Anúncios


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

JURID - Professores devem receber FGTS [03/09/09] - Jurisprudência


Corumbá: juiz decide que professores convocados têm direito a FGTS


Autos n° 008.09.001025-3
Ação: Cobrança
Requerente: Fátima Cesarina Arruda Gomes e outros
Requerido: Estado do Mato Grosso do Sul

SENTENÇA


Vistos etc.

Os requerentes, relacionados e qualificados nas f. 02/09, propuseram Ação Trabalhista em face do ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, qualificado à f. 09, alegando, em síntese, terem sido contratados pelo requerido, por meio de "convocação" sem concurso público, para exercerem a função de professores na rede estadual de ensino.

Esclarecem que a contratação por "convocação" sem concurso público é usada pelo requerido desde a sua criação, e atualmente existem cerca de oito mil professores convocados em todo o Estado.

Sustentam que possuem direito, nos termos do art. 19-A da Lei nº 8.03/1990, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), na proporção de 8% sobre os valores percebidos a título de remuneração, o que não vem sendo cumprido pelo requerido, ressaltando que tal remuneração é composta pelo vencimento de convocado, incentivo noturno de educação e regência de classe.

Aduzem que o requerido, para não remunerar os requerentes nos meses de férias escolares, efetua as convocações de fevereiro a junho e de agosto a dezembro, procedimento esse que visa fraudar o art. 322 da CLT, uma vez que os requerentes trabalham normalmente durante todo o ano letivo, pois após as férias escolares são novamente contratados sem concurso público, não havendo por parte do requerido intenção em cindir definitivamente o contratos de trabalho.

Assim, devem ser os contratos de trabalho considerados unos, uma vez que na realidade nunca houve a vontade de rompê-los, mas tão somente a de promover várias interrupções para que os salários referentes aos períodos de férias escolares não fossem pagos.

Por fim, pleiteiam os requerentes a declaração de unicidade dos contratos de trabalho e a condenação do requerido ao pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, no valor equivalente a 8% de seus vencimentos, durante todo o período contratual.

Com a inicial foram juntados os documentos de f. 14/650.

O requerido apresentou exceção de incompetência declinatória de foro às f. 654/657, pleiteando a remessa dos autos para o julgamento pela Justiça Comum.

A contestação e documentos foram juntados aos autos nas f. 658/701, aduzindo o requerido, em resumo, a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar esta causa, uma vez que a competência para apreciação de ações que envolvam litígio entre a Administração Pública e seus servidores regidos por um estatuto é da Justiça Comum; preliminar de incompetência da Vara do Trabalho de Campo Grande - MS para julgar o feito, pois, caso se entenda que a competência é da justiça especializada, o foro competente é o do lugar da prestação do serviço, no caso, Corumbá - MS; preliminar de nulidade processual, em razão da não realização da audiência de conciliação determinada no art. 841 da CLT; preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, porquanto o art. 19-A da Lei 8036/90 é inconstitucional, bem como porque o FGTS somente é devido aos empregados públicos, e não aos servidores públicos regidos por um estatuto.

No mérito, o requerido asseverou que as relações jurídicas travadas com os requerentes não é uniforme, uma vez que alguns requerentes foram contratados por curtos períodos de tempo, e a outros, servidores públicos estaduais concursados, somente foram atribuídas algumas horas aulas, até o limite de 40, e outros, ainda, foram contratados por determinados períodos, sempre inferiores ao ano letivo, permanecendo períodos de seis meses a dois anos sem serem convocados novamente.

Afirmou estarem prescritas as pretensões dos requerentes anteriores a 17 de dezembro de 2000, porquanto a prescrição no caso dos autos é quinquenal, sendo que, se aplicada a prescrição estipulada pelo Código Civil, esta deve ser contada pelo prazo de três anos, pois o prazo prescricional para a reparação civil por ato ilícito foi reduzido para este patamar pelo Código Civil de 2002, por outro lado, caso se entenda ser esta lide de natureza trabalhista, deve ser aplicada a Prescrição bienal prevista pelo art. 7º, XXIX da Constituição Federal.

Sustenta ser o vínculo estabelecido entre as partes de natureza estatutária, pois os professores convocados possuem vínculo de ordem temporária e são regidos por legislação especial, não se aplicando, em qualquer caso, a CLT, mas sim as leis e decretos estaduais que regulamentam a matéria.

Argumenta o requerido que a inconstitucionalidade do art. 19-A da Lei 8.036/90, inserido por uma medida provisória que não atendeu aos requisitos da relevância e urgência, importa na improcedência do pedido inicial.

