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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

JURID - JF condena empresários [11/09/09] - Jurisprudência


Justiça Federal condena empresários pelo pagamento de vantagem indevida para recebimento de empréstimos do Banestado, agência de Grand Cayman
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2.ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE CURITIBA

AÇÃO PENAL Nº 2004.70.00.039573-7/PR

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réu: GIOVANI GIONEDIS

ADVOGADO: ALCIDES BITENCOURT PEREIRA

Réu: MARIA CRISTINA IBRAIM JABUR

ADVOGADO: ALEXANDRE KNOPFHOLZ, RENE ARIEL DOTTI, BENO FRAGA BRANDAO, WALTER BARBOSA BITTAR

Réu: JOSÉ MARIA RIBAS MULLER

ADVOGADO: ALCIDES BITENCOURT PEREIRA, RENE ARIEL DOTTI, ALCIDES BITENCOURT PEREIRA, BENO FRAGA BRANDAO

Réu: SERGIO FONTOURA MARDER

ADVOGADO: CARLOS ALBERTO FORBECK DE CASTRO, CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

1. Tratam-se de ações penais reunidas para julgamento conjunto, em virtude de sua conexão.

2. Na ação penal 2003.7000066405-7, foram denunciados Maria Cristina Ibraim Jabur, Vílcio Caetano de Lima, José Maria Ribas Muller, João Achiles Grenier Gluck, Sergio Fontoura Marder e Mauro Fontana Marder, pela prática de crimes financeiros e de corrupção. Em síntese Gabriel Nunes Pires Neto, como Diretor de Operações Internacionais do Banco do Estado do Paraná S/A -Banestado, teria autorizado irregularmente, sem as míninas exigências formais e de garantia, a concessão de empréstimos internacionais, através da agência de Grand Cayman, às empresas Jabur Toyopar Importação e Comércio de Veículos Ltda., Tucumann Engenharia e Empreendimentos Ltda. e Redram Construtora de Obras Ltda., nos valores de USD 1.500.000,00, USD 1.000.000,00 e USD 1.000.000,00, nas datas de 20/08/1998, 11/08/1998 e 12/08/1998. Segundo a denúncia, o acusado João Maria teria recebido em conta no Citibank em Miami os valores correspondentes aos empréstimos concedidos à Tucumann e Redram e, portanto, teria mantido depósitos não declarados no exterior (conta 4183266, no Citibank em Miami). Também segundo a denúncia, o acusado Gabriel teria recebido vantagem indevida de USD 500.000,00 da empresa Jabur Toyopar para liberação do empréstimo. Foi imputado a todos os acusados a responsabilidade por participação na gestão fraudulenta do Banco Banestado. Ao acusado José Maria foi ainda imputada a prática do crime previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei n.º 7.492/1986. Aos acusados Maria Cristina Ibraim Jabur e Vílcio Caetano de Lima foi também imputada a prática do crime de corrupção ativa do artigo 333 do CP.

3. Originariamente, a ação penal foi também proposta contra Gabriel Nunes Primes Neto e Alberto Youssef, o primeiro por ter concedido os empréstimos e pelo crime de corrupção passiva, o segundo por ser um dos responsáveis pela empresa Jabur Toyopar e pelos crimes de gestão fraudulenta por participação e pelo crime de corrupção ativa. No entanto, como celebraram acordo de delação premiada com o MPF, a ação penal em relação a eles foi desmembrada para processo em apartado.

4. A denúncia foi recebida em 18/11/2003 (fls. 92-94 da ação penal 2003.7000066405-7). Os acusados foram interrogados (fls. 290-305, 367-435, 596-597 e 720-730 da ação penal 2003.7000066405-7) e apresentaram defesa prévia por defensores constituídos (fls. 454, 456-462, 525-577, 588 e 603-604 da ação penal 2003.7000066405-7).

5. Foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa (fls. 598-599, 730-753, 894-906, 930-964, 969-971, 1.021-1.022, 1.038-1.051, 1.082-1.085, 1.097-1.099, 1.134-1.135, 1.221-1.228, 1.250-1.263, 1.268-1.271, 1.311-1.318 da ação penal 2003.7000066405-7).

6. Os requerimentos das partes na fase do artigo 499 do CPP foram apreciados nos termos da decisão de fl. 1.362 da ação penal 2003.7000066405-7.

7. Antes que o feito fosse encaminhado para julgamento, foi proposta a ação penal conexa de n.º 2004.7000039573-7, o que levou à suspensão do feito para o julgamento conjunto (fl. 1.707 da ação penal 2003.7000066405-7).

8. Na ação penal 2004.7000039573-7 (fls. 04-16 e 18-19), foram denunciados Giovani Gionédis, Maria Cristina Ibraim Jabur, José Maria Ribas Muller e Sergio Fontoura Marder. Em síntese, o MPF, baseando-se em provas colhidas no decorrer da instrução daquele feito, imputa aos três últimos acusados a prática do crime de corrupção ativa. Os três empréstimos referidos na ação penal 2003.7000066405-7 teriam sido liberados mediante o pagamento de vantagem indevida nos valores de USD 100.000,00, USD 100.000,00 e USD 131.300,00 pelas empresas Tucumann, Redram e Jabur Toyopar, respectivamente. Ao acusado Giovani Gionédis foi atribuída responsabilidade pelo crime de corrupção passiva e pelo crime de tráfico de influência, pois teria recebido os valores a pretexto de destiná-los à campanha para reeleição de Jaime Lerner como Governador do Estado do Paraná. Também lhe foi atribuída responsabilidade pela concessão dos empréstimos, na condição de Presidente do Conselho de Administração do Banco do Estado do Paraná.

9. A denúncia foi recebida em 22/11/2004 (fls. 20-23 da 2004.7000039573-7).

10. Por força do decidido nos HC 2005.04.01.000049-3 e HC 2005.0401001929-5 pelo TRF4, as ações penais foram remetidas ao TRF4, por se entender que o acusado Giovani Gionédis teria direito ao foro privilegiado, por ter agido, na época dos fatos, na condição de Secretário de Estado (fl. 151 da 2004.7000039573-7). Do TRF4, em virtude do julgamento superveniente da ADI 2797/DF pelo STF, que reputou inconstitucional a extensão do foro privilegiado determinado pela Lei n.º 10.628/2002, o processo foi remetido para a primeira instância em 21/11/2006 (fls. 186 e 198-203 da 2004.7000039573-7), com confirmação das decisões pelo STJ (fls. 483-484 da 2004.7000039573-7).

11. Retornando o feito, os acusados foram interrogados (fls. 276-285 e 299-225 da 2004.7000039573-7) e apresentaram defesa prévia por defensores constituídos (fls. 339-349 da 2004.7000039573-7).

12. Foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa (fls. 406-409, 431-455, 475-476 e 507-513 da ação penal 2004.7000039573-7).

13. O trâmite das duas ações penais foi suspenso, aguardando investigações em inquérito instaurado para apurar crime de lavagem do produto dos empréstimos fraudulentos (fl. 1.707 da ação penal 2003.7000066405-7 e fl. 525 da ação penal 2004.7000039573-7)

14. As duas ações penais retomaram o seu curso através dos despachos de fls. 1.785-1.787 da ação penal 2003.7000066405-7 e das fls. 538-540 da ação penal 2004.7000039573-7. Na oportunidade, foi aberto às partes oportunidade para se manifestarem nos termos do artigo 499 do CPP para as duas ações, o que significou reabertura do prazo na ação penal 2003.7000066405-7.

15. Os requerimentos das partes foram objeto de decisão comum nos termos de fls. 1.820-1.823 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 580-583 da ação penal 2004.7000039573-7.

16. Em virtude da superveniência da Lei n.º 11.689/2008, foi oportunizado aos acusados novo interrogatório e sem prejuízo da validade dos anteriores, o que foi por eles dispensado.

17. O MPF, em alegações finais (fls. 1.851-1.881 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 664-694 da ação penal 2004.7000039573-7), argumenta: a) que restou provado que os empréstimos foram concedidos de maneira fraudulenta; b) que restou provada a manutenção de ativos não-declarados no exterior pelo acusado José Maria; c) que Gabriel Nunes Pires Neto admitiu em Juízo que os empréstimos foram concedidos mediante pagamento de vantagem indevida e que o destinatário era Giovani Gionédis; d) que os acusados José Maria e Sergio Marder apresentaram alegações implausíveis sobre o destino do numerário emprestado; e) que restou provado que o empréstimo à Redram retornou ao Brasil através do mercado de câmbio negro; f) que restou provada a participação de Maria Cristina e de Vílcio Caetano na concessão do empréstimo à Jabur Toyopar; g) que Alberto Youssef admitiu o pagamento de vantagem indevida pela Jabur para obtenção do empréstimo; h) que não restou provado que os acusados João Achilles e Mauro Marder participaram ativamente da fraude. Pleiteia a condenação de todos os acusados, com a absolvição apenas de João Achilles Grenier Gluck e Mauro Fontoura Marder.

18. A Defesa de José Maria Ribas Muller e de João Achilles Grenier Gluck, em alegações finais, argumenta (fls. 1.884-1.971 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 697-784 da ação penal 2004.7000039573-7): a) que o acordo de delação premiada com o acusado Gabriel Nunes Pires Neto é ilegal; b) que sua oitiva como testemunha é ilegal; b) que o aditamento da denúncia é inepta em relação ao acusado José Maria; c) que a configuração do crime de gestão fraudulenta exige habitualidade; d) que os beneficiados pelos empréstimos não podem responder como partícipes do crimes de gestão; e) que a Tucumann era cliente tradicional do Banestado; f) que não está provado que o pedido de empréstimo não foi formalizado ou submetido aos trâmites próprios; g) que a Tucumann tinha capacidade financeira para arcar com o empréstimo; h) que o empréstimo não foi pago pelas dificuldades de definir o credor após a privatização do Banestado; i) que o acusado José Maria depositou em Juízo o montante necessário para quitação do empréstimo; j) que o acusado José Maria apresentou documentos pretendendo demonstrar o destino do empréstimo; k) que não houve pagamento de vantagem indevida pela concessão do empréstimo; l) que o acusado Sergio Marder faltou com a verdade quanto ao destino do empréstimo à Redram; m) que restou provado que o valor do empréstimo a Sergio Marder foi trazido ao Brasil através do mercado de câmbio negro; o) que a palavra do delator não serve para, por si só, provar o crime de corrupção; p) que o empréstimo no exterior foi comunicado ao BACEN quando da cessão dele ao Trade Commerce Bank - TCB, agindo com erro quanto à falta de declaração à Receita; q) que o próprio MPF pleiteou a absolvição do acusado João Achilles.

19. A Defesa de Maria Cristina Ibraim Jabur, em alegações finais, argumenta (fls. 1.988-2.053 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 850-914 da ação penal 2004.7000039573-7): a) que a acusada não administrava de fato a empresa Jabur Toyopar; b) que a acusada não participou efetivamente da obtenção do empréstimo; c) que a acusada não efetuou o pagamento de vantagem indevida pelo empréstimo; d) que o acordo de delação premiada com o acusado Gabriel Nunes Pires Neto e com Alberto Youssef é ilegal; e) que suas oitivas como testemunhas são ilegais; f) que houve violação do princípio da indivisibilidade pois Vílcio Caetano deveria ter sido denunciado na ação penal 2004.7000039573-7; g) que Alberto Youssef não poderia ter sido ouvido novamente na ação penal 2003.7000066405-7 e violou o princípio acusatório e da ampla defesa; h) que a Jabur Toyopar tentou quitar a dívida com o Banestado; i) que a acusada depositou R$ 163.000,00 em conta judicial buscando quitar a dívida; j) que a acusada não tinha conhecimento das irregularidades no empréstimo ou no pagamento de vantagem indevida; k) que a configuração do crime de gestão fraudulenta exige habitualidade; l) que os beneficiados pelos empréstimos não podem responder como partícipes do crimes de gestão; e m) que a palavra dos delatores não servem para, por si só, provar o crime de corrupção.

20. A Defesa de Sergio Fontoura Marder, em alegações finais, argumenta (fls. 2.055-2.095 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 916-933 da ação penal 2004.7000039573-7): a) que a denúncia é inepta quanto ao crime de gestão fraudulenta; b) que a Redram tinha capacidade financeira para efetuar o empréstimo junto ao Banestado; c) que o empréstimo só foi contabilizado posteriormente, pois os valores permaneceram no exterior; d) que a configuração do crime de gestão fraudulenta exige habitualidade; e) que os beneficiados pelos empréstimos não podem responder como partícipes do crimes de gestão; f) que não existem prova de agir fraudulento por parte da Redram; g) que o acusado José Maria buscou incriminar o acusado Sergio Marder; h) que os valores dos empréstimos à Tucumann e a Redram foram disponibilizados à José Maria, que é o único responsável por eles; i) que é inconstitucional o tipo penal da gestão fraudulenta, por ser excessivamente aberto; j) que há impedimento do juiz para julgar o crime de corrupção, pois participou da colheita do depoimento dos delatores; k) que a investigação conduzida pelo MPF foi ilícita, pois o Ministério Público não tem poderes investigatórios; l) que o delator Gabriel não declarou que recebeu oferta de vantagem indevida de Sergio Marder; m) que a condenação pelo crime de corrupção não pode fundar-se no depoimento do delator.

21. A Defesa de Vílcio Caetano de Lima, em alegações finais, argumenta (fls. 1.974-1.982 da ação penal 2003.7000066405-7): a) que o acusado Vílcio apenas assinou o contrato de empréstimo, mas não participou da negociação; b) que a empresa Jabur Toyopar era administrada pela acusada Maria Cristina e que as decisões relativas ao empréstimo foram tomadas por ela.

22. A Defesa de Mauro Marder, em alegações finais, argumenta (fls. 1.984-1986 da ação penal 2003.7000066405-7) que o acusado não participava da administração da empresa e não participou dos fatos delitivos.

23. A Defesa de Giovani Gionédis, em alegações finais, argumenta (fls. 787-847 da ação penal 2004.7000039573-7): a) que o pedido de condenação do MPF baseia-se apenas no depoimento do delator Gabriel e em um boato citado no depoimento de uma testemunha; b) que o depoimento do delator contém contradições e revela insegurança; c) que do depoimento do delator não se depreende com clareza que Giovani Gionédis teria solicitado o pagamento de vantagem indevida; d) que o delator Alberto Youssef afirmou não ter contato com Giovani Gionédis; e) que o acusado não participou da campanha de Jaime Lerner; e f) que o acusado não participou da concessão dos empréstimos.

24. No decorrer da ação penal 2003.7000066405-7, foi proposta e rejeitada exceção de incompetência (fls. 967-968 da ação penal 2003.7000066405-7).

25. No decorrer da ação penal 2004.7000039573-7, foi interposta exceção de incompetência e que foi rejeitada (fls. 477-478 da ação penal 2004.7000039573-7).

26. No decorrer da ação penal, foram interpostos diversos habeas corpus, dentre eles o HC 89.364/PR junto ao Supremo Tribunal Federal e que foi denegado.

27. Os autos vieram conclusos.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1

28. Esclareça-se, por oportuno, que o trâmite destas ações penais prolongou-se por tempo considerável por três motivos:

a) houve nova denúncia no curso da primeira ação penal e com reflexos na imputação constante na primeira denúncia;

b) as ações penais foram remetidas indevidamente ao TRF4 durante a vigência da extensão do foro privilegiado determinado pela Lei n.º 10.628/2002 e até que esta fosse declarada inconstitucional pelo STF na ADIn 2797-2/DF; e

c) foi realizado, no inquérito 2007.7000004134-5, o rastreamento do produto dos empréstimos no exterior, o que envolveu a quebra judicial do sigilo de conta nos Estados Unidos, de conta na Suíça e de diversas contas no Brasil.

29. A primeira denúncia teve por objeto exclusivo a concessão de três empréstimos pelo Banco Banestado, agência de Grand Cayman, às empresas Jabur Toyopar Importação e Comércio de Veículos Ltda., Tucumann Engenharia e Empreendimentos Ltda. e Redram Construtora de Obras Ltda., o que foi caracterizado pelo MPF, pelas circunstâncias, como crime de gestão fraudulenta. A denúncia também abrangeu a imputação de crime de corrupção aos gestores da Jabur Toyopar por terem pago vantagem indevida de USD 500.000,00 ao Diretor do Banestado Gabriel Nunes Pires Neto pela concessão do empréstimo á empresa.

30. Já na segunda denúncia, que também é um aditamento da primeira, foram imputados similares crimes de corrupção aos gestores da Tucumann e Redram pelo pagamento de vantagem indevida de USD 200.000,00 pela concessão dos respectivos empréstimos. Foi alterada ainda a imputação do crime de corrupção atribuído ao gestor da Jabur Toyopar, que agora seria de USD 131.300,00 e em outras circunstâncias. Os valores teriam como destinatário mediato o acusado Giovani Gionédis que os teria recolhido para a campanha eleitoral de 1998.

31. É evidente a conexão entre as ações penais e a impossibilidade de julgamento em separado. A imputação do crime de corrupção influi na avaliação probatória e na caracterização do crime de gestão fraudulenta. Por outro lado, com a imputação ao gestor da Jabur Toyopar de um crime novo e diferente de corrupção, fica esvaziada a imputação do crime de corrupção contida na primeira denúncia.

32. Observa-se, por oportuno, que a segunda denúncia embora tenha representado um aditamento em relação a primeira, incluiu também a imputação de novos crimes, motivo pelo qual não poderia ter sido observado o rito do artigo 384 do CPP, que é pertinente apenas quando há alteração do crime em decorrência de fato revelado durante a instrução, mas não quando há imputação de novos crimes além dos narrados na denúncia inicial.

