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terça-feira, 1 de setembro de 2009

JURID - Recurso de revista. Desconstituição de multas aplicadas. [01/09/09] - Jurisprudência


Recurso de revista. Desconstituição de multas aplicadas pela delegacia regional do trabalho, impostas em razão do reconhecimento da natureza salarial do vale-transporte concedido aos empregados em dinheiro.


Tribunal Superior do Trabalho - TST

PROCESSO Nº TST-RR-2462/2005-066-02-00.5

A C Ó R D Ã O

6ª Turma

MGD/ed/ef

RECURSO DE REVISTA. DESCONSTITUIÇÃO DE MULTAS APLICADAS PELA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO, IMPOSTAS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA SALARIAL DO VALE-TRANSPORTE CONCEDIDO AOS EMPREGADOS EM DINHEIRO, SEM O RECOLHIMENTO PARA O FGTS E SEM A CONSIDERAÇÃO DA PARCELA PARA EFEITO DE PAGAMENTO DO 13º SALÁRIO. EXISTÊNCIA DE EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL ACERCA DA NATUREZA INDENIZATÓRIA DA PARCELA E DE SUA NÃO-CONSTITUIÇÃO COMO BASE DE INCIDÊNCIA DO FGTS. VIOLAÇÃO AO ART. 2º DA LEI 7.418/85. CONFIGURAÇÃO. Dispõe o art. 2º da Lei 7.418/85 que o vale-transporte "não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos" (alínea "a") e "não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço" (alínea "b"). Essa natureza indenizatória e a inaptidão do vale-transporte para constituir base de incidência para o INSS e o FGTS foram confirmadas no art. 6º do Decreto 95.247/87, ao regulamentar a concessão do referido benefício. De igual forma, o art. 458, § 2º, III, da CLT exclui do "salário" a utilidade concedida pelo empregador para o transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público. A controvérsia instaurada nos autos diz respeito à transmudação da natureza jurídica da parcela - de indenizatória para salarial - quando o benefício é concedido aos empregados em pecúnia. Não obstante, reconhece a jurisprudência que a mera concessão do benefício em dinheiro não tem o condão de transmudar a natureza jurídica do vale-transporte, que, por disposição legal, é indenizatória e não constitui base de incidência para a contribuição previdenciária e para o FGTS. Precedentes da Corte. De par com isso, o pagamento do vale-transporte em pecúnia era previsto nas normas coletivas, que devem ser privilegiadas, a teor do disposto no art. 7º, XXVI, da CF. E, à luz do princípio da adequação setorial negociada, a previsão normativa de pagamento do vale-transporte em dinheiro não afronta direito irrenunciável do trabalhador nem reduz o padrão geral oriundo da legislação estatal, já que cumprida a finalidade legal, qual seja, o fornecimento de meios para o empregado se deslocar da residência para o trabalho e vice-versa. Nesse contexto, e havendo, repita-se, expressa disposição legal acerca da natureza indenizatória do vale-transporte e de que a referida verba não constitui base de incidência da contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (alíneas "a" e "b" do art. 2º da Lei 7.418/85), a imposição de multas pela Delegacia Regional do Trabalho, pela ausência de recolhimento para o FGTS e pela desconsideração da parcela para efeito de pagamento do 13º salário dos empregados, implicou violação a direito líquido e certo da Impetrante, autorizando a concessão da segurança pretendida, nos termos do art. 1º da Lei 1.533/51. Decisão em sentido contrário constitui afronta ao art. 2º da Lei 7.418/85. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-2462/2005-066-02-00.5, em que é Recorrente ATENTO BRASIL S.A. e são Recorridas CAIXA ECONÔNICA FEDERAL - CEF e UNIÃO (PGU).

O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio do v. acórdão de fls. 145-148, negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança interposto pela Impetrante, que, inconformada, interpôs recurso de revista.

A Presidência do 2º Regional, às fls. 179-183, admitiu o recurso de revista por divergência jurisprudencial.

