Responsabilidade civil. Indenização por danos morais e materiais. Erro médico. Morte de gestante e bebê por complicações geradas em razão de eclampsia.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Apelação Cível n. 2009.033664-1, da Capital
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ERRO MÉDICO. MORTE DE GESTANTE E BEBÊ POR COMPLICAÇÕES GERADAS EM RAZÃO DE ECLAMPSIA. ALEGADA DESÍDIA DOS AGENTES MUNICIPAIS QUE NÃO VERIFICARAM A GRAVIDEZ DE RISCO DURANTE O PRÉ-NATAL. REQUERIMENTO PARA A REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL IGNORADO. PERÍCIA NECESSÁRIA AO DESLINDE DA CAUSA. ANÁLISE DOS EXAMES MÉDICOS/LABORATORIAIS E PRONTUÁRIOS MÉDICOS - CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.033664-1, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é apelante Francisco de Assis Dantas, e apelado Município de Florianópolis:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento ao recurso para anular o processo a partir da r. sentença, oportunizando a produção da prova pericial. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Francisco de Assis Dantas, contra sentença proferida pelo douto togado monocrático que, nos autos de ação de indenização por danos morais e materiais, movida pelo apelante em face do município de Florianópolis, julgou improcedente o pedido contido na exordial, considerando que não restou demonstrado eventual responsabilidade dos funcionários do posto de saúde pela morte da companheira e filha do autor. Por fim, condenou o vencido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 400,00, nos moldes do art. 20, §4º, do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa nos termos do art. 12, da Lei n. 1060/50.
Inconformado o requerente apresentou recurso de apelação, asseverando que os prepostos da Municipalidade foram negligentes ao não terem detectado, durante todo o pré-natal, os sintomas da gestante no que se refere à pré-eclampsia. Afirma que, caso fosse dado as devidas atenções às reclamações feitas pela sua companheira, a sua morte e a de sua filha poderiam ter sido evitadas. Por fim, afirma não restar dúvidas frente a existência do abalo moral sofrido diante do falecimento de sua família.
Contra-razões às fls.317.
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de ação condenatória de indenização por danos morais e materiais, ajuizada pelo apelante Francisco de Assis Dantas em face do município de Florianópolis, em virtude do falecimento de sua esposa e filha.
Afirma o demandante que, no oitavo mês de gestação, após queixas de falta de ar, sua esposa teria sido conduzida ao hospital, situação que foi constatado eclampsia materna, e, às pressas, realizada a cirurgia para a retirada do bebê. Aduz que diante da gravidade da circunstância, a gestante veio a falecer no momento de dar à luz, e o bebê oito dias após o seu nascimento.
Por fim, assevera que a fatalidade teria sido evitada se não fosse o descaso dos prepostos do Município durante todo o acompanhamento do pré-natal. Assim, alega que os médicos deveriam ter constatado a gravidez de risco de sua esposa, vindo a remediar a situação e evitar o acontecimento fatal.
O magistrado de primeiro grau julgou pela improcedência do pedido, por considerar que "não há como relacionar a lamentável morte da companheira e filha do autor com a participação nos fatos da parte ré, motivo pelo qual não há falar em nexo de causalidade entre ação ou omissão imputado ao réu e o evento lesivo, ônus que competia ao autor (art. 333, I, do Código de Processo Civil)". (fl.290).
Ocorre que, ao caso em concreto, entende-se que somente a prova pericial poderá levar a conclusão acerca da suposta negligência ou não da Municipalidade - prova requerida e ignorada pelo magistrado de primeiro grau. Em verdade, exclusivamente após análise minuciosa - por especialista - de toda a documentação juntada aos autos, seja através dos exames médico/laboratoriais e prontuários médicos é que se poderá afirmar com veemência se os atos praticados pelos prepostos municipais foram dentro da sua normalidade, ou se, naquela documentação acostada, existia algum indício de que a gestante possuía sintomas de pré-eclampsia e que não foram levados em consideração pelos agentes de saúde.
Deve-se frisar que a prova pericial a ser realizada deverá demonstrar se realmente ocorreu desídia por parte dos funcionários do posto de saúde durante o período gestacional da companheira do requerente e se, tal atuação/omissão foi determinante para a sua morte e a do bebê.
Dessarte, diante da complexidade da matéria, necessária se faz a realização da pretensa prova pericial, sendo que o seu indeferimento acarreta cerceamento de defesa, pratica essa, defesa pelo nosso ordenamento jurídico.
É que, a Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, esclarece que "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Esclarece a doutrina:
"Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, ou mesmo calar-se. [...]
A tutela judicial efetiva supõe o estrito cumprimento pelos órgãos judiciários dos princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, em especial o contraditório e a ampla defesa, pois não são mero conjunto de trâmites burocráticos, mas um rígido sistema de garantias para as partes visando ao asseguramento de justa e imparcial decisão." (MORAES. Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 368)
Nesse sentido, veja-se o seguinte posicionamento jurisprudencial:
"PROCESSUAL CIVIL - SEGURO HABITACIONAL - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO - JULGAMENTO ANTECIPADO - SENTENÇA IMPROCEDENTE - INSURGÊNCIA DOS AUTORES - CERCEAMENTO DE DEFESA - PROVA TÉCNICA - NECESSIDADE - INDEFERIMENTO - OCORRÊNCIA - SENTENÇA CASSADA - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL E PROSSEGUIMENTO DO FEITO - RECURSO PROVIDO.
É nula a sentença julgada antecipadamente - sem que a matéria fática esteja solucionada - por indeferimento implícito da perícia requerida." (AC n. 2006.035405-9, rel. Des. Monteiro Rocha, de Seara)
Ademais, consoante expressam os arts. 130 e 437 do Codex Instrumental Civil, constatada a necessidade de maior dilação probatória, em especial a realização de perícia, poderá o juiz determinar sua realização até ex officio.
Referidos dispositivos legais, respectivamente dispõem, ad litteram:
"Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias."
"O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida."
Assim sendo, verificada a existência do cerceamento de defesa, dá-se provimento ao recurso para anular o processo a partir da sentença, a fim de se proceder a produção da prova pericial.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, dá-se provimento ao recurso para anular o processo a partir da sentença, a fim de se proceder a produção da prova pericial.
O julgamento, realizado no dia 4 de agosto de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Vanderlei Romer.
Florianópolis, 7 de agosto de 2009.
Sérgio Roberto Baasch Luz
RELATOR
Publicado em 02/09/09
JURID - Responsabilidade civil. Erro médico.Morte de gestante e bebê [18/09/09] - Jurisprudência
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