33. Havendo tal interligação das ações penais, o conjunto probatório é comum. Por diversas vezes, nos dois processos, alertou o Juízo às partes de que seriam consideradas para julgamento as provas constantes nos dois feitos (v.g.: fls. 1.707 da ação penal 2003.7000066405-7 fls. 284 e 640 da ação penal 2004.7000039573-7). Inclusive, já na abertura na fase do artigo 499 nas duas ações penais, passaram a ser feitos despachos comuns aos dois feitos (vg.: fls. 1.785-1.787, 1.820-1823 da ação penal 2003.7000066405-7 e das fls. 538-540 e 580-583 da ação penal 2004.7000039573-7). Não há qualquer óbice na utilização das provas das duas ações penais para julgamento de ambas, especialmente quanto aos acusados Maria Cristina Ibraim Jabur, José Maria Ribas Muller e Sergio Fontoura Marder que figuraram no pólo passivo de ambas e participaram de todos os atos processuais, juntamente com os seus defensores. Os demais acusados e seus defensores na ação penal 2003.7000066405-7, quais sejam Mauro, Vílcio e João Aquiles foram alertados do compartilhamento da prova e inclusive intimados da realização de audiências na ação penal 2004.7000039573-7 (v.g.: fls. 1.707-1.708 da ação penal 2003.7000066405-7). Não houve reclamação da parte deles, sequer em alegações finais. Assim, também quanto a eles não há qualquer óbice, sendo de se acrescentar que, como ver-se-á adiante, serão absolvidos. O acusado Giovani Gionédis, que figura no pólo passivo da segunda ação, mas não da primeira, também não tem o que reclamar, pois este Juízo, além dos referidos despachos, já na primeira audiência da segunda ação penal, advertiu que seriam emprestadas as provas já produzidas na ação penal 2003.7000066405-7, ressalvando que as partes querendo poderiam requerer a repetição de qualquer ato (item 3 de fl. 284 da ação penal 2004.7000039573-7), havendo na oportunidade concordância do acusado e de seu defensor com esta decisão. Portanto, também quanto à Giovani Gionédis, não há óbice na utilização das provas produzidas na primeira ação penal, de n.º 2003.7000066405-7.

34. Não é correta a afirmação da Defesa de Sergio Marder de que o caso decorre de investigação procedida exclusivamente pelo MPF. Com efeito, a acusação tem por base conclusões de auditorias internas do Banco do Estado do Paraná S/A - Banestado e de fiscalizações do Banco Central/Bacen, como se verifica nos apensos I e IX da ação penal 2003.7000066405-7 (especialmente fls. 69-70 e 161-168 do apenso I). A acusação formulada na segunda ação penal tem também por base depoimentos colhidos pelo Ministério Público em decorrência de acordo de delação premiada celebrada entre dois acusados originários. O questionamento do poder investigatório do Ministério Público não vai ao ponto de retirar-lhe o poder de celebrar acordos de delação premiada ou de tomar depoimentos de acusados ou de testemunhas. Aliás, no que se refere aos acordos de delação premiada, não há qualquer dúvida a respeito da competência do MPF em realizá-los, ainda que sujeitos à posterior avaliação judicial.

35. Melhor sorte não merecem as alegações dos defensores de inépcia das denúncias. As denúncias descrevem em detalhes os crimes de gestão fraudulenta e de corrupção e os motivos de sua imputação aos acusados. Os acusados não sofreram imputação tão-somente por serem sócios-administradores das empresas beneficiárias dos empréstimos fraudulentos, havendo prova, cf. descrição na denúncia, de sua efetiva participação na celebração das operações e inclusive com cessão de aval pessoal. Quanto aos acusados José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina, as denúncias vão além, descrevendo que os empréstimos foram concedidos mediante oferta e pagamento de vantagem indevida, que teria constituído a causa da fraude.

36. Quanto à alegação da Defesa de Sergio Marder de que este julgador estaria impedido de julgar o presente feito por ter participado do acordo de delação premiada com os delatores, cumpre registrar que este julgador apenas homologou os acordos celebrados entre os delatores, seus respectivos defensores e o MPF. Posteriormente, a pedido do MPF e apenas por segurança da prova, prestaram eles depoimentos gravados em Juízo. Esse singelo ato não significa que este julgador atuou como investigador dos fatos. Ainda que assim não fosse, não está vedada iniciativa probatória do juiz, cf. artigo 156 do CPP. Além disso, se a Defesa de Sergio Marder pretendia argüir a suspeição ou impedimento do Juízo deveria ter observado a forma e o requisito exigido pelo artigo 98 do CPP.

II.2

37. O caso envolve a concessão de três empréstimos internacionais pelo Banco do Estado do Paraná S/A - Banestado a três empresas no Brasil, o que foi feito através da agência Grand Cayman da referida instituição financeira.

38. Em 11/08/98, foi concedido empréstimo de US$ 1.000.000,00, com vencimento em 09/03/99, à empresa Tucumann Engenharia e Empreendimentos Ltda. No contrato de empréstimo, a empresa Tucumann foi representada por José Maria Ribas Muller (fl. 110 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7). Ele e o outro sócio da empresa, João Achiles Grenier Gluck, assinam o contrato como garantidores e ainda a nota promissória expedida como garantia da operação (fls. 110-111 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7).

39. Em 12/08/98, foi concedido empréstimo de US$ 1.000.000,00, com vencimento em 10/03/99, à empresa Redram Construtora de Obras Ltda. No contrato de empréstimo, a empresa Redram foi representada por Sergio Fontoura Marder (fl. 96 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7). Ele e os outros dois sócios da empresa, Mauro Fontoura Marder e Flávio Azambuja Marder, assinam o contrato como garantidores e ainda a nota promissória expedida como garantia da operação (fls. 96 e 97 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7).

40. Em 20/08/98, foi concedido empréstimo de US$ 1.500.000,00, com vencimento em 17/02/99, à empresa Jabur Toyopar Importação e Comércio de Veículos Ltda. No contrato de empréstimo, a empresa Jabur foi representada por Maria Cristina Ibraim Jabur (fl. 103 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7). Ela e os outros dois sócios da empresa, Vilcio Caetano de Lima e Alberto Youssef, assinam o contrato como garantidores e ainda a nota promissória expedida como garantia da operação (fls. 103 e 104 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7). Maria Cristina, representando a Jabur Toyopar assina sozinha as autorizações para repasse do numerário emprestado a quatro outras contas, cf. fls. 105-108 do apenso III da ação penal 2003.7000066405-7.

41. Segundo o MPF, os três empréstimos padeceriam de graves irregularidades, como: a) ausência de procedimentos formalizados de solicitação e concessão de crédito; b) ausência de avaliação econômica do tomador; c) falta de aprovação das operações pelos órgãos competentes do Banestado; e c) ausência de garantias suficientes, havendo apenas notas promissórias com o aval dos sócios.

42. Constata-se, pelos elementos constantes nos autos, que as afirmações do MPF correspondem à realidade.

43. Os únicos documentos formais das operações consistem nos próprios contratos de empréstimos e nas notas promissórias.

44. Não houve solicitação formal da concessão de empréstimos internacionais pelas empresas, não houve avaliação formal da viabilidade econômica das operações ou da capacidade de pagamento pelas empresas e não houve a submissão das operações à aprovação dos comitês competentes do Banestado.

45. O acusado Sergio Marder juntou aos autos solicitação de empréstimo de um milhão de reais que teria sido apresentado pela Redram ao Banestado (fls. 1.144-1.146 da ação penal 2003.7000066405-7), enquanto o acusado José Maria juntou solicitação equivalente que teria sido apresentada pela Tucumann (fls. 88-89 do apenso XV da ação penal 2004.7000039573-7). Entretanto, tratam-se ambas de solicitação de empréstimo em reais e dirigidas uma ao Superintendente Regional do Banestado em Cascavel e outra ao gerente de agência no Batel, em Curitiba, do Banestado, o que é bem diferente de um empréstimo internacional, em dólares, concedido pela agência Grand Cayman.

46. Foi solicitada ao Banestado pelo Bacen documentação relativa a alguma espécie de procedimento formal quanto à concessão dos empréstimos, tendo sido recebida resposta negativa quanto à sua localização (fl. 120 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7).

47. Na correspondência interna do Banestado de fl. 86 do apenso IX, com data de 02/02/2000, é afirmado que as referidas operações não teriam seguido o procedimento apropriado e que sequer haviam sido registradas contabilmente na instituição financeira, o que só foi regularizado em 30/06/1999:

"Ressalta-se que estas operações, originárias desta Direção Geral e efetivadas em nossa agência de Grand Cayman, desde seu início, não foram conduzidas e constituídas em conformidade com a boa prática bancária, perante o Banco Central do Brasil, observando as documentação existente ante a legislação e normas cambiais vigentes. Como na oportunidade, não houve nenhum registro destas operações nesta Direção Geral, tampouco o registro contábil para a garantia prestada conforme item 2, procedeu-se a regularização deste fato em data de 30/06/1999, com registro em conta adequada da garantia prestada, e inclusive procedendo a contabilização do valor total das operações, em conta de provisão para créditos em liquidação." (Grifou-se.)

48. A ausência de formalização do processo de concessão dos empréstimos e outras irregularidades também foram apontadas na auditoria interna do Banestado e foram igualmente reconhecidas pela prova testemunhal, cf. ver-se-á adiante, nos itens 53, 55, 56 e 57.

49. Constata-se, por outro lado, que, pelos cadastros das empresas existentes junto ao Banestado na data das operações, elas não se encontravam em posição favorável ao recebimento de novos créditos. A Redram tinha operações vencidas e não-pagas junto ao Banestado, além de responder a processos de execução (fl. 83 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7). A Jabur Toyopar igualmente tinha operações inadimplidas (fl. 97 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7). Já a Tucumann, embora sem operações vencidas, tinha limite de risco fixado junto ao Banestado de R$ 500.000,00 (fl. 110 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7), o que não justificava a concessão de crédito de um milhão de dólares.

50. Por outro lado, em operações de vulto, como as contratadas, uma de USD 1.500.000,00 e as outras duas de USD 1.000.000,00 cada uma, é evidente a insuficiência, como garantia, apenas de notas promissórias dos sócios, sem qualquer garantia mais concreta, como de natureza real

51. As três operações foram ainda autorizadas por decisão exclusiva do então Diretor de Operações Internacionais/DIROI do Banestado, Gabriel Nunes Pires Neto.

52. Gabriel enviou à agência de Grand Cayman faxes autorizando a realização das operações, como se depreende das fls. 89, 99 e 112 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7.

53. Foi ouvido em Juízo como testemunha o gerente da agência de Grand Cayman, Ricardo Franczyk. Segundo ele, o Diretor Gabriel ordenou verbalmente a concessão dos empréstimos e também o pressionou pela liberação dos empréstimos. Apenas após o gerente ter insistido em ter ordem por escrito é que os aludidos faxes foram enviados. Transcrevem-se os seguintes trechos:

"Juiz: O senhor chegou a conversar com alguém aqui do Banestado sobre essas operações na época da negociação e na época da concessão?

Testemunha: Conversei.

Juiz: Com quem o senhor conversou?

Testemunha: Com o diretor da época.

Juiz: E que era essa pessoa?

Testemunha: Era o doutor Gabriel.

Juiz: E o que o senhor conversou?

Testemunha: Na verdade, foi ele quem ligou para mim pedindo para fazer a operação.

Juiz: Pedindo para fazer assim em que sentido? Que tipo de solicitação que ele fez?

Testemunha: A princípio, ele pediu por telefone, aí a gente conversou e eu me firmei na posição de que eu precisava de um documento oficial do banco que estava sendo aprovado, que a operação estava lícita, estava legal e estava aprovada pela direção, pelo banco, foi onde que eu consegui essa declaração dele, onde ele mencionou que estava aprovada a operação, e foi feita a operação.

(...)

Juiz: Nos outros empréstimos que o senhor concedeu [a questão refere-se a empréstimos regulares que não os dos autos] o senhor teve autorização dele também ou não?

Testemunha: Não diretamente dele.

Juiz: De quem daí?

Testemunha: Da GEROI [Gerência de Operações Internacionais]. Basicamente da GEROI. Que era era a divisão de câmbio que era subordinada a ele também.

Juiz: E que tipo de autorização a GEROI fazia, mandava por escrito ou ligava para o senhor também?

Testemunha: Por escrito. Então essa é que foi a problemática inicial.

Juiz: E anteriormente o senhor nunca tinha tido uma operação que tivesse sido autorizada não pela GEROI, mas pelo Gabriel? Pelo diretor?

Testemunha: Não. Não.

Juiz: Foi a primeira vez?

Testemunha: Foi a primeira vez.

Juiz: Algum motivo para essa mudança de procedimento?

Testemunha: Não que eu saiba.

Juiz: E ele ligou para o senhor para fazer essa operações, solicitou então por telefone inicialmente?

Testemunha: A princípio. Posteriormente, me cedeu o documento oficial do banco comprovando que estava aprovada a operação.

Juiz: E houve alguma resistência dele em enviar essa operação por escrito?

Testemunha: Houve.

Juiz: Algum motivo?

Testemunha: Não sei porque motivo.

Juiz: Ele declinou algum motivo ou não?

Testemunha: Declinou que eu estava em desobediência à, no caso, à hierarquia dele, que ele estava determinando. E eu disse que eu não estava errado porque eu estava pedindo um documento.

Juiz: Ele ligou para o senhor uma vez, mais de uma vez?

Testemunha: Não, foram algumas vezes. Porque a princípio foi isso, com relação à autorização, depois de uma breve discussão, porque ele queria que fosse feito de imediato, era com urgência, eu não aceitei, esperei a documentação com a devida aprovação chegar, foi feito. E eu não sei precisar, mas eu acredito que de cada uma das operações, no dia seguinte, me veio a solicitação da transferência dos fundos, também não aceitei, que daí eu precisava de uma certificação das assinaturas das empresas, que eu não as conhecia, não tinha registro, não tinha conhecimento das pessoas." (fls. 746-747 da ação penal 2003.7000066405-7)

54. Ao aprovar as operações sozinho, sem sua prévia submissão aos comitês de crédito do Banestado, o Diretor Gabriel Nunes violou normas internas do Banestado que exigiam a submissão delas à aprovação por órgão colegiado da instituição financeira. Tal exigência pode ser vislumbrada nos documentos de fls. 204-209 do apenso I da ação penal 2003.7000066405-7 que estabelecem, para a aprovação de operações, as alçadas da mesa de negócios, do comitê I e do comitê II do Banestado.

55. A exigência da aprovação das operações por comitê de crédito, bem como a falta de submissão das operações em questão a esta aprovação, foi também confirmada pela prova testemunhal, especificamente por Ercio de Paula dos Santos, gerente de Operações Internacionais do Banestado na época dos fatos:

"Juiz: Esses empréstimos que eram concedidos ali pela GEROI [Gerência de Operações Internacionais que estava subordinada à DIROI - Diretoria de Operações Internacionais], adiantamento a exportadores ou coisa parecida, isso passava pela aprovação de um comitê de crédito dentro da GEROI?

Testemunha: Sim. Nós tínhamos um comitê de crédito, havia níveis de alçada NE, determinado pelo banco, esses níveis de comitê, então existia dento da GEROI um comitê.

Juiz: O senhor fazia parte desse comitê?

Testemunha: Eu fazia parte, nós tínhamos chefe de mesa, nós tínhamos assessores, nós tínhamos diversas pessoas que faziam parte do comitê.

Juiz: Empréstimos que utilizavam recursos internacionais não passavam necessariamente por esse comitê de crédito da GEROI, não deveriam passar?

Testemunha: Dependendo da alçada da operação era, a operação passaria pelo comitê para encaminhamento.

Juiz: Essas operações, esses empréstimos concedidos pela, para a Tucuman, Redram e Jabur Toyopar, o senhor tem conhecimento se passou pelo comitê de crédito da GEROI?

Testemunha: Desconheço.

Juiz: O senhor estava nessa época?

Testemunha: Sim, estava.

Juiz: Em agosto de 1998?

Testemunha: Sim, estava na GEROI.

Juiz: Quando o senhor diz que desconhece se passou ou não, ou está dizendo que não passou?

Testemunha: Que, que não vi passar.

Juiz: Se tivesse passado o senhor teria visto.

Testemunha: Teria visto.

(...)

Juiz: Quando o senhor diz diretoria, a diretoria, vamos dizer, se estivesse dentro da alçada da diretoria, isso seria através do que, de um comitê na diretoria ou através de um diretor apenas?

Testemunha: Não, de um comitê.

Juiz: De um comitê?

Testemunha: Sim.

Juiz: Formado por diretores do Banestado, é isso?

Testemunha: Sim." (fls. 732-733 da ação penal 2003.7000066405-7)

56. As irregularidades das operações, especialmente a falta de aprovação pelo órgão colegiado competente e a sua incompatibilidade com a situação cadastral das empresas junto ao Banestado, foram também apontadas por auditoria interna do Banestado:

"LGC 2392/98 [Redram]: Operação autorizada pela DIROI, sem aprovação pelo comitê II, para empresa sem limite de crédito aprovado que na ocasião da aprovação e liberação já possuía diversas pendências no Banestado, como responsabilidades vencidas, composição de dívidas na carteira de Leasing, alem de renegociação de contrato de Finame.

No mesmo dia em que a operação foi liberada, os recursos foram imediatamente transferidos para outra instituição financeira fora das Ilhas Cayman.

Nos meses subseqüentes à data da liberação, observa-se um significativo e crescente aumento nas restrições em nome da empresa, que atualmente apresenta mais de uma centena de protestos na praça de Curitiba."

"LGC 2401/98 [Jabur]: Operação autorizada pela DIROI, sem aprovação do comitê II, para empresa sem limite de crédito aprovado que na ocasião da contratação possuía restrição financeira no Unibanco (oriunda do ex-Banco Nacional) no valor de R$ 904.490,75, datada de 20/02/97, além de restrições em nome de empresas ligadas.

