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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

JURID - Porte ilegal de arma de fogo. Abolitio criminis. [14/09/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo. Abolitio criminis. Não-ocorrência.
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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 152 Divulgação 13/08/2009 Publicação 14/08/2009 Ementário nº 2369 - 5

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 96.168-1 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACIENTE(S): TIAGO MARTINS COSTA DA SILVA

IMPETRANTE(S): EDISON FERREIRA DE LIMA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 108927 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA.

1. O prazo de cento e oitenta dias previsto nos artigos 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003 é para que os possuidores e proprietários armas de fogo as regularizem ou as entreguem às autoridades. Somente as condutas típicas 'possuir ou ser proprietário' foram abolidas temporariamente.

2. Delito de posse de arma de fogo ocorrido anteriormente à vigência da Lei que instituiu a abolitio criminis temporária. Não cabimento da pretensão de retroação de lei benéfica. Precedente.

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 9 de dezembro de 2008.

EROS GRAU - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: Trata-se de habeas corpos, com pedido de liminar, impetrado contra decisão monocrática proferida pela Ministra Jane Silva, desembargadora convocada do TJ/MG, assim ementada:

"PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA - CORRUPÇÃO ATIVA - CONHECIMENTO - TESES NÃO DISCUTIDAS PELA CORTE A QUO - APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA - RECURSO DE AMPLA DEVOLUTIVIDADE EM FAVOR DO RÉU - AUSÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - ARMA APREENDIDA NA RESIDÊNCIA DO AGENTE SEM MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO - CRIME PERMANENTE - FLAGRANTE QUE SE PROTRAI NO TEMPO - EXCEÇÃO CONSTITUCIONAL À GARANTIA DE INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO - PERÍCIA QUE CONCLUIU PELA SUPRESSÃO DO NÚMERO DA ARMA - POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAMES PERICIAIS PRÓPRIOS APTOS A DESCOBRI-LO - ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA - EXAMES NEM MESMO APONTADOS PELO IMPETRANTE - MEDIDA PROVISÓRIA 417/2008 - POSSIBILIDADE DE ENTREGA VOLUNTÁRIA DE ARMAS ATÉ 31.12.2008 - ABOLITIO CRIMINIS - CRIME PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO DESSE DIPLOMA LEGAL - IMPOSSIBILIDADE DE RETROATIVIDADE - PRECEDENTE DO STF - INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA - PEÇA QUE NARRA PORMENORIZADAMENTE A CONDUTA DO AGENTE - OFERECIMENTO DE CERTA QUANTIA A POLICIAIS CIVIS BUSCANDO A LIBERAÇÃO DO AGENTE - CRIME EM TESE - AFASTAMENTO DA TESE DE CRIME IMPOSSÍVEL - ATO DE OFÍCIO DOS POLICIAIS (CONDUÇÃO COERCITIVA DO AGENTE À DELEGACIA) QUE SE BUSCAVA IMPEDIR - ORDEM DENEGADA.

I. A apelação criminal defensiva possui ampla devolutividade em favor do réu, motivo pelo qual, mesmo não tendo sido algumas das teses sob debate expressamente examinadas pela Corte de 2º Grau, não há que se vislumbrar a hipótese de supressão de instância. Precedentes.

II. O delito de posse ilegal de arma de fogo possui natureza permanente, isto é, sua consumação se protrai no tempo, considerando-se o agente em flagrante enquanto não cessada a permanência.

III. A Constituição da República, apesar de garantir a inviolabilidade do domicílio das pessoas, excepciona, dentre outras, a situação flagrancial. Precedentes.

IV. Evidenciando-se que o laudo pericial concluiu que a numeração da arma de fogo apreendida continha numeração raspada (artigo 16, parágrafo único, IV do Estatuto do Desarmamento), inviável a desclassificação da conduta do agente para posse ilegal de arma de fogo (artigo 12) na hipótese de ser crível, no entendimento da defesa, a realização de exames técnicos próprios para averiguar qual seria o número da arma, notadamente quando tais procedimentos não foram sequer noticiados na inicial.

