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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

JURID - Paciente consegue remédios [17/09/09] - Jurisprudência


MPF/PE consegue medicamento para paciente com câncer de mama


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

1ª Vara Federal

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Classe n° 1

Processo n° 2009.83.00.009365-0

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réu: UNIÃO FEDERAL E OUTRO

DECISÃO

Vistos etc

Ação Civil Pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em desfavor da UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DE PERNAMBUCO colimando a concessão gratuita e ininterrupta do tratamento com o medicamento HERCEPTIN para a Sra. Maria Lúcia Santos da Silva, usuária do Sistema Único de Saúde - SUS e portadora de carcinoma ductal invasivo estádio T3N1M0, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Relata o MPF que a Sra. Maria Lúcia Santos da Silva realiza tratamento de câncer de mama no Hospital Barão de Lucena e necessita do medicamento TRASTUZUMAB (HERCEPTIN), de 6mg por ampola, durante 12 meses, com uso de uma ampola a cada 3 semanas. Invoca que a mesma não tem condições de custear o medicamento e que o requereu na Farmácia do Estado de Pernambuco/SUS, mas foi negado ao argumento de que não figura no elenco de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde.

Alega que o medicamento foi prescrito por médica do Hospital de Barão de Lucena - CACON - Centro de Alta Complexidade em Oncologia -, não sendo passível de substituição por outro similar, e que o mesmo reduz o "risco de morte por câncer em cerca de 50% conforme estudos recentes".

Inicial instruída com o PA n° 1.26.000.001229/2009-46.

Juntada de documentos pelo MPF (fls. 45/53).

Contestação do Estado de Pernambuco (fls. 55/68). Manifestação da União sobre o pedido de tutela antecipada (fls. 72/99).

Vieram-me os autos conclusos. Fundamento e decido.

Da legitimidade ativa ad causam:

O Ministério Público tem legitimidade para tutelar interesses e direitos individuais homogêneos - entendidos os decorrentes de origem comum, à luz do art. 81, III, da Lei n° 8.078/87 - quando caracterizada sua relevante natureza social, conforme asseguram os arts . 127(1) e 129, III(2), da CF/88; 5°, I(3) , da Lei n° 7.347/85 e 82, I(4) , do CDC.

Com efeito, no caso em tela, em que se discute o direito à saúde, por meio da concessão de tratamento médico gratuito pelo Poder Público, a defesa de interesses transindividuais ostenta importante papel social, mormente pela condição das pessoas envolvidas (pessoas de baixa renda e portadoras de moléstias graves), legitimando-se ativamente o Parquet.

Deve ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público para a propositura de Ação Civil Pública - instrumento concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas a qualquer pessoa pela Constituição Federal - sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a repercussão social de sua violação(5) .

Corroborando o posicionamento ora acolhido, trago à colação dois julgados do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS - PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO "DEFENSOR DO POVO" (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes". (STF, RE 472489 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ªT., DJe-162, RT v. 97, n. 878, 2008, p. 125-130 LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 322-333) sem grifos no original

"LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. Ativa. Caracterização. Ministério Público. Ação civil pública. Demanda sobre contratos de financiamento firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Tutela de diretos ou interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência ao perfil institucional do MP. Inteligência dos arts. 127 e 129, incs. III e IX, da CF. Precedentes. O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação. (...)". (STF, RE 470135 AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ªT., DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00138 EMENT VOL-02282-11 PP-02171 LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 254-260 RDDP n. 56, 2007, p. 152-154 RT v. 96, n. 865, 2007, p. 125-128) sem grifos no original

Da legitimidade passiva ad causam da União:

Rejeito também a prefacial de ilegitimidade passiva ad causam invocada pela União Federal.

Preconiza o art. 198, §1°, da CF/88 que "o sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes". Considerando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, na forma do art. 196, caput, da CF/88, incumbe à União Federal, inclusive, o seu financiamento.

Nesse passo, ainda que não seja responsável diretamente pela distribuição dos medicamentos, a União é a principal financiadora do sistema, o que justifica sua manutenção no pólo passivo da lide.

Corroborando esse posicionamento, observe-se o seguinte julgado:

"ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. (...) 3. A Lei Federal n.º 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. 5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. Recurso especial improvido. (STJ, RESP 656979/RS, 2ªT., DJ, 07/03/2005, Rel. Castro Meira). - realcei -

Afastadas tais preliminares, passo à análise do pedido de tutela antecipada.

A tutela antecipada prevista no art. 273, I, CPC visa a garantir o resultado útil do processo e reclama, para a sua concessão, o preenchimento concomitante de dois requisitos, quais sejam, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e prova inequívoca do direito alegado que conduza à verossimilhança das alegações.

No caso em tela, em cognição perfunctória, entendo presentes ambos os requisitos. Explico.

Dirige-se a pretensão autoral ao fornecimento imediato e gratuito do tratamento com o medicamento 'TRASTUZUMAB (HERCEPTIN)' para tratamento de CARCINOMA DUCTAL INVASIVO - TUMOR DE MAMA ESQUERDA (ESTÁDIO T3N1NM0) HER 2-POSITIVO para a paciente Maria Lúcia Santos Silva.