No mesmo dia em que a operação foi liberada, os recursos foram transferidos para outra instituição financeira fora das Ilhas Cayman."

"LGC 2388/98 [Tucumann]: Autorizada pela DIROI, sem aprovação pelo comitê II. A empresa possui um limite de risco no Banestado de R$ 100.000,00, e R$ 1.183.651,25 de responsabilidades na Carteira Comercial garantidas por penhor e alienação (data de 02/02/99). Possui restrição financeira referente ação civil datada de 23/10/98.

No mesmo dia em que a operação foi liberada, os recursos foram imediatamente transferidos para outra instituição financeira fora das Ilhas Cayman."

(fls. 53-54 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7)

57. A avaliação do Bacen quanto às operações não é divergente:

"Quanto às operações de crédito com a Jabur Toyopar, Redram e Tucumann, o exame das mesmas demonstra a ocorrência de irregularidades, representadas por atos de má gestão dos administradores, que laboravam de maneira contrária à boa técnica bancária e em desacordo com os princípios da boa gestão.

Nesse contexto, visualiza-se irregularidades relacionadas com a concessão de créditos, tais como: 1) falta de informações cadastrais completas e atualizadas; 2) a constituição de garantias insuficientes; 3) ausência de análises econômico-financeiras das empresas clientes. Tais fatos caracterizam a ocorrência de infração grave na condução dos interesses da instituição financeira, art. 44 da Lei 4.595, e indícios de ilícitos penais capitulados no art. 4.º - parágrafo único da Lei n.º 7.492/86." (f. 167 do apenso I da ação penal 2003.7000066405-7)

58. Como é comum em operações concedidas desta forma, os empréstimos não foram pagos no vencimento.

59. Até o momento, há registro nos autos apenas dos seguintes pagamentos parciais (fls. 81-82 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 125-132 do apenso I da ação penal 2003.7000066405-7):

a) pela Jabur Toyopar, pagamento em 19/03/1999 de USD 305.438,66, sendo USD 105.438,66 a título de juros e USD 200.000,00 como principal, remanescendo a falta de pagamento de USD 1.300.000,00 mais juros de 12% ao ano desde 29/03/1999;

b) pela Tucumann, pagamento em 22/12/1999, de USD 172.720,00 a título de juros, remanescendo a falta de pagamento de USD 1.000.000,00 mais juros de 12% ao ano desde 22/12/1999; e

c) pela Redram, pagamento em 22/12/1999, de USD 172.363,33,00 a título de juros, remanescendo a falta de pagamento de USD 1.000.000,00 mais juros de 12% ao ano desde 22/12/1999.

60. Assim, apenas pequena parte dos empréstimos foi paga, remanescendo quase integralmente as dívidas das empresas.

61. Embora os acusados tenham alegado que a falta de pagamento decorreria do fechamento da agência de Grand Cayman, da privatização do Banestado e das dificuldades de definir o credor, constam nos autos diversos documentos que revelam tentativas frustradas do próprio Banestado em receber o seu crédito (v.g.: fls. 72-82 do apenso IX da ação penal 2003.7000066405-7).

62. Além disso, este Juízo, na audiência inicial na ação penal 2003.7000066405-7 (fl. 305 da ação penal 2003.7000066405-7), ordenou a abertura de contas judiciais vinculadas ao processo para que os acusados pudessem depositar o valor devidos dos empréstimos. Deles, apenas o acusado João Maria Ribas Muller efetuou os depósitos necessários, embora o tenha feito apenas em 14/04/2008 e em 11/03/2009 (R$ 1.682.200,00 - fl. 1.736 da ação penal 2003.7000066405-7 e R$ 1.430.453,93 - fl. 589 do arresto 2003.7000075469-1), ou seja, muito tempo depois da abertura das contas, o que ocorreu em já 04/12/2003 (fls. 346-350 da ação penal 2003.7000066405-7). Evidentemente, tal comportamento, embora não exclua o crime, lhe trará benefícios que serão definidos posteriormente. A acusada Maria Cristina depositou apenas R$ 163.000,00 (fls. 346, 351, 405, 415, 431, 434, 441, 444 e 462 do arresto 2003.7000081473-0) , valor muito abaixo do necessário para pagamento da dívida, enquanto o acusado Sergio Marder nada depositou.

63. Em relação às três operações, que somavam juntas USD 3.500.000,00 quando de sua concessão em agosto de 1998, tem-se em síntese as seguintes constatações:

a) não houve solicitação ou procedimento formal para sua concessão, nem sequer avaliações econômicas dos tomadores e de sua capacidade de pagamento;

b) as operações sequer foram contabilizadas inicialmente na própria instituição financeira;

c) foram aprovadas por decisão exclusiva do Diretor Gabriel Nunes, sem submissão a órgão colegiado do Banestado, o que afrontava as normas internas da instituição;

d) o Diretor Gabriel Nunes tentou verbalmente autorizar as operações, tendo enviado ordem por escrito apenas por insistência do gerente da agência;

e) a concessão das operações não estava amparada nos dados constantes nos cadastros do Banestado acerca das empresas, tendo elas restrições ou limites de risco insuficiente;

f) as operações, mesmo sendo de vulto, foram concedidas com garantias precárias, mero aval dos sócios, sem terem sido exigidas garantias mais substanciais, como de natureza real; e

f) as operações foram inadimplidas no vencimento e assim permanecem até o momento.

64. Forçoso reconhecer que houve gritante violação pelo Diretor Gabriel Nunes Pires Neto das boas práticas bancárias e das normas internas do Banestado, com favorecimento indevido das três empresas, Tucumann, Redram e Jabur Toyopar.

65. Apenas após a delação premiada celebrada entre Gabriel Nunes e o MPF, foram elucidados os motivos subjacentes à concessão das operações na forma adotada.

66. Com efeito, Gabriel Nunes revelou que a concessão dos empréstimos foi condicionada ao pagamento de vantagens indevidas pelas empresas e que foram direcionadas à campanha eleitoral de 1998:

"Gabriel: As duas empresas, Tucumann e Redram, que viessem no banco, são, eram, na época, empreiteiras do Estado, tinham, é, recursos a receberem do, do, do Estado. O Estado não pagava, demorava apara pagar. Eles já, a algum tempo anterior a data dessa operação, já procuravam o banco para, para obter empréstimos. A Tucumann tinha uma linha de, de, de crédito de, numa conta de empréstimo, e a Redram não me recordo bem se tinha ou não. Eram empresas que, que, vivíamos, na época, Excelência, uma campanha eleitoral, véspera de campanha eleitoral, aonde empresas eram procuradas para contribuir, principalmente empresas empreiteiras do Estado. Tanto o José Maria, Maria Muller da Tucuman, quanto Redran, o Sergio Marder da Redran, tinham haveres com o Estado através do, do DER, e me foi sugerido que se viabilizasse, pelo então presidente do Conselho de Administração do Banco, que se viabilizasse o recurso para essa empresa, que elas colaborariam com a campanha do Governador Jaime Lerner, candidato na época.

Juiz: Quando o senhor fala 'presidente do conselho de administração', o senhor fala do senhor Giovani Gionédis?

Gabriel: Sim.

(...)

Juiz: Mas os termos que ele teria utilizado, o senhor se recorda?

Gabriel: Para viabilizar, pra, pra, pra, pra Tucuman, pra Redram, que eram credores do, do, do Estado, do DER, alguma operação que, que eles estavam, estariam dispostos a colaborar com a campanha. (...)" (fl. 433 da ação penal 2004.7000039573-7)

"Juiz: E o senhor tem conhecimento se, efetivamente, houve as, ocorreram as doações de campanha?

Gabriel: Ocorreram.

Juiz: Pelas duas empresas, Tucuman e Redram?

Gabriel: Houve, me entregaram, foi entregue a mim no banco, estava o senhor José Maria Muller e, acompanhado de Sergio Marder.

Juiz: Eles levaram ao senhor?

Gabriel: Entregaram para mim uma maleta, contendo, o que foi me informado, eu não abri, que tinha duzentos mil dólares." (fls. 434-435 da ação penal 2004.7000039573-7)

"Juiz: O senhor falou da Tucumann e da Redram, da Toyopar como foi a, houve também uma solicitação por parte de alguém que houvesse atendimento a Toyopar nas mesmas circunstâncias?

Gabriel: Houve. Com relação a Toyopar, o contato foi feito com Alberto Youssef?

Juiz: Ta. Mas a questão da doação de campanha, houve também?

Gabriel: Essa não, não teve nenhuma participação do secre, do, do senhor Giovani, não teve. Eu que, espontaneamente, procurei, que, como era momento de campanha, momento de arrecadação, eu fiz no sentido de colaborar, pensava que estava fazendo.

Juiz: Quanto que foi doado nessa?

Gabriel: Cento e trinta mil dólares, aproximadamente." (fl. 436 da ação penal 2004.7000039573-7)

"Juiz: Então prosseguindo no processo, só um minutinho, 66405-7, depoimento do senhor Gabriel Nunes Pires Neto, vou repetir até a pergunta, senhor Gabriel, por que a preocupação do Juízo é a seguinte: se foi o senhor que exigiu que houvesse essa, essa, essa doação ou sugeriu que o empréstimo taria ligado uma coisa a outra - eu tô beneficiando as empresas, eu estou atendendo as empresas, mas eu quero uma contrapartida para a doação - ou se isso partiu de fato do senhor Giovani Gionédis.

Gabriel: Com a Toyopar, partiu de mim, com a Jabur Toyopar, partiu de mim. Conversei com o Alberto Youssef e ele concordou. Com relação às outras, quando da conversa no atendimento da pretensão delas, pelo fato de que tinham, tinham créditos a receber, eu, quando eu conversei com o José Maria, coloquei para ele doação para campanha. O senhor Giovani não me falou, quando comentou sobre as empresas, 'peça x para campanha'. Mas eu entendi, entendo, e era isso que a gente fazia. Conversei com o Zé Maria [José Maria Ribas Muller]. Tanto é que ele não respondeu na hora, ele foi pensar, e no dia seguinte veio e concordou." (fl. 442 da ação penal 2004.7000039573-7)

"Juiz: Quando o senhor teve essas negociações aí com o senhor Ribas Muller e o senhor Sérgio Marder, foi mencionado para eles explicitamente da questão de doação de campanha?

Gabriel: Foi." (fl. 447 da ação penal 2004.7000039573-7)

67. Tal revelação foi confirmada, no que se refere à Jabur Toyopar, pelas declarações de Alberto Youssef, com quem o MPF também celebrou delação premiada:

"Alberto: ... Na época, eu era sócio da Jabur Toyopar, através da June, e também emprestava dinheiro para Jabur Toyopar sempre que ela necessitasse. Na época, a empresa passava por dificuldade, fez esse empréstimo, requereu esse empréstimo perante o banco, através de mim. Eu falei com a Diretoria de Operações, que era o Gabriel, requeri esse empréstimo e o Gabriel me disse o seguinte: que ele ia ver o que podia fazer. Passados uns dias, ele me sinalizou como positivo o empréstimo, mas desde que nós, Jabur Toyopar, colaborasse com a campanha. E isso foi discutido a nível de Diretoria, e a Diretoria da Jabur Toyopar aceitou, aceitou que fosse feito dessa maneira.

Juiz: A campanha de quem, o senhor diz?

Alberto: Jaime Lerner.

Juiz: E por um acaso a Diretoria da Jabur Toyopar, quem que o senhor quer dizer por diretoria Jabur Toyopar?

Alberto: Doutora Maria Cristina, doutor Vílcio, eu participei da reunião, doutor Edson.

Juiz: Sobre essa questão da doação de campanha, quem que tava presente quando o senhor discutiu esse assunto?

Alberto: Doutora Maria Cristina, doutro Vilson, eu, mais alguém da diretoria, não lembro quem.

Juiz Federal: E esse fato de que esse empréstimo tava condicionado a esta doação foi explicitado pelo senhor na reunião?

Alberto: Sim, senhor.

(...)

Juiz: E de quanto era essa doação?

Alberto: Na época foi de 10% do valor emprestado.

Juiz: E isso dava aproximadamente quanto?

Alberto: Acho que foi coisa de...

Juiz: O empréstimo é um milhão e quinhentos mil.

Alberto: Foi coisa acho que de USD 135.000,00.

Juiz: Menos de 10% então?

Alberto: É.

Juiz: Por que menos de 10%?

Alberto: Eu não lembro. Mas foi isso que foi repassado com o senhor Gabriel.

Juiz: Como foi feita a entrega desse dinheiro da doação? Foi feita, foi efetivada a doação de campanha?

Alberto: Eu mandei entregar pro senhor Gabriel aqui em Curitiba." (fls. 448-449 da ação penal 2004.7000039573-7)

68. É relevante destacar que os acordos de delação premiada celebrados com Gabriel Nunes e Alberto Youssef abrangeram, cf. se verifica nas peças escritas do apenso IV da ação penal 2004.7000039573-7, outros casos criminais, propiciando a instauração de outras investigações e ações penais exitosas, como v.g. a ação penal 2004.7000037746-2, que tramitou por este Juízo, e ainda a ação penal 514/PR em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, para ficar em dois exemplos. Além disso, envolveram apenas redução de pena e não perdão judicial, como revelado por ambos em seus depoimentos e o pagamento de elevadas multas penais (fls. 440-441 e 447-448 da ação penal 2004.7000039573-7), o que significou na prática à submissão de ambos a sanções penais efetivas, menos é certo do que mereciam por sua culpabilidade, mas mais do que sofrem em geral criminosos de colarinho branco neste País em virtude da reduzida efetividade do sistema de Justiça criminal em relação a este tipo de crime.

69. O fato de ambos terem sido ouvidos como testemunhas e não acusados na segunda ação penal, o que foi objeto de reclamação pelas Defesas, não tem nenhuma relevância. As declarações de delatores têm valor probatório caso sejam corroboradas por outras provas, o que independe das formalidades adotadas na colheita dos depoimentos. Aliás, a colheita do depoimento do delator como testemunha garante, como é óbvio, maior segurança às provas e aos delatados, uma vez que deixa o delator sujeito às penas pertinentes ao falso testemunho caso falte com a verdade. Não por acaso, após longo debate histórico, na Itália, houve reformulação da legislação quanto ao depoimento dos "arrependidos" para que fossem submetidos às obrigações próprias das testemunhas quando depusessem sobre responsabilidades de terceiros (sobre o tema, vide TONINI, Paulo. A prova no processo penal italiano. trad. de Alexandra Martins Daniela Mróz. São Paulo: RT, 2002, especialmente pp. 149-163).

70. Mesmo vista com reservas, não se pode descartar o valor probatório da delação premiada. Esta é instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração. Sem o recurso à delação premiada, vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível. A respeito de todas as críticas contra o instituto da delação premiada, toma-se a liberdade de transcrever os seguintes comentários do Juiz da Corte Federal de Apelações do Nono Circuito dos Estados Unidos, Stephen S. Trott:

"Apesar disso e a despeito de todos os problemas que acompanham a utilização de criminosos como testemunhas, o fato que importa é que policiais e promotores não podem agir sem eles, periodicamente. Usualmente, eles dizem a pura verdade e ocasionalmente eles devem ser usados na Corte. Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes - especialmente na área de crime organizado ou de conspiração - nunca poderiam ser levados às Cortes. Nas palavras do Juiz Learned Hand em United States v. Dennis, 183 F.2d 201 (2d Cir. 1950) aff´d, 341 U.S. 494 (1951): 'As Cortes têm apoiado o uso de informantes desde tempos imemoriais; em casos de conspiração ou em casos nos quais o crime consiste em preparar para outro crime, é usualmente necessário confiar neles ou em cúmplices porque os criminosos irão quase certamente agir às escondidas.' Como estabelecido pela Suprema Corte: 'A sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei' (On Lee v. United States, 343 U.S. 747, 756 1952).

Nosso sistema de justiça requer que uma pessoa que vai testemunhar na Corte tenha conhecimento do caso. É um fato singelo que, freqüentemente, as únicas pessoas que se qualificam como testemunhas para crimes sérios são os próprios criminosos. Células de terroristas e de clãs são difíceis de penetrar. Líderes da Máfia usam subordinados para fazer seu trabalho sujo. Eles permanecem em seus luxuosos quartos e enviam seus soldados para matar, mutilar, extorquir, vender drogas e corromper agentes públicos. Para dar um fim nisso, para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos. Delatores, informantes, co-conspiradores e cúmplices são, então, armas indispensáveis na batalha do promotor em proteger a comunidade contra criminosos. Para cada fracasso como aqueles acima mencionados, há marcas de trunfos sensacionais em casos nos quais a pior escória foi chamada a depor pela Acusação. Os processos do famoso Estrangulador de Hillside, a Vovó da Máfia, o grupo de espionagem de Walker-Whitworth, o último processo contra John Gotti, o primeiro caso de bomba do World Trade Center, e o caso da bomba do Prédio Federal da cidade de Oklahoma, são alguns poucos dos milhares de exemplos de casos nos quais esse tipo de testemunha foi efetivamente utilizada e com surpreendente sucesso." (TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 96, vo. 866, dezembro de 2007, p. 413-414.)

71. Em outras palavras, crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos.

72. No caso, o responsável pela concessão dos empréstimos, com todas as suas irregularidades, admitiu em Juízo que o motivo foi o pagamento de vantagem indevida, o que foi confirmado por um dos beneficiários, pelo menos quanto a uma das operações.

73. A prova principal que corrobora tais declarações consiste na própria concessão dos empréstimos com as gritantes violações das boas práticas bancárias e das normas internas do Banestado.

74. Cf. visto (síntese no item 63, retro), na prática, o Diretor Gabriel Nunes ordenou, ao arrepio de todas as normas e procedimentos formais, a concessão dos empréstimos às três empresas, tendo ainda tentado fazê-lo, em um primeiro momento, apenas por telefone.

