

ADVOGADO(A/S): PGDF - LUCIANA RIBEIRO E FONSECA

AGRAVADO(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

INTERESSADO(A/S): GUSTAVO JULIAN DE FÉLIX SILVA (REPRESENTADO POR ELISABETH REGINA FÉLIX)

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - ELEMENTOS ESTRUTURAIS - PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO artigo 37, parágrafo 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO INFECÇÃO POR CITOMEGALOVÍRUS - FATO DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DA EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO GESTANTE, A AGENTES INFECCIOSOS, POR EFEITO DO DESEMPENHO, POR ELA, DE ATIVIDADES, DESENVOLVIDAS EM HOSPITAL PUBLICO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL - PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DE ACOMPANHAMENTO PRE-NATAL - PARTO TARDIO - SÍNDROME DE WEST - DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESSARCIBILIDADE - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal Precedentes.

A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes.

- A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o "eventus damni" ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica.

- Servidora pública gestante, que,- no desempenho de suas atividades laborais, foi exposta à contaminação pelo citomegalovírus, em decorrência de suas funções, que consistiam, essencialmente, no transporte de material potencialmente infecto-contagioso (sangue e urina de recém-nascidos).

- Filho recém-nascido acometido da "Síndrome de West", apresentando um quadro de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica, decorrente de infecção por citomegalovirus contraída por sua mãe, durante o período de gestação, no exercício de suas atribuições no berçário de hospital público.

Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 15 de abril de 2008.

CELSO DE MELLO - PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente interposto, contra decisão que conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário deduzido pela parte ora recorrida (fls. 371/376).

Inconformado com essa decisão, o Distrito Federal, parte ora agravante, postula seja ela reformada, apoiando-se, em síntese, nos seguintes fundamentos (fls. 384/385):

"Depreende-se, portanto, o equivoco na decisão monocrática ora agravada, evidenciando-se que o conjunto probatório dos autos apontou no sentido de afastar a responsabilidade do Distrito Federal, porquanto não restou comprovado que a doença sofrida pelo autor foi ocasionada por conduta do Estado.

Assim, considerando que a Responsabilidade Civil, seja ela objetiva ou subjetiva, requer a comprovação do nexo de causalidade, não há que se falar em dever de indenizar por parte do Estado." (grifei)

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta colenda Turma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame.

Com efeito, e tal como acentuado na decisão agravada, o recurso extraordinário deduzido pela parte ora recorrida foi interposto contra acórdão, que, emanado do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, reconheceu inexistente, no caso ora em exame, o nexo de causalidade material entre "(...) a doença contraída, geradora de paralisia cerebral, cegueira e má-formação encefálica e a conduta da rede hospitalar pública (...)" (fls. 295).

A parte ora recorrida, ao interpor o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal "a quo" teria transgredido o preceito inscrito no artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição da República.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO, ao opinar pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário (fls. 355/358), reconheceu subsistir, na espécie, a responsabilidade civil objetiva do Distrito Federal:

"Este recurso extraordinário é interposto de acórdão que, em grau de apelo, negou, por não vislumbrar nexo de causalidade entre a atuação administrativa e o dano, direito à indenização, em favor da requerente, por prejuízos morais e materiais sofridos em virtude de sua contaminação, enquanto servidora do berçário do Hospital Regional de Planaltina-DF, no período gestacional, por citomegalovirus, com graves e irreparáveis consequências para o feto.

Insurge-se, o recorrente, alegando violação ao artigo 37, parágrafo sexto da CF/88. Quer cabível a iniciativa com fulcro na alínea 'a' do permissivo constitucional.

Cumpridos os requisitos objetivos de admissibilidade, o recurso é de ser conhecido e provido.

O Estado deve ser responsabilizado quando, apesar de não ter agido diretamente para causar o dano, expõe alguém a situação de risco, desencadeando o processo que nele resulta. Conquanto decorra, de forma mediata, de ato comissivo, aplica-se-lhe o principio da responsabilidade objetiva.

Firmada a premissa, na espécie, é incontroverso, prescindindo de nova avaliação do contexto probatório, o manuseio, pela servidora do berçário ELIZABETH REGINA FÉLIX, acometida de infecção por citomegalovirus, de elementos potencialmente contaminantes, quais sejam, urina e sangue de recém-nascidos.

De outra parte, o Estado não arcou, sequer, com o pagamento do adicional de insalubridade, devido nessas circunstâncias (fls. 18-22), submetendo a funcionária a situação de contágio, sem opção de mudança de setor ou qualquer compensação financeira.