Como cediço, o art. 196 da Constituição Federal assegura à coletividade em geral o direito à saúde, incumbindo ao Estado o dever de implantar políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Cuida-se, decerto, de direito subjetivo inalienável e irrenunciável garantido a todos pela própria Constituição da República, cujo cumprimento recai sobre o Poder Público, em todas as esferas da organização federativa brasileira.

Assim, consubstanciando-se o direito à saúde em prerrogativa fundamental do indivíduo - além de representar consectário indissociável do direito à vida, também assegurado pelo art. 5° da CF/88 -, não pode o Estado apenas reconhecer formalmente a existência desse direito, mas assegurá-lo de forma efetiva e concreta, mormente nas hipóteses de grande risco à vida.

Ora, em casos que tais, do cotejo entre os direitos à vida e à saúde, ambos salvaguardados pela Carta Magna (art. 5º, "caput" e art. 196), e os interesses financeiros do Estado, deve prevalecer o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. A atuação estatal, ainda que direcionada em princípio à coletividade em geral (titular do direito à saúde), deve alcançar ações pontuais, como, por exemplo, o fornecimento gratuito de medicamento específico, para dar efetividade ao direito fundamental do indivíduo à vida.

Da análise da documentação coligida aos autos, máxime os documentos que integram o PA n° 1.26.000.001229/2009-46, observo que a paciente, portadora de CARCINOMA DUCTAL INVASIVO - TUMOR DE MAMA ESQUERDA (ESTÁDIO T3N1NM0) HER 2-POSITIVO, realizou cirurgia de ressecção do câncer de mama, bem como quimioterapia, sendo prescrito o tratamento com o medicamento TRASTUZUMAB, com vistas a aumentar as suas chances de cura em 15% além do tratamento já empregado.

Informou a médica, ainda, que o tratamento ora requerido aumenta as chances de cura, o que "não significa que morrerá se não receber", e que "não existe medicação capaz de atingir resultado semelhante em oncologia" (fls. 28/29).

Muito embora a medicação recomendada para a Sra. Maria Lúcia Santos da Silva não possa assegurar-lhe certeza de cura, infere-se que as chances de cura da doença que a acomete (câncer de mama) aumentam em 15% com o uso de tal medicação, além da probabilidade de melhora decorrente do tratamento convencional já realizado (cirurgia e quimioterapia). Tal fato, aliado à inexistência de medicação capaz de atingir o mesmo resultado, justificam em meu sentir a concessão do tratamento à paciente.

De outro lado, o pedido de custeio pelo Estado de medicamento imprescindível ao tratamento da moléstia de que padece a autora, que não detém condições financeiras de custeá-lo, não poderia ser denegado pelo Poder Público sob o argumento de se tratar de remédio de alto custo, pois cumpre às instâncias governamentais a adoção de prestações positivas que confiram real eficácia ao direito à saúde, por meio, inclusive, da assistência terapêutica integral (farmacêutica, também), conforme art. 6°, I, 'd', da Lei n° 8.080/90.

Ademais, a não inclusão do medicamento ora postulado em lista prévia de remédios fornecidos gratuitamente pelo Poder Público não afasta a obrigação estatal, visto que comprovada a urgência e a necessidade do seu manejo.

Nesse passo, verifico haver responsabilidade solidária entre a União Federal e o estado de Pernambuco, na forma dos art. 196 e art. 198, §1°, da CF/88, para custear o fornecimento do medicamento requerido pelo autor. Nesse sentido, observe-se o seguinte julgado:

"ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. 1. Esta Corte tem reconhecido que os portadores de moléstias graves, que não tenham disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, têm o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. (...) 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. In casu, não havendo prova documental de que o remédio fornecido gratuitamente pela administração pública tenha a mesma aplicação médica que o prescrito ao impetrante - declarado hipossuficiente -, fica evidenciado o seu direito líquido e certo de receber do Estado o remédio pretendido. Recurso provido. (STJ, ROMS 17425/MG, 2ªT., DJ, 22/11/2004, Rel. Eliana Calmon).

Presente o fumus boni juris, entendo estar patente, também, o periculum in mora, tendo em vista a urgência da Sra. Maria Lúcia na obtenção do tratamento complementar de câncer de mama, bem como o tempo decorrido no trâmite para a concessão do medicamento, o que impede que se aguarde o julgamento final da demanda.

III. Dispositivo:

Do exposto, defiro o pedido de tutela antecipada e determino aos demandados que, solidariamente, forneçam à Sra. Maria Lúcia Santos da Silva, por intermédio do hospital/clínica em que é realizado seu tratamento médico, o medicamento TRASTUZUMAB (HERCEPTIN), nas doses prescritas à fl. 08 do anexo e nas datas recomendadas pela médica que a acompanha, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de incidência de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser rateada pelos demandados.

Aguarde-se o decurso do prazo para contestação da União. Em seguida, intime-se o MPF para apresentar réplica em 10 (dez) dias.

Intimem-se as partes do teor desta decisão com brevidade.

Recife (PE), 29 de junho de 2009.

Roberta Walmsley Soares Carneiro
Juíza Federal Substituta da 12ª Vara/PE




Notas:

1 - Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [Voltar]

2 - Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: (...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...)
[Voltar]

3 - Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). (...)
[Voltar]

4 - Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - o Ministério Público. (...)
[Voltar]

5 - MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 354. [Voltar]



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