75. Considerando o grau das violações às boas práticas bancárias e às normas internas do Banestado, não é plausível que tal comportamento possa ser atribuído a mera negligência ou a descuido ou ainda que Gabriel Nunes assim tenha agido por mera liberalidade ou gesto de loucura.

76. Comportamento da espécie pressupõe uma motivação compatível, como aquela revelada pelo próprio Diretor após a delação premiada, ou seja, de que os empréstimos foram concedidos em virtude de seu condicionamento ao pagamento de vantagem indevida pelos beneficiários, que teria sido direcionada à campanha eleitoral de 1998.

77. Tal condicionamento explica a urgência na concessão dos empréstimos, pois a campanha estava em andamento e os recursos eram necessários, o atropelo das normas internas do Banestado e das boas práticas bancárias, pois se a concessão fosse submetida à aprovação pelo comitê, corria o risco de ser reprovada, considerando as restrições cadastrais que pesavam sobre as empresas, e a exigência de garantias frouxas, pois estas não tinham maior importância já que o objetivo maior era obter a vantagem indevida.

78. O comportamento das empresas beneficiadas e dos acusados após a concessão dos empréstimos também corrobora as revelações dos delatores, como se passa a examinar.

II.3

79. Emblemática mostrou-se a postura dos acusados José Maria e Sergio Marder durante a instrução, que não lograram explicar ou provar de maneira minimamente adequada o destino do valor dos empréstimos concedidos as suas empresas, Tucumann e Redram, e ainda buscaram transferir a responsabilidade por esse destino um ao outro, em contradição, no curso do processo.

80. José Maria, em seu primeiro interrogatório judicial na data de 01/12/2003 (fls. 413-424 da ação penal 2003.7000066405-7), admitiu que foi o responsável pela solicitação e negociação do empréstimo à empresa Tucumann junto ao Banestado. Revelou ainda que o empréstimo não foi contabilizado na empresa Tucumann e que o produto do empréstimo da Tucumann e também o da Redran foram depositados em conta pessoal do acusado no exterior. No que se refere ao destino ulterior do dinheiro, surpreendeu ao não lograr prestar, na ocasião, informação precisa sobre o destino de dois milhões de dólares depositados em sua conta pessoal no exterior. Transcrevem-se alguns trechos:

A) "Juiz: Essas negociações que o senhor fez, o senhor mencionou diretores, funcionários, mas, assim, com que diretor que o senhor conversou sobre isso?

José Maria; Eu conversei com o doutor Gabriel." (fl. 417 da ação penal 2003.7000066405-7)

B)"Juiz: E esse dinheiro, foi feito o que com ele? Ele foi trazido aqui para o Brasil?

José Maria: Não. Existia uma..., como o crédito era no exterior, eles pediram que tinha que ter uma conta no exterior para liberar, para posteriormente trazer o dinheiro, enfim, tinha que ter uma conta imediata para depois trazer né. Ocorre que a única pessoa que tinha conta no exterior nesse época era eu, e foidepoisitado na minha conta, uma conta pessoal minha num banco em Miami, que eu tinha no Citibank em Miami." (fl. 418 da ação penal 2003.7000066405-7)

C) "Juiz: E o senhor investiu em seu nome ou em nome da empresa? Como que foi?

José Maria: Nós investimos em nome de terceiros, foi através da Preferencial Investment.

Juiz: Mas o investimento que o senhor fez nessa empresa foi em seu nome ou em nome da Tucumann.

José Maria: Não, foi feito no meu nome, foi feito no meu nome, quer dizer, no meu nome pessoal, eu tomei a responsabilidade do empréstimo.

Juiz: O senhor declarou isso na Receita Federal também?

José Maria: Não, mas estou fazendo todas as retificações necessárias e pagar todos os impostos que forem necessários.

(...)

Juiz: E de onde que é essa empresa [Preferencial]?

José Maria: Essa é uma empresa do exterior, é das Ilhas Virgens, que existe lá.

Juiz; E o senhor já conhecia essa empresa antes? Já tinha investimentos lá? Como é que o senhor chegou ao nome dessa empresa?

José Maria: Não. Através do escritório dos nossos advogados aqui em Curitiba, nós montamos uma empresa lá fora, eu sou sócio com 50% das empresas da Preferencial Global Investiment.

(...)

Juiz: E o que era esse investimento numa empresa do senhor mesmo? Como é que isso era feito?

José Maria: Nós pretendíamos fazer investimentos no mercado, buscar obras, várias empresas brasileiras estavam incorporando lá fora, construindo.

Juiz: Que tipo de investimento que o senhor fez com essa um milhão?

José Maria: Nós fizemos investimentos financeiros, só.

Juiz: Por exemplo?

José Maria: Foram feitas aplicações em outras pessoas que ...

Juiz: Que outras pessoas por exemplo?

José Maria: Em virtude do longo tempo decorrido ....

(...)

Juiz: O dinheiro que o senhor recebeu na conta de Miami, o senhor passou para a conta da Preferencial ou não?

José Maria: Não.

Juiz: Ficou na sua conta?

José Maria: Ficou na minha e foi emprestado a terceiros.

Juiz: A terceiros, quem daí?

José Maria: Que eu vou verificar, meus advogados já está providenciando quem foram as pessoas e vão trazer.

Juiz: Alguma em particular que o senhor se lembre?

José Maria: Não. Estou buscando lá, através de nosso escritório.

Juiz: O senhor sabe se o senhor pulverizou esse investimento?

José Maria: Sim, foi pulverizado, sim.

Juiz: Vários, uma dezena, duas dezenas, meia dúzia?

José Maria: Não, menos de meia dúzia.

Juiz: E o senhor não sabe onde o senhor pôs o um milhão de dólares que o senhor recebeu?

José Maria: Devidamente, em pouco tempo, nós saberemos explicar, eu não me recordo o nome das pessoas somente." (fls. 419-420 da ação penal 2003.7000066405-7)

D) "Juiz: E esse dinheiro do..., que foi concedido para a Redram, parece que transitou na sua conta também?

José Maria: Também, porque eles não tinham conta no exterior, nem o senhor Sérgio, nem ninguém da Redram, e eles pediram para usar minha conta, eu autorizei e eles depositaram na minha conta.

Juiz: E como que o senhor passou adiante esse dinheiro para eles?

José Maria: Eles já, também, como sócios, somos amigos, decidimos também que íamos investir lá fora em conjunto até, procurar novos negócios. Procurar um novo empreendimento, fazer uma sociedade lá fora que conseguisse..., já éramos sócios em vários negócios, procurávamos fazer uma empresa lá fora que fosse fazer investimento lá.

Juiz: Eles investiram também nessa Preferencial? É isso?

José Maria: Também.

(...)

Juiz: O senhor é sócio com eles nessa empresa ou não?

José Maria: Sim, com o senhor Sérgio." (fl. 422 da ação penal 2003.7000066405-7)

E) Juiz: O senhor chegou a repassar esse dinheiro posteriomente para eles [Redran] ou eles estão lá até hoje como investimentos?

José Maria: Não. Eles estão lá até hoje.

(...)

Juiz: Mas chegou a passar esse um milhão de volta para eles ou não?

José Maria: Não." (fl. 422 da ação penal 2003.7000066405-7)

F) "MPF: Esse recursos obtidos de empréstimos, ele chegaram a ser contabilizados na empresa Tucumann?

José Maria: Não. Eu já expliquei que não, mas estou fazendo todas as retificações necessárias porque eu não sabia...

MPF: Sequer na Tucumann esse dinheiro foi contabilizado?

José Maria: Não foi contabilizado." (fl. 423 da ação penal 2003.7000066405-7)

81. Sergio Marder, em seu primeiro interrogatório judicial na data de 17/12/2003 (fls. 720-730 da ação penal 2003.7000066405-7), admitiu que foi o responsável pela solicitação e negociação do empréstimo à empresa Redram junto ao Banestado. No que se refere ao destino ulterior do dinheiro, surpreendeu ao não lograr prestar informação precisa sobre o destino de um milhão de dólares, afirmando que ele teria ficado com o acusado José Maria para realizar investimentos:

A) "Juiz: Quantas visitas o senhor fez ao Banestado para conseguir obter esse empréstimo?

Sergio Marder: Eu fui a primeira vez, conversamos, depois foi feita a parte técnica, a parte do do escritório, a parte gerencial da empresa." (fl. 722 da ação penal ação penal 2003.7000066405-7)

B) "Juiz: O senhor recebeu esse crédito na conta do José Maria, é isso? Lá fora?

Sergio: Isso. Esse crédito foi repassado na conta do Zé Maria.

(...)

Juiz: Ta, e daí ele não veio, e o que foi feito desse dinheiro?

Sergio: Foi investido lá foram, a idéia inicial era se investir em concessões, investir no ramo imobiliário, investir em outros investimentos.

Juiz: Onde foi investido senhor Sérgio? Mais especificamente?

Sergio: Ah, não sei, quem autorizava os investimentos era o senhor José Maria.

Juiz: O senhor tinha um milhão de dólares lá fora e o senhor não sabe o que o senhor fez desse dinheiro?

Sergio: Pois é, a contrapartida desse investimento era para ser pago o empréstimo da Redram, mas esse dinheiro deve estar lá fora ainda.

(...)

Juiz: Eu quero saber o que ia ser feito com esse dinheiro, ele foi depositado na conta do José Maria, ele ia ser investido onde senhor Sérgio?

Sergio: Não sei, quem pode informar é o Zé Maria.

Juiz: Não, nem ele e nem o senhor pelo jeito podem informar, porque ninguém me dá uma informação objetiva desse dinheiro, onde foi investido, o que foi feito com isso.

Sergio: Mas ele, bom, eu sei dizer que ele...

(...)

Juiz: Mas era do Zé Maria ou era do senhor?

Sergio: O dinheiro, o empréstimo era da Redram.

Juiz: Da Redram, certo. E o senhor não sabe o que ele ia fazer com esse dinheiro? Ele poderia fazer qualquer coisa?

Sergio: Foi autorizado a fazer investimento, sim senhor.

Juiz: E que investimento que ele fez? O senhor não sabe?

Sergio: Não sei." (fl. 725 da ação penal ação penal 2003.7000066405-7)

C) "Juiz: E assim, o senhor mencionou que não teve condições de fazer aquele pagamento porque estava, porque o dinheiro estava investido, mas ele ficou investido então desde a época da operação lá em...

Sergio: A informação que eu tenho do Zé Maria é que esse investimento era a longo prazo.

Juiz: Que tipo de investimento a longo prazo que o dinheiro fica paralisado desde 1999?

Sergio: Não sei doutor, ele estava autorizado, ele tinha autorização e tinha autorização minha para fazer esse investimento.

Juiz: Desde 1998, ele está paralisado até hoje ou não?

Sergio: Não está paralisado, ele está investido.

Juiz: Sim, ma e sem possibilidade de retirar nem nada?

Sergio: Não sei.

Juiz: O senhor não sabe?

Sergio: Não sei.

Juiz: E o senhor quer que eu acredite nisso, que o senhor não sabe onde está esse dinheiro, que ficou paralisado desde 1998?

Sergio: O que eu posso fazer doutor?" (fl. 729-730 da ação penal ação penal 2003.7000066405-7)

82. Embora Sergio Marder tenha também afirmado que o empréstimo teria sido contabilizado, esqueceu-se de mencionar na ocasião que isso teria ocorrido apenas em 2003, cf. documento apresentado pelo próprio acusado Sergio Marder (fl. 1.147 da ação penal 2003.7000066405-7), e ainda afirmado pela testemunha de defesa, Paulo Jawsnicker, que era empregado da Redran (fl. 954 da ação penal 2003.7000066405-7). A explicação apresentada pela Defesa, de que isso teria ocorrido só em 2003 porque até então a empresa Redram não estaria registrada no SISBACEN, não encontra qualquer prova e carece de qualquer sentido, pois a contabilização é um procedimento interno da empresa, não tendo qualquer relação com cadastros em órgãos públicos.

83. Os depoimentos prestados pelos dois acusados nesse primeiro interrogatório são implausíveis.

84. José Maria, neste primeiro, admitiu que os valores dos dois empréstimos, da Tucumann e da Redram, ficaram com ele, em sua conta no exterior, no que convergiu com o afirmado por Sergio Marder na ocasião. Apesar de seu elevado valor, de dois milhões de dólares no conjunto, e mesmo tendo sido acusados de crime envolvendo o recebimento dos empréstimos, os dois, José Maria e Sérgio, não lograram, em audiências realizadas em dezembro de 2003 , fornecer uma informação concreta sobre o destino específico do dinheiro, onde estaria ou com quem foi investido. Não é crível que ambos, empresários e chamados a depor em ação penal sobre os fatos, não tivessem nenhuma informação concreta ou precisa sobre o destino ou paradeiro do dinheiro.

85. Na segunda ação penal, foram ambos novamente interrogados, desta feita em audiência de 01/03/2007. Na oportunidade, já havia vindo aos autos da primeira ação penal os documentos da conta de José Maria no Citibank em Miami e que foram obtidos por quebra judicial e através de cooperação jurídica internacional (fls. 1.437-1.468 da ação penal 2003.7000066405-7)

86. Nos referidos documentos, constata-se que, de fato, os empréstimos de um milhão de dólares cada um para as empresas Tucumann e Redram foram depositados na conta de José Maria no exterior (fl. 1.445 da ação penal 2003.7000066405-7). Em 18/08/1998, USD 400.000,00 foram transferidos, da conta de José Maria, para conta da off-shore Amarilis Finance Corporation no Bank Audi em Nova York (fls. 1.446 e 1.456 da ação penal 2003.7000066405-7). Em 24/08/1998, USD 600.000,00 foram transferidos para investimento no próprio Citibank (fl. 1.462 da ação penal 2003.7000066405-7). Também em 24/08/21998, foi transferido um milhão de dólares para conta na Suíça titularizada por Thomas Bonetti (fl. 1.464 da ação penal 2003.7000066405-7).

87. José Maria, em seu interrogatório na segunda ação penal (fls. 307-320 da ação penal 2004.7000039573-7), forneceu informações um pouco mais precisas sobre os investimentos. Transcreve-se os seguintes trechos:

A) "Juiz Federal: E foram para onde esses seiscentos mil depois?

José Maria: Depois foi feito investimento numa companhia chamada Companhia de Mandatos, Administraciones.

Juiz Federal: E os quatrocentos mil?

José Maria: Foi feito investimento nessa companhia." (fl. 308 da ação penal 2004.7000039573-7)

B) "Juiz: E essa Companhia de Mandatos, Administraciones y Comisiones S/A, o quê que é essa empresa?

José Maria: É uma empresa que faz investimentos também no exterior ... é uma empresa panamenha...

Juiz: Mas onde que fica?

José Maria: Fica no Panamá.

(...)

Juiz: E com quem o senhor tratou para chegar nessa companhia?

José Maria: Com o representante dela, o Doutor Mauro Guilem.

Juiz: Do exterior ou brasileiro?

José Maria: É um procurador da empresa no Uruguai.

(...)

Juiz: E ele falou ao senhor ... ele apresentou a empresa ao senhor, apresentou documentos, essa é uma empresa conhecida para investimento no exterior?

José Maria: Isso não posso lhe responder, porque eu não sei se é uma empresa conhecida ou não.

(...)

Juiz: O senhor tinha feito algum investimento com ele antes?

José Maria: Não. Nenhum.

(...)

Juiz: E esse dinheiro está com ele até hoje?

José Maria: Continua na Companhia de Mandatos, Administraciones y Comisiones.

(...)

Juiz: Uhum. E o senhor mencionou, ele não devolveu até o momento esses empréstimos?

José Maria: não.

Juiz: E esses juros ou taxa de interesse, ele pagou para o senhor alguma coisa?

José Maria: Ainda não.

Juiz: Há quanto tempo que isso ta lá? 1998?

José Maria: É, 1998. Os contratos foram renovados, ta lá desde 1998.

Juiz: E ele pagou para o senhor alguma vantagem, alguma coisa para ele estar com esse dinheiro até hoje [ou seja, em 01/03/2007]? Não foi pago nada para o senhor?

José Maria: Não.

Juiz: E ele ta com esse dinheiro, vamos dizer, sem pagar nada para o senhor contra a sua vontade ou o senhor concorda com isso?

José Maria: Contra a minha vontade, Já queria ter recebido.

Juiz Federal: E o senhor mandou alguma carta de cobrança para ele, efetuou alguma cobrança disso?

José Maria: Conversei com ele, já fui lá, conversei, telefonei. Houve uma cisão na empresa deles, um dos sócios saiu, estou com dificuldade para receber.

Juiz: O senhor já entrou com alguma ação de cobrança ou coisa parecida?

José Maria: Proximamente.

Juiz: Entrou ou não?

José Maria: Pretendo fazer isso. Pretendo fazer isso." (fls. 309-310 da ação penal 2004.7000039573-7)

88. A fiar-se nas afirmações apresentadas, seria necessário acreditar que, empresário experiente, teria investido em 1998 um milhão de dólares em empresa praticamente desconhecida e que, em 01/03/2007, data do segundo interrogatório, não teria ainda recebido o numerário de volta, não teria recebido pagamento de juros ou taxa de interesses e ainda não teria tomado qualquer providência concreta para recebê-los, como o envio de uma carta ou a propositura de alguma medida de cobrança.

89. É perceptível ainda a mudança substancial de versão dos fatos, pois no primeiro interrogatório, o acusado José Maria, embora vago, afirmou expressamente, cf. visto no trecho "C" do item 80, retro, que o investimento teria sido pulverizado com terceiros, menos de meia dúzia, e não que havia investido o capital em apenas uma empresa.

90. Além disso, José Maria alterou completamente a versão dos fatos quanto ao destino dado ao numerário emprestado à Redram e que havia sido depositado em sua conta. Com efeito, como visto acima, ele afirmou que teria ficado com o numerário e investido para a Redram (cf. trechos "D" e "E" do item 80). No entanto, no segundo interrogatório, afirmou algo completamente diferente. Transcreve-se os trechos pertinentes:

"Juiz: O outro milhão que foi na sua conta, quer era da Redran, o quê que foi feito com esse dinheiro?

