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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

JURID - Prescrição. Advento do CC/2002. Prazo prescricional. [18/09/09] - Jurisprudência


Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Prescrição. Decreto nº 20.910/32. Advento do Código Civil de 2002. Redução do prazo prescricional para três anos.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.137.354 - RJ (2009/0165978-0)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: DANIELA STORRY LINS E OUTRO(S)

RECORRIDO: SEVERIANO ROMÃO VIEIRA E OUTROS

ADVOGADO: VALÉRIA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.

1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.

2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil - art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 - prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.

3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 08 de setembro de 2009(data do julgamento).

Ministro Castro Meira
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional contra aresto proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nestes termos ementado:

AGRAVO. Decisão do relator que, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, deu provimento a agravo retido para pronunciar a prescrição e extinguir o processo, prejudicado o recurso de apelação, em ação de responsabilidade civil do estado por morte decorrente de 'bala perdida'. Jurisprudência que ainda não se fez dominante no Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência dos prazos prescricionais do novo Código civil, inclusive em relação às ações dirigidas à fazenda pública, propostas na vigência da lei nova. Agravo a que se dá provimento (e-STJ fl. 247).

Em síntese, o recorrente alega que a Corte de origem negou vigência aos arts. 1º e 10 do Decreto nº 20.910/32, uma vez que "o prazo prescricional nele previsto não prevalece sobre as disposições legais que estabeleçam prazos menores, bem como do que dispõe o art. 206, § 3º, V, da Lei 10.466/2002 - Código Civil, que prevê prazo de três anos para ajuizamento de ações que visem reparação civil" (e-STJ fl. 255).

Assevera:

De fato, o artigo 206, § 3º, inciso V do CC, ao estabelecer o prazo prescricional de 3 (três) anos para a pretensão reparatória, unificou todos os prazos das ações de ressarcimento de dano, sem estabelecer qualquer distinção entre os sujeitos passivos. Nesse passo, o Decreto 20.910/32, no que se refere à pretensão indenizatória, está derrogado (e-STJ fl. 260).

Contrarrazões oferecidas às fls. 270-277.

Admitido o apelo nobre, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Na origem, trata-se de ação indenizatória lastreada na responsabilidade civil proposta em desfavor do Estado do Rio de Janeiro por viúvo e filhos de vítima fatal de disparo supostamente efetuado por policial militar durante incursão em determinada área urbana.

No âmbito de agravo regimental, a Corte de origem reformou decisão singular que se posicionara pelo reconhecimento da prescrição e, assim, determinou o prosseguimento do exame da apelação interposta contra a sentença de improcedência.

Sucedeu, pois, a apresentação de recurso especial pelo Estado do Rio de Janeiro.

Como consta do relatório, o recorrente alega que a Corte de origem negou vigência aos arts. 1º e 10 do Decreto nº 20.910/32, uma vez que "o prazo prescricional nele previsto não prevalece sobre as disposições legais que estabeleçam prazos menores, bem como do que dispõe o art. 206, § 3º, V, da Lei 10.466/2002 - Código Civil, que prevê prazo de três anos para ajuizamento de ações que visem reparação civil" (e-STJ fl. 255).

Feitas essas breves considerações, adentro o exame do recurso especial, o qual atende os requisitos de admissibilidade e, portanto, merece ser conhecido.

A controvérsia reside em saber se, após o advento do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para o ajuizamento de ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido para três anos - como defende o recorrente com suporte na inteligência do art. 206, § 3º, V, do referido diploma legal - ou permanece em cinco anos, em respeito à norma inscrita no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.

Nas exatas palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha:

Surge, então, a dúvida: a pretensão da reparação civil contra a Fazenda Pública mantém-se submetida ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, que é próprio para as ações condenatórias intentadas em face da Fazenda Pública, ou deve submeter-se à nova regra encartada no Código Civil de 2002? Em outras palavras, a Fazenda Pública beneficia-se da regra inscrita no art. 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002? (A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 6ª ed., 2008, p. 84).

Pesquisando os precedentes deste Superior Tribunal, notei a existência de franca divergência entre as duas Turmas que integram a Seção de Direito Público, como se verifica dos recentes julgados abaixo reproduzidos:

- Pela inaplicabilidade do art. 206, § 3º, V, do Código Civil

ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - REPARAÇÃO CIVIL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - PRESCRIÇÃO - QUINQUENAL - CÓDIGO CIVIL - INAPLICÁVEL - AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO.

1. O entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que é de cinco anos o prazo prescricional da ação de indenização, e de qualquer outra natureza, proposta contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32. Afastada a aplicação do Código Civil.

2. Conforme consignado na decisão agravada, inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional ajustou-se à pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do julgado agravado. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu.

Agravo regimental improvido (AgREsp 1.073.796/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 1º.07.09);

- Pela aplicabilidade do art. 206, § 3º, V, do Código Civil

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO INJUSTA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PRAZO PRESCRICIONAL. CONTAGEM. NOVO CÓDIGO CIVIL.

I - Trata-se de ação de indenização por danos morais, ajuizada contra a União, pelo fato de a autora haver sofrido prisão injusta decretada pela Justiça Federal.

II - A teor do artigo 2.028 do novo Codex, a lei anterior continuará a reger os prazos, quando se conjugarem os seguintes requisitos: houver redução pela nova lei e, na data de vigência do novo Código, já se houver esgotado mais da metade fixado pela lei revogada (Decreto nº 20.910/32, no caso).

