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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

JURID - Recuperação Judicial. Pedido formulado por produtor rural. [30/09/09] - Jurisprudência


Agravos de instrumento. Recuperação Judicial. Pedido formulado por produtor rural não inscrito na Junta Comercial.
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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

Decisão Monocrática

Registrado(a) sob nº 02564706

ACÓRDÃO

"Agravos de instrumento. Recuperação Judicial. Pedido formulado por produtor rural não inscrito na Junta Comercial. Conhecimento de agravo tirado contra decisão que defere o processamento da recuperação judicial. Decisão que reconhece que o produtor rural é empresário rural inscrito no CNPJ e tem legitimidade para requerer a recuperação. Precedente do STJ que admite a recorribilidade da decisão que examina a legitimidade ativa do requerente da recuperação judicial. Produtor rural que não se vale da faculdade do art. 971 qó Código Civil não é equiparado a empresário para os fins do art. 1º da Lei n° 11.101/2005 e não atende ao requisito do art. 48 do mesmo diploma legal. A inscrição do produtor rural no CNPJ-Receita Federal, não o equipara a empresário para fins do direito à recuperação judicial. Agravos conhecidos e providos para reformar a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial. Extinção do processo de recuperação judicial, sem resolução de mérito, com base no art. 267, I, do CPC."

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 648.198-4/2-00, da Comarca de PALMITAL, em que é agravante CANAA COMERCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS LTDA sendo agravado JOSÉ HORACIO PORTELLA RUSSO EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

ACORDAM, em Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROMEU RICUPERO (Presidente), JOSÉ ROBERTO LINO MACHADO.

São Paulo, 15 de setembro de 2009.

PEREIRA CALÇAS
Relator

SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

CÂMARA ESPECIAL DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS

Agravo de Instrumento n° 647.811-4/4-00

Agravo de Instrumento n° 648.198-4/2-00

Comarca: Palmital - 2ª Vara Cível

Agravante(s): Cooperativa Agrícola Mista de Adamantina (A.l. n° 647.811-4/4-00); Canaã - Comércio de Produtos Agropecuários Ltda. (A.l. n° 648.198-4/2-00)

Agravado(a)(s): José Horácio Portella Russo (em recuperação judicial)

VOTO N° 16.815

Vistos.

1. COOPERATIVA AGRÍCOLA MISTA DE ADAMANTINA maneja este agravo de instrumento nos autos da recuperação judicial de JOSÉ HORÁCIO PORTELLA RUSSO, insurgindo-se contra a decisão que deferiu o processamento do pedido sob o fundamento central de que o agravado é produtor rural e, apesar de ser proprietário de imóveis rurais inscritos no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas perante a Receita Federal, não é classificado como empresário pelo Código Civil. Enfatiza que o art. 971 do Código Civil f a W a ao produtor rural inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e que, após asjsim proceder, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Enfatiza que o agravado não é inscrito na Junta Comercial do Estado de São Paulo, tendo, inclusive, confessado que não se valeu de tal registro, razão pela qual não tem o direito de postular a recuperação judicial, a teor do art. 48 da Lei n° 11.101/2005, já que não se enquadra no art. 1º da Lei n° 11.101/2005. Esclarece que, desde o ano de 2005, está executando o agravado para o recebimento de dívidas que ele contraiu com a agravante e que o deferimento da recuperação judicial com a conseqüente suspensão dos processos executivos está lhe causando prejuízos irreparáveis, mercê do que pede, com fundamento no art. 527 do Código de Processo Civil, a suspensão da tramitação da recuperação judicial e o regular processamento das execuções singulares que promove contra o agravado. A final, postula o provimento do recurso para ser revogada a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, reconhecendo-se a falta de condição da ação, com a extinção do processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, incisos I e VI, do Código de Processo Civil.

Indeferido o efeito suspensivo pela decisão de f. 655, o agravado apresentou a contraminuta de fls. 658/664, seguindo-se manifestação do Administrador Judicial, que alvitra o desprovimento do recurso (fls. 669/674).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do agravo (fls.676/679).