José Maria: Eu recebi uma determi, deter, uma determinação do senhor Sergio para mandar para um determinado, determinada conta, mas daí...

Juiz: Eu vou lhe mostrar aqui folha 1464 dessa mesma ação penal 66405-7, eu peço pro senhor dar uma olhadinha.

José Maria: A assinatura ta borrada em cima, mas deve ter sido.

Juiz: O senhor que emitiu essa ordem?

José Maria: Provavelmente. Não tá escrito, provavalmente. (...)

Juiz: O senhor recebeu essa solicitação do senhor Sergio Marder, é isso?

José Maria: Do terminal que ... um milhão dele.

Juiz: E ele explicou para o senhor o quê que era essa conta lá na Suíça? José Maria: Não." (fl. 315 da ação penal 2004.7000039573-7)

91. Já Sergio Marder, em seu interrogatório na segunda ação penal (fls. 321-330 da ação penal), persistiu na versão de que o numerário teria ficado com José Maria e que não saberia dizer o que teria sido feito dele. Negou que tivesse solicitado a José Maria qualquer movimentação do numerário no exterior. Transcrevem-se alguns trechos:

"Sergio: Fui eu que negociei esse empréstimo (...)

(...)

Juiz: Ele [José Maria] ficou responsável, então, por investir esse um milhão?

Sergio: É, esse um milhão da Redram lá fora.

Juiz: E foi investido aonde?

Sergio: Ah, não sei, isso ficou por conta dele, até hoje eu não vi o dinheiro, não autorizei nada, e ele disse que está aplicado lá fora. Ele deve ter a documentação, acho que teria que mostrar em Juízo isso, porque eu não tenho nada, nenhum documento hoje.

Juiz: Mas o senhor cobrou dele ou coisa parecida?

Sergio: Olha, eu não recebi esse numerário até hoje. Ninguém me cobrou... Não, eu não recebi o numerário até hoje, não recebi esse numerário, ninguém me cobrou.

(...)

Juiz: Tá, mas o senhor nunca cobrou o Ribas Muller para saber 'Oh', bem, tem um milhão de dólares lá fora e ele investiu para o senhor?

Sergio: Ele fala que tá aplicado lá fora e, para esperar.

Juiz: Mas tá aplicado aonde?

Sergio: Pois é.

Juiz: Foi em 1998?

Sergio: Noventa e oito.

Juiz: Quase 10 anos.

Sergio: Exato.

Juiz: Ele pagou juros para o senhor ou alguma taxa de interesse, algo assim?

Sergio: Não, não, disse que não venceu. Tamos esperando, tou aguardando. (....)" (fls. 321-323 da ação penal 2004.7000039573-7)

"Juiz Federal: Esse um milhão de dólares... consta aqui no processo que foi para uma tal de Banca Privata Solare Blum, beneficiário Thomas Bonetti, Lugano - Suiça. Quem que são essas pessoas?

Sergio: Não conheço, desconheço totalmente.

Juiz: Tem uma determinação aqui para fazer a transferência do senhor Ribas Muller, não foi o senhor que ordenou, pediu que ele fizesse dessa foram?

Sergio: Nunca, nunca.

Juiz: O senhor tem idéia por que que ele disse que foi o senhor que teria feito essa determinação?

Sergio: Não imagino." (fls. 323-324 da ação penal 2004.7000039573-7)

92. Diante da contradição entre ambos, foi realizada acareação entre ambos, perante este Juízo, na qual reiteram suas versões contraditórias (fls. 328-329 da ação penal 2004.7000039573-7).

93. Para apurar o destino dos empréstimos da Tucumann e da Redran no exterior, foi instaurado inquérito a parte, de n.º 2007.7000004134-5.

94. No referido inquérito, que está juntado por cópia integral no apenso II da ação penal 2004.7000039573-7, foi decretada judicialmente a quebra do sigilo bancário da conta em Nova York da off-shore Amarilis Finance Corporation e ainda da conta na Suiça de Thomas Bonetti, que teriam recebido os valores repassados pela conta de José Maria.

95. Os documentos relativos à conta da Amarilis vieram ao Brasil através de pedido de cooperação jurídica internacional. Como se depreende do vol. 7 do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7, a conta da off-shore Amarilis Finance Corporation tem como controlador a pessoa de Olivir Santos Pereira (fls. 04-10 do vol. VII apenso II da ação penal 2004.7000039573-7). A assinatura no cadastro aparenta ser de pessoa semi-analfabeta. Não foi ela localizada durante a investigação para ser ouvida e a quebra judicial de sigilo fiscal revelou que se trata de pessoa omissa junto à Receita Federal (fl. 190 do vol. I do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7). Não há qualquer registro a seu respeito na base de dados do CNIS (fl. 188 do vol. I do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7). Tratam-se de indícios significativos de que Olivir seria mera pessoa interposta, utilizada para ocultar o verdadeiro controlador da conta, como aliás, concluiu a autoridade policial responsável pelo inquérito 2007.7000004134-5:

"No IPL 1026/03-SR/DPF/PR, em cooperação com autoridades americanas foram obtidos os documentos de abertura de conta em nome da Amarilis Finance. Vê-se que o controlador da mesma seria, em tese, Olivir Santos Pereira. Inúmeras tentativas foram feitas de localizar tal pessoa, todas infrutíferas. Os indícios são de que se tratava de pessoa inexistente ou então mero laranja para esconder o verdadeiro controlador." (fls. 693-694 do volume III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7)

96. Por outro lado, a movimentação da conta Amarilis é muito expressiva, cf. extratos constantes nos vols. VII e VIII do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7, apresentando diversas transações com casas de câmbio e outras off-shores, várias delas cujos responsáveis respondem perante esta Vara por ações penais por crimes de evasão de divisas (v.g.: Real Cambios, Banco Integracion, Colorado Finance, Premier Trading etc), com empresas brasileiras, como Trombini Papel e Embalagens Ltda., Banco Bamerindus, Banco Itaú etc, e com pessoas de nomes típicos do Brasil, como Silvia Maria, Manoel Franco, José Pinto, Sandro Augusto, Pedro Celso, etc.

97. A utilização de pessoas interposta ou inexistente, de nacionalidade brasileira, para abertura da conta e a movimentação típica do mercado de câmbio negro constituem indícios veementes de que era controlada por doleiro com atuação no Brasil.

98. Pelo exame dos extratos da conta, constatam-se dois lançamentos de crédito tendo por origem a conta de José Maria Ribas Muller, um de USD 400.000,00 em 19/08/1998 (fl. 121 do vol. VII do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7), outro de USD 270.000,00 em 24/12/1998 (fl. 179 do vol. VII do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7).

99. Quanto a conta de Thomas Bonetti, o envio do pedido de cooperação jurídica à Suíça levou ao bloqueio da conta (fls. 738-739 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7), o que motivou Silvano Bonetti, afirmando ser pai de Thomas e verdadeiro controlador da conta, a esclarecer em Juízo o ocorrido, inclusive juntando os extratos da conta corrente (fls. 807-16 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7).

100. Silvano Bonetti foi ouvido como testemunha por este Juízo nos autos daquele inquérito (fls. 804-807 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7), em oitiva antecipada decorrente de sua elevada idade, nos termos da decisão de fls. 763-764 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7. Foram intimados para audiência os acusados deste feito e foi ainda informado que o depoimento iria ser utilizado como prova neste processo, cf. consignado expressamente na referida decisão.

101. Silvano Bonetti declarou em seu depoimento (fls. 891-897 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7), em síntese, que a origem do depósito em sua conta na Suíça seria a aquisição por ele de um milhão de dólares de um doleiro em Curitiba, Luis Ramon Valensuela Kleiber, em contrapartida a reais disponibilizados ao doleiro no Brasil. Negou conhecer os acusados neste feito e afirmou que teria emitido diversos cheques em reais no Brasil para pagamento ao doleiro.

102. Como resultado da investigação, foi decretada a quebra judicial do sigilo bancário da conta de Silvano no Brasil e que teria sido sacada (fls. 713-714, 898-899 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7), vindo aos autos os cheques de fls. 859-875 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7. Um dos cheques, de R$ 300.000,00, está nominal à Redram, tendo vindo informação da instituição financeira que teria sido depositado na conta desta empresa (fls. 862 e 1.109 do vol. III do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7). Outro cheque, de R$ 180.000,00, nominal ao próprio Silvano Bonetti, teria sido desdobrado para realizar duas transferências, uma delas de R$ 117.00,00 na conta do acusado Sergio Marder (fls. 1.049-1.050 e 1.110 do vol. IV do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7). Atendendo a pedido da Defesa de José Maria, foi aprofundada a quebra de sigilo bancário, tendo, por ordem judicial, vindo aos autos extrato da conta corrente da Redram e da conta corrente de Sergio Marder, confirmando os depósitos em suas contas nas datas de 25/08/1998 e 27/08/1998, respectivamente (fls. 593 e 597 da ação penal 2004.7000039573-7)

103. Releva ainda destacar, sobre o destino dos depósito, que o acusado José Maria juntou, inicialmente e como prova dos supostos investimentos feitos na Compania de Mandados Administraciones Y Comisiones S/A, as cópias de faxes de fls. 18-22 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7, consistentes em cópia de contratos de mútuo entre a Preferential Investments Global Corporation, por ele então representada, e a Compania de Mandatos Administraciones y Comisiones. Um dos contratos de mútuo tem o valor de USD 400.000,00, o que corresponde a um dos créditos efetuados da conta de José Maria para a conta da Amarilis, e outro tem o valor de USD 270.000,00, o que corresponde a outro dos créditos efetuados da conta de José Maria para a conta da Amarilis (fls. 18 e 22 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7). Os valores constantes nos outros contratos, de USD 55.500,00, USD 108.500,00, 143.500,00, não correspondem a nenhum crédito na conta da Amarilis.

104. Já no final dos processos, na fase do artigo 499 do CPP, juntou novas cópias dos mesmos documentos e ainda cópias de sucessivas renovações dos empréstimos nas datas de 17/08/1999, 20/12/1999, 01/07/2000, 01/07/2001, 01/07/2002, 01/07/2003, 01/07/2004 (fls. 308-334 do apenso XV, vol. II, da 2004.7000039573-7).

105. Foram solicitados, por despacho de fls. 2.108-2.109 da ação penal 2003.7000066405-7 e de fls. 935-936 da ação penal 2004.7000039573-7, a apresentação dos originais dos documentos, sendo então apresentada a petição de fls. 2.111-2.131 da ação penal 2003.7000066405-7.

106. Ocorre que há indícios de que os documentos juntados seriam falsos e que teriam sido produzidos apenas para justificar perante este Juízo as transações.

107. Em primeiro lugar, os contratos não são consistentes com as transferências provadas da conta de José Maria para a conta da Amarillis que, cf. indícios relatados, seria controlada por doleiro no Brasil. Quem transfere para conta de doleiro no exterior está usualmente realizando uma operação do tipo dólar-cabo, com recebimento de reais no Brasil, e não realizando investimentos em empresa estrangeira

108. Em segundo lugar, os contratos não são consistentes com a versão dos fatos apresentada pelo acusado José Maria em seu primeiro depoimento, segundo o qual os valores decorrentes dos empréstimos teriam, quando de seu investimento, sido pulverizados com terceiros, menos de meia dúzia, mais ainda mais de um (cf. trecho "C" do item 80, retro). Embora sejam consistentes com a segunda versão, segundo a qual seria apenas um captador dos investimentos, a mudança de uma para a outra versão compromete a credibilidade de ambas e afeta igualmente a credibilidade dos documentos apresentados para amparar uma delas.

109. Em terceiro lugar, constata-se nos contratos de mútuo as afirmações em seu final de que eles estariam sendo assinados em duas vias originais ("and by being in accord, the parts sign the present contratct in two identical copies of same purport and form", que traduzido significa que, "estando em acordo, as partes assinam o presente contrato em duas cópias idênticas de mesmo propósito e forma" - fls. 18-22 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 308-312 do vol. II. apenso XV do apenso XV da ação penal 2003.7000066405-7). Não obstante, examinando as cópias juntadas pela Defesa, constata-se que foram apresentadas a este Juízo, sem qualquer explicação, três vias de cada instrumento do contrato de mútuo. Uma primeira via foi apresentada inicialmente pela Defesa, em 03/02/2003, cf. cópias de fls. 18-22 do apenso X da ação penal ação penal 2003.7000066405-7. As outras duas vias foram apresentadas posteriormente pela Defesa, em 30/01/2009, cf. cópias de fls. 308-312 do vol. II. apenso XV da ação penal 2003.7000066405-7. Tal constatação decorre da comparação visual das assinaturas constantes em cada um dos documentos. Com efeito, v.g., a assinatura de José Maria constante na cópia do contrato de mútuo datado de 08/17/1998 de fl. 18 do apenso X diverge das assinaturas constantes nas cópias dos contratos de mútuo de mesma data constantes nas fls. 308 e 314 do apenso XV, e as assinaturas nestes dois últimos documentos também divergem entre si, o que é facilmente constatável, não só pela forma, mas principalmente pela posição das assinaturas junto às letras do nome da empresa "Preferential Investments Global, Corp." As mesmas variações são observáveis, por mera comparação visual, em relação às outros conjuntos de cópias dos contratos de mútuo. Assim: a) as assinaturas de José Maria constantes cópias de fl. 19 do apenso X e de fls. 309 e 315 do apenso XV apresentam variações de forma e não se encontram na mesma posição em relação ao nome da empresa; e b) as assinaturas de José Maria constantes cópias de fl. 22 do apenso X e de fls. 313 e 316 do apenso XV apresentam variações de forma e não se encontram na mesma posição em relação ao nome da empresa.

110. Se os documentos foram assinados em duas vias originais, como neles consignado, não há explicação para terem sido apresentadas três cópias com variações de assinaturas entre si, o que pressupõe três vias originais e o que está em contradição com o que está afirmado no próprio documento. Duas variações apenas seriam aceitáveis. Tal contradição e a distância temporal entre a apresentação das diferentes cópias constituem forte indício de que os documentos foram produzidos em momentos temporais distintos e para fazer prova perante este Juízo e que, por conseguinte, são falsos.

111. A apresentação dos documentos originais não altera tal conclusão, pois as vias apresentadas são originais das cópias de fls. 308-312 do apenso XV, vol. II, mas não são compatíveis com as cópias de fls. 18-22 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7.

112. Tem-se, portanto, em relação aos empréstimos concedidos pelo Banestado, através da agência Grand Cayman, para as empresas Tucumann e Redram, os seguintes fatos:

a) os empréstimos foram negociados pelos acusados José Maria e Sergio Marder;

b) o empréstimo da Tucumann não foi contabilizado e o empréstimo da Redram foi contabilizado apenas em 2003, cinco anos após a concessão deles;

c) os valores de ambos os empréstimos foram transferidos para a conta de José Maria;

d) José Maria, em seu primeiro depoimento, afirmou que estava até aquela data, 01/12/2003, com os valores de ambos os empréstimos, da Tucumann e Redran, no exterior, sob sua responsabilidade;

e) José Maria, no segundo depoimento, alterou a versão dos fatos sem explicação, afirmando que teria realizado a transferência do valor da Redram a pedido de Sergio Marder logo após recebê-lo em sua conta;

f) José Maria, em seu primeiro depoimento, afirmou que teria pulverizado o valor dos empréstimos em investimentos com pessoas diversas mas em número inferior a meia dúzia;

g) José Maria, no segundo depoimento, alterou a versão dos fatos sem explicação, afirmando que teria realizado investimentos com uma única pessoa, a Compania de Mandatos e Comisiones;

h) José Maria nos dois depoimentos não conseguiu dar detalhes relevantes dos investimentos realizados no exterior, apresentando a versão implausível de que teria um milhão de dólares investido no exterior desde 1998 e até a data das audiências, a última em 01/03/2007, sem nunca ter recebido ele de volta, sem ter recebido juros, sem saber onde e como exatamente ele estaria investido e sem tomar qualquer providência para receber o principal de volta ou pelo menos os juros;

i) Sergio Marder nos dois depoimentos manteve a versão de que o empréstimo da Redram, de um milhão de dólares, teria sido mantido no exterior com José Maria, apresentando a versão implausível de que teria um milhão de dólares investido no exterior desde 1998 e até a data das audiências, a última em 01/03/2007, sem nunca ter recebido ele de volta, sem ter recebido juros, sem saber onde e como exatamente ele estaria investido e sem tomar qualquer providência para receber o principal de volta ou pelo menos os juros;

j) as versões de ambos os acusados, José Maria e Sergio Marder, não são compatíveis entre si;

k) da conta de José Maria, foram transferidos, com prova, USD 870.000,00 ainda em 1998 para conta Amarilis em relação a qual há indícios significativos de que seria controlada por doleiro com atuação no Brasil;

l) da conta de José Maria, foi transferido um milhão de dólares ainda em 1998 para conta controlada por Silvano Bonetti na Suíça;

m) segundo Silvano Bonetti a transferência teve por base contrapartida em reais deste numerário no Brasil ao doleiro Luis Ramon Valensuela Kleiber;

n) no rastreamento de valores sacados em reais da conta de Silvano Bonetti foram identificados cheques depositados nos valores de R$ 300.000,00 e R$ 117.000,00 na conta da Redram e de Sergio Marder, respectivamente;

o) a Defesa de Sergio Marder, mesmo tendo sido intimada desta documentação, calou-se a seu respeito; e

p) foram apresentados perante este Juízo por José Maria documentos com indícios de serem falsos para justificar a transferência dos valores do empréstimo concedido à Tucumann para conta em relação a qual há indícios de ser controlada por doleiro brasileiro.