Quanto à unicidade contratual, o requerido afirma não ter esta ocorrido, pois os requerentes foram contratados em regime de convocação, de ordem especial e temporária, sendo que alguns por poucos dias ou meses, o que não se permite concluir pela unicidade contratual, mormente por não se aplicar ao caso os artigos 451 e 452 da CLT, uma vez que o vínculo era o estatutário.

Assim, esclarece não ser possível a aplicação do FGTS sobre uma eventual unicidade contratual, pois este somente pode ser calculado sobre a remuneração percebida e, em se considerando o pagamento pelos períodos da interrupção do contrato de trabalho, não haverá base de cálculo para o pagamento do FGTS.

Argumenta, ainda, não haver possibilidade jurídica de condenação do requerido em honorários advocatícios nesta demanda, pois os requerentes não estão assistidos pelo sindicato da categoria.

Ao final, pediu a declaração da incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento desta ação, o acolhimento das preliminares suscitadas, e no mérito a improcedência dos pedidos iniciais, e, em caso de condenação, seja o FGTS limitado às parcelas da remuneração dos requerentes efetivamente pagas.

Às f. 702/2.217 o requerido apresentou outros documentos.

Os requerentes concordaram, à f. 2.219, com a remessa dos autos à Vara do Trabalho desta cidade.

A impugnação à contestação foi oferecida às f. 2.220/2.223, tendo os requerentes sustentado ser pacífico na jurisprudência o entendimento de que a competência para julgar causas como esta é da Justiça do Trabalho, bem como que as "convocações" realizadas pelo requerido são irregulares, porquanto foram efetuadas em desacordo com o disposto na Constituição Federal. Aduziu, ainda, estar comprovado nos autos a prestação de serviço efetuada pelo requerentes por anos, sem prévio concurso público, e de forma contínua.

À f. 2.224 foi determinada a remessa dos autos para a Vara do Trabalho desta cidade.

A Justiça Especializada prolatou decisão interlocutória às f. 2.229/2.232 declinando competência para processar e julgar este feito para a Justiça Comum Estadual desta comarca.

Os requerentes apresentaram recurso ordinário com a finalidade de ser reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para julgar esta demanda, às f. 2.270/2.282.

O requerido apresentou contrarrazões às f. 2.284/2.289.

O Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao recurso às f. 2.305/2.308.

O Juízo singular do Trabalho desta cidade prolatou nova sentença às f. 2.314/2.317, julgando improcedentes os pedidos iniciais.

A parte requerente apresentou novo recurso ordinário às f. 2.318/2.324, com o fim de reformar a sentença e dar provimento aos pedidos iniciais.

O requerido apresentou contrarrazões ao recurso às f. 2.336/2.339.

Às f. 2.352/2.357 a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho prolatou acórdão reformando a sentença a quo, para declarar nulos os contratos de prestação de serviços firmados entre as partes, deferir aos requerentes o recebimento dos valores relativos ao FGTS sobre os salários recebidos e para condenar o reclamado ao pagamento dos honorários advocatícios.

Do acórdão o requerido impetrou recurso de revista às f. 2.360/2.375, tendo sido negado seguimento ao referido recurso à f. 2.377/2.378.

À f. 2.381 foi iniciada a liquidação do acórdão, cujo cálculo do débito foi homologado na f. 4.209, ocasião em que foi instaurada a execução de sentença.

Às f. 4.228/4.237 o Supremo Tribunal Federal comunicou ao Juízo do Trabalho decisão exarada na Reclamação Constitucional n° 4.130-1 que reconheceu a competência da Justiça Comum Estadual para o julgamento desta ação e declarou a nulidade dos atos do processo.

O recurso de revista e o agravo de instrumento em recurso de revista interpostos pelo requerido foram juntados às f. 4.242/4.557.

Às f. 4.562/4.563 este Juízo entendeu estarem nulos apenas os atos decisórios destes autos, o que ocorreu somente a partir da prolação da sentença de f. 2.229/2.232, tendo recebido o feito como ação de cobrança e determinado abertura de vista os requerentes para se manifestarem sobre a contestação, sendo que estes se manifestaram às f. 4.567/4.572.

Os requerentes informaram não possuir novas provas a produzir (f. 4.571) e o requerido pugnou pelo julgamento antecipado da lide (f. 4.574).

É o relatório. Decido.

Tendo as partes desistido da produção de novas provas, o feito comporta julgamento antecipado, no termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, por inconstitucionalidade do art 19-A da lei n° 8.036/90, será analisada juntamente com o mérito, por com ele se confundir.

