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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

JURID - Relação de emprego. Período sem registro na CTPS. [03/09/09] - Jurisprudência


Relação de emprego. Período sem registro na CTPS. Ônus da prova. Prestação de serviços admitida pela empregadora.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT 12ª Região.

Acórdão-1ª T RO 02608-2008-028-12-00- 4

RELAÇÃO DE EMPREGO. PERÍODO SEM REGISTRO NA CTPS. ÔNUS DA PROVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADMITIDA PELA EMPREGADORA. Ao negar o vínculo de emprego em período não anotado na Carteira de Trabalho e admitir a prestação de serviço, a ré atrai para si o ônus probatório de demonstrar que a relação havida não ocorreu nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT (art. 818 da CLT c/c art. 333, inc. II, do CPC).

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da 3ª Vara do Trabalho de Joinville, SC, sendo recorrente MIRIAM CAMARGO e recorrida RNNARLOCH REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS LTDA.

Inconformada com a sentença, a qual julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, recorre a autora, insurgindo-se contra o não-reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes.

Contrarrazões são apresentadas pela parte contrária.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso e das contrarrazões, porquanto estão atendidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

M É R I T O

1. VÍNCULO DE EMPREGO. PERÍODO SEM REGISTRO

A autora noticiou na inicial que foi contratada pela ré em 17/06/2002, para exercer a função de vendedora externa, sendo despedida sem justa causa em 07/11/2007, mas que a sua CTPS apenas foi anotada na data de 01/02/2006. Assim, pugnou pelo reconhecimento de vínculo de emprego desde o dia 17/06/2002.

A sentença rejeitou o pedido, ao fundamento de que no período anterior ao anotado na Carteira a autora prestou serviços à ré como vendedora autônoma.

Aduz a recorrente, em síntese, que o fato de ter sido proprietária de uma lanchonete não afasta a caracterização do vínculo de emprego no período pretendido, destacando que o representante legal da ré confessou que depois que a autora fechou o bar é que foi registrada, mas que continuou a trabalhar da mesma forma que antes.

Razão lhe assiste.

A caracterização da relação de emprego requer a configuração dos elementos constantes dos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, a pessoalidade, onerosidade, nãoeventualidade e subordinação, sendo que esse último se traduz no pressuposto que mais diferencia o trabalhador autônomo do empregado.

Em relação ao trabalhador vendedor, Alice Monteiro de Barros (In "Curso de Direito do Trabalho". São Paulo: LTr, 2005, p. 290) bem define que se encontra na denominada "zona grise", isto é, zona cinzenta ou fronteiriça, considerando que ora pode ser considerado como empregado, ora como autônomo, e enfatiza que:

Não há no Direito do Trabalho Brasileiro lei que defina o vendedor-empregado e o representante comercial. A subordinação jurídica é reconhecida, universalmente, como elemento descritivo da relação de emprego, apresentando-se como traço que distingue o empregado vendedor viajante ou pracista do representante comercial autônomo, cujas funções são análogas às do primeiro.

Ao negar o vínculo de emprego e admitir a prestação de serviço, como no caso do presente, a ré atrai para si o ônus probatório de demonstrar que a relação havida não ocorreu nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT (art. 818 da CLT c/c art. 333, inc. II, do CPC), ônus do qual não se desincumbiu, senão vejamos.

Em um primeiro momento, registro que a ré não juntou contrato de prestação de serviços de representação comercial entre ela e a autora.

Entendo ser de crucial importância para o deslinde da questão em pauta a confissão da ré no sentido de "que depois que a autora fechou o bar é que foi registrada, mas continuou trabalhando da mesma forma que antes trabalhava" (fl. 95, grifei).

Ora, se foi reconhecido pela ré o vínculo de emprego entre as partes e, se antes do período registrado na CTPS, a própria empregadora admite que a autora trabalhava para si de idêntico modo, é inafastável a conclusão no sentido de que no período anterior àquele anotado na Carteira de Trabalho, a recorrente também era empregada da recorrida.

Ainda, a primeira testemunha da autora, que trabalhou para a ré do ano de 2000 a 2003, depôs: que a autora passava na empresa todos os dias pela manhã e pela tarde [...]; que a depoente ficava trabalhando até às 18h e geralmente este horário a autora tinha que trazer os pedidos; [...] que a autora tinha que chegar no final do expediente na reclamada, para entregar os pedidos [...]. (fl. 96, grifei).