113. A forçosa conclusão é que as declarações de ambos os acusados, José Maria e Sergio Marder, não tem a menor credibilidade, tendo os dois faltado com a verdade, um deles com a apresentação de documentos falsos para este Juízo, quanto ao destino dos empréstimos.

114. Tal comportamento não pode ser atribuído à auto-defesa, pois fossem os empréstimos legais como afirmam não teriam dificuldades em esclarecer de forma plausível e com documentos o seu destino.

115. Questão que se coloca é por que as duas empresas não contabilizaram os empréstimos na época de sua concessão e porque os dois empresários mentiram reiteradamente à Justiça quanto ao destino dos respectivos valores?

116. A explicação óbvia é a de que os dois acusados, José Maria e Sergio Marder, faltaram com a verdade quanto ao destino dos empréstimos, pois a verdade quanto a ele os incriminaria, confirmando as declarações do delator, ou seja, que os valores emprestados foram em parte utilizados para o pagamento das vantagens indevidas.

117. Afinal, as provas indicam que os valores dos empréstimos foram trazidos quase integralmente ao Brasil, através do mercado de câmbio negro, ainda em 1998 e logo após a sua concessão, o que se extrai, em relação ao empréstimo da Redram, da prova cabal da operação dólar-cabo envolvendo os recursos de Silvano Bonetti, com posterior depósito de parte em contas da Redram e de Sergio Marder, e ainda, em relação ao empréstimo da Tucumann, das transferências provadas para a conta Amarilis que é controlada por doleiro com atuação no Brasil e das falsidades praticadas por José Maria para tentar provar que o numerário teria sido mantido no exterior.

II.4

118. O empréstimo para a Jabur Toyopar foi concedido em 20/08/1998 no valor de USD 1.500.000,00.

119. Nas fls. 105-108 do apenso III da ação penal 2003.7000066405-7, consta que o numerário foi, em seguida e com autorizações da assinadas pela acusada Maria Cristina, transferido para outras contas no exterior. USD 50.000,00 para conta de José Miguel Pinotti no Eurobank, USD 300.000,00 para conta de Shandong Whehai Group no Bank of China, USD 450.000,00 para conta Ibiza administrada pela Beacon Hill Service Corporation e mantida no Chase Bank de Nova York, e USD 700.000,00 para conta de Syata Enterpriser no Capital Bank. A partir daí o numerário só volta a reaparecer, no Brasil, parcialmente, como ver-se-á a seguir.

120. Não é controvertido nos autos o fato de que o numerário emprestado no exterior foi internalizado no Brasil através do doleiro Alberto Youssef e, portanto, pelo mercado negro de câmbio. O fato foi afirmado pelo delator Alberto Youssef, cf. depoimento de fls. 447-455 da ação penal 2004.7000039573-7, e não é questionado pela Defesa, até porque caso tivesse sido trazido pelos meios próprios, haveria registro da operação junto ao SISBACEN, o que não existe.

121. Em síntese, o doleiro Alberto Youssef repassou o numerário a outros doleiros, que controlariam as contas no exterior acima apontadas e estes, em seguida, providenciaram o depósito em reais em contas no Brasil.

122. A Defesa de Maria Cristina apresentou petição juntando documentos e pretendendo demonstrar que o empréstimo teria sido internalizado pelo valor equivalente de R$ 1.599.750,00, através de depósitos na conta da Jabur Toyopar e pagamentos efetuados a terceiros em nome da empresa (fls. 778-802 e 852-875 da ação penal 2003.7000066405-7). O empréstimo estaria contabilizado no livro razão pelo referido valor de R$ 1.599.750,00 (fl. 793 da ação penal ação penal 2003.7000066405-7)

123. Ocorre que USD 1.500.000,00 convertidos em reais pelo câmbio de 20/08/1998 atingem valor bem superior a R$ 1.599.750,00.

124. Com efeito, cf. taxas do câmbio informadas pelo Banco Central nas fls. 1.366-1.367 da ação penal 2003.7000066405-7, tal valor correspondia, pela menor taxa de câmbio praticada na data de 20/08/1998 (1,17300), a R$ 1.759.500,00.

125. Embora não se tenha nos autos a taxa de câmbio do mercado negro praticado naquela data, pois tais dados não estão disponíveis com facilidade, é notório que a taxa de câmbio do mercado negro é sempre mais elevada do que a do mercado oficial, a ele se recorrendo, não por economia de recursos, mas para realizar a transação sem o conhecimento das autoridades públicas. Aliás, Alberto Youssef, ouvido em Juízo, confirmou o que é notório, ou seja, que o câmbio do mercado negro era na época mais elevado do que o oficial (fl. 453, linhas 40-46, da ação penal 2004.7000039573-7).

126. Então o valor em reais correspondente ao empréstimo de USD 1.500.000,00 é certamente maior do que R$ 1.759.500,00.

127. Portanto, a demonstração apresentada pela acusada e sua Defesa não é consistente, pois, mesmo considerando o câmbio mais baixo, faltaria explicação para o destino de cerca de R$ 159.750,00.

128. Tal valor é muito próximo ao equivalente em reais dos aproximados cento e trinta ou cento e trinta e cinco mil dólares (que convertidos pelo mesma taxa de câmbio da referida data atingem R$ 154.014,00), e que segundo os delatores teriam sido pagos como vantagem indevida decorrente do empréstimo, cf. declarações dos itens 66 e 67, retro.

129. No decorrer do processo e como resultado da delação premiada de Alberto Youssef, foi apreendida a contabilidade do referido doleiro. Da contabilidade, foram extraídos os lançamentos de fls. 08 e 09 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7 e que constariam nas contas correntes da empresa Jabur Toyopar junto ao doleiro. Segundo a contabilidade, dos USD 1.500.00,00 do empréstimo, teriam sido transferidos apenas USD 1.300.000,00 para a conta corrente da Jabur Toyopar junto ao doleiro, identificada pelo código ToyoparCR, no valor equivalente a R$ 1.540.500,00, o que revela um câmbio no mercado negro de 1,185, e o que é compatível com a afirmação acima realizada de que o câmbio no mercado negro é superior ao câmbio no mercado oficial. A diferença de R$ 59.250,00 entre R$ 1.540.500,00 e R$ 1.599.750,00, que a Defesa de Maria Cristina afirma que a Jabur Toyopar teria recebido, correspondem exatamente ao lançamento na contabilidade do doleiro de USD 50.000,00 convertido pelo câmbio de 1,185 e que foi efetuado na conta da Jabur Comercial Exportador, cf. documento trazido pela Defesa e constante na fl. 784 da ação penal ação penal 2003.7000066405-7.

130. Na contabilidade do doleiro, ainda se vislumbram nas fl. 08 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7, os lançamentos efetuados a outros doleiros e que possibilitaram a internalização. Também se vislumbra um lançamento de USD 131.300,00 em favor do código KrueguerDL na data de 27/08 da conta da Toyopar. Tal valor é que teria sido pago como vantagem indevida em decorrência do empréstimo.

131. Ouvido em Juízo, Alberto Youssef esclareceu a operação e a sua contabilidade:

"Juiz: Eu vou lhe mostrar aqui a folha 1.492 da ação penal 2003.7000066405-7 [equivalente à fl. 08 acima referida], eu peço para o senhor dar uma olhadinha.

Alberto: Sim isso mesmo.

Juiz: O senhor pode me dizer o quê que é esse documento, o quê que ele está...?

Alberto: Isso é uma conta corrente da minha contabilidade apreendida pela Polícia Federal, pela Justiça, aonde era a conta corrente em dólares da Jabur Toyopar.

Juiz: Esses códigos, o senhor poderia ler os códigos para me dizer o quê que eles significam?

Alberto: ToyoparDL: Toyopar dólares.

Juiz: E abaixo das operações.

Alberto: GilDL é um cliente de mercado, de Manaus; AgnaldoCB é um cliente de cabo de Mana..., São Paulo; Denis é um cliente, operador do mercado de São Paulo; Guairá Câmbios é empresa onde eu participava lá no Paraguai, senhor Victoriano Ribas; DL era a minha conta de giro normal de dólares e KruegerDL era um cliente meu operador de mercado aqui em Curitiba.

Juiz: Esse KruegerDL é esse Paulo Krug, o doleiro de...?

Alberto: Sim, senhor.

Juiz: Essa operação, esse último registro aqui de cento e trinta e um mil e trezentos, é esse dinheiro que foi entregue como doação de campanha R$ 1.599.750,00?

Alberto: Exatamente.

Juiz: Tendo aqui esse dado, o senhor poderia confirmar se foi ele quem, se foi alguém por ele quem entregou ou foi ainda alguém pelo senhor que entregou?

Alberto: Não. Foi pelo Krueger. Taí na compensação." (fl. 450 da ação penal 2004.7000039573-7)

132. O fato da vantagem indevida ter sido entregue por Paulo Krug também foi afirmado pelo outro delator Gabriel Nunes Pires Neto:

"Juiz: O senhor sabe como que esse dinheiro lhe foi entregue?

Gabriel: Foi entregue por um enviado do Alberto Youssef, tenho impressão que era alguém do Paulo Kriguer, que é uma casa de câmbio aqui que ele mantinha contato, que me entregou." (fl. 437 da ação penal 2004.7000039573-7)

133. Registre-se que Paulo Roberto Roberto Krug é doleiro em São José dos Pinhais e que foi condenado criminalmente por este mesmo Juízo na ação penal 2004.7000015045-5 (sentença nas fls. 410-429 da ação penal 2004.7000039573-7).

134. Acrescente que os lançamentos nas contas da Toyopar constantes na contabilidade de Alberto Youssef foram objeto de perícia da Polícia Federal, cf. fls. 45-53 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7). Os aludidos lançamentos pode ser visualizados, como se encontram na contabilidade, nas fls. 51-53 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7, e os peritos informaram que eles foram feitos na época dos fatos, ou seja, em agosto de 1998, cf. resposta ao primeiro quesito (fl. 47 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7), o que afasta a hipótese de manipulação dos dados pelo delator. Consta ainda nos autos um relato técnico detalhado dos lançamentos da contabilidade e de sua convergência com os outros elementos juntados aos autos, inclusive alguns trazido pela Jabur Toyopar para demonstrar a internalização dos recursos (fls. 10-14 do apenso I da ação penal 2004.7000039573-7).

135. O fato das declarações dos delatores convergirem com os lançamentos encontrados na contabilidade apreendida de Alberto Youssef confere a elas certa credibilidade.

136. De todo modo, o ponto central é ainda a inconsistência da demonstração feita pela Defesa da acusada Maria Cristina de que o valor do empréstimo teria sido internalizado e beneficiado somente a Jabur Toyopar. Como visto acima, faltam valores significativos e para os quais não foi dada qualquer explicação. Tais valores, por outro lado, correspondem exatamente ao montante que teria sido pago, segundo os delatores, a título de vantagem indevida.

137. Além disso, foi igualmente constatada inconsistência nas declarações prestadas pela acusada Maria Cristina a respeito dos fatos.

138. Depondo perante a Comissão Parlamentar de Inquérito constituída junto à Assembléia Legislativa do Estado do Paraná para apurar as causas do deperecimento do Banestado, a acusada Maria Cristina negou qualquer responsabilidade sobre o empréstimo, afirmando mais de uma vez que dele não tinha conhecimento, que não tinha assinado o contrato de mútuo ou a nota promissória e mesmo colocando em dúvida a sua existência. Transcreve-se alguns trechos:

"Presidente: E a Jabur Toyopar então recebeu este empréstimo em Grand Cayman no valor de um milhão e meio de dólares?

Maria Cristina: Deputado, eu tive conhecimento desse suposto empréstimo em meados de 99, início de 99, quando nós fomos procurados por uma pessoa do Banestado cobrando esta suposta dívida. Presidente: Mas quando entrou o dinheiro a senhora não tinha conhecimento? (negativa da depoente)

Presidente: Mas e para quem entrou este dinheiro, então?

Maria Cristina: Não sei informar.

(...)

Maria Cristina: (...) Então, eu não posso afirmar que esse débito existe ou não. Quando forma feitas as tratativas no ano de 99, por várias irreularidades dentro da minha empresa, feita por diretores, por vendedores, etc., na verdade, eu fiquei afastada das empresas que eu era responsável até o final do ano, inclusive no final de 99 eu iniciei uma pós-graduação.

(...)

Deputado Neivo Beraldin: A senhora sabe que ele [Alberto Youssef] assinou como garantidor dos empréstimos da Jabur?

Maria Cristina: Não sei, porque não vi esse empréstimo. Gostaria de ver esse empréstimo.

(...)

Deputado Bradock: A senhora deve ter ido até o Banestado, sei lá, atrás de alguém para saber a dívida, quero saber quem assinou, quem fez o empréstimo?

Maria Cristina: Essa informação ela não me foi passada.

(...)

Maria Cristina: Mas é que eu não vi o contrato de empréstimo, eu preciso ver quem assinou. Esse que é o problema, eu não vi, eu não tenho conhecimento.

(...)

Maria Cristina: Eu vim com a melhor boa-vontade! O que eu gostaria de entender, porque não sou nenhuma tonta, sou advogada, mas houve uma administração nessa época que me roubo em tudo. Inclusive, eu ia entrar com uma ação da administração..."

(fls. 102-111 do apenso XI da ação penal 2003.7000066405-7)

139. Já em Juízo, alterou completamente a versão dos fatos (depoimentos nas fls. 392-403 da ação penal 2003.7000066405-7 e fls. 299-307 da ação penal 2004.7000039573-7), afirmando que teria conhecimento do empréstimo, que teria assinado o contrato e a nota promissória, mas que não seria responsável por eles, pois a empresa seria administrada na época pelo co-acusado Vílcio Caetano da Silva. Imputa, em síntese, a responsabilidade pelo empréstimo exclusivamente a Vílcio Caetano e Alberto Youssef.

140. Sobre a mudança de versão dos fatos, foi especificamente indagada e apresentou a seguinte explicação:

"Juiz: A senhora foi ouvida sobre esse fato na CPI do Banestado?

Maria Cristina: Sim.

Juiz: A senhora lembra do seu depoimento naquela ocasião?

Maria Cristina: Mais ou menos, lembro sim.

Juiz: Pelo que li no depoimento da senhora naquela ocasião, a senhora inicialmente nega que tinha participado...

Maria Cristina: É que eu queria ver o documento, Doutor, só isso. Só por isso, porque o dinheiro foi pego, sim, pela empresa. É que eu queria que eles mostrassem o documento e o deputado que me interrogou, ele não entendeu, ele gritou comigo. Isso me causou, Doutro, Vossa Excelência, muito prejuízo. (...)

Juiz: Mas por qual motivo que a senhora queria ver o documento? Por que a senhora não admitiu de pronto que a senhora tinha, vamos dizer, recebido esse ... participado desse empréstimo, ou que a empresa tinha recebido esses valores?

Maria Cristina: Foi... Não sei, Doutor. É, na CPI, vou dizer para o senhor que eu errei. Mas, mas foi pego e foi para capital de giro." (fl. 303 da ação penal 2003.7000066405-7)

141. A primeira explicação carece de sentido. Não havia motivo para a acusada colocar em dúvida a própria existência do contrato de empréstimo com a Jabur Toyopar perante a CPI do Banestado, já que havia assinado o contrato, a nota promissória e o valor do empréstimo teria sido internalizado parcialmente no Brasil. O reconhecimento, ao final, de que errou, não explica, porém, o motivo pelo qual faltou com a verdade naquela ocasião.

142. Também carece de plausibilidade a sua alegação de que Vílcio Caetano e Alberto Youssef eram os responsáveis exclusivos pelo empréstimo.

143. Afinal, Maria Cristina não está acusada apenas por ser sócio-gerente da Jabur Toyopar, como revelam os contratos de fls. 59-82 da ação penal 2003.7000066405-7. Ela não só, confessadamente, assinou o contrato de empréstimo, mas também forneceu aval pessoal para operação de USD 1.500.000,00.

144. Destaque-se ainda que foi ela, sozinha, quem, em nome da Toyopar, assinou as quatro autorizações de transferência do numerário emprestado para as contas no exterior controladas por doleiros, o que revela que praticou atos relativos não só à contratação do empréstimo, mas também quanto a sua ulterior destinação (fls. 105-108 do apenso III da ação penal 2004.7000039573-7)

145. É até possível que delegasse as tarefas do dia-a-dia, como alega, a terceiros como Vílcio Caetano, mas no entanto não é crível que assinasse um contrato de empréstimo de USD 1.500.000,00, assinasse as ordens de transferência do numerário, e ainda prestasse aval pessoal para a operação, desconhecendo o que estava fazendo.

146. Registre-se que o co-acusado Vílcio Caetano, em seu depoimento, não confirmou a alegação da acusada de que ela estava afastada da administração da empresa (fls. 403-413 da ação penal 2004.7000039573-7) e que o delator Alberto Youssef declarou, cf. item 67, retro, que ambos tinham conhecimento da necessidade de pagamento de vantagem indevida para obtenção do empréstimo.

147. Além disso, a mudança da versão dos fatos, do depoimento colhido na CPI para os depoimentos colhidos em Juízo, compromete a credibilidade das afirmações da acusada Maria Cristina.

148. Também merece destaque a, cf. visto, falta de explicação a este Juízo do destino de parte do numerário liberado para a Jabur Toyopar no exterior. A demonstração apresentada pela acusada e por sua Defesa é inconsistente, faltando explicar o destino de parcela de cerca de cento e trinta mil dólares que é exatamente o valor que, segundo os delatores, foi pago a título de vantagem indevida. Ora, se empresa e seus dirigentes celebraram empréstimo de USD 1.500.000,00, deveriam esperar o depósito do valor correspondente em suas contas. Se fosse depositado menos contra a sua vontade, é certo que tomariam providências para receber todo o valor. No caso, não há qualquer registro de que Jabur Toyopar tenha reclamado de Alberto Youssef por não ter providenciado a transferência a seu favor de todo o empréstimo, nem houve qualquer alegação das partes nesse sentido, o que significa que a empresa e seus dirigentes tinham ciência de que parte do empréstimo seria utilizado em outras finalidades.