A presente demanda estampa pleito de nulidade dos contratos de trabalho como professores substitutos efetuados entre os requerentes e o requerido, com a consequente condenação do requerido ao depósito das verbas de FGTS, inclusive sobre os períodos de férias escolares, pois entendem os requerentes haver unicidade contratual durante todas as sucessivas convocações para prestar serviço temporário a qual se submeteram.

Analisando os autos, entendo que o pedido inicial deve ser julgado o procedente em parte.

A questão posta em Juízo é a validade das convocações para o cargo de professor substituto efetuadas pelo requerido.

Pois bem, tal modalidade excepcional de contratação é autorizada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 37, XI, que assim dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(..)
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Digo excepcional porque a regra para o ingresso no serviço público é a submissão e aprovação em concurso público, somente podendo ser efetuada a contratação para a prestação de serviços temporários nos casos de excepcional interesse público, casos esses a serem regulados pela lei.

Tal lei não é de âmbito nacional, devendo os Estados e Municípios editarem as suas próprias leis, pois o interesse público diz respeito ao interesse regional ou local, não podendo uma lei federal dispor unicamente sobre o assunto.

Nesse sentido, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

Estados e Municípios que queiram contratar servidores temporários com base no art. 37, IX, tem que estabelecer por suas próprias leis, as hipóteses em que essa contratação é possível e o regime jurídico em que a mesma se dará. (Direito Administrativo, 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2002).

Assim, para ser adequada à Constituição Federal a lei estadual que regulamentar a contratação de servidores temporários sem submissão a concurso público necessariamente deverá conter dois requisitos, quais sejam, as hipóteses de contratação e o regime jurídico adotado, sob pena de inconstitucionalidade material, por não se adequarem ao mandamento constitucional.

A inconstitucionalidade material decorre do princípio da supremacia da Constituição, que preceitua que todas as normas infraconstitucionais devem necessariamente ser adequadas material e formalmente à Carta Magna, sob pena de invalidade.

Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Michel Temer que, ao discorrer sobre o controle de constitucionalidade, assim disse:

"Pressupõe necessariamente, a supremacia da Constituição; a existência de escalonamento normativo, ocupando a Constituição o ponto mais alto do sistema normativo. É nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Aquele, ao inovar a ordem jurídica infraconstitucional, haverá de obedecer a forma prevista e ao conteúdo anteposto. Se um deles for agravado, abre-se espaço para o controle de constitucionalidade daquele ato normativo cujo objetivo é expelir, do sistema, o ato agravador." (Elementos de Direito Constitucional, 14. Ed. Malheiros: São Paulo, p. 40).

Nesse passo, caso não contenha a lei regulamentadora da norma constitucional todos os requisitos exigidos pela Constituição, haverá incompatibilidade vertical com a Carta Política, ao passo que uma lei de status normativo inferior estará contrariando um mandamento superior, em sua essência.

Portanto, para que haja a inconstitucionalidade da norma regulamentadora não é necessário somente que esta contrarie frontalmente a Constituição, basta que esta deixe de atender a alguma determinação constitucional, como, no caso dos autos, a ausência de um requisito essencial à norma regulamentadora.

Sobre esse assunto, José Afonso da Silva dispõe o seguinte:

"O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores. Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos etc.) com a constituição é o que, tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou atos do poder público, que se manifesta sob dois aspectos: (...) (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceitos ou princípios da constituição. Essa incompatibilidade não pode perdurar, porque contrasta com o princípio da coerência e harmonia das normas do ordenamento jurídico, entendido, por isso mesmo, como reunião de normas vinculadas entre si por uma fundamentação unitária. (Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. Ed. Malheiros. São Paulo: 1998, p. 49).

Pois bem, a lei deste Estado que regulamenta a matéria é a Lei Complementar nº 87, de 31/01/2000, dispondo sobre a matéria aqui tratada nos seus artigos 19 a 22, que, apenas por necessidade de demonstração do seu conteúdo, passo a transcrever:

Art. 19. Convocação é atribuição, em caráter temporário, da função de docente a Profissional de Educação Básica ou a candidato que possua habilitação para atuar como docente da educação básica. (redação dada pela Lei Complementar nº 115, de 21 de dezembro de 2005)

Art. 20. Do ato da convocação deverá constar:
I - a atividade ou área de estudo ou a disciplina;
II - remuneração respectiva, prazo de convocação incluído período proporcional de férias.

