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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

JURID - Penal e processual penal. Crime de abuso de autoridade. [02/09/09] - Jurisprudência


Penal e processual penal. Crime de abuso de autoridade (Artigo 3º, Alínea "i", da Lei nº 4.898/65). Absolvição do acusado. Inconformismo do Ministério Público.
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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT

Órgão: 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe: APJ - Apelação Criminal no Juizado Especial

N. Processo: 2006.03.1.009747-8

Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

Apelado(s): MARCO CRUZ VAZ

Relator(a) Juiz(a): CÉSAR LOYOLA

Relator(a) Juiz(a) Designado(a): JOSÉ GUILHERME

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE (ARTIGO 3º, ALÍNEA "I", DA LEI Nº 4.898/65). ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO. INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE SE DÁ PROVIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO COERENTE E SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DO RÉU. SENTENÇA DE 1º GRAU REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se o conjunto probatório, consistente no laudo de exame de corpo e delito e nos depoimentos da vítima e de testemunhas, comprovam a materialidade e a autoria do delito de abuso de autoridade cometido pelo Apelado, tem-se necessária a reforma da sentença para condenar o Apelado. 2. Recurso conhecido e provido, para condenar o acusado como incurso no comando normativo do artigo 3º, alínea "i", da Lei nº 4.898/65.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra a r. sentença que julgou improcedente a denúncia, absolvendo MARCO CRUZ VAZ , denunciado pelo crime de abuso de autoridade, com fulcro no art. 386, VII, do CPP.

Sustenta o recorrente que há provas suficientes para a condenação do réu, diante da narrativa da vítima, corroborada pelas declarações das testemunhas e exame pericial, que constata a presença das agressões sofridas pelo ofendido.

Nas contra-razões, o apelado requer a manutenção da sentença.

A Douta Promotoria de Justiça oficiou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Juiz CÉSAR LOYOLA - Relator

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A sentença que absolveu o denunciado reconhecendo a insuficiência de provas para a condenação merece ser confirmada, haja vista a incerteza sobre como os fatos se passaram, o que autoriza a absolvição do réu, em homenagem ao princípio in dúbio pro reo.

Na descrição da denúncia, os fatos teriam ocorrido da seguinte forma:

"No dia 24 de outubro de 2005, por volta das 22:00h, no interior da 15a Delegacia de Polícia, Ceilândia - DF, o denunciado, de forma livre e consciente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, juntamente com outros dois policiais ainda não identificados, abusou de sua autoridade quando no exercício da atividade policial, atentando contra a liberdade de locomoção e a incolumidade física da vítima PAULO CÉSAR DOS SANTOS RIBEIRO, conforme laudo de lesões corporais de fls. 84.

Apurou-se que, naquela data, a vítima encontrava-se em sua residência quando lá compareceu o oficial de justiça federal Sebastião da Cruz Vaz, irmão do policial denunciado, para intimar o irmão da vítima de nome Julio César dos Santos Ribeiro. O oficial de justiça perguntou à vítima acerca do paradeiro do irmão, sendo por aquele respondido que não sabia. Após uma pequena discussão, o oficial de justiça se retirou do local, retornando posteriormente com agentes da policia civil, os quais desceram da viatura e deram voz de prisão à vítima PAULO CÉSAR pelo crime de desacato.

A vítima foi então levada até a 15a Delegacia de Polícia, onde foi algemada por 10 minutos em um banco. Após, foi levada a um corredor escondido dentro da Delegacia de Polícia, tendo sido agredido pelo denunciado e outros 2 (dois) policiais ainda não identificados com uma rasteira, chute e joelhada no estomago e tapas na cara."