2. Também foi formulado agravo por CANAÃ - COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS LTDA. atacando a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial de JOSÉ HORÁCIO PORTELLA RUSSO, alegando a agravante ser credora de dois títulos executivos que estão sendo cobrados judicialmente e que o deferimento do pedido do agravado não tem fundamento legal, já que ele é produtor rural, inscrito no CNPJ nos termos da Instrução Normativa 748 da Receita Federal, situação que não lhe concede a qualidade jurídica de empresário, cuja equiparação só poderia ser concedida se o agravado tivesse providenciado sua inscrição na Junta Comercial nos termos do art. 971 do Código Civil. Em resumo, não sendo o agravado empresário, nem a ele equiparado, não tem direito de ser agraciado com a recuperação judicial, consoante preconiza o art. 48, da Lei n° 11.101/2005. Pediu a liminar suspensiva e, a final, o provimento do recurso, reformando-se a decisão hostilizada, com as conseqüências legais.

Indeferido o efeito suspensivo (f.73), o agravado apresentou contraminuta (fls. 76/81), seguindo-se parecer do Administrador Judicial alvitrando o improvimento do recurso (fls. 83/87).

A. D. Procuradoria \ Geral de Justiça opinou pelo provimento do agravo (fls.90/93)/Relatados.

3. Inicialmente, cumpre esclarecer que os dois agravos acima relatados, serão simultaneamente julgados, por atacarem a mesma decisão, que deferiu o processamento da recuperação judicial de José Horácio Portella Russo.

Aprecia-se, em primeiro lugar, a preliminar de irrecorribilidade da decisão que apenas defere o processamento da recuperação judicial.

A Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais, ao julgar o agravo de instrumento n° 612.654.4/6-00, de minha relatoria, por votação unânime, conheceu de recurso manejado contra decisão que somente defere o processamento da recuperação judicial. Na oportunidade, assim apreciei a questão:

"Inicialmente cumpre destacar que a questão da recorribilidade ou irrecorribilidade do pronunciamento, despacho ou decisão que apenas defere o processamento da recuperação judicial é tema que, quando da vigência do Decreto-lei n° 7.661/45 ensejou grande divergência doutrinária e pretoriana relativamente à concordata, culminando o debate com a edição da Súmula 264 do Colendo Superior Trtthuial de Justiça que proclamou: 'É irrecorrível o ato judi nal] que apenas manda processar a concordata preventiva'.

Em razão disso, perfeitamente justificável as incertezas dos autores que estudaram e escreveram sobre o tema, tão logo foi editada a Lei n° 11.101/2005, já que sabido e ressabido que comentar uma nova lei é empreitada referia de dificuldades, haja vista a aplicação dos diversos métodos de interpretação: gramatical ou semântico, histórico, sistemático, teleológico ou finalístico e lógico.

Da mesma forma, juizes e tribunais, quando aplicam as leis, devem fazê-lo, e o fazem, nos termos da dialética jurídica, valendo-se da lógica jurídica decisional ou da investigação dialético-jurídica para tentar buscar o sentido do desenvolvimento jurídico.

Neste sentido é a lição da professora MARIA HELENA DINIZ, ao afirmar que: 'É necessária uma compreensão dialética do direito, pois a realidade jurídica, segundo MIGUEL REALE, é temporal, mutável, tridimensional e, mais ainda, uma composição necessária da estabilidade e do movimento. A dialética da complementaridade desdobra-se em várias perspectivas, tais como as que correlacionam termos opostos, numa relação de implicação ou de funcionalidade entre contrários, entre meios e fins, entre forma e conteúdo ou entre as partes e o todo. As normas positivas não são esquemas inertes, mas realidades que se inserem no ordenamento jurídico, modificando significações e recebendo impacto de novos fatos e valores além disso, nenhuma norma pode valer como tal se separada dos fatos evalores componentes da estrutura social de cada época e lugar. Tal compreensão dialética vem a legitimar o processo da lógica persuasiva. Deveras, ante a complexidade do direito, o jurista não deve apenas ater-se às normas, mas também fazer referência a fatos e valores jurídicos. Assim sendo, a lógica jurídica decisional, ou dialética jurídica, procura verificar quais as condições de validade dos raciocínios do jurista na tarefa hermenêutica e na busca da decidibilidade, indicando soluções viáveis a eventuais conflitos' (Dicionário Jurídico, Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, volume 2, pág.127).