Constatada a gravidez, nada foi alterado no panorama descrito, recalcitrando o poder público na exposição da servidora a risco injustificado, principalmente porque, exercendo o cargo de técnica de administração pública, não deveria estar transportando urina e sangue para os exames laboratoriais. Assim, enquanto empregador, assumiu, com a conduta, o risco deliberado de lesionar o feto, o que ocorreu a partir do contágio da gestante por citomegalovírus, com consequências desastrosas e permanentes, refletidas em tetraplegia, epilepsia e má-formação encefálica, com grave sofrimento para a mãe e a criança e vultosas despesas, incompatíveis com sua situação econômica, para o tratamento clinico da enfermidade e suas repercussões.

A falha do Estado, todavia, não se exauriu na exposição da gestante aos agentes infecciosos, estendendo-se ao acompanhamento pré-natal, em que, apesar de obrigatório, não requisitou o exame para detectar a presença de eventual infecção por citomegalovirus, que poderia ter minorado as lesões do feto, revelando-se deficiente e inadequado o atendimento público.

O caso continuou a ser agravado pela Administração, através de seus agentes, que, por ocasião do parto, não agiram com a necessária presteza, submetendo o bebê, em razão da demora, a estado de sofrimento e ingestão de mecônio.

Com efeito, a teoria do risco administrativo é o substrato da responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos que os agentes públicos, nessa qualidade, tenham causado. A tanto, é irrelevante a caracterização de culpa ou da efetiva demonstração da falta do serviço, bastando a materialização do dano e a possibilidade de se inferir o vinculo de causalidade entre sua ocorrência e a atuação administrativa - que se evidencia, 'in casu', em três momentos distintos, como já referido: a submissão da servidora a agentes infecciosos, no período gestacional; a prestação deficiente do acompanhamento pré-natal - com a prevalência de interesses patrimoniais do Estado sobre a inafastável e superior proteção à vida; o parto tardio, com evidente agravamento do estado de saúde, já debilitado, do recém-nascido.

Inexistente, por outro lado, qualquer elemento que indicie a culpa exclusiva da vitima - totalmente desprovida de escolhas e defesas em seu estado de hipossuficiência - impõe-se a condenação do poder público a indenizar-lhe os danos, de caráter irreversível, devendo arcar, ainda, com todas as despesas necessárias à manutenção da criança, sob pena de se ratificar o abuso e descaso demonstrados na hipótese.

ora, a ordem democrática fundamenta-se, sobretudo, na garantia dos direitos fundamentais, elevando-se, acima de todos os bens, o respeito ao ser humano que vive sob a égide de um poder, cuja legitimidade emana do povo. Não pode o Judiciário eximir-se da defesa de tais valores primordiais e prestar-se a ratificar a violência originalmente praticada pelo Estado, relegando suas vitimas ao desamparo, em flagrante desconformidade com a Carta Política, contrariando, inclusive, a finalidade do seu artigo 37, parágrafo sexto. (...)." (grifei)

O exame destes autos convence-me de que assiste plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, ando observa que se acham presentes, na espécie, todos os elementos configuradores da responsabilidade civil objetiva do Poder Público.

Com efeito, a situação de fato que gerou o trágico evento narrado neste processo põe em evidência a configuração, no caso, de todos os pressupostos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal ora recorrente.

Como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, artigo 37, parágrafo sexto).

Essa concepção teórica - que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público - faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou que se cuide de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 650, 314 ed., 2005, Malheiros; SERGIO CAVALIERI FILHO, "Programa de Responsabilidade Civil", p. 248, 5ª ed., 2003, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Curso de Direito Administrativo", p. 90, 174 ed., 2000, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, "Responsabilidade Civil do Estado", p. 40, 2ª ed., 1996, Malheiros; TOSHIO MUKAI, "Direito Administrativo Sistematizado", p. 528, 1999, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Curso de Direito Administrativo", p. 213, 5ª ed., 2001, Saraiva; GUILHERME COUTO DE CASTRO, "A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro", p. 61/62, 3ª ed., 2000, Forense; MONICA NICIDA GARCIA, "Responsabilidade do Agente Público", p. 199/200, 2004, Fórum, v.g.), cabendo ressaltar, no ponto, a lição expendida por ODETE MEDAUAR ("Direito Administrativo moderno", p. 430, item n. 17.3, 9ª ed., 2005, RT):

"Informada pela 'teoria do risco', a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como 'responsabilidade objetiva'. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. E o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir." (grifei)

É certo, no entanto, que o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite abrandamento e, até mesmo, exclusão da própria responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais (de todo inocorrentes na espécie em exame) configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50 - RTJ 163/1107-1109, v.g.).

Impõe-se destacar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/1107-1109, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).

A compreensão desse tema e o entendimento que resulta da exegese dada ao artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição foram bem definidos e expostos pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos cujos acórdãos estão assim ementados:

"RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Do PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.