Art. 21. A convocação fica limitada a cada período letivo, não podendo ter início durante as férias, salvo necessidade imperiosa de reposição de aulas, e o valor da hora-aula será igual ao do vencimento da classe A, nível II, correspondente à habilitação de grau superior do cargo de Professor. (redação dada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 97, de 26 de dezembro de 2001)
Parágrafo único. O Professor convocado que possuir habilitação inferior à especificada neste artigo perceberá hora-aula calculada com base no vencimento da classe A, nível I. (redação dada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 97, de 26 de dezembro de 2001).

Art. 22. O Professor convocado ou que cumprir carga complementar fará jus aos seguintes benefícios: (redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 115, de 21 de dezembro de 2005)
I - remuneração, consoante o disposto neste Estatuto;
II - abono de férias e gratificação natalina, proporcionais; (redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 115, de 21 de dezembro de 2005)
III - licença gestante e para tratamento saúde, limitada ao período da convocação;
IV - incentivo financeiro correspondente a 50 % (cinqüenta por cento) da hora-aula do Professor convocado. (redação dada pelo art. 2º da Lei Complementar nº 97, de 26 de dezembro de 2001).
Parágrafo único. Não incidirá contribuição para o regime de previdência social do Estado sobre a remuneração percebida pelo Professor ocupante de cargo efetivo no exercício de aulas complementares. (redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 115, 21 de dezembro de 2005)

São esses os únicos artigos que a lei estadual dispõe sobre a contratação temporária de professores substitutos sem submissão a concurso público.

Da simples leitura de tais artigos, percebe-se que a norma regulatória não atendeu a todos os requisitos exigidos para a sua adequação material à Constituição, ou seja, não trouxe em seu texto as hipóteses de contratação, tendo somente indicado que o regime jurídico adotado seria o estatutário.

Logo, a conclusão lógica a ser retirada do caso em apreço é de que a referida lei estadual é inconstitucional, ou seja, inválida, razão pela qual neste Estado não há autorização legislativa materialmente válida que permita à Administração efetuar a contratação de professores sem concurso público.

Por certo, a argumentação do requerido em eventual recurso de apelação será a de que as hipóteses de excepcionalidade para a contratação estão previstas nos Decretos nº10.673/2002, que foi revogado pelo Decreto nº11.482/2003, que foi revogado pelo Decreto nº12.042/2006, que por sua vez foi revogado pelo Decreto nº 12.343/2007, este último atualmente em vigor.

Contudo, tais decretos não podem ser aceitos na ordem jurídica estadual, simplesmente por serem absolutamente inválidos.

Explico.

O decreto é a figura legislativa que visa regulamentar a lei, ou seja, visa esclarecer o conteúdo e a área de atuação da lei, trazendo ao intérprete os elementos necessários para o seu correto entendimento e aplicação.

Tal decreto é o chamado decreto executivo, pelo qual o chefe do Poder Executivo edita normas que disporão sobre a forma de cumprimento de determinado mandamento legal, ou explicará o seu conteúdo, nunca podendo ser tal decreto contrário a norma que se pretende regulamentar ou extrapolar os limites fiados por esta norma, ou seja, dispor sobre algo não contido na norma regulamentada.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro disse que o decreto executivo:

"(...) nos termos do artigo 84, IV da Constituição, contém normas 'para fiel execução da lei'; ele não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem. Ele não pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei, conforme art. 5º, II da Constituição; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração." Direito Administrativo, 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 87).

Ainda Sobre esse assunto José dos Santos Carvalho filho assevera que:

"(...) Por isso, de inegável acerto a afirmação de que só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõe obrigações de fazer ou não fazer, e só para cumprir dispositivos legais é que o executivo pode expedir decretos e Regulamentos, de modo que são inconstitucionais os regulamentos produzidos de forma de delegações disfarçadas oriundos de lei que meramente transferem ao executivo a função de disciplinar o exercício da liberdade e da propriedade das pessoas." (Manual de Direito Administrativo, 21. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, P. 56).

Nesse diapasão, os decretos em apreço não possuem qualquer validade por extrapolarem o poder regulamentar, pois estes somente poderiam regulamentar as situações excepcionais se a citada lei ao menos se referisse a existência de casos em que seria possível a contratação de professores substitutos sem concurso público, o que não ocorreu na lei estadual, uma vez que esta sequer mencionou os casos ou a previsão de situações, ainda que genericamente, em que poderiam ser efetuadas as convocações de professores sem concurso público.

Nesse passo, é patente que os referidos decretos exorbitaram, e muito, o poder regulamentar, transformando-se em verdadeiros decretos autônomos ao estabelecer os casos de contratação temporária, sem que ao menos a lei tivesse previsto a hipótese de excepcionalidade para tais contratações.