Da lição acima reproduzida constata-se que a tarefa de interpretar as leis, conferida aos advogados, juizes, promotores de justiça, professores de direito, é remarcada por extremas dificuldades.

Por isso, não se pode, de forma simplista, acoimar de precipitadas ou absurdas as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que, ao ser editada a Lei n° 11.101/2005, ao comentar o art. 52 que trata da decisão ou despacho ou ato que apenas defere o processamento da recuperação judicial, sustentaram sua irrecorribilidade.

MARCOS ANDREY, ao se manifestar sobre a questão, de forma cuidadosa afirmou: 'A jurisprudência já pacificou a posição de que o referido despacho que defere o processamento é irrecorrível, uma vez que ele mão decide qualquer questão incidente do processo, tratando-se de despacho de mero expediente anterior à formação processual. Tal entendimento já foi inclusive sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, 'in verbis': "Súmula 264: É irrecorrível o ato judicial que apenas manda processar a concordata preventiva". Silenciando-se a nova lei a respeito e tendo em vista a similitude da decisão no processo de recuperação judicial, entendemos que tal posição se manterá em relação ao despacho que defere o processamento da recuperação judicial nos termos do artigo ora comentado.' (Comentários à nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, coordenação de Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho, Quartier Latin, São Paulo, 2005, Ia edição, p. 281).

No mesmo sentido, a opinião de CELSOMARCELO DE OLIVEIRA: 'como ocorreu com o instituto da concordata, no caso da recuperação judicial o despacho que defere o processamento não pode ser objeto de recurso judicial.' (Comentários à Nova Lei de Falências, IOB - Thomson, São Paulo, 2005, Ia edição, n° 13, p. 289).

Na mesma senda é a posição de PAULO SÉRGIO RESTIFFE, que. ao reproduzir o verbete da Súmula 264 do STJ, conclui: 'É essa a orientação que deve ser seguida na vigência da atual legislação falimentar. Sem embargo, o ato judicial que simplesmente determina o processamento da recuperação judicial de empresas tem natureza de despacho (art. 162/§ 3º, do CPC), não se tratando de despacho interlocutório (art. 162, § 2º, do CPC), porque não resolve questão incidente alguma. (...) Na prática, e como já ocorria ao tempo das concordatas, os credores poderão apresentar requerimento, por meio de petição sem forma nem figura de juízo, destinado a impugnar o despacho de deferimento da recuperação de empresas. O viés da reforma do sistema processual brasileiro é, consoante notoriamente propagado, no sentido da limitação dos recursos. E, assim, a irrecorribilidade do despacho que defere o processamento da recuperação judicial, como, ademais, já ocorria no âmbito das concordatas, é um avanço.' (Recuperação de Empresas, Ed. Manole, São Paulo, 2008, p. 240-241).

Sérgio Campinho, professor da UERJ, ao dissertar sobre o ato que defere o processamento da recuperação judicial, invoca a Súmula 264/STJ, e argumenta que: 'Parece-nos que a mesma conclusão deve ser confirmada para o ato do juiz que determina o processamento da recuperação judicial, porque, como sustentamos no item anterior, sua natureza é a de despacho de mero expediente, cujo conteúdo é por lei definido, funcionando apenas como medida necessária a assegurar o momento regular do processo. E, desta feita, irrecorrível. (Falência e Recuperação de Empresa, Ed. Renovar, 2a edição, p. 138).

Esta Câmara Especial tem entendimento consolidado, no sentido de que o ato que apenas defere o processamento da recuperação judiciatVem a natureza de despacho e, por isto, é irrecorrível.