As Recorridas apresentaram contra-razões, às fls. 191-195 (CEF) e 198-223 (União), sede em que a União argúi a preliminar de nulidade do processo por incompetência absoluta em razão da matéria.

Parecer do Ministério Público do Trabalho, às fls. 226-229, opinando pelo conhecimento e provimento do apelo.

Os pedidos formulados nas petições de fls. 233-235 e 264-265 foram indeferidos, respectivamente, às fls. 258-260 e 267.

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

1) INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA ARGÜIDA PELA UNIÃO EM SEDE DE CONTRA-RAZÕES

Ao contra-arrazoar o recurso de revista, a União argúi a preliminar de nulidade do processo por incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria, ao argumento, em síntese, de que, tendo a ação sido proposta para impugnar judicialmente a validade e/ou eficácia dos autos de infração, lavrados em função da ausência de contribuição para o FGTS sobre o montante pago a título de vale-transporte, o feito deve tramitar perante a Justiça Federal Comum. Sustenta que, sendo a incompetência matéria de ordem pública, deve ser conhecida de ofício, ainda que na fase recursal, para afastar a incidência do art. 114, VII, da CF.

Sem razão.

A par de não ser este o meio processual adequado para a parte se insurgir contra o julgado, o v. acórdão de fls. 145-148 não adotou tese sobre o tema à luz do dispositivo constitucional aqui invocado.

Ausente o prequestionamento, incide o disposto na Súmula 297, I/TST, ainda que a matéria seja de incompetência absoluta (OJ 62 da SBDI-1/TST).

NÃO CONHEÇO.

2) DESCONSTITUIÇÃO DE MULTAS APLICADAS PELA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO, IMPOSTAS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA SALARIAL DO VALE-TRANSPORTE CONCEDIDO AOS EMPREGADOS EM DINHEIRO, SEM O RECOLHIMENTO PARA O FGTS E SEM A CONSIDERAÇÃO DA PARCELA PARA EFEITO DE PAGAMENTO DO 13º SALÁRIO

O Eg. Regional manteve a sentença que denegara, em definitivo, a segurança requerida pela Impetrante, mantendo subsistentes os autos de infração e as respectivas multas aplicadas pela Delegacia Regional do Trabalho, em razão do reconhecimento da natureza salarial do vale-transporte concedido aos empregados em dinheiro, sem o recolhimento para o FGTS e sem a consideração da parcela para efeito de pagamento do 13º salário. Ponderou que, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF, deve-se entender como direito líquido e certo aquele constatável de plano, independentemente de aprofundada produção de provas, o que não foi identificado nestes autos, haja vista não haver norma legal expressa a autorizar o pagamento do benefício do vale-transporte em dinheiro. Entendeu aplicável o disposto no art. 214, §10º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual as parcelas pagas ou creditadas em desacordo com a legislação pertinente passam a integrar o salário-de-contribuição, ressaltando que a intenção do legislador, ao "alterar" a natureza das parcelas referidas no §9º do art. 214 do Decreto 3.048/99, atribuindo-lhes o caráter salarial, foi justamente a de impedir a ocorrência de fraudes contra a legislação do trabalho, por parte do empregador, que opta por pagar diretamente ao empregado direitos que lhe deveriam ser fornecidos nos prazos e forma previstos em legislação própria, como no caso do vale transporte (fls. 145-148).

Na revista, a Impetrante, ora Recorrente, aponta violação aos arts. 5º, II e 7º, XXVI, da CF, e 2º da Lei 7.418/85. Colaciona julgado para confronto de teses.

Os arestos colacionados às fls. 155-157, oriundos dos Tribunais Regionais do Trabalho das 3ª, 15ª e 23ª Regiões, permitem o trânsito da revista, haja vista externarem posicionamento dissonante daquele advindo da Corte Regional, no sentido de que o vale-transporte, independentemente de sua forma de pagamento, tem natureza indenizatória e não integra a remuneração do empregado para qualquer efeito, mormente quando estipulado, em norma coletiva, o seu pagamento em espécie.