Ouvido, a vítima PAULO CÉSAR disse que ficou algemado no corredor do estabelecimento policial, onde sofreu as agressões, consistentes em tapas no rosto, rasteira e joelhada no estômago. Confira-se:

"...que teve uma discussão verbal com o oficial de justiça em sua casa, mas não entrou em luta corporal como o mesmo; que após um tempo vieram policiais e logo lhe deram voz de prisão; que perguntou o motivo da prisão, mas logo foi dominado e algemado (...); que o Réu e um outro policial tiraram o depoente do banco e levaram para o fundo da DP, onde o Réu lhe desferiu um tapa no rosto e disse "está vendo ai seu folgado, agora fala ai, já que não esta perto de ninguém"; que o tapa pegou entre a bochecha e a orelha, na região perto do nariz, isto é, bem na bochecha; que um outro agente ainda lhe passou uma rasteira, mas não conseguiu identificar esse agente; que caiu sobre seu braço e começou a gritar dizendo que havia quebrado o braço; que o Réu lhe levantou pelas algemas lhe causando muita dor, tanto que estalou seu ombro; que continuou afirmando que haviam quebrado seu braço, momento em que o Réu examinou seu ombro e disse que não havia quebrado coisa nenhuma, tendo em seguida dado uma joelhada na boca de seu estômago; que a joelhada lhe causou muita dor(...); que começou a gritar por Sonivaldo, afirmando que estava sendo agredido pelos policiais, momento em que Sonivaldo começou a ameaçar os policiais de denunciá-los ...(fl.129).

Por sua vez, o acusado, policial civil PAULO CRUZ, ao ser interrogado, negou que tivesse atentado contra a incolumidade física da vítima, esclarecendo, porém, que foi necessário o uso de força física para imobilizá-la (fls. 177/179):

"(...) que é falso o que consta na denuncia; que não estava com os policiais que levaram a vitima para os fundos da delegacia; que participou da imobilização da vítima apenas fora da DP; que quando a vítima foi imobilizada dentro da DP esta (sic) próximo ao balcão e outros policiais fizeram a intervenção; que não viu nenhum policial bater desnecessariamente na vítima; que a vítima foi conduzida por três ou quatro policiais, mas não sabe indicar quais policiais a levaram; que não ouviu gritos de socorro da vítima quando esta foi levada para os fundos da DP; que não estava de plantão no dia dos fatos, mas foi chamado por seu irmão em face da agressão que sofrera; que pediu para seu irmão solicitar auxilio na 15a DP e foi para lá prestar auxílio; que não sabe dizer se o estagiário amigo da vítima a acompanhou até os fundos da DP; que acredita que a vítima está o acusando para atingir seu irmão oficial de justiça; que foi agredido pela vítima e porque seu nome e sua matrícula constaram da certidão do oficial de justiça que serviu para processar a vítima; que afirma categoricamente que não praticou o crime que esta sendo acusado; Às PERGUNTAS DO MP ASSIM RESPONDEU: que a vítima xingou seu irmão antes e após ir para a DP; que ouviu pessoalmente os xingamentos proferidos pela vítima contra seu irmão/oficial de justiça nas duas oportunidades; que encontrou seu irmão na 15a DP e foi com policial Alair e Enéas para efetuar a prisão; que quando a vítima estava no interior da viatura ficou xingando o oficial de merda, filho da puta, viado e o ameaçou dizendo que onde quer que encontrasse aquilo não ficaria assim; que foi necessária força para imobilizar a vítima sendo necessário dois policiais para contê-la; que o interrogando e o policial Enéas efetuaram a prisão da vítima e usaram da força necessária para tanto; que seu irmão é oficial da justiça federal; que sabe que crime de desacato praticado contra autoridade federal e da competência da justiça federal; que na delegacia a vítima ficou num banco e ficava xingando o oficial de justiça; que Alair entrou para comunicar o delegado o