Tal posição tem suas raízes na Súmula 264, editada pelo Superior Tribunal de Justiça na vigência do Decreto-lei n° 7.661, de 1945, que cristalizou a jurisprudência nacional sobre a recorribilidade ou irrecorribilidade do despacho que deferia o processamento da concordata preventiva, instituto que foi substituído pela recuperação judicial, instituída pela Lei n° 11.101, de 2005.

O primeiro precedente desta Câmara Especial de Falências e Recuperação Judicial foi relatado pelo eminente Desembargador ROMEU RICUPERO, cuja ementa proclamou:

Recuperação Judicial. Processamento deferido em favor da Bombril Holding S/A, com base no artigo 51 da Lei n° 11.101/05. Agravos de instrumento objetivando afastar o deferimento do processamento da recuperação. Alegações, pela primeira agravante, de ausência de interesse processual da recuperanda e impossibilidade jurídica do pedido. Pelos segundos agravantes, de inequívoco cabimento de agravo contra a decisão que deferiu o processamento da recuperação e ausência de interesse processual da agravada. Inadmissibilidade. O despacho que apenas defere o processamento da recuperação judicial é irrecorrível, pois não se trata de decisão interlocutória, visto que não resolve qualquer questão incidente (cf. art. T6\, par. 2º, do CPC), apenas impulsiona o processo, senno despacho de mero expediente. Natureza que é a mesma do! despacho que ordenava o processamento da concordata preventiva, quando ainda vigente o DL n° 7.661/45, do qual não cabia recurso, conforme a Súmula n° 264 do ESTJ. Tese que encontra apoio na doutrina falencista. Agravos de instrumento não conhecidos.' (Agravo de Instrumento n° 428.805.4/0-00, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Na oportunidade, votou vencido o eminente Des. LINO MACHADO, que sustentou:

'Na vigência do Decreto-lei n° 7.661, de 21 de junho de 1945, o STJ editou a Súmula 264: "É irrecorrível o ato judicial que apenas manda processar a concordata preventiva". No entanto, o art. 189 da NLF manda aplicar o CPC "no que couber", aos procedimentos nela previstos. Já o art. 295, 'caput', I e III, do CPC manda que a inicial seja indeferida "quando for inepta" ou "quando o autor carecer de interesse processual", e no parágrafo único considera inepta a petição inicial quando "o pedido for juridicamente impossível". Disso decorre ser cabível o agravo contra decisão de processamento da recuperação judicial em tais hipóteses, mesmo porque, entre outras conseqüências, a decisão que manda processar a recuperação judicial implica nomeação de administrador judicial, suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, bem. como impossibilidade de desistência do pedido sem aprovação pela assembléia geral de credores (art. 52, 'caput', I e III e § 4o). Aliás, o ar/. \52 da NLF é claro ao condicionar o deferimento de processamento" da recuperação judicial à observância da documentação exigida no seu art. 51'. (Agravos de Instrumento n°s 428.507.4/0; 428.805.4/0).

No entanto, prevaleceu na Câmara Especializada o entendimento da irrecorribilidade do despacho que defere o processamento da recuperação judicial, conforme se pode constatar pelas ementas abaixo repetidas:

'Recuperação Judicial. Pronunciamento judicial que apenas defere o processamento. Agravo de instrumento que ataca o deferimento do processamento, sob o argumento de que a petição inicial não está instruída com os documentos exigidos pelo artigo 51 da Lei n° 11.101 /2005. Agravo não conhecido.'

"O ato que apenas defere o processamento da recuperação judicial tem a natureza de despacho de mero expediente, mercê do que, é irrecorrível.' (Agravo de Instrumento n° 449.298.4/8-00, Relator Desembargador PEREIRA CALÇAS).