V. Permanece típica a conduta de possuir arma de fogo, não obstante a edição da Medida Provisória 417/2008, posteriormente convertida na Lei 11.706/2008, possibilitando novamente a devolução voluntária das armas até 31 de dezembro de 2008, que trata apenas de vacatio legis indireta.

VI. Inviável a aplicação retroativa de norma de caráter transitória que possibilita a referida devolução. Precedente do STF.

VII. É apta a deflagrar a ação penal quanto ao delito de corrupção ativa a denúncia que narra pormenorizadamente a conduta do agente, que teria, em tese, oferecido a quantia de R$1.000,00 a dois policiais civis para liberarem-no do flagrante.

VIII. Buscando o agente dissuadir os policiais civis a deixarem de praticar ato de ofício (conduzi-lo coercitivamente à Delegacia de Polícia para a lavratura do flagrante), não há que se falar em crime impossível em função de não serem eles competentes para lavrar o flagrante, eis que a conduta se refere a momento anterior.

IX. Pedido conhecido. Ordem denegada."

2. O paciente foi condenado a 7 [sete] anos, 6 [seis] meses e 15 [quinze] dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos delitos previstos no artigo 333 do Código Penal ["Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa."] [corrupção ativa] e 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03 ["Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. - Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: - [...] - IV - portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado."] [posse de arma de fogo].

2. A defesa alega que "ocorreu a figura da abolitio criminis temporária, até o prazo final estipulado pela Medida Provisória nº 417/08, ou seja, dia 31 de dezembro de 2008" [fl. 15].

3. Requer a concessão de medida liminar a fim de que seja relaxada a prisão do paciente. No mérito, a extinção da punibilidade, com fundamento nos artigos 5º, XL, da CB/88 e 107, III, do CP [Art. 5º [...] - XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;" "Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: - [...] - III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;"].

4. A liminar foi indeferida.

5. A PGR é pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): O habeas corpus deve ser conhecido. Isso porque a decisão do Superior Tribunal de Justiça, apesar de monocrática, examinou o mérito da impetração.

2. A jurisprudência desta Corte está alinhada no sentido de que "[o] prazo de cento e oitenta dias previsto nos artigos 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003 é para que os possuidores e proprietários de armas de fogo as regularizem ou as entreguem às autoridades. Somente as condutas típicas 'possuir ou ser proprietário' foram abolidas temporariamente" [HC n. 88.594, de que fui relator, DJ de 2.6.06].

3. Aquele prazo de cento e oitenta dias para regularização ou entrega das armas foi prorrogado por duas vezes, tendo expirado em 23 de outubro de 2005, nos termos do disposto no artigo 1º da Lei n. 11.191/05 ["Art. 1º O termo final do prazo previsto no artigo 32 da Lei n' 10.826, de 22 de dezembro de 2003, fica prorrogado até 23 de outubro de 2005."].

4. Sobreveio a Medida Provisória n. 417, convertida na Lei n. 11.706/98 [Art. 1º Os artigos 4º, 5º, 6º, 11, 23, 25, 28, 30 e 32 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passam a vigorar com a seguinte redação: - [...] - parágrafo "3º O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no artigo 32 desta Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do artigo 42 desta Lei."], que instituiu novo prazo: de 31 de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2008.

5. O crime de posse de arma de fogo foi praticado, no caso, em 18 de janeiro de 2006, período não abrangido pela abolito criminis temporária.

6. Questão idêntica a destes autos foi decidida no HC n.90.995, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 7.3.08, assim ementado:

"EMENTA Habeas Corpus. Posse ilegal de arma de fogo de uso restrito cometida na vigência da Lei nº 9.437/97. Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento). Vacatio legis especial. Atipicidade temporária. Abolitio criminis. 1. A vacatio legis especial prevista nos artigos 30 a 32 da Lei nº 10.826/03, conquanto tenha tornado atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no curso do prazo assinalado, não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já era prevista no artigo 10, parágrafo segundo, da Lei nº 9.437/97 e continuou incriminada, até com maior rigor, no artigo 16 da Lei nº 10.826/03. Ausente, portanto, o pressuposto fundamental para que se tenha por caracterizada a abolitio criminis. 2. Além disso, o prazo estabelecido nos referidos dispositivos expressa, por si próprio, o caráter transitório da atipicidade por ele criada indiretamente. Trata-se de norma que, por não ter ânimo definitivo, não tem, igualmente, força retroativa. Não pode, por isso, configurar abolitio criminis em relação aos ilícitos cometidos em data anterior. Inteligência do artigo 3º do Código Penal. 3. Habeas corpus denegado."