ocorrido e o interrogando ficou andando entre o escrivão e o banco onde estava a vítima; que Sonivaldo ficava atrapalhando a confecção da ocorrência; que o banco fica logo na entrada da delegacia a esquerda; que a vítima estava algemada e sentada neste banco; que estava na parte de dentro da delegacia; que recebeu autorização para entrar no interior da DP, pois estava acompanhando a diligencia; que permitiram que Sonivaldo entrasse nas dependências da DP, mesmo porque a principio ele fazia parte da ocorrência estava se dizendo advogado da vítima; que trabalha na época na 3a DP; que na 3a DP se uma pessoa se identifica como advogado lhe é franqueada a entrada; que chegaram diversas pessoas amigas da vítima, inclusive um policial militar e um delegado federal; que pediram para que a vítima fosse liberada das algemas; que argumentaram, não sabendo dizer se um policial ou o delegado, que para retirar a algema da vítima esta teria que se acalmar; que a vítima se acalmou um tempo depois e retiram sua algema não sabendo quem; que logo que foi retirada a algema a vítima partiu para cima do oficial de justiça e lhe desferiu um chute; que então os policiais que estavam próximos imobilizaram a vítima e a retiraram do local; que os policiais caíram com a vítima, enquanto tentaram imobilizá-la; que na primeira imobilização a algema era do policial Enéas o qual as colocou; que não sabe dizer se ouve troca de algemas na DP; que qualquer chave abre as algemas das mesmas marcas; que sempre que é solicitado para apoio participar das diligências mesmo de outras DP; que quem lhe pediu apoio foi seu irmão/oficial, mas na DP foi solicitado pelos policiais a participar da diligência face ao número reduzido de efetivo; que a vítima chegou a atingir o oficial de justiça com um chute; que o interrogando não foi xingado pela vítima na DP; que a vítima xingou o oficial e os policiais enquanto estava no cubículo. (...)"(fls. 177/179).

Respaldam as declarações do acusado, os depoimentos do informante Sebastião Cruz (fl. 152), e das testemunhas policiais Alair Ribeiro (fl.175), Marcos Roberto de Carvalho (fl. 155) e José Enéas dos Santos (fl. 157), que confirmam a versão de que a vítima agrediu o oficial de justiça SEBASTIÃO CRUZ, no interior da 15ª Delegacia de Polícia, sendo necessário o uso de força para contê-la.

O oficial de justiça Sebastião Cruz Vaz, irmão do acusado, ouvido em juízo relatou:

"(...) que tinha que cumprir um mandado de intimação do irmão da vítima; que diligenciou diversas vezes e o intimando se encontrava sempre viajando; que como tinha ido pela manhã e a tarde resolveu ir à noite; que era horário de verão e não tinha adiantado seu relógio por isso compareceu às 21:40 para realizar a intimação e lá chegando encontrou o Sr. Sonivaldo junto com uma moça tomando cerveja perto de um monte de brita; que Sonivaldo disse que o intimando só retornaria dois dias depois na quarta feira; que Sonivaldo recebeu uma ligação e o depoente resolveu esperar seu término para pedir um telefone do intimando; que para sua surpresa Sonivaldo começou a dizer para que o depoente fosse embora, dizendo que era advogado e que o depoente não poderia estar cumprindo a diligência naquele horário; que o depoente afirmou que não iria embora, pois estava em local público, na calçada, tendo Sonivaldo alterado sua voz e dito que o depoente era o oficial de justiça de merda; que não sabia nada de direito; que chegou Sr. Leandro , Paulo César e outro; que a vítima lhe chamou para beber em sua casa o que recusou; que a vítima o reconheceu como oficial que citara seu irmão; que Sonivaldo continuou com a voz alterada mandando o depoente embora; que estava indo embora quando Sonivaldo jogou uma porção de brita na lateral de seu carro; que o depoente entrou no carro e o ligou, momento em que foi arremessado uma lata de cerveja no carro vindo da direção onde estava Sonivaldo; que desceu para ver se havia alguma avaria no veículo e quando estava entrando no carro de novo disse que aquilo não ficaria assim, momento em que a vítima Paulo César deu uma gravata em seu pescoço; que jogou a pasta de mandado no carro para segurar o braço de Paulo César e Leandro veio em seu auxílio; que se desvencilhou da gravata e Sonivaldo veio com uma lata de cerveja e jogou o líquido na cara do depoente; que foi na 15a DP e lá não haviam policiais suficientes para realizar a diligência e prisão de Paulo César e Sonivaldo por desacato; que falou com um policial que o irmão do depoente também era policial e estava saindo da faculdade e poderia ajudar a equipe; que o policial disse que se ele chegasse antes da equipe da DP, poderia ajudá-los; que foi com o chefe do plantão Alair, policial Enéas e o Réu para realizar a prisão; que Alair deu voz de prisão a Paulo César quando este saiu de sua casa para pegar a chave de seu carro, que esquecera no carro; que Paulo César se recusava a acompanhar os policiais, dizendo nada ter feito; que Alair pediu umas quatro vezes para Paulo César os acompanhar, sob pena de ser usada força e caracterizado resistência; que diante da recusa de Paulo César o policial Enéas e o Réu foram algemá-lo por determinação do Sr. Alair; que Paulo César ficou se debatendo e se jogando contra o muro que tanto que só foi preso em frente à casa vizinha; que Paulo César foi colocado no cubículo e passou a chutar a viatura; que Sonivaldo saiu e também recebeu voz de prisão; que Sonivaldo apresentou uma carteira da OAB e disse que tinha prerrogativas e que não iria na viatura; que acordaram que Sonivaldo iria em seu carro na companhia de Alair, mas Sonivaldo lembrou que a chave estava no bolso de Paulo César; que o policial tentou pegar a chave, mas Paulo César ficou chutando e impedindo que pegasse a chave; que o irmão de Sonivaldo ofereceu-se para levar Sonivaldo e Alair a DP; que durante todo o trajeto Paulo César ficou xingando e ameaçando o depoente; que Paulo César ficou preso na DP em um banco e ficou gritando; que Sonivaldo também ficou falando alto prejudicando os trabalhos pelo que um policial pediu sua carteira da OAB e mandou ele esperar do outro lado do balcão; que a DP se encheu de pessoas amigas de Paulo César; que estava dando seu depoimento quando chegou um delegado da PF; que as pessoas ficaram pedindo para tirar as algemas de Paulo César que ele se acalmaria; que até mesmo um soldado da PM conhecido de Paulo César pediu por ele; que resolveram tirar as algemas de Paulo César; que como o delegado não retornou para continuar o depoimento saiu para tomar uma água, momento em que Paulo César veio na traição e lhe atingiu com um chute pelas costas; que vieram então cerca de quatro policiais prenderam Paulo César e o levaram para o interior da delegacia; que tiveram que jogar Paulo César no chão pois esse se debatia e o levaram; que não ouviu nenhuma grito de socorro de Paulo César; que não se recorda se seu irmão era um dos policiais que levaram Paulo César para o interior da delegacia; que Paulo César é uma pessoa muito branca e qualquer coisa o deixa vermelho; que Paulo César estava todo ruborizado na DP antes de ser levado para trás. Às Perguntas da Defesa, assim respondeu: que não identificaram a moça que tomava cerveja com Sonivaldo; que a ultima vez que viu Paulo César naquele dia foi às 3:30 da manhã quando saia da superintendência da PF; que do balcão não dava para ver quem prestava depoimento na sala do delegado. Às Perguntas do Ministério Público, assim respondeu: que ficou cerca de 5 a 10 minutos na frente da casa de Paulo César tempo esse em que ocorreu a confusão inicial; que já estava escuro; que no mandado não tinha horário especial; que não foi ao IML para documentar eventual lesão; que oficial de justiça da Justiça Federal; que tinha conhecimento de que o desacato contra sua pessoa é crime federal, mas procurou a DP pois era mais perto que a superintendência da PF que ficava acerca de 30 KM dali; que a única pessoa sóbria no local que pode levar como testemunha foi Leandro; que sr. Paulo César não levou nenhum tapa no rosto, mas foi jogado ao chão para ser dominado, após ter chutado o depoente (...)" (fls. 152/154).

O laudo pericial (fl. 25) não é dissonante do depoimento do acusado, ao contrário, o ampara, ao descrever que a vítima sofreu lesões contusas: "Equimoses vermelhas na face anterior do tórax. Escoriações na face posterior do antebraço esquerdo e mão esquerda. Escoriação superficial no antebraço direito. Equimose vermelha no nariz", Descrição que se coaduna com as declarações das testemunhas de defesa, no sentido de que a vítima foi realmente jogada em decúbito ventral para ser imobilizada, conforme já relatado.

É certo que os depoimentos das testemunhas Sonivaldo Marciano de Lima (fl. 131) e Leandro Allan Vieira (fl. 132), amigos da vítima, ensejam controvérsias:

Sonivaldo Lima afirmou:

"...quando chegou na delegacia ouviu os gritos da vítima, pedindo ao depoente que lhe socorresse ou lhe ajudasse, pois estavam lhe batendo (...) que viu lesões na face da vítima, nos braços, nos punhos e na barriga ..." (fl. 131).

Entretanto, as referidas testemunhas não presenciaram as agressões, ouvindo tão somente os pedidos de socorro, o que não exclui a possibilidade de que a vítima assim procedera quando da tentativa de imobilizá-la.

O MM. Juiz , a esse respeito, consignou na sentença (fls. 241/242):

"Dos autos restou comprovado que a vítima estava alterada e violenta, tanto que veio a agredir o senhor oficial de justiça dentro da delegacia, o que, sem dúvida alguma, dá o direito de a autoridade policial usar de algemas para deter a vítima até que os trabalhos de apuração chegassem ao fim (...).

Assim, não restou demonstrado a existência de crime de abuso de autoridade por atentado à liberdade de locomoção da vítima eis que esta foi detida para apuração da prática de crime que ainda lhe é imputada.

Não há provas de que o Réu e seu irmão tenham entrado em conluio para prender injustamente a vítima, máxime quando a vítima ainda está respondendo pelo crime que motivou sua prisão.

Diante de tudo o que foi relatado, verifico que as provas coligidas judicialmente não se mostram fortes o suficiente para sustentarem um decreto condenatório que ateste a prática do crime de abuso de autoridade previsto nas alíneas "a" e "i" do artigo 3º, da Lei 4898/65."

Não há, com efeito, elementos probatórios que comprovem, extreme de dúvidas, como se exige para uma condenação, que os fatos se passaram na forma exposta pela acusação.

Destarte, a sentença deve ser prestigiada, impondo-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.

É o voto.

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Vogal

Peço vista.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

Aguardo.

DECISÃO

Conhecido. O Relator negou provimento ao recurso. O 1º Vogal pediu vista. O 2º Vogal aguarda. Em 02.06.2009.

VOTO-VISTA

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator Designado

Tomo a liberdade de divergir do entendimento do eminente Relator, ao argumento de que ocorreu equívoco, a meu sentir, por parte do Juízo a quo, quanto à absolvição do apelado, acusado de ter, no exercício de atividade policial, atentado contra a incolumidade física de Paulo César dos Santos.

Noticiam os autos que o policial civil Marco Cruz Vaz teria agredido fisicamente a vítima em uma sala escondida nos fundos da 15ª DP, bem como atentado contra sua liberdade de locomoção, tudo porque o Oficial da Justiça Federal Sebastião Cruz Vaz, irmão do réu, compareceu até a residência da vítima com o objetivo de intimar o irmão deste de um processo que tramita na Justiça Federal e como teria havido um confusão entre ele (oficial de justiça) e a vítima e seus amigos, na residência em que foi proceder a diligencia, ele teria ligado para seu irmão, policial civil, para que comparecesse até o local.

O Ministério Público requereu a procedência parcial da pretensão punitiva, para absolver o réu do crime de abuso de autoridade tão somente na modalidade "atentar contra a liberdade de locomoção", pugnando pela procedência na modalidade "atentar contra a integridade física da vítima".

O Juiz a quo absolveu o denunciado das imputações que lhe foram feitas, ao argumento de que as provas produzidas na instrução criminal não apontaram para a necessária certeza quanto aos delitos narrados na denúncia.

Segundo vislumbro dos autos, existem duas versões dos fatos, a da vítima, corroborada pelos depoimentos de suas testemunhas e pelo exame de corpo de delito do IML, e, de outro lado, a dos policiais civis e do oficial de justiça.