CONHEÇO, pois, da revista por divergência jurisprudencial.

II) MÉRITO

DESCONSTITUIÇÃO DE MULTAS APLICADAS PELA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO, IMPOSTAS EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA SALARIAL DO VALE-TRANSPORTE CONCEDIDO AOS EMPREGADOS EM DINHEIRO, SEM O RECOLHIMENTO PARA O FGTS E SEM A CONSIDERAÇÃO DA PARCELA PARA EFEITO DE PAGAMENTO DO 13º SALÁRIO

Pontuou o Eg. Regional:

"II - Mérito

Trata-se de mandado de segurança, impetrado pela ora recorrente com a pretensão liminar de suspender a exigibilidade das multas administrativas consubstanciadas nos autos de infração nºs 011858451 e 011858460 (decorrentes da concessão do vale-transporte em dinheiro, sem considerá-lo como parcela integrante da remuneração), assim como para evitar que tais débitos sejam inscritos em Dívida Ativa, o que importaria em óbice para a emissão da CND quanto à Dívida Ativa da União e do CR/FGTS. No mérito, postulando a concessão em definitivo da segurança, a fim de desconstituir as multas lançadas nos autos de infração referidos.

Segundo consta dos documentos acostados à inicial, o auto de infração nº 011858451 foi lavrado em razão de a ora impetrante 'Deixar de computar, para efeito de cálculo dos depósitos do FGTS, parcela integrante da remuneração', constando de seu histórico que 'A empresa não recolheu o FGTS devido sobre a verba in natura vale transporte, paga em dinheiro, transitando em folha de pagamento...', que 'A obrigatoriedade da concessão do vale e a impossibilidade do seu pagamento em dinheiro são normas de ordem pública, não podendo ser afastada por norma coletiva', e que 'O pagamento efetuado diretamente ao trabalhador em espécie é salário, parcela integrante da remuneração' (fls. 21). Já a lavratura do auto de infração nº 011858460 teve como fundamento o fato de a impetrante 'Deixar de efetuar o pagamento do décimo terceiro salário até o dia 20 de dezembro de cada ano, no seu valor legal' constando do histórico desse auto que 'A empresa não integrou, no pagamento da gratificação de natal, a verba in natura vale transporte, paga em dinheiro...' (fls. 22), repetindo os demais argumentos constantes do primeiro auto.

O D. juiz de Origem deixou de conceder a medida liminar, 'por entender ausentes os requisitos legais' (fls. 24), seguindo-se manifestações das da autoridades coatoras (fls. 34/50) - o Delegado Regional do Trabalho no Estado de São Paulo - no sentido de que a Lei nº 7.418/85 é imperativa ao determinar, em seu artigo 4º, que 'a concessão do benefício implica na aquisição pelo empregador dos vales-transporte necessários ao deslocamento do trabalhador no percurso residência-trabalho e vice-versa', salientando que 'em momento o legislador previu ou autorizou o pagamento em dinheiro', acrescentando, quanto à norma coletiva invocada na inicial, que 'a indigitada cláusula 15ª não confere legitimidade à pretensão formulada nos presentes autos, uma vez que contraria preceito insculpido no Decreto regulamentador da Lei instituidora do Vale-Transporte... normas de ordem pública, de indisponibilidade absoluta, sendo impossível que cedam espaço a disposições de caráter privado', e (fls. 53/6) - o Superintendente do FGTS da Caixa Econômica Federal - no sentido de que não há direito líquido e certo que enseja a concessão da segurança pleiteada.