A par da ferrenha discussão doutrinária sobre a aceitação e existência do decreto autônomo em nosso ordenamento jurídico, fato é que a Carta Constitucional exigiu expressamente a presença de lei para regulamentar a aplicação do inciso IX do art. 37, o que torna absolutamente inválidos os mencionados decretos.

Assim, sendo reconhecida incidentalmente a inconstitucionalidade dos arts. 19 a 22 do Lei Complementar estadual nº 87/2000, é imperioso a declaração da nulidade dos contratos de trabalho dos requerentes, nos termos do art. 37, §2º da Constituição da República.

Consectário lógico da declaração de nulidade dos contratos de trabalho dos requerentes é a aplicação do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990, que prevê ser "devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário."

Ressalto que é impossível a declaração de unicidade contratual para fins de recebimento de verbas, pois tal unicidade se revestiria em verdadeiro enriquecimento sem causa, pois os requerentes não prestaram qualquer serviço ao requerido no período pelo qual pleiteiam a declaração da unicidade, qual seja, o período de férias escolares.

Corrobora a impossibilidade de tal declaração o fato de ser o requerido ente federativo, o que indica que, caso fosse declarada a unicidade pleiteada, seria o patrimônio público compelido a pagar por um serviço não prestado, o que é inaceitável.

Quanto à alegação de inconstitucionalidade do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990, esta não merece maiores digressões, pois o Superior Tribunal do Trabalho já pacificou o entendimento sobre a constitucionalidade de tal preceito legal, sendo que qualquer argumento contrário é mero sofisma.

Nesse sentido:

"RECURSO DE REVISTA - CONTRATO NULO. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. EFEITOS JURÍDICOS. ANOTAÇÃO NA CPTS. De acordo com a Súmula 363 desta Corte, a contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. CONTRATO NULO. FGTS. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI Nº 8.036/90. IRRETROATIVIDADE. É pacífico o entendimento nesta Corte de que o art. 19-A da Lei n° 8.036/90 não guarda nenhuma incompatibilidade com o art. 37, II e § 2º, da Constituição Federal, razão pela qual não há falar em inconstitucionalidade do referido dispositivo. No que diz respeito ao pedido sucessivo de limitação do pagamento dos depósitos do FGTS relativos apenas ao período posterior à edição da Medida Provisória nº 2.164/01 (irretroatividade do artigo 19-A da Lei nº 8.036/90), a decisão recorrida está em consonância com a Orientação Jurisprudencial 362 da SBDI-1 do TST. Recurso de Revista não conhecido." (Processo: RR - 840/2006-052-11-00.5 Data de Julgamento: 19/08/2009, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 21/08/2009.) (Grifei).

Por fim, quanto à prescrição suscitada pelo requerido, esta não ocorreu no caso dos autos, pois, nos termos do art. 189, a prescrição somente se inicia após violado direito, ocasião em que nasce uma pretensão ao titular, sendo que no caso dos autos a pretensão para o recebimento do FGTS somente nasceu nesta sentença, pois somente agora os contratos firmados entre as partes foram declarados nulos.

Diante do exposto, reconheço, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos artigos 19 a 22 da Lei Complementar Estadual nº 87/2000, e Por conseguinte, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para declarar nulos os contratos de trabalho como professores substitutos sem submissão a concurso público, firmados entre os requerentes e o requerido, condenando o requerido ao depósito do FGTS sobre os salários percebidos pelos requerentes, devendo os respectivos valores serem apurados em liquidação de sentença por arbitramento.

Deixo de condenar o requerido no pagamento das custas judiciais por se tratar de Fazenda Pública. Contudo, condeno o requerido no pagamento dos honorários advocatícios em favor dos advogados dos requerentes, que fixo, com fundamento no art. 20, §4º do CPC, considerando a alta complexidade da causa, o grande tempo de tramitação do processo, os vários lugares de tramitação do feito, inclusive nos tribunais superiores, em R$15.000,00 (quinze mil reais).

Ante a irregularidade na contratação dos requerentes, determino a expedição de ofício ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado para as providências cabíveis.

Considerando que a condenação é de valor incerto, com fundamento no art. 475, I e §1º do CPC, determino, após verificada a existência de recurso das partes, a remessa dos autos ao E. TJMS para fins do duplo grau de jurisdição obrigatório.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Corumbá, 02 de setembro de 2009.

Eduardo Eugênio Siravegna Júnior
Juiz de Direito



JURID - Professores devem receber FGTS [03/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário