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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

JURID - Lesão corporal leve. Princípio da insignificância. [11/09/09] - Jurisprudência


Lesão corporal leve [artigo 209, parágrafo 4º, do CPM]. Princípio da insignificância. Aplicabilidade.


Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 152 Divulgação 13/08/2009 Publicação 14/08/2009 Ementário nº 2369 - 5

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 95.445-6 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACIENTE(S): RENATO PORTELA GOMES

IMPETRANTE(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

HABEAS CORPUS. PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE [ARTIGO 209, PARÁGRAFO 4º, DO CPM]. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

l. O princípio da insignificância é aplicável no âmbito da Justiça Militar de forma criteriosa e casuística. Precedentes.

2. Lesão corporal leve, consistente em único soco desferido pelo paciente contra outro militar, após injusta provocação deste. O direito penal não há de estar voltado à punição de condutas que não provoquem lesão significativa a bens jurídicos relevantes, prejuízos relevantes ao titular do bem tutelado ou, ainda, à integridade da ordem social.

Ordem deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 2 de dezembro de 2008.

EROS GRAU - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: O paciente foi condenado a 2 [dois] meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do delito tipificado no artigo 209, parágrafo 4º, do Código Penal Militar ["Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. - [...] - parágrafo 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço."] [lesão corporal leve].

2. O Superior Tribunal Militar negou provimento à apelação da defesa em acórdão assim ementado:

"EMENTA. Apelação. Lesão Corporal (CPM, artigo 209). Discussão entre dois soldados relacionada à recusa do Ofendido em dar 'carona' ao Acusado, que culminou em agressão física e consequente lesão corporal. Tese defensiva fundada no princípio 'in dublo por reo', ao argumento de não ter sido possível precisar quem dera início às agressões. Prova testemunhal em sintonia com as próprias declarações do Acusado, demonstrando que tanto a iniciativa da briga, quanto o animus laedendi, por parte deste último restaram plenamente caracterizados. Improvido o apelo defensório. Decisão unânime."

3. Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados.

4. Daí este habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, visando à aplicação do princípio da insignificância, porquanto "[a] lesividade causada pela conduta do paciente é ínfima" [fl. 8].

5. A medida liminar foi indeferida.

6. A PGR manifesta-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): A Segunda Turma desta Corte fixou entendimento no sentido de que o princípio da insignificância também é aplicável no âmbito da Justiça Militar [cf. o HC n. 92.961, de que fui relator, DJ de 22.2.08 e o HC n. 94.809, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 24.10.08].

2. A incidência desse princípio, entretanto, há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Nesse sentido o HC n. 70.747, Relator o Ministro Francisco Rezek, DJ de 7.6.96, assim ementado:

"EMENTA: HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. DELITO DE TRÂNSITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE DE CADA CASO. Somente a análise individualizada, atenta às circunstâncias que envolveram o fato, pode autorizar a tese da insignificância. A natureza do ocorrido, bem como a vida pregressa do paciente, não permitem acolher a tese da singeleza. Habeas corpus indeferido" [grifei].

3. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, os seguintes requisitos de ordem objetiva: [I] ofensividade mínima da conduta do agente; [II] ausência de periculosidade social da ação; [III] reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, e [IV] inexpressividade da lesão jurídica provocada.

4. O paciente desferiu um único soco contra seu colega militar, após injusta provocação de parte deste.

5. O Estado, na área penal, há de ocupar-se apenas de condutas que causem lesões significativas aos bens jurídicos penalmente tutelados ou quando ocorram prejuízos importantes à vítima ou à integridade da ordem social.

6. O Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento no sentido de que é possível aplicar o principio da insignificância quando se evidencie lesão corporal ínfima:

"EMENTA: HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. DELITO DE TRÂNSITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE DE CADA CASO. Somente a análise individualizada, atenta às circunstâncias que envolveram o fato, pode autorizar a tese da insignificância. A natureza do ocorrido, bem como a vida pregressa do paciente, não permitem acolher a tese da singeleza. Habeas corpus indeferido." [HC n. 70.747, Relator o Ministro Francisco Rezek, DJ de 7.6.96].

"ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. SE A LESÃO CORPORAL (PEQUENA EQUIMOSE) DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO E DE ABSOLUTA INSIGNIFICÂNCIA, COMO RESULTA DOS ELEMENTOS DOS AUTOS - E OUTRA PROVA NÃO SERIA POSSÍVEL FAZER-SE TEMPOS DEPOIS - HÁ DE IMPEDIR-SE QUE SE INSTAURE AÇÃO PENAL QUE A NADA CHEGARIA, INUTILMENTE SOBRECARREGANDO-SE AS VARAS CRIMINAIS, GERALMENTE TÃO ONERADAS."

[HC n. 66.869, Relator o Ministro Aldir Passarinho, DJ de 28.4.89]

7. No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC n. 92.463, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 21.9.07; o HC n. 89.104, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 19.10.06, e o HC n. 84.412-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 2.8.04.

8. O parecer ministerial, do qual extraio o seguinte trecho, é elucidativo no sentido de que, no caso, é cabível a aplicação do princípio [fls. 64/65]

"[...]

9. O paciente, militar, foi condenado pelo crime de lesão corporal, porquanto, no dia 10 de janeiro de 2006, no Batalhão da Guarda Presidencial, desferiu um soco em outro militar, quebrando-lhe um dente.

10. Sua pena inicial, que havia sido fixada em 3 (três) meses de detenção, foi diminuída em 1/3, tornando-se definitiva em 2 (dois) meses, pela incidência do parágrafo 4º do artigo 209 do CPM ('Se o agente comete o crime por motivo de relevante valor moral ou social ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida injusta provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena, de um sexto a um terço').

11. A princípio, diga-se que nem mesmo a especialidade da Justiça Militar, com o seu regramento próprio, tem o condão de afastar a aplicação, casuística, do princípio da dignidade da pessoa humana, retirando, do agente, o peso de uma punição imerecida. Nesse sentido, o HC 92.961, de Relatoria do Ministro Eros Grau e o HC 94.809, de Relatoria do Ministro Celso de Mello.

12. O desferimento de um único soco, ressalte-se, após injusta provocação da vítima, tal como reconhecido pela sentença (parágrafo 4º do artigo 209 do CPM), é fato que, por suas características, permite a invocação do princípio da insignificância.

13. É importante ter-se em mente, contudo, que considerar-se uma conduta como passível da aplicação do princípio da insignificância é algo que diz respeito à compreensão do Direito Penal. Este, como ultima ratio, não só permite, como recomenda, que condutas formalmente típicas sejam consideradas materialmente atípicas em casos de (1) ausência de periculosidade social da ação, (2) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; (3) inexpressiva lesão jurídica provocada e (4) mínima ofensividade da conduta do agente.

14. Ou seja, não se quer, com isto, dizer que a conduta do paciente não teve qualquer reprovabilidade, mas que esta, por estar em grau reduzido, não reclama a atuação do Direito Penal. Ou não se quer, ainda, dizer que não houve ofensa a bem jurídico, mas que esta, por ser mínima, não deve ser alvo das mais graves sanções de nosso ordenamento.

15. Além disso, reconhecer-se uma conduta como insignificante, para o Direito Penal, frise-se, não é hábil a revesti-la de sensatez. Não pode, contudo, o Direito Penal, ocupar-se da insensatez, quando, contra ela, já se voltam, por vezes, a própria consciência do agente, os que estão à sua volta e, in caso, a própria Constituição, com todos os seus instrumentos internos de punição."

Concedo a ordem a fim de declarar atípica a conduta do paciente, absolvendo-o da imputação por lesão corporal leve.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 95.445-6

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACTE.(S): RENATO PORTELA GOMES

IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 02.12.2008.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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