'Recuperação Judicial. Pronunciamento judicial que apenas defere o processamento. Agravo de instrumento que ataca o deferimento do processamento, sob o argumento de que o Juízo é incompetente, as agravadas não exercem suas atividades com probidade, a petição inicial não está instruída com os documentos exigidos pelo artigo 51, incisos III e IX da Lei n° 11.101/2005. Agravo não conhecido, com recomendação para o Juízo examinar a questão da competência que é funcional e absoluta.'

'O ato que apenas defere o processamento da recuperação judicial tem a natureza de despacho de mero expediente, mercê do que, é irrecorrível.'(Agravo de Instrumento n° 533.546.4/8), de minha relatoria.

Porém, posteriormente, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 604.160-4/0, em que figura como agravante Egelte Engenharia Ltda. e agravada Agrenco Administração de Bens S/A e outras (as mesmas recorridas deste recurso), a Câmara Especial, em acórdão de que fui relator, afirma:

'No entanto, em que pese os diversos precedentes desta Câmara Especializada que perfilham o entendimento da irrecorribilidade do ato que apenas defere o processamento do pedido de recuperação judicial, após meditar sobre a questão, estou convencido de que, em virtude do conteúdo do pronunciamento judicial prolatado com fundamento no artigo 52, da Lei n° 11.101/2005, impõe-se o reconhecimento de sua natureza de decisão interlocutória.

Isto porque, o artigo 52, preconiza:

'Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I - nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II - determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou créditícios, observado o disposto no art. 69 desta Lei;

III - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

IV - determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V - ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento'.

Como se vê, apesar de, aparentemente, tratar-se de despacho de simples expediente ou ordinatório, em rigor, dele poderão advir diversos prejuízos para os credores, sendo possível ainda que dele derive malferimento à Lei n° 11.101/2005, que é de ordem pública. Imagine-se, por exemplo, que o magistrado nomeie administrador judicial sem observar os requisitos do artigo 21 da Lei; ou ainda, defira o processamento da recuperação judicial, sem exigir a presença dos pressupostos do artigo 48, ordenando a suspensão das execuções, individuais pelo prazo legal, circunstância que, efetivamente, poderá causar severos percalços aos credores, etc.'

O acórdão acima reproduzido em parte, tem a seguinte ementa:

Agravo de Instrumento. Recuperação Judicial. Pronunciamento judicial que apenas defere o processamento da recuperação judicial. Recurso pretendendo a revogação do deferimento, sob a alegação central de não exercício regular da atividade empresária pela recuperanda há mais de dois anos no momento do pedido. Ato que tem a natureza de decisão interlocutória com potencial para causar gravame aos credores e terceiros interessados, além de poder afrontar a lei de ordem pública. Alteração do entendimento que proclamava a irrecorribilidade do ato previsto no artigo 52 da Lei n° 11.101/2005. Agravo conhecido'.

Por tais motivos, consoante novo posicionamento adotado pela Câmara Especial e nos termos do bem lançado parecer da Procuradoria Geral de Justiça, da pena da Dra. SELMA NEGRÃO PEREIRA DOS REIS (fls. 528), será conhecido o presente agravo de instrumento. "

A ementa do referido acórdão tem o seguinte teor:

"Recuperação judicial. Decisão que apenas defere o processamento da recuperação judicial. Agravo interposto pelo Ministério Público, pretendendo a revogação da decisão e o decreto da falência das empresas-requerentes. Recurso conhecido. Inaplicabilidade da Súmula 264 do STJ. Inteligência do art. 52 da Lei n° 11.101/2005. Despacho que não tem natureza de 'mero expediente'. Verificada a legitimidade e estando em termos a petição inicial, o juiz deve deferir o processamento da recuperação. O exame da documentação que instrui a inicial é formal e não material ou real. A eventual prática de ilícitos civis ou criminais por administradores de sociedade anônima não obstaculiza o processamento da recuperação judicial. Havendo indícios da prática de crimes pelos administradores da companhia, compete ao Ministério Público tomar as medidas processuais e penais pertinentes. Princípio constitucional da presunção de inocência. A irrecuperabilidade real da empresa ou a inviabilidade econômica da recuperação não podem fundamentar recurso contra o deferimento do processamento da recuperação judicial. O indeferimento do processamento da recuperação não acarreta o decreto de falência da requerente. Agravo conhecido e desprovido."