O Juiz sentenciante alegou existirem diversas contradições nos depoimentos prestados pela vítima, especificamente acerca do número exato de policiais que o teriam agredido e da quantidade de tapas que teria levado. Entendeu, também, que as provas juntadas aos autos não demonstraram, de maneira eficaz, a prática do delito, razão pela qual absolvera o recorrido com base no princípio in dúbio pro reo.

A meu ver, entretanto, o conjunto probatório carreado aos autos demonstra a materialidade e autoria do delito de abuso de autoridade na modalidade "atentar contra a integridade física da vítima", praticado pelo recorrido.

É certo que a própria sentença consignou que "nos crimes de abuso de autoridade, assim como em todos os delitos que ocorrem normalmente em locais escondidos, longe dos olhares alheios e sob completo domínio dos agressores, a palavra da vítima se reveste de grande valor, mas não pode ser tida como prova absoluta, incontestável, máxime quando não encontra amparo nas demais provas dos autos". (f. 240)

Assim, tendo a versão da vítima respaldo nos depoimentos de suas testemunhas, bem como no laudo de exame de corpo de delito (f. 87-87v), o qual constatara a presença, na vítima, de lesões contusas nas regiões da face anterior do tórax, face posterior do antebraço esquerdo, no dorso da mão esquerda, no antebraço direito e no nariz, resta demonstrada que a vítima teve sua incolumidade física atentada após a abordagem policial, caracterizando, portanto, o crime de abuso de autoridade.

Quanto à alegação do Juízo a quo no que tange as pequenas contradições nos depoimentos vítima, esta não merece prosperar, uma vez que não são capazes de infirmar o conteúdo das declarações consideradas como um todo.

Ademais, o fato de que nenhuma testemunha tenha efetivamente visto o acusado agredir a vítima não impede a configuração do delito de abuso de autoridade, "principalmente porque, nesses casos, os abusos não são feitos na frente de testemunhas pela razão lógica de que o agressor sabe que comete um ilícito e não quer ser punido", conforme conclusão do Promotor de Justiça.

Nesse sentido, destaco os seguintes julgamentos:

"PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMRPOVADAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. O conjunto probatório consistente no laudo de exame de corpo de delito e depoimento das testemunhas comprovam de forma inequívoca o crime de abuso de autoridade cometido pelo recorrente.

2. A testemunha apresentada pela defesa não pode ser desqualificada apenas por trabalhar junto com a vítima no transporte de passageiros, mormente quando as suas declarações estão em consonância com as demais provas apresentadas.

3. Eventuais divergências encontradas nos depoimentos da vítima e testemunha sobre circunstâncias que não influem diretamente na caracterização do delito não são capazes de infirmar o conteúdo das declarações consideradas com um todo.

4. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do art. 46 da lei 9.099/95. custas pelo recorrente" (Classe do Processo: 20070710129914APJ; Registro do Acórdão Número: 327123; Data de Julgamento: 14/10/2008; Órgão Julgador: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.; Relator: CARMEN BITTENCOURT; Publicação no DJU: 24/10/2008 Pág.: 102).

"AÇÃO PENAL. APELAÇÃO. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE TIPIFICADO NO ARTIGO 3º, ALÍNEA "I", DA LEI N. 4.898/65. DENÚNCIA PARCIALMENTE ACOLHIDA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE A FIRMAR O CONVENCIMENTO DO JULGADOR. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Recorrente denunciado por ter, com vontade livre e consciente, na qualidade de policial militar, ofendido a integridade física da vítima mediante agressões consubstanciadas em tapas no rosto e socos.

2. A materialidade demonstrada no laudo de exame de corpo de delito integrante de fls. 36/37, sendo as lesões compatíveis com os depoimentos das vítimas, valendo lembrar que a palavra da vítima assume relevante valor probatório quando harmônica com demais provas coligidas.

3. Igualmente evidenciada a autoria pelas lesões experimentadas pelas vítimas e reconhecimento do denunciado pelas mesmas durante as fases inquisitorial e de instrução processual. Alegadas contradições não evidenciadas, afastando-se aplicação do princípio in dubio pro reo.