- A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público.

- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).

- O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50).(...)." (RTJ 163/1107-1108, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

" - Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença."

(RTJ 182/1107, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei)

É por isso que a ausência de qualquer dos pressupostos legitimadores da incidência da regra inscrita no artigo 37, parágrafo 6º, da Carta Política basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente público (positivo ou negativo) e a consumação do dano moral ou patrimonial infligido ao ofendido.

As circunstâncias do presente caso evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configurado em face do comportamento omissivo em que incidiu o Poder Público, que se absteve de promover a transferência da mãe do menor Gustavo para outro setor do Hospital Regional de Planaltina, no qual não houvesse exposição da gestante, no desempenho de seu trabalho, a agentes infecciosos.

A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar na presente sede recursal, pôs em destaque as gravíssimas omissões em que incidiu o Distrito Federal, enfatizando aspectos que bem demonstram a configuração plena, no caso ora em exame, da responsabilidade civil objetiva dessa pessoa política (fls. 356/357):

"(...) é incontroverso, prescindindo de nova avaliação do contexto probatório, o manuseio, pela servidora do berçário ELIZABETH REGINA FÉLIX, acometida de infecção por citomegalovírus, de elementos potencialmente contaminantes, quais sejam, urina e sangue de recém-nascidos.

De outra parte, o Estado não arcou, sequer, com o pagamento do adicional de insalubridade, devido nessas circunstâncias (fls. 18-22), submetendo a funcionária a situação de contágio, sem opção de mudança de setor ou qualquer compensação financeira.

Constatada a gravidez, nada foi alterado no panorama descrito, recalcitrando o poder público na exposição da servidora a risco injustificado, principalmente porque, exercendo o cargo de técnica de administração pública, não deveria estar transportando urina e sangue para os exames laboratoriais. Assim, enquanto empregador, assumiu, com a conduta, o risco deliberado de lesionar o feto, o que ocorreu a partir do contágio da gestante por citomegalovírus, com consequências desastrosas e permanentes, refletidas em tetraplegia, epilepsia e má-formação encefálica, com grave sofrimento para a mãe e a criança e vultosas despesas, incompatíveis com sua situação econômica, para o tratamento clínico da enfermidade e suas repercussões.

A falha do Estado, todavia, não se exauriu na exposição da gestante aos agentes infecciosos, estendendo-se ao acompanhamento pré-natal, em que, apesar de obrigatório, não requisitou o exame para detectar a presença de eventual infecção por citomegalovírus, que poderia ter minorado as lesões do feto, revelando-se deficiente e inadequado o atendimento público.

O caso continuou a ser agravado pela Administração, através de seus agentes, que, por ocasião do parto, não agiram com a necessária presteza, submetendo o bebê, em razão da demora, a estado de sofrimento e ingestão de mecônio." (grifei)

Lamentavelmente, essa incompreensível omissão estatal foi causa do evento danoso. Se o Distrito Federal houvesse agido com diligência em face do que se vem de registrar, ter-se-ia evitado o gravíssimo quadro apresentado pelo menor impúbere em questão, que "(...) não anda, não fala, não enxerga, não come, não ri, não realiza, enfim, a mais básica ação sem ajuda de outrem" (fls. 392 - grifei).

Esclareça-se, por oportuno, que todas as considerações já feitas aplicam-se, sem qualquer disceptação, em tema de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, a situações - como a destes autos - em que o "eventus damni" ocorre em hospitais públicos (ou mantidos pelo Poder Público) ou deriva de tratamento médico inadequado ministrado por funcionário público (RT 3041876, Rel. Min. VILAS BOAS) ou, então, resulta de conduta imputável a servidor público coar atuação na área médica (RT 659/139 - RJTJSP 67/106-107, v.g.):

"O Estado responde pela cegueira consequente a infecção adquirida por pessoa internada em hospital por ele mantido."

(RF 891178, Rel. Des. MÁRIO GUIMARÃES - grifei)

"PROCESSUAL CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

I - 'Se o erro ou falha médica ocorrer em hospital ou outro estabelecimento público, a responsabilidade será do Estado (Administração Pública), com base no artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal (...). "' (AC 278427, Rel. Juiz CASTRO AGUIAR - TRF/2ª Região, DJU de 22/08/2003, p. 255 - grifei)

"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. INVALIDEZ RESULTANTE DE ATO CIRÚRGICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

1. A Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, na qualidade de mantenedora do Hospital Universitário Júlio Müller, responde objetivamente pelos danos resultantes de ato cirúrgico a que foi submetido o autor naquele nosocômio (CF, artigo 37, parágrafo sexto)." (AC 01000520560, Rel. Juiz DANIEL PAES RIBEIRO - TRF/1ª Região, DJU de 03/04/2003, p. 142 - grifei)