O Colendo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o AgRg no Agravo de Instrumento n° 1.008.393-RJ (2008/0011535-8), relatado pelo eminente Ministro FERNANDO GONÇALVES, afirma a recorribilidade da decisão que apenas defere o processamento da recuperação, ao assim se manifestar:

"Da análise do texto acima transcrito é possível chegar à conclusão de que na fase postulatória é analisada a legitimidade ativa da empresa para a recuperação judicial, enquanto na fase deliberativa é apurada a viabilidade econômica do benefício. Nesse contexto, os recursos questionando a condição de sociedade empresária da requerente do benefício, bem como a ausência de certidão de sua regularidade junto ao Registro Público de Empresas devem ser tirados contra a decisão que defere o processamento da recuperação".

Por tais motivos, será conhecido o agravo.

No mérito, têm razão as agravantes.

O Código Civil inovou ao regulamentar a figura do empresário rural.

É de trivial sabença que os agricultores e pecuaristas não eram considerados comerciantes pela legislação anterior, tanto que não se sujeitavam à falência e nem tinham o direito ao benefício da concordata.

O Código Civil (Código Reale), da mesma forma que o Código Beviláqua, continua a considerar o agricultor ou pecuarista (produtor rural) como empresário não sujeito ao registro obrigatório na Junta Comercial (arts. 966 e 967). Porém, estabelece o art. 971 que o empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão poderá inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Em rigor, pode-se afirmar que o legislador admite a existência de dois tipos diferentes de empresários: o mercantil, sujeito ao registro obrigatório (arts. 966 e 967), e o rural (art. 971) que tem a faculdade de inscrever-se na Junta Comercial.

Outrossim, o produtor rural que valer-se da faculdade legal e se inscrever na Junta Comercial, por força da equiparação legal, ficará sujeito aos mesmos deveres do empresário mercantil e, obviamente, terá os mesmos direitos. Por isso, inscrito na Junta Comercial, o produtor rural deverá escriturar contabilmente os livros empresariais obrigatórios, deverá elaborar anualmente o balanço patri econômico (art. 1.179 do CC), ficará equiparado à pessoa jurídica para fins do imposto de renda (art 150, I, do Decreto nº 3.000/99), estará sujeito à falência, se caracterizadas as hipóteses do art. 94 da Lei n° 11.101/2005, e terá direito à recuperação judicial, desde que atendidos os requisitos do art. 48 da Lei n° 11.101/2005.

PAULO FERNANDO C. SALLES DE TOLEDO, mestre das Arcadas, assim se pronunciou sobre a questão:

"Empresário rural. Quanto aos empresários rurais, a solução legal é sui generis. Estarão eles, conforme estiverem ou não inscritos no Registro Público de Empresas Mercantis,sujeitos ou não aos termos da LRE. É que por força do art. 971 do Código Civil, uma vez inscritos, estarão equiparados, "para todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro.

Assim sendo, embora a atividade desenvolvida pelo agricultor, pelo pecuarista ou pelo silvicultor seja considerada legalmente não-empresária, porque diretamente ligada aos ciclos da natureza, o que a diferencia essencialmente da organização da atividade econômica pelo empresário, nada impede que aquele, por um ato de vontade, se inscreva no Registro de Empresas, e se equipare, desse modo, aos empresários em geral. A norma legal em tela faz todo sentido, porque seria desconhecer a realidade, por exemplo, a uma agroindústria de porte o acesso à recuperação judicial" (Comentários à Le'\de Recuperação de Empresas e Falência, Ed. Saraiva, 2005, pág.3).