A segunda testemunha da autora assim relatou: que os vendedores não sofriam nenhum tipo de fiscalização durante a jornada; que era controlado o horário em que iniciavam a trabalhar, ou seja, às 8h, e também o término da jornada, sendo que, se cumprissem o roteiro, deveriam retornar à empresa no final do dia; [...] que se não fosse trabalhar em algum dia a punição é que não haveria comissão além de ser chamado à atenção (fl. 97, grifei).

Por sua vez, a testemunha da ré afirmou "que sabe que a autora tinha que comparecer na empresa ao início e ao término do expediente [..." (fl. 98).

Portanto, a prova oral confirmou a existência de subordinação em relação ao trabalho efetuado pela autora, visto que não o exercia com autonomia, pois, apesar de não haver fiscalização de horário durante a jornada de trabalho, a autora deveria comparecer todos os dias na empresa, no início e término da jornada.

Impende destacar que, pela prova oral produzida, verifica-se que era prática da empresa-ré contratar empregados vendedores para só após um período registrar suas carteiras de trabalho, uma vez que a segunda testemunha da autora, assim como ela, depôs que trabalhou para a ré de outubro/2000 a novembro/2007, mas que apenas teve sua CTPS registrada a partir do ano de 2006.

Destaco, outrossim, que o fato de a autora possuir estabelecimento próprio (lanchonete) antes do período de registro do vínculo em CTPS não afasta a conclusão quanto à configuração de liame empregatício anteriormente a essa data.

Isso porque não há óbice para que um empregado possua também seu negócio próprio, desde que, obviamente, não interfira no seu contrato de trabalho, o que não foi demonstrado no caso presente. Ao contrário, destaco que a segunda testemunha do autor afirmou em depoimento "que a autora tinha uma lanchonete em São Francisco do Sul mas lá trabalhava aos finais de semana" (fl. 97).

Também não é óbice ao reconhecimento do pretendido vínculo o fato de ter a autora, eventualmente, vendido produtos para outra empresa. Além de esse argumento da ré não restar suficientemente comprovado, assevero que a exclusividade não é elemento essencial para a configuração da relação de emprego, previsto nos arts. 2º e 3º da CLT.

No que tange ao início da relação de emprego entre as partes, pontifico que a ré não traz insurgência específica a respeito. Veja-se que, tanto na contestação quanto nas contrarrazões, a recorrida se limita a argumentar que no período delineado na inicial não havia vínculo de emprego entre as partes, defendendo que era trabalhadora autônoma, deixando de contestar o período aventado na exordial.

Por outro lado, a primeira testemunha da autora disse que trabalhou para a ré no período de 2000 a 2003 e que, no início, a autora trabalhava como escriturária e, posteriormente, passou a trabalhar como vendedora. A prova testemunhal, pois, coaduna-se com a versão da inicial.

Dessarte, dou provimento ao recurso no particular para declarar a existência de relação de emprego entre a autora e a ré a partir do dia 17/06/2002, determinando que ré proceda à retificação da CTPS da autora, para constar como data de início do pacto laboral o dia 17/06/2002. Fixo astreintes, nos seguintes termos: sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 3.000,00 (três mil reais). Ultrapassados os 30 dias para a ré cumprir a obrigação de fazer, deverá a Secretaria da Vara efetivar a respectiva anotação. Em qualquer das hipóteses não deverá haver qualquer referência à presente demanda.

Entendo desnecessária a remessa dos autos à Vara de origem, pois a instrução já se esgotou - houve oitiva de testemunhas e encerramento formal dessa fase processual - e o direito de a parte apresentar provas já se consumou.

Assim, uma vez reconhecido o vínculo, entendo, com fulcro no que dispõe o art. 515, § 3º, do CPC, que o processo se encontra apto para julgamento nesta instância. Dessa feita, passo à análise dos demais pedidos feitos na inicial em decorrência do reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes em período anterior ao anotado na CTPS (pedidos de letras "d" - férias, "f" - férias proporcionais, "h" - 13º salário e "j" - FGTS com 40%, conforme delimitado nas razões recursais).

2. FÉRIAS, GRATIFICAÇÕES NATALINAS E FGTS COM 40%

Considerando que a autora não recebeu pelas férias relativas ao período de vínculo não anotado em CTPS, condeno a ré ao pagamento das férias relativas aos períodos aquisitivos de 2002/2003, 2003/2004 e 2004/2005, acrescidas de 1/3, em dobro.

Em relação ao período de 17/06/2005 a 16/06/2006, pugna a autora pelo deferimento das férias proporcionais, considerando que sua CTPS foi anotada em 01/02/2006, as quais devem ser pagas na proporção de 7/12, acrescidas de 1/3, também em dobro.