149. Tem-se, portanto, em relação aos empréstimo concedido pelo Banestado, através da agência Grand Cayman, para a empresa Jabur Toyopar, os seguintes fatos:

a) o empréstimo e a nota promissória estão assinados pelos acusados Maria Cristina, Vilcio Caetano e Alberto Youssef;

b) os valores emprestados foram trazidos ao Brasil e convertidos em reais, por Alberto Youssef e através do mercado negro de câmbio;

c) pela Defesa de Maria Cristina, sócia-gerente da Jabur Toyopar, foi alegado que os valores teriam sido internalizados em favor da Jabur Toyopar;

d) a demonstração apresentada pela Defesa de Maria Cristina quanto à internalização do empréstimo é inconsistente pois não há como USD 1.500.000,00 convertidos pelo câmbio de 20/08/1998, mesmo pela menor taxa de câmbio oficial vigente naquela data, corresponderem a R$ 1.599.750,00, que é o valor contabilizado pela Jabur Toyopar como recebido;

e) falta, na demonstração ou nas alegações da Defesa, explicação para o destino de cerca de cento e trinta mil dólares, o montante equivalente aquele que teria sido pago como vantagem indevida segundo os delatores;

e) a contabilidade de Alberto Youssef foi periciada pela Polícia Federal e os registros nela constantes relativamente ao destino do empréstimo são consistentes, em detalhes, com seu depoimento em Juízo;

f) Maria Cristina mudou suas versões para os fatos quando depôs sobre eles na fase de investigação e em Juízo, não apresentando explicação; e

g) as alegações de Maria Cristina de que não tinha conhecimento específico do empréstimo são implausíveis diante de sua posição na empresa Jabur Toyopar, do valor do empréstimo e do fato de ter assinado todos os documentos a ele relativos e inclusive prestado aval pessoal.

150. A forçosa conclusão é que as declarações de Maria Cristina não tem credibilidade, tendo faltado com a verdade em relação ao empréstimo.

151. Tal comportamento não pode ser atribuído à auto-defesa, pois fosse o empréstimo legal como afirma não teria dificuldades em esclarecer de forma plausível e com documentos o seu destino de forma integral, ou seja, abrangendo igualmente a parcela de cerca de cento e trinta mil dólares faltante na demonstração.

152. Questão que se coloca é por que a acusada faltou com a verdade em seus depoimentos perante a CPI e perante a Justiça quanto ao empréstimo e deixou de apresentar a prova do destino integral do numerário?

153. A explicação óbvia é a de que a acusada Maria Cristina faltou com a verdade e deixou de demonstrar o destino integral do empréstimo, pois tais fatos a incriminariam, confirmando as declarações dos delatores, ou seja, de que o valor emprestado foi em parte utilizado para o pagamento da vantagem indevida.

II.5

154. É oportuna breve síntese da análise probatória.

155. O delator Gabriel Nunes Pires Neto declarou que ordenou a concessão dos empréstimos pelo Banestado e através da agência Grand Cayman às empresas Tucumann, Redram e Jabur Toyopar em troca do pagamento de vantagem indevida e que foi direcionada à campanha eleitoral em 1998. Afirmou ainda que, pela Tucumann e Redran, teria negociado com os acusados José Maria e Sergio Marder e deles recebido cerca de USD 200.000,00, e que, pela Jabur Toyopar, teria negociado com Alberto Youssef e dele recebido cerca de cento e trinta mil dólares.

156. O delator Alberto Youssef confirmou tais alegações no que se refere ao empréstimo da Jabur Toyopar e do pagamento de vantagem indevida por esta empresa. Afirmou em seu depoimento que os dirigentes da Jabur Toyopar foram informados da necessidade do pagamento da vantagem indevida e com isso assentiram.

157. As declarações dos delatores são corroboradas pelas circunstâncias de concessão dos empréstimos, em gritante violação às boas práticas bancárias e às normas internas do próprio Banestado, cf. cumpridamente demonstrado nos itens 37-63, sendo de se destacar, dentre outras, a ausência de um procedimento formal para concessão dos créditos, a falta de garantias apropriadas para as operações, a falta de submissão das operações ao órgão colegiado do Banestado competente para aprovação, a existência de restrições financeiras em relação às empresas beneficiadas, a falta da própria contabilização das operações junto à instituição financeira, e a pressão exercida pelo Diretor do Banestado para que o gerente da agência concedesse os empréstimos com base em determinação verbal, prestada por telefone. É forçoso reconhecer que o pagamento de vantagem indevida pelos beneficiários e a urgência em obter recursos para a campanha é a única explicação existente para as violações praticadas pelo Diretor.

158. As declarações dos delatores são também corroboradas pelo comportamento adotado pelos beneficiários, especificamente pelos acusados José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina, dirigentes respectivamente das empresas Tucumann, Redram e Jabur Toyopar, após a concessão dos empréstimos.

159. Fossem empréstimos normais, seria de se esperar que os acusados teriam facilidade em revelar o que foi feito com o produto deles, demonstrando o seu destino e o regular emprego das verbas.

160. No entanto, como foi cumpridamente demonstrado nos itens 79-153, retro, os acusados: a) chegaram a negar a celebração dos empréstimo (caso de Maria Cristina); b) alteraram seus depoimentos em Juízo a respeito de seu destino (caso de José Maria); c) transferiram um para o outro a responsabilidade pelo destino dos empréstimos (caso de José Maria e Sergio Marder); d) faltaram com a verdade quanto à internalização dos recursos no Brasil através de doleiros e do mercado negro, mesmo diante de prova documental (caso de José Maria e Sergio Marder); e) apresentaram documentos com indícios de serem falsos a este Juízo (caso de José Maria); f) deixaram de esclarecer o destino de parte significativa do empréstimo, e em valor equivalente ao que teria sido pago como vantagem indevida segundo os delatores (caso de Maria Cristina); g) não contabilizaram os empréstimos, senão anos depois (caso de José Maria e Sergio Marder); h) prestaram declarações implausíveis em seus depoimentos em Juízo a respeito de sua ignorância quanto ao destino específico dos empréstimos no exterior (caso de José Maria e Sergio Marder; e) prestaram declarações implausíveis quanto à falta de responsabilidade sobre o empréstimo (caso de Maria Cristina).

161. Se tivessem agido certo, não teriam motivo para adotar postura da espécie quando indagados sobre os empréstimos. O comportamento inusitado dos referidos acusados também confere ao depoimento dos delatores, de que os empréstimos foram concedidos mediante o pagamento de vantagem indevida, a necessária credibilidade.

162. Portanto, há prova suficiente e independente para corroborar as declarações dos delatores, de que os empréstimos foram concedidos mediante o pagamento de vantagens indevidas e que foram direcionadas para campanha eleitoral de 1998.

163. A concessão dos empréstimos, com todas as violações mencionadas à boa prática bancária e às normas internas do Banestado, caracterizaria, em princípio, o crime de gestão temerária previsto no parágrafo único do artigo 4.º da Lei n.º 7.492/1986, e que pode ser aqui invocado por força do artigo 383 do CPP.

164. No entanto, a utilização da instituição financeira para a concessão de empréstimos com a finalidade de propiciar recursos para pagamento de vantagem indevida e recursos não-declarados para campanha eleitoral constitui um elemento típico de fraude, que possibilita a qualificação do crime como sendo de gestão fraudulenta e não temerária, ou seja, do crime do "caput" e não do parágrafo único do artigo 4.ª da Lei n.º 7.492/1986.

165. Além disso, a prova de que as violações à boa prática bancária e às normas internas do Banestado tiveram por motivação o recebimento de vantagem indevida, reforça a caracterização do crime do caput do artigo 4.º, pois não se trata meramente de desconsideração negligente de regras de cuidado, mas de um agir deliberado contra as regras de boa condução dos negócios bancários em vista do recebimento de vantagem indevida.

166. A aplicação do tipo do parágrafo único (aqui invocável com base no artigo 383 do CPP), resta prejudicada pela existência do elemento fraudulento, o que leva à aplicação do tipo do "caput". Afinal, o tipo do parágrafo único é de aplicação subsidiária, semelhante ao que ocorre em relação os tipos dolosos e culposos. A esse respeito:

"A distinção essencial entre a modalidade do 'caput' e a do parágrafo único deste artigo 4.º reside, essencialmente, no meio executivo peculiar ao primeiro (fraude) e, estando presente tal elemento, haverá o afastamento da gestão temerária com a prevalência, pelo princípio da especialidade da gestão fraudulenta. É que gerir fraudulentamente é, intrinsicamente, também, temerário pelos riscos que traz à empresa." (MAIA, Rodolfo Tigre. Dos crimes contra o sistema financeiro. 1. ed., Malheiros, 1999, p. 59.)

167. Assim sendo, os fatos subsumem-se ao tipo do artigo 4.º, caput, da Lei n.º 7.492/86, prejudicando a aplicação do tipo subsidiário do parágrafo único do mesmo dispositivo legal.

168. Embora a gestão fraudulenta pareça pressupor uma série habitual de atos, pode ser caracterizada pela prática de uma única ação, dependendo das circunstâncias. Um ato de gestão financeiro fraudulento pode ser suficiente por si só, para a ruína da instituição financeira, não havendo motivo para excluir, por exemplo, a incidência do dispositivo penal neste caso. Certamente, um conjunto de atos fraudulentos ou temerários favorece análise conclusiva acerca da natureza deste, mas isso não exclui a possibilidade de que um único ato seja considerado como fraudulento ou temerário e por si só suficiente para incidência da lei penal.

169. A gestão fraudulenta, assim como a temerária, consiste em crime acidentalmente habitual, cf. precedente do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 89.364/PR, impetrado aliás nas presentes ações penais:

"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME PRÓPRIO. CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO CRIME. COMUNICAÇÃO. PARTÍCIPE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EXECUÇÃO DE UM ÚNICO ATO, ATÍPICO. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. A denúncia descreveu suficientemente a participação do paciente na prática, em tese, do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira.

2. As condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, comunicam-se aos co-autores e partícipes do crime. Artigo 30 do Código Penal. Precedentes. Irrelevância do fato de o paciente não ser gestor da instituição financeira envolvida.

3. O fato de a conduta do paciente ser, em tese, atípica - avalização de empréstimo - é irrelevante para efeitos de participação no crime. É possível que um único ato tenha relevância para consubstanciar o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, embora sua reiteração não configure pluralidade de delitos. Crime acidentalmente habitual."

4. Ordem denegada. (Habeas Corpus n.º 89.364-3/Parana - 2.ª Turma do STF - Rel. Ministro Joaquim Barbosa - un. - j. 23/10/2007 - DJE n.º 70 de 18/04/2008)

170. No presente caso, não houve, outrossim, um único ato, foram três empréstimos internacionais, no valor total de USD 3.500.000,00, isso em agosto de 1998. Corrigido monetariamente e acrescido de juros até hoje, o valor deles atingiria proximamente o dobro em reais. A magnitude da lesão aos cofres da instituição financeira também autoriza a configuração do crime de gestão fraudulenta.

171. O principal responsável e autor do crime foi o acusado originário Gabriel Nunes Pires Neto. Pela delação premiada, foi beneficiado e já punido em processo a parte.

172. Questão que se coloca é se devem igualmente responder pelo crime de gestão fraudulenta os acusados José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina, pois não são gestores de instituição financeira.

173. Não tem sido praxe deste Juízo responsabilizar em crimes de gestão financeira ou temerária os empresários beneficiados com a fraude ou com o agir temerário quando não há prova de sua participação ativa nos fatos.

174. No entanto, no presente caso, os empresários não só participaram da contratação dos empréstimos, mas restou provado que a causa determinante do agir fraudulento do autor do crime, o Diretor do Banco, foi a promessa do pagamento de vantagem indevida pelos beneficiários dos empréstimos, no caso exatamente José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina. Se o comportamento dos beneficiários contribuiu decisivamente para a prática do crime de gestão fraudulenta, tendo eles fornecidos os motivos para o crime, devem responder como partícipes, na linha do artigo 29, caput, e do artigo 30 do Código Penal, e cf. aliás também estabelecido no aludido HC 89.364-3/PR da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

175. Assim, no caso, pelas circunstâncias, respondem pelo crime de gestão fraudulenta, a título de participação os acusados responsáveis pelas empresas beneficiárias, ou seja, José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina.

176. Registre-se que o tipo penal do artigo 4.º da Lei n.º 7.492/1986 veicula elemento de caráter normativo ("gerir 'fraudulentamente' instituição financeira"). Isso, porém, não o torna excessivamente vago ou inconstitucional cf. alegado pelos defensores. A expressão "fraude" e as expressões dela derivadas são comuns no Direito brasileiro. Diversos outros dispositivos penais veiculam expressões similares, como o conhecido artigo 171 do CP ("meio fraudulento") ou o artigo 219 do CP (rapto mediante violência, grave ameaça ou "fraude"), sem que jamais se tenha alegado a sua inconstitucionalidade.

177. Também restou caracterizada a prática do crime de corrupção ativa previsto no artigo 333 do Código Penal, com a qualificadora do respectivo parágrafo único. Os acusados José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina prometeram e pagaram USD 100.000,00, USD 100.000,00, e cerca de USD 130.000,00, pela concessão dos empréstimos às empresas Tucumann, Redram e Jabur Toyopar.

178. O Diretor do Banestado, Gabriel Nunes Pires Neto, era ao tempo dos fatos, 1998, agente público para fins do artigo 327 do CP, pois o Banco do Estado do Paraná S/A era, então, um banco estatal, tendo sido privatizado posteriormente.

179. Não tem relevância para a caracterização do crime de corrupção o fato de ter partido do Diretor a solicitação para pagamento da vantagem indevida. Não houve exigência incontornável da vantagem indevida e poderiam ter os acusados simplesmente se recusado a efetuar o pagamento e procurado recursos financeiros em outra instituição.

180. A alegação da Defesa de Sergio Marder de que não haveria prova da participação dele no crime contrasta com a prova dos autos, cf. cumprida análise probatória acima realizada. Além do empréstimo ter beneficiado a sua empresa, Redram, o Diretor Gabriel afirmou que José Maria e Sergio Marder entregaram juntos a vantagem indevida (cf. item 66, retro), o que por si só já é prova cabal de autoria do crime de corrupção.

181. O acusado originário Gabriel Nunes Pires Neto deveria responder pelo crime de corrupção passiva e o acusado originário Alberto Youssef como co-autor do crime de corrupção ativa. Pela delação premiada, foram beneficiados e já punidos em processos a parte.

182. Portanto, em síntese, há prova acima de qualquer dúvida razoável da materialidade do crime de gestão fraudulenta pela concessão de empréstimos fraudulentos às empresas Tucumann, Redram e Jabur Toyopar pelo Banestado, agência de Grand Cayman, e de ainda da participação dos acusados José Maria, Sergio Marder e Maria Cristina no crime. Também há prova da mesma qualidade da materialidade e da autoria do crime de corrupção ativa pela promessa e pagamento de vantagem indevida pelos mesmos três acusados a Gabriel Nunes Pires Neto e como contrapartida à concessão dos empréstimos. Ausentes causas de exclusão do crime, a eles devem ser cominadas as penas pertinentes.

II.6

183. As provas constantes nos autos apontam pela igual responsabilidade de Vílcio Caetano , um dos administradores da Jabur Toyopar, pelo crime de corrupção ativa.

184. Entretanto, por provável lapso do MPF, não foi ele incluído na denúncia que deu origem à segunda ação penal, de n.º 2004.7000039573-7. Apesar do lapso, não há como extrair deste fato qualquer benefício, como é óbvio, para os demais acusados, pois a ação penal é pública incondicionada. Não tendo sido a ele imputado o crime de corrupção ativa que restou provado, não há como condená-lo por este fato. Também não pode ser condenado pelo crime de corrupção ativa descrito na primeira denúncia, pois o fato não foi comprovado e a imputação constante na segunda denúncia, de que a corrupção teria havido, mas por outros atos e circunstâncias, impossibilita que a acusação na primeira denúncia seja, relativamente a este fato, reputada verdadeira.

185. Restaria contra ele a acusação pelo crime de gestão fraudulenta. Entretanto, como visto acima, o reconhecimento da responsabilidade dos beneficiários dos empréstimos pela gestão fraudulenta teve presente não só a sua participação nos atos bancários, mas também a sua participação mediante o pagamento de vantagem indevida. Como este fato não foi imputado ao acusado Vílcio na segunda ação penal, entende este Juízo que não há igualmente como responsabiliza-lo pelo crime de gestão fraudulenta pela concessão dos empréstimos fraudulentos.

186. O próprio MPF requereu a absolvição dos acusados João Achiles Grenier Gluck e Mauro Fontana Marder. A prova dos autos revela que os responsáveis pela negociação e pagamento da vantagem indevida dos empréstimos da Tucumann e Redram foram José Maria Ribas Muller e Sergio Fontoura Marder. Portanto, devem eles, na esteira do requerido, ser absolvidos.

187. Na ação penal 2004.7000039573-7, foi também denunciado Giovani Gionédis. Este, como Presidente do Conselho de Administração do Banestado, teria determinado ao Diretor Gabriel Nunes o atendimento das empresas Tucumann e Redram, e recebido os valores pagos a título de vantagem indevida pelas duas empresas e ainda pela Jabur Toyopar, para destinação ulterior à campanha eleitoral de 1998 como recursos não-contabilizados.

188. A acusação encontra apoio nas declarações de Gabriel Nunes Pires Neto, que confirmou tais fatos, embora tenha declarado que a solicitação de Giovani para pagamento da vantagem indevida pelas empresas Tucumann e Redran teria sido feita de maneira bastante sutil.