FÁBIO ULHOA COELHO, mestre da PUCSP, leciona no mesmo sentido:

"Deste modo, se o exercente de atividade econômica rural requerer a inscrição no registro de empresas (Junta Comercial), será considerado empresário e submeter-se-á às normas de Direito Comercial. Essa é, normalmente, a opção adotada pelo agronegócio. Caso, porém, o exercente de atividade econômica rural não requeira a inscrição neste registro, não se considera empresário e seu regime será o do Direito Civil" (Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, Ed. Saraiva, 2005, págs. 17/18).

Na linha de tal entendimento e constatando-se que o agravado não se valeu da faculdade prevista no art. 971 do Código Civil e não se inscreveu na Junta Comercial do Estado de São Paulo, como incontroverso nos autos, não pode ser equiparado ao empresário sujeito ao registro e, por isso mesmo, não está enquadrado no art. 1º, da Lei n° 11.101/2005, in verbis: "Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária".

Em suma: produtor rural não inscrito na Junta Comercial não é equiparado ao empresário definido no art. 966 do Código Civil e, por isso, não tem legitimidade para requerer recuperação judicial.

No caso vertente, há outra questão a ser apreciada.

O agravado é inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas na Receita Federal. Indaga-se: Tal inscrição tem o condão de equiparar o produtor rural ao empresário individual.

O art. 11, inciso XV, da IN SRF n° 568, de 08/09/2005, obriga a inscrição no CNPJ aos produtores rurais, quando essa for exigida pelo órgão convenente (§ 6º). Confira-se:

"Art. 11 - São também obrigados a se inscrever no CNPJ: (...)

XV - produtores rurais, observado o disposto no § 6º;

(...)

§ 6º - No caso do inciso XV, a inscrição somente será obrigatória quando for exigida por órgão convenente".

Da análise da referida Instrução Normativa, verifica-se que a inscrição do procuior rural no CNPJ que não se registra na Junta Comercial, não o descaracteriza como "pessoa física", salvo se ele exercer a faculdade prevista no art. 971 do Código Civil. Ademais, o artigo 8º, § 1º , II, do Anexo II, da IN SRF n° 568, dispensa o registro na Junta Comercial.

Portanto, o produtor rural que se inscreve no Cadastro Geral de Pessoas Jurídicas da Receita Federal, mas não se registra na Junta Comercial competente, consoante faculta o art. 971 do Código Civil não é equiparado, para qualquer fim, ao empresário sujeito ao registro, não se enquadrando, portanto, no art. 1º , da Lei n° 11.101/2005, mercê do que não tem legitimidade para ser declarado falido, nem para pleitear e obter a recuperação judicial.

Impende ressaltar, finalmente, que o art. 48, "caput", da Lei n° 11.101/2005 preceitua que "poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos". Bem por isso, o art. 51, V, da Lei n° 11.101/2005 determina que a petição inicial da recuperação judicial será instruída com: "certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas".

A petição inicial de recuperação judicial apresentada pelo agravado, que é produtor rural, não inscrito na Junta Comercial, por tal motivo, não $6tá instruída com a certidão de inscrição e regularidade do requerente no Registro Público de Empresas Mercantis, mercê do jaue, de se reconhecer a ilegitimidade ativa do requerente para postular a recuperação judicial e a irregularidade da exordial, por não estar instruída com a certidão indispensável à propositura da ação, sendo de rigor o provimento dos recursos.

Será, pois, dado provimento aos agravos para o fim de se reformar a decisão agravada e indeferir o processamento da recuperação judicial requerida por José Horácio Portella Russo, por não atender ao requisito do art. 48 "caput", e art. 1º cc. art. 51, V, todos da Lei n° 11.101/2005, reconhecendo-se a ilegitimidade ativa do produtor rural não inscrito na Junta Comercial para pleitear a recuperação judicial. Será extinto o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Outrossim, determina-se expressamente que as execuções singulares movidas contra o agravado tenham regular processamento, afastada a ordem de suspensão.

4. Isto posto, pelo meu voto, conheço dos agravos e a eles dou provimento, na forma acima explicitada.

DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
RELATOR




JURID - Recuperação Judicial. Pedido formulado por produtor rural. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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