Da mesma forma, a ré deverá proceder ao pagamento das gratificações natalinas, observado o marco prescricional já fixado na sentença, referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (1/12).

É igualmente incontroverso o fato de que o FGTS do contrato não foi depositado na conta vinculada da autora no que diz respeito ao período de vínculo não anotado na CTPS. Portanto deve a ré ser condenada ao pagamento das parcelas correspondentes ao FGTS do período ora reconhecido de vínculo de emprego (17/06/2002 a 31/01/2006), diretamente à autora, considerando que a prescrição atinente ao FGTS é trintenária (art. 23, §5º, da Lei nº 8036/90 e Súmula nº 362 do TST), acrescidas da indenização compensatória de 40%.

Por fim, ratifico que as verbas ora deferidas devem ser calculadas sobre a remuneração da autora (salário fixo mais comissões), na forma do art. 457, §1º, da CLT.

Apesar de a sentença reconhecer que a autora percebia R$ 2.112,61 mensais de comissões quando do período de vínculo anotado na CTPS, em relação ao período relativo às verbas ora deferidas, verifico que o depoimento pessoal da autora aponta que auferia comissões, em média de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00 por mês, sendo que houve meses em que tirou mais, e meses em que tirou menos, o que confronta com o importe informado na inicial.

Por sua vez, o preposto confessou que a autora percebia em torno de R$ 1.200,00 por mês a título de comissões. Portanto, diante da inexistência de provas documentais a respeito, é razoável que se limite o valor das comissões percebidas pela autora a R$ 1.200,00 mensais.

Dou provimento para condenar a ré ao pagamento de: férias relativas aos períodos aquisitivos de 2002/2003, 2003/2004 e 2004/2005, 2005/2006 (7/12), todas acrescidas de um terço, em dobro; 13º salário dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (1/12); FGTS do período ora reconhecido de vínculo de emprego (17/06/2002 a 31/01/2006), pago diretamente à autora, acrescido da indenização compensatória de 40%, sendo que todas as verbas deverão ser calculadas com base no salário fixo da autora acrescido das comissões percebidas no importe mensal de R$ 1.200,00.

3. DEMAIS DIRETRIZES

Determino que os descontos fiscais sejam realizados pelo regime de caixa e as contribuições previdenciárias sobre o período do vínculo de emprego ora reconhecido pelo regime de competência, autorizando o desconto da quota-parte da empregada, na forma da Súmula nº 368 do TST.

Liquidação por cálculos.

Pelo que,

ACORDAM os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DO RECURSO. No mérito, por igual votação, DAR-LHE PROVIMENTO para: a) declarar a existência de relação de emprego entre a autora e a ré a partir do dia 17 de junho de 2002, determinando que a ré proceda à retificação da CTPS da autora, para constar como data de início do pacto laboral o dia 17 de junho de 2002, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 3.000,00 (três mil reais) e, se ultrapassados os trinta dias para a ré cumprir a obrigação de fazer, deverá a Secretaria da Vara efetivar a respectiva anotação; b) condenar a ré ao pagamento de férias relativas aos períodos aquisitivos de 2002-2003, 2003-2004 e 2004-2005, 2005-2006 (7/12), todas acrescidas de um terço, em dobro; c) condenar a ré ao pagamento de décimo terceiro salário dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (1/12); d) condenar a ré ao pagamento de FGTS do período ora reconhecido de vínculo de emprego (17 de junho de 2002 a 31 de janeiro de 2006), pago diretamente à autora, acrescido da indenização compensatória de 40% (quarenta por cento), sendo que todas as verbas deverão ser calculadas com base no salário fixo da autora acrescido das comissões percebidas no importe de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) mensais. Descontos fiscais pelo regime de caixa e descontos previdenciários sobre o período do vínculo de emprego ora reconhecido pelo regime de competência, autorizando o desconto da quota-parte da empregada, na forma da Súmula n.º 368 do Egrégio TST. Liquidação por cálculos.

Arbitrar o valor provisório à condenação em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Custas na forma da lei.

Intimem-se.

Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 14 de julho de 2009, sob a presidência da Exma. Juíza Viviane Colucci (Relatora), os Exmos. Juízes Gracio Ricardo Barboza Petrone (Revisor) e José Ernesto Manzi.

Presente a Exma. Dra. Ângela Cristina Pincelli, Procuradora do Trabalho.

Florianópolis, 05 de agosto de 2009.

VIVIANE COLUCCI
Relatora

Publicado em 03/09/09




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