4. Recurso conhecido e improvido, servindo de acórdão a súmula do julgado, nos termos do disposto no artigo 82, § 5° da Lei n. 9.099/95" (20050810065760APJ, Relator DONIZETI APARECIDO, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 13/11/2007, DJ 23/01/2008, p. 961).

Fixadas essas premissas e incursionando pelo cenário fático da demanda, verifica-se robusto o acervo probatório que justifica a condenação penal do acusado, como incurso no comando normativo do artigo 3º, alínea "i", da Lei nº 4.898/65.

Passo à dosimetria da pena, o que faço com amparo no artigo 59 do Código Penal, c/c o artigo 6º, §§ 3º, 4º e 5º, da Lei nº 4.898/65.

Considerando a culpabilidade do réu, que praticou conduta altamente reprovável; seus antecedentes; sua conduta social, sua personalidade, que não se encontra comprometida com o crime, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do delito, fixo a pena privativa de liberdade, considerando a medida de culpabilidade do acusado, nos moldes do artigo 29, caput, do Código Penal e em atenção ao disposto no artigo 6º, § 3º, alínea b, da Lei nº 4.898/65, em 1 (um) mês de detenção, que torno definitiva à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição da pena.

Considerando as mesmas circunstâncias judiciais e com arrimo no artigo 6º, § 5º, da Lei nº 4.898/65, fixo, ainda, a pena de não poder o réu exercer a função de Policial Civil em Ceilândia pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado da presente sentença.

A pena privativa de liberdade deverá ser inicialmente cumprida no sistema aberto, tudo em conformidade com o artigo 33, caput, § 2º, alínea "c" e § 3º, do Código Penal.

Deixo de converter a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, tendo em vista o quanto dispõe o artigo 44, inciso I, do Código Penal.

É como voto.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

V. Ex.ª deixou de converter a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos?

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator Designado

Sim, devido ao que dispõe o art. 44, I, do Código Penal.

O art. 44 diz que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando aplicada a pena privativa de liberdade, não superior a 4 (quatro) anos, e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou qualquer que seja a pena aplicada se o crime for culposo. Ou seja, se o crime tiver pena inferior a 4 (quatro) anos e não for cometido com violência à pessoa.

Então, não é o caso, já que a violência constituiu o próprio cerne do delito e da condenação respectiva.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

V. Ex.ª, no voto, diz que condena em pena acessória, consistente em estar proibido de atuar como policial militar. Há uma contradição, ele é policial civil ou policial militar? Parece que foi pronunciado "funções de policial militar", mas parece que ele é policial civil, não é?

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator Designado

Foi um erro de digitação. Ele é policial civil, e retifico o meu voto para constar a substituição do adjetivo militar pelo adjetivo civil na pena acessória.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

Excelência, gostaria, então, de compreender qual é o efeito concreto dessa proibição de exercer as funções de policial civil? Significa que ele terá, como consequência da condenação criminal, uma suspensão?

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator Designado

Não, a pena criminal não tem qualquer efeito de ordem civil no sentido da lei civil, ou adstritivo, intrínseco, mas apenas com relação ao exercício da sua função de servidor público na circunscrição onde ocorreu o fato. Claro que nada impede que ele seja civilmente ou administrativamente processado, isso é uma questão de iniciativa da vítima.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

É uma questão de a corporação a que pertence se encarregar de remanejá-lo para outra unidade?

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator Designado

Exato.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal

Com esses esclarecimentos, peço vênia ao meu nobre Colega e acompanho o voto de V. Ex.ª.

DECISÃO

Conhecido. Deu-se provimento. Maioria.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Juízes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, CÉSAR LOYOLA - Relator, JOSÉ GUILHERME - Vogal e Relator Designado, ASIEL HENRIQUE - Vogal, sob a presidência do Juiz JOSÉ GUILHERME, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O 1º VOGAL, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 09 de junho de 2009.

Juiz JOSÉ GUILHERME
Presidente e Relator Designado

Publicado em 28/08/09




JURID - Penal e processual penal. Crime de abuso de autoridade. [02/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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