III - In casu, não foi observado o segundo requisito, porquanto entre a data do evento danoso (09.04.2002) e a vigência do novo Código Civil (janeiro/2003), transcorreu menos de 1 (um) ano, não chegando à metade do prazo anterior, ou seja, pelo menos dois anos e meio. Dessa forma, a contagem do prazo prescricional é a de 3 (três) anos, fixada pelo artigo 206, § 3º, V, do Codex, e deve ser contada a partir da vigência dele. Precedente citado: REsp nº 982.811/RR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, julgado em 02.10.2008.

IV - Recurso especial improvido" (REsp 1.066.063/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 11.11.08).

Em que pese a existência de precedente desta eg. Segunda Turma em sentido oposto, penso que assiste razão ao recorrente.

Enquanto o art. 206, § 3º, V, do Código Civil preconiza que "prescreve em três anos a pretensão da reparação civil", o art. 1º do Decreto nº 20.910/32 assim dispõe:

As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Ainda que, em tese, os princípios basilares da hermenêutica conduzam à prevalência da lei especial sobre a lei geral, tem-se que, no caso concreto, o conflito das normas encontra expressa solução justamente no Decreto nº 20.910/32, cujo art. 10 reza que "o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas as mesmas regras".

Como se observa, o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado neste particular. É exatamente essa a situação em apreço, daí porque se revela legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, fruto do advento do Código Civil de 2002.

Pela clareza da exposição, trago à baila mais um fragmento da lição de Leonardo José Carneiro da Cunha:

Significa que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é quinquenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores. Na verdade, os prazos prescricionais inferiores a 5 (cinco) anos beneficiam a Fazenda Pública.

Diante disso, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal. Aplica-se, no particular, o disposto no art. 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002, não somente em razão do que estabelece o art. 10 do Decreto nº 20.910/32, mas também por se tratar de norma posterior. E, como se sabe, a norma posterior, no assunto tratado, revoga a anterior.

O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a Fazenda Pública. A legislação especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição em seu favor. Enquanto a legislação geral (Código Civil de 1916) estabelecia um prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, a legislação específica (Decreto nº 20.910/32) previa um prazo de prescrição próprio de 5 (cinco) anos para as pretensões contra a Fazenda Pública. Nesse intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto nº 20.910/32, em seu art. 10, dispõe que os prazos menores devem favorecê-la.

A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de 3 (três) anos para as pretensões de reparação civil. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor à Fazenda Pública, não há razão para o prazo geral - aplicável a todos, indistintamente - ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910/32.

Enfim, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública sujeita-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal (op cit, p. 85).

Não é outro o entendimento defendido por José dos Santos Carvalho Filho:

O vigente Código Civil, no entanto, introduziu várias alterações na disciplina da prescrição, algumas de inegável importância. Uma delas diz respeito ao prazo genérico da prescrição que passou de vinte (específica para direitos pessoais) para dez anos (art. 205). Outra é a que fixa o prazo de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Vale dizer: se alguém sofre dano por ato ilícito de terceiro, deve exercer a pretensão reparatória (ou indenizatória) no prazo de três anos, pena de ficar prescrita e não poder mais ser deflagrada.

Como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas como as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne à reparação civil.

Cumpre nessa matéria recorrer à interpretação normativo-sistemática. Se a ordem jurídica sempre privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decreto 20.910/32, raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil). Desse modo, se é verdade, de um lado, que não se pode admitir prazo inferior a três anos para a prescrição da pretensão à reparação civil contra a Fazenda, em virtude de inexistência de lei especial em tal direção, não é menos verdadeiro, de outro, que tal prazo não pode ser superior, pena de total inversão do sistema lógico-normativo; no mínimo, é de aplicar-se o novo prazo fixado agora pelo Código Civil. Interpretação lógica não admite a aplicação, na hipótese, das regras de direito intertemporal sobre lei especial e lei geral, em que aquela prevalece a despeito do advento desta. A prescrição da citada pretensão de terceiros contra as pessoas públicas e as de direito privado prestadoras de serviços públicos passou de quinquenal para trienal (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 17ª ed., 2007, p. 498-499).

No caso concreto, transcorreram 22 (vinte e dois) meses entre o evento danoso - datado de março de 2001 - e a entrada em vigor do novo Código Civil, que se operou em janeiro de 2003.

Assim sendo, como não se esgotou mais da metade do lustro prescricional (60 meses) previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, afasta-se o disposto no art. 2.028 do Código Civil ("Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada"), computando-se os três anos a partir da vigência do novo diploma legal - 11.01.03.

Ajuizada a ação em 10.03.06, torna-se inarredável o reconhecimento da prescrição.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2009/0165978-0 REsp 1137354 / RJ

Números Origem: 200900108264 200913508743

PAUTA: 08/09/2009 JULGADO: 08/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: DANIELA STORRY LINS E OUTRO(S)

RECORRIDO: SEVERIANO ROMÃO VIEIRA E OUTROS

ADVOGADO: VALÉRIA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Responsabilidade da Administração

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 08 de setembro de 2009

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

Documento: 910745

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 18/09/2009




JURID - Prescrição. Advento do CC/2002. Prazo prescricional. [18/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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