7. O seguinte trecho do parecer do Ministério Público Federal corrobora os fundamentos conducentes à denegação da ordem [fls. 99/101]

"8. Como é deveras sabido, a Lei nº 10.826/2003, denominada Estatuto do Desarmamento, criou, em seu artigo 32, uma espécie de 'anistia' ou descriminalização temporária aos possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas. Estes poderiam, 'no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal'. Depois, prorrogou-se esse prazo de 180 (cento e oitenta) dias, por duas vezes, até a data final de 23.10.05 (Lei n. 11.191/05, artigo 1º).

9. Posteriormente, a MP nº 417/08 (convertida na Lei nº 11.706/08) trouxe alterações e acrescentou dispositivos à Lei nº 10.826/2003, instituindo novo prazo para a regularização das armas: de 31.01.2008 a 31.12.2008.

10. Considerando que o paciente foi condenado por crime (porte ilegal de arma de fogo com numeração raspada) praticado em 18.01.2008, nenhuma das legislações supracitadas o beneficia.

11. Não cabe falar em abolitio criminis uma vez que o artigo 16, parágrafo único, IV, da Lei nº 10.826/03 não sofreu qualquer alteração, muito menos revogação, pela Lei nº 11.706/08, que previu, tão-somente uma temporária descriminalização da conduta, ressalte-se, posterior à prática do delito pelo qual o paciente foi condenado. A previsão de situação transitória, entre uma lei e outra, caracteriza norma de vigência temporária, que, nos termos do artigo 3º do Código Penal, só pode retroagir pra atingir fato praticado durante sua vigência.

[...]

12. A respeito do assunto, bem leciona Fernando Capez, referindo-se à situação de autores de crimes praticados antes da concessão de prazo para regularização das armas, in verbis:

'Esses deverão continuar sendo investigados, processados ou ter sua pena executada normalmente, de acordo com a legislação vigente à época (Lei n. 9.437/97). Como já tinham sido surpreendidos com a arma de fogo em situação ilegal, não podem mais alegar boa-fé, nem se beneficiar com a reabertura do prazo para regularização das armas (Lei n. 10.826/2003, artigos 30 e 32). Tais delitos já estavam consumados ao tempo da entrada em vigor da nova Lei. Esta, por sua vez, em momento algum afirmou que tais condutas deixaram de constituir infração penal, pelo contrário, até agravou as penas. A situação temporária de vácuo legislativo, durante o qual o artigo 12 do Estatuto do Desarmamento ficou aguardando para começar a irradiar efeitos, não se refere às situações anteriores já consolidadas' - grifo nosso (Capez, Fernando. Estatuto do Desarmamento. Comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003, 2005, p. 67/68).

13. Inaplicável, ao caso, portanto, o artigo 5º, XL, da CF/88, que trata do princípio da retroatividade da lei penal benéfica, por ser incompatível com a hipótese de descriminalização temporária prevista na norma em questão, que não exclui o crime de posse de arma da lei anterior, mas, ao contrário, o manteve, após um determinado período de exclusão da tipicidade por motivos de política criminal.

14. Como no caso em tela não houve entrega espontânea da arma dentro dos prazos fixados nas legislações referidas, impossível concluir pela extinção da punibilidade do paciente."

Denego a ordem.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 96.168-1

PROCED.: RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. EROS GRAU

PACTE.(S): TIAGO MARTINS COSTA DA SILVA

IMPTE.(S): EDISON FERREIRA DE LIMA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 108927 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, à unanimidade, denegou a ordem de habeas corpos, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 09.12.2008.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Subprocurador Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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