"(...) 2. Sendo objetiva a responsabilidade do Hospital conveniado e do INAMPS, estes respondem pelos danos causados ou produzidos diretamente por agentes que estavam a seu serviço, independentemente da apuração de culpa ou dolo. O constituinte estabeleceu para todos os entes do Estado e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente de prova de culpa no cometimento da lesão. Adotou a Constituição a regra do princípio objetivo de responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados." (AC 01000054165, Rel. Juiz MÁRIO CESAR RIBEIRO - TRF/1ª Região, DJU de 18/06/1999, p. 298 - grifei)

O douto voto vencido, proferido pelo eminente Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO, quando do julgamento do recurso de apelação pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, analisou, de forma adequada, a controvérsia suscitada nesta causa, nela vislumbrando, corretamente, a presença de todos os elementos que compõem a estrutura constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público (fls. 307/308):

"Em que pese o entendimento externado pelos eminentes Desembargadores Relator e Revisor, peço vênia para deles divergir, pois entendo que a responsabilidade, 'in casu', é objetiva, uma vez que se trata de serviço prestado pelo Estado, e, a teor do que estatui o artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal, somente pode ser elidida mediante comprovação da culpa exclusiva da vítima pela efetiva produção do evento danoso ou diante da ocorrência de caso fortuito ou de força maior, hipóteses em que não há obrigação de indenizar. Entretanto, não é o que se verifica no caso dos autos.

Assim, para que surja o direito à indenização, basta, portanto, a ocorrência do dano resultante da atuação administrativa, independentemente de culpa.

A esse respeito, precisa a lição do mestre Hely Lopes Meirelles ('in' Direito Administrativo Brasileiro. 252 ed. pg. 6051

'Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar'.

Destarte, não obstante o entendimento dos eminentes Pares, tenho que, na hipótese vertente, não cabe à parte autora provar a culpa do Estado, mas, sim, a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre aquele e a atuação estatal. Estes requisitos, a meu ver, estão sobejamente demonstrados.

O primeiro se verifica à medida que as lesões que acometeram o menor, ora apelante (tetraplegia, epilepsia e má formação encefálica decorrente de infecção por citomegalovírus) estão comprovadas mediante farta documentação médica, não sendo, inclusive, objeto de controvérsia entre as partes, pois o próprio Estado reconhece que o menor é 'portador de grave neuropatia' (fl. 102 da contestação).

O segundo se evidencia na omissão do Estado em não solicitar o exame a fim de detectar eventual infecção pelo famigerado vírus. E nem se diga que não havia, à época, recomendação para a feitura do referido exame, ante a sua pouca incidência. Ora, pouca incidência não se confunde com ausência de incidência. Se havia qualquer possibilidade de contração do vírus, por mais remota que fosse, cabia ao Estado requisitar o exame, mormente no caso da mãe do autor, que trabalhava no berçário do hospital, cuidando do transporte de sangue e urina dos recém-nascidos para o laboratório.

Nesse ponto, reveja-se o que afirma o Dr. Amaury Jorge Lins Leal, Chefe da Unidade de Neonatologia do Hospital Regional de Planaltina, ora apelado 'As infecções ocorrem de maneira direta ou indireta de pessoas para pessoas. Os principais lócus de excreção viral são: urina, secreção de orofaringe, vaginal e cervical, sêmen, lágrima, órgãos (rins, glândulas parótidas e salivares) e sangue', [fl. 100 - sem grifo no original] vale ressaltar, ainda, a afirmação feita pelo próprio réu em sua contestação: 'Hospital será sempre fonte de contaminação e o berçário como parte da estrutura geral também' (fl. 102). Dessa forma, evidenciado o nexo de causalidade, a procedência do pleito indenizatório é medida que se impõe." (grifei)

Ao assim decidir, o eminente Desembargador MARIO-ZAM BELMIRO interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Esse douto voto, ao fazer aplicação do preceito constitucional em referência, reconheceu, no caso em exame, com inteiro acerto, a cumulativa ocorrência dos requisitos concernentes (1) à consumação do dano, (2) à omissão administrativa, (3) ao vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento estatal e (4) à ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado.

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora questionada.

É o meu voto.

EXTRATO DE ATA

AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 495.740-0

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

AGTE.(S): DISTRITO FEDERAL

ADV.(A/S): PGDF - LUCIANA RIBEIRO E FONSECA

AGDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

INTDO.(A/S): GUSTAVO JULIAN DE FÉLIX SILVA (REPRESENTADO POR ELISABETH REGINA FÉLIX)

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 15.04.2008.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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