Proferida sentença às fls. 72/4, onde foi denegada a segurança, em definitivo, mantendo subsistentes os autos de infração acima, porque o art. 4º da Lei 7.418/85 '... determina que a concessão do benefício implica na aquisição pelo empregador dos vales-transportes', sendo que, 'Com o pagamento em pecúnia pelo empregador, o benefício adquire natureza de salário, devendo integrar o 13º salário, e constituindo base para incidência do FGTS', e por fim, que 'as convenções coletivas devem respeitar o disposto em normas de ordem pública'.

Em razões recursais a impetrante tornou a sustentar a legitimidade do pagamento em dinheiro do vale-transporte, o qual, concedido nas condições e limites definidos na lei, não possui natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, nem constitui base de incidência do INSS e do FGTS, sendo que a única condição estabelecida em lei é a participação do empregado no custeio do benefício, o que restou devidamente cumprido pela impetrante. Alegou, ainda, que mero decreto regulamentar não pode criar uma obrigação imputável ao particular, invocando o Decreto 4.840/2003, e concluindo pela revogação tácita do disposto no art. 5º do Decreto 98.247/87, uma vez que a legislação passou a admitir expressamente o pagamento de vale-transporte em dinheiro, excluindo-o do conceito de remuneração do empregado. Argumentou que, mesmo pago em dinheiro, o vale-transporte é verba meramente indenizatória, pois seu valor considera a despesa do empregado para o deslocamento residência-trabalho e vice versa, lembrando, ainda, a impetrante, que está sujeita a acordos coletivos nos quais há previsão expressa quanto à possibilidade do vale-transporte ser pago em dinheiro.

Contudo, sem razão.

Isto porque o art. 5o, LXIX, da Constituição Federal dispõe que 'conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, assegurando ao jurisdicionado um remédio processual, de índole constitucional, apropriado para assegurar direitos individuais ou coletivos, desde que líquidos e certos'.

E deve-se entender como direito líquido e certo aquele constatável de plano, independentemente de aprofundada produção de provas. '... Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante...' .

No caso destes autos, não se identificou, de plano, a existência do direito líquido e certo dos impetrantes e tampouco se verificou a ocorrência do fumus boni iuris e do periculum in mora, haja vista que, como já restou amplamente analisado na Origem, não há norma legal expressa a autorizar o pagamento do benefício do vale-transporte em dinheiro. Cite-se, como exemplo, a análise dos dispositivos legais invocados pela impetrante, feita por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios (fls. 84/5), onde ficou consignado que 'O Decreto 95.247/1987 apenas regulamentou a Lei 7.418/85 que instituiu o vale-transporte, não tendo extrapolado os limites da Lei', que 'O Decreto nº 4.840/2003, regulamenta a MP nº 130/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, somente define o que deve ser entendido por remuneração básica para fins do referido Decreto excluindo o vale-transporte, ainda que pago em dinheiro. Entretanto, não confere legitimidade ao pagamento do vale-transporte em dinheiro', e por fim, que 'O artigo 4º da Medida Provisória nº 280/06, de 15/02/2006, que altera a legislação tributária federal com relação aos artigos 1º, 2º e 4º da Lei nº 7.410/85, foi revogado pela medida Provisória nº 283/2006'.

A previsão legal é justamente contrária à pretensão da impetrante, como bem demonstrado pela autoridade coatora, ao citar a Lei nº 7.418/85 como imperativa ao determinar, em seu artigo 4º, que 'a concessão do benefício implica na aquisição pelo empregador dos vales-transporte necessários ao deslocamento do trabalhador no percurso residência-trabalho e vice-versa'. Aplica-se ao caso o disposto no art. 214, §10º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual, as parcelas 'pagas ou creditadas em desacordo com a legislação pertinente' passam a integrar o salário-de-contribuição, valendo ressaltar que a intenção do legislador, ao 'alterar' a natureza das parcelas referidas no §9º do art. 214 do Decreto 3.048/99, atribuindo-lhes o caráter salarial, foi justamente a de impedir a ocorrência de fraudes contra a legislação do trabalho, por parte do empregador, que opta por pagar diretamente ao empregado direitos que deveriam lhe ser fornecidos nos prazos e forma previstos em legislação própria, como no caso do vale transporte (Lei 7.418/85 e Decreto 95.247/87), desvirtuando e retirando-lhe direitos tão duramente conquistados em seu favor.

De frisar também que essa legislação visou, além do mais, contornar a prática da fraude na concessão de parcela como se vale-transporte fosse, em dinheiro, como fórmula de quitar efetiva prestação de serviços, entregando - então - salários sem o risco de vê-los considerados para o cálculo dos impostos (previdenciário, por exemplo).

Por fim, de observar que os argumentos trazidos para análise dão ensejo à necessidade de dilação probatória, para verificação da existência e da extensão do direito material da impetrante, o que somente poderia ser efetuado em ação própria.

Posto isso, conheço do recurso interposto e nego-lhe provimento" (fls.145-148).

Na revista, a Recorrente argumenta, em síntese, que: de acordo com o art. 2º da Lei 7.418/85, o vale-transporte não possui natureza salarial nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constituindo base de incidência da contribuição previdenciária ou do FGTS; o Decreto 95.247/87, ao vedar o pagamento do vale-transporte em dinheiro, extrapolou os limites da lei que visava regulamentar; o referido Decreto foi revogado tacitamente pelo de nº 4.840/2003, que expressamente reconhece a natureza não-salarial do vale-transporte mesmo quando pago em dinheiro; os Acordos Coletivos de Trabalho firmados pela Recorrente e o sindicato representativo da categoria profissional de seus empregados prevêem expressamente o pagamento do vale-transporte em dinheiro; não havendo lei que proíba tal prática, não há que se falar em ilegalidade e conseqüente integração da parcela na base de cálculo do 13º salário e do FGTS. Aduz, por fim, que, pelo Princípio da Adequação Setorial Negociada, as normas coletivas que previram o pagamento do vale-transporte em dinheiro são válidas e eficazes, porquanto transacionam direito de indisponibilidade relativa e mantêm o mesmo padrão em relação ao padrão geral oriundo da legislação estatal. Aponta violação aos arts. 5º, II e 7º, XXVI, da CF, 2º da Lei 7.418/85, colaciona arestos para confronto de teses e requer a decretação da insubsistência dos Autos de Infração 011858451 e 011858460, com o conseqüente cancelamento das multas administrativas neles lançadas.

Assiste-lhe razão.

Dispõe o art. 2º da Lei 7.418/85 que o vale-transporte "não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos" (alínea "a") e "não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço" (alínea "b"). Essa natureza indenizatória e a inaptidão do vale-transporte para constituir base de incidência para o INSS e o FGTS foram confirmadas no art. 6º do Decreto 95.247/87, ao regulamentar a concessão do referido benefício.

De igual forma, o art. 458, § 2º, III, da CLT exclui do "salário" a utilidade concedida pelo empregador para o transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público.

A controvérsia instaurada nos autos diz respeito à transmudação da natureza jurídica da parcela - de indenizatória para salarial - quando o benefício é concedido aos empregados em pecúnia.

Em princípio, não se pode acatar a alegação recursal de que o Decreto 95.247/87, ao vedar a substituição do vale-transporte por antecipação em dinheiro (art. 5º), extrapolou a lei que visava regulamentar. Isto porque o art. 4º da Lei 7.418/85, ao dispor que "A concessão do benefício ora instituído implica a aquisição pelo empregador dos Vales-Transporte necessários aos deslocamentos do trabalhador..." (g.n.), deixa evidente que o benefício antecipado ao trabalhador constitui-se no próprio documento (ticket ou cartão) utilizado para o transporte. É o que se infere também do art. 5º da mesma Lei 7.418/85, quando estabelece que "A empresa operadora do sistema de transporte coletivo público fica obrigada a emitir e a comercializar o Vale-Transporte, ao preço da tarifa vigente, colocando-o à disposição dos empregadores em geral e assumindo os custos dessa obrigação, sem repassá-los para a tarifa dos serviços".

Acrescento que a Medida Provisória 280, de 15.02.2006, que havia introduzido parágrafo ao art. 1º da Lei 7.418/85 para permitir o pagamento do vale-transporte em dinheiro, foi posteriormente revogada pela MP 283, de 23.02.2006, convertida na Lei 11.314, de 03 de julho de 2006.

Não obstante, reconhece a jurisprudência que a mera concessão do benefício em dinheiro não tem o condão de transmudar a natureza jurídica do vale-transporte, que, por disposição legal, é indenizatória e não constitui base de incidência para a contribuição previdenciária e para o FGTS.

A propósito:

"CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-INCIDÊNCIA SOBRE VALE-TRANSPORTE. NATUREZA INDENIZATÓRIA. O artigo 28, I e § 9, alínea f, da Lei nº 8.212/91 exclui expressamente a parcela recebida a título de vale-transporte da incidência da contribuição previdenciária. O recebimento da verba em pecúnia não modifica sua natureza indenizatória. Recurso de Revista não conhecido" (TST-RR-745/2003-421-02-00, Min. Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 14.12.2007) (g.n.).

O mesmo entendimento está contido no inciso IX do § 1° do artigo 2° do Decreto 4.840, de 17 de setembro de 2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações decorrentes de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a empregados regidos pela CLT, reconhecendo que o vale-transporte, ainda que pago em dinheiro, não configura remuneração, ou seja, a verba foi enquadrada entre aquelas que são pagas ao empregado, mas não pode compor o percentual de 30% para o desconto e adimplemento à instituição financeira.

De par com isso, consta do v. acórdão, ainda que em remissão à sentença, que o pagamento do vale-transporte em pecúnia era previsto nas normas coletivas, que devem ser privilegiadas, a teor do disposto no art. 7º, XXVI, da CF.

A propósito da validade e eficácia jurídica das normas coletivas em face das normas imperativas heterônomas, sabe-se que são amplas as possibilidades de negociação, à luz do princípio da adequação setorial negociada, e, conquanto essas possibilidades não sejam plenas e irrefreáveis, a criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista prevalece se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade apenas relativa, desde que observado o patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (art. 1°, III e 170, caput, da CF/88).

Na hipótese dos autos, a previsão normativa de pagamento do vale-transporte em dinheiro não afrontou direito irrenunciável do trabalhador nem reduziu o padrão geral oriundo da legislação estatal, já que cumprida a finalidade legal, qual seja, o fornecimento de meios para o empregado se deslocar da residência para o trabalho e vice-versa.

Nesse contexto, e havendo, repita-se, expressa disposição legal acerca da natureza indenizatória do vale-transporte e de que a referida verba não constitui base de incidência da contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (alíneas "a" e "b" do art. 2º da Lei 7.418/85), a imposição de multas pela Delegacia Regional do Trabalho, pela ausência de recolhimento para o FGTS e pela desconsideração da parcela para efeito de pagamento do 13º salário dos empregados, implicou violação a direito líquido e certo da Impetrante, autorizando a concessão da segurança pretendida, nos termos do art. 1º da Lei 1.533/51.

Tendo o v. acórdão recorrido trilhado linha de entendimento diversa da aqui traçada, deve ser reformado, em consonância com o disposto no art. 2º da Lei 7.418/85.

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para, reformando o v. acórdão regional, decretar a insubsistência dos Autos de Infração 011858451 e 011858460, com o conseqüente cancelamento das multas administrativas impostas à Recorrente.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I - conhecer do recurso de revista por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o v. acórdão regional, decretar a insubsistência dos Autos de Infração 011858451 e 011858460, com o conseqüente cancelamento das multas administrativas impostas à Impetrante Atento Brasil S.A.

Brasília, 19 de agosto de 2009.

MAURICIO GODINHO DELGADO
Ministro Relator

Publicado em 28/08/09




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