189. Este Juízo reconheceu que as declarações de Gabriel encontram provas independentes que as corroboram, tendo sido reconhecida como verdadeira a sua afirmação de que os empréstimos estavam condicionados ao pagamento de vantagem indevida e que esta foi efetivamente paga e destinada à campanha eleitoral de 1998.

190. Entretanto, diferentemente do que ocorre em relação aos empresários beneficiados, a única prova que relaciona Giovani Gionédis ao fato é a afirmação nesse sentido do delator. Assim como Gabriel informou que entregou o produto do crime de corrupção a Giovani poderia ter afirmado que teria entregue o numerário a qualquer outra pessoa.

191. A prova decorrente da delação premiada necessita ser corroborada por prova independente em todos os seus aspectos e em relação a todos as pessoas por ela implicadas. Se há prova de corroboração suficiente em relação a parte dos implicados, mas não em relação a outros, aqueles podem ser responsabilizados criminalmente, mas não estes.

192. Em outras palavras, o depoimento do delator, no que se refere à responsabilização de Giovani Gionédis pelos fatos, não encontra corroboração em prova independente, motivo pelo qual, quanto a ele, não há prova suficiente para uma condenação, e sem prejuízo da condenação dos três referidos acusados, em relação aos quais, há prova de corroboração.

193. Ressalve-se que a situação descrita é diferente daquela observada na ação penal 2004.7000037746-2 contra o mesmo acusado, Giovani Gionédis, quando então foi condenado, por este mesmo Juízo, por ter contra ele não só a prova decorrente de delação premiada, mas igualmente a necessária e específica prova de corroboração.

194. Em síntese, devem ser absolvidos das acusações Vílcio Caetano de Lima, João Achiles Grenier Gluck, Mauro Fontana Marder e Giovani Gionédis.

II.7

195. A primeira denúncia ainda imputa ao acusado José Maria o crime de evasão de divisas do parágrafo único do artigo 22 da Lei n.º 7.492/1986 por ter mantido recursos não declarados em sua conta no Citibank em Miami, Florida.

196. Vieram aos autos, através de cooperação jurídica internacional, os extratos da conta (fls. 1.437-1.468 da ação penal 2003.7000066405-7), e o próprio acusado João Maria trouxe, igualmente, no decorrer do processo, cópias dos extratos (fls. 06-17 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7).

197. Pelo que se verifica nos documentos, a conta era titularizada por José Maria Ribas Muller e mantida em agência do Citibank em Miami. Em 12/07/1998, é apontado um saldo de USD 2.198,07 na conta corrente (fl. 1.442 da ação penal 2003.7000066405-7). Em seguida, no mês de agosto de 1998, há registros dos depósitos na conta relativos aos empréstimos das empresas Redram e Tucumann, seguidos de débitos (fl. 1.445 da ação penal 2003.7000066405-7). USD 600.000,00 foram transferidos a conta de investimento no próprio Citibank (fl. 1.446 da ação penal 2003.7000066405-7), de onde foram resgatados em 23/09/1998 para a conta corrente (fl. 1.448 da ação penal 2003.7000066405-7) e com a manutenção de USD 108.446,41 na conta de investimento (fl. 1.447 da ação penal 2003.7000066405-7) Constam débitos na conta de 09/1998 a 11/1998, remanescendo em 30/11/1998 um saldo de USD 296.403,07 na conta corrente e de USD 109.072,64 na conta de investimento (fls. 1.454-1.455 da ação penal 2003.7000066405-7). Embora não se tenha informação sobre o saldo posterior, consta, como visto no item 98, retro, um crédito de USD 270.000,00 em 24/12/1998, efetuado na conta da off-shore Amarilis e proveniente desta.

198. Por outro lado, as declarações de rendimento apresentadas por José Maria à Receita Federal eram omissas originariamente quanto à existência da conta e dos ativos nela mantidos, cf. fls. 54-83 da ação penal 2003.7000066405-7.

199. Após o recebimento da denúncia na primeira ação penal, o acusado retificou, em 11/12/2003, suas declarações de rendimento (fls. 932-976 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7), apontando desta feita a existência da conta no Citibank e do seu saldo em 31/12/1998 de USD 111.270,00 (fl. 943 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7). Também é apontado o saldo da conta em 31/12/1999, de USD 122.020,00 (fl. 950 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7), de USD 166.614,00 em 31/12/2000 (fl. 958 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7), de USD 143.246,00 em 31/12/2001 (fl. 966 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7) e de USD 143.745,00 em 31/12/2002 (fl. 974 do apenso X, vol. V, da ação penal 2003.7000066405-7).

200. Então resta comprovada a autoria e materialidade do crime previsto no parágrafo único do artigo 2.º da Lei n.º 7.492/1986, tendo o acusado José Maria mantido ativos em sua conta no exterior, sem declaração à Receita Federal ou ao Banco Central, vindo a fazê-lo somente após iniciada a ação penal.

201. O acusado José Maria é confesso quanto a este fato:

"Juiz: O senhor declarou isso na Receita Federal também?

José Maria: Não, mas estou fazendo todas as retificações necessárias e pagar todos os impostos que forem necessários." (fls. 419 da ação penal 2003.7000066405-7)

202. Por outro lado, a comunicação feita pela Tucumann, por exigência do Banco Banestado, ao Bacen de que estaria contraindo um empréstimo com a TCB - Trade and Commerce Bank (fl. 28 do apenso XV da ação penal 2003.7000066405-7), que se tratava em realidade da cessão do crédito do Banestado aquela empresa, o que depois foi revertido, não é o mesmo, como pretende a Defesa, que declarar os ativos mantidos em conta pessoal do acusado no exterior. No referido comunicado, sequer há referência à conta de José Maria no exterior.

203. Não exclui o crime, igualmente, a afirmada ignorância do acusado quanto ao seu dever legal de declarar a conta ao Bacen ou à Receita Federal, o que principalmente no último caso sequer exige um conhecimento especializado.

204. Presentes provas de autoria e materialidade em relação ao crime do artigo 22 e ausentes causas de exclusão do crime, deve José Maria sofrer as penas pertinentes.

III. DISPOSITIVO

205. Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva.

206. Absolvo, com base no artigo 386, VII, do CPP, os acusados Giovani Gionédis, Vílcio Caetano de Lima, João Achiles Grenier Gluck e Mauro Fontana Marder.

207. Condeno Maria Cristina Ibraim Jabur e Sergio Fontoura Marder, pela participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira e, como autores, pelo crime de corrupção ativa.

208. Condeno José Maria Ribas Muller, pela participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, pelo crime de corrupção ativa e pelo crime do artigo 22, parágrafo único, da Lei n.º 7.492/1986, estes dois últimos como autor.

209. Deixo de condenar ou tomar providências em relação a Gabriel Nunes Pires Neto e a Alberto Youssef em virtude dos acordos de delação premiada e porque a situação deles está sendo tratada em processos apartados.

210. Atento aos dizeres do artigo 59 do Código Penal e levando em consideração o caso concreto, passo à individualização e dosimetria das penas a serem impostas aos condenados.

211. José Maria Ribas Muller é empresário. Não se conhecem fatos desabonadores a seu respeito, além dos presentes, nem há registro de outras condenações criminais. Os crimes de gestão fraudulenta e de corrupção trouxeram prejuízos consideráveis ao Banco Banestado. O empréstimo à Tucumann de USD 1.000.000,00 não foi pago, remanescendo inadimplente tal quantia desde 22/12/1999, cf. item 59, retro. O crime de corrupção, além de figurar como causa do empréstimo, gerou distorções no processo democrático eleitoral, já que a vantagem indevida, de USD 100.000,00, foi desviada como recurso não-contabilizado para a campanha eleitoral, o que eleva a gravidade do crime. Reputo esta circunstância extremamente grave pois a afetação do processo democrático eleitoral viola o direito da comunidade a um sistema político livre da influência do crime. Os valores pagos como vantagem indevida, de USD 100.000,00, são também significativos, distanciando o crime de um caso de pequena corrupção. Já o crime de falta de declaração dos ativos no exterior envolveu quantias consideráveis, o produto dos empréstimos de dois milhões, e ainda de origem espúria, o que eleva igualmente sua gravidade. A culpabilidade do condenado é elevada, pois é empresário, de formação superior, com amplos recursos (declarou renda mensal de R$ 60.000,00 mensais - fl. 278 da ação penal 2004.7000037746-2), sendo forçoso concluir que não agiu por ignorância ou necessidade. As demais circunstâncias são neutras. Reputo predominantes as circunstâncias negativas dos crimes, consistentes no elevado prejuízo provocado à instituição financeira (para os crimes de gestão e de corrupção), no valor elevado da vantagem indevida paga (para o crime de corrupção), nas distorções provocadas no processo eleitoral democrático (para o crime de corrupção) e na natureza espúria do numerário não-declarado no exterior (para o crime do artigo 22), aliado à culpabilidade elevada do condenado em virtude de suas condições pessoais elevadas de educação e renda (para todos os crimes). Circunstâncias de especial gravidade, como as acima apontadas atinentes à gravidade das consequências dos crimes, autorizam penas bem acima da mínima. Entre um mínimo de três anos e máximo de doze anos, reputo adequadas, para o crime de gestão fraudulenta penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores à pena média (de sete anos e seis meses de reclusão), de quatro anos de reclusão e sessenta dias multa. Para o crime de corrupção, entre um mínimo de um ano e máximo de oito anos, cf. redação vigente ao tempo do fato e anterior à Lei n.º 10.763/2003, reputo adequadas penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores a pena média (de quatro anos e seis meses de reclusão), de dois anos e seis meses de reclusão e sessenta dias multa. Para o crime de evasão de divisas, entre um mínimo de dois anos e máximo de seis anos, reputo adequadas penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores a pena média (de quatro anos de reclusão), de três anos de reclusão e sessenta dias multa. Fixo para o crime de corrupção, em vista da renda declarada em Juízo pelo condenado (fl. 278 da ação penal 2004.7000037746-2), o dia multa em cinco salários mínimos vigentes em 08/1998. Para os crimes financeiros, em vista do disposto no artigo 33 da Lei n.º 7.492/1986, fixo o dia multa em vinte salários mínimos vigentes em 08/1998. Em ambos os casos, os valores devem ser corrigidos até o pagamento, pelos índices das tabelas da Justiça Federal.

212. Reduzo as penas, para os crimes de gestão fraudulenta e de corrupção, em seis meses e vinte dias multa, tendo em vista que o condenado depositou em Juízo o valor necessário para a reparação do dano (item 62, retro). Não cabe idêntica redução para o crime do artigo 22, pois não há que se falar em reparação do dano. Reduzo, porém, as penas para o crime do artigo 22 em seis meses e vinte dias multa, em virtude da confissão.

213. Elevo em um terço as penas do crime de corrupção em vista do disposto no parágrafo único do artigo 333 do CP, pois os empréstimos foram concedidos em razão da vantagem indevida e em infração do dever funcional, resultando elas em dois anos e oito meses de reclusão e cinquenta e três dias multa.

214. Não havendo outras causas de aumento ou diminuição, são definitivas, para José Maria Ribas Muller, as penas de três anos e seis meses de reclusão e quarenta dias multa para o crime de gestão fraudulenta, de dois anos e oito meses de reclusão e cinquenta e três dias multa para o crime de corrupção, e de dois anos e seis meses de reclusão e quarenta dias multa para o crime de evasão de divisas. As penas devem ser somadas em concurso material, resultando, as penas privativas de liberdade em oito anos e oito meses de reclusão. Já a soma das penas de multa depende de cálculo específico do valor.

215. Sergio Fontoura Marder é empresário. Não há registro de outras condenações criminais. Responde a ação penal na Justiça Estadual por fraude a licitação (ação penal 2005.6302-8), mas o fato não será considerado em vista da presunção de inocência, pois sequer há sentença. Os crimes de gestão fraudulenta e de corrupção trouxeram prejuízos consideráveis ao Banco Banestado. O empréstimo à Redram de USD 1.000.000,00 não foi pago, remanescendo inadimplente tal quantia desde 22/12/1999, cf. item 59, retro. O crime de corrupção, além de figurar como causa do empréstimo, gerou distorções no processo democrático eleitoral, já que a vantagem indevida, de USD 100.000,00, foi desviada como recurso não-contabilizado para a campanha eleitoral, o que eleva a gravidade do crime. Reputo esta circunstância extremamente grave pois a afetação do processo democrático eleitoral viola o direito da comunidade a um sistema político livre da influência do crime. Os valores pagos como vantagem indevida, de USD 100.000,00, são também significativos, distanciando o crime de um caso de pequena corrupção. A culpabilidade do condenado é elevada, pois é empresário, de formação superior, com amplos recursos (declarou patrimônio de R$ 5.258.602,51 - fl. 284 da ação penal 2003.7000066405-7), sendo forçoso concluir que não agiu por ignorância ou necessidade. As demais circunstâncias são neutras. Reputo predominantes as circunstâncias negativas dos crimes, consistentes no elevado prejuízo provocado à instituição financeira (para os crimes de gestão e de corrupção), no valor elevado da vantagem indevida paga (para o crime de corrupção), e nas distorções provocadas no processo eleitoral democrático (para o crime de corrupção), aliado à culpabilidade elevada do condenado em virtude de suas condições pessoais elevadas de educação e renda (para todos os crimes). Circunstâncias de especial gravidade, como as acima apontadas atinentes à gravidade das consequências dos crimes, autorizam penas bem acima da mínima. Entre um mínimo de três anos e máximo de doze anos, reputo adequadas, para o crime de gestão fraudulenta penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores à pena média (de sete anos e seis meses de reclusão), de quatro anos de reclusão e sessenta dias multa. Para o crime de corrupção, entre um mínimo de um ano e máximo de oito anos, cf. redação vigente ao tempo do fato e anterior à Lei n.º 10.763/2003, reputo adequadas penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores a pena média (de quatro anos e seis meses de reclusão), de dois anos e seis meses de reclusão e sessenta dias multa. Fixo para o crime de corrupção, em vista do patrimônio declarado pelo condenado (de R$ 5.258.602,51 - fl. 284 da ação penal 2003.7000066405-7), o dia multa em cinco salários mínimos vigentes em 08/1998. Para o crime financeiro, em vista do disposto no artigo 33 da Lei n.º 7.492/1986, fixo o dia multa em vinte salários mínimos vigentes em 08/1998. Em ambos os casos, os valores devem ser corrigidos até o pagamento, pelos índices das tabelas da Justiça Federal.

216. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas.

217. Elevo em um terço as penas do crime de corrupção em vista do disposto no parágrafo único do artigo 333 do CP, pois os empréstimos foram concedidos em razão da vantagem indevida e em infração do dever funcional, resultando elas em três anos e quatro meses de reclusão e oitenta dias multa.

218. Não havendo outras causas de aumento ou diminuição, são definitivas, para Sergio Fontoura Marder, as penas de quatro anos de reclusão e sessenta dias multa para o crime de gestão fraudulenta, e de três anos e quatro meses de reclusão e oitenta dias multa para o crime de corrupção. As penas devem ser somadas em concurso material, resultando, as penas privativas de liberdade em sete anos e quatro meses de reclusão. Já a soma das penas de multa depende de cálculo específico do valor.

219. Maria Cristina Ibrahim Jabur é empresária. Não se conhecem fatos desabonadores a seu respeito, além dos presentes, nem há registro de outras condenações criminais. Os crimes de gestão fraudulenta e de corrupção trouxeram prejuízos consideráveis ao Banco Banestado. O empréstimo à Jabur Toyopar de USD 1.500.000,00 não foi pago, remanescendo inadimplente o valor de USD 1.300.000,00 desde 29/03/1999, cf. item 59, retro. O crime de corrupção, além de figurar como causa do empréstimo, gerou distorções no processo democrático eleitoral, já que a vantagem indevida, de cerca de USD 130.000,00, foi desviada como recurso não-contabilizado para a campanha eleitoral, o que eleva a gravidade do crime. Reputo esta circunstância extremamente grave pois a afetação do processo democrático eleitoral viola o direito da comunidade a um sistema político livre da influência do crime. Os valores pagos como vantagem indevida, de cerca de USD 130.000,00, são também significativos, distanciando o crime de um caso de pequena corrupção. A culpabilidade da condenada é elevada, pois é empresária, de formação superior, com amplos recursos (declarou patrimônio de R$ 3.277.936,14 - fl. 217-verso da ação penal 2003.7000066405-7), sendo forçoso concluir que não agiu por ignorância ou necessidade. As demais circunstâncias são neutras. Reputo predominantes as circunstâncias negativas dos crimes, consistentes no elevado prejuízo provocado à instituição financeira (para os crimes de gestão e de corrupção), no valor elevado da vantagem indevida paga (para o crime de corrupção), e nas distorções provocadas no processo eleitoral democrático (para o crime de corrupção), aliado à culpabilidade elevada da condenada em virtude de suas condições pessoais elevadas de educação e renda (para todos os crimes). Circunstâncias de especial gravidade, como as acima apontadas atinentes à gravidade das consequências dos crimes, autorizam penas bem acima da mínima. Entre um mínimo de três anos e máximo de doze anos, reputo adequadas, para o crime de gestão fraudulenta penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores à pena média (de sete anos e seis meses de reclusão), de quatro anos de reclusão e sessenta dias multa. Para o crime de corrupção, entre um mínimo de um ano e máximo de oito anos, cf. redação vigente ao tempo do fato e anterior à Lei n.º 10.763/2003, reputo adequadas penas acima do mínimo, mas bem distantes do máximo e ainda inferiores a pena média (de quatro anos e seis meses de reclusão), de dois anos e seis meses de reclusão e sessenta dias multa. Fixo para o crime de corrupção, em vista do patrimônio declarado pelo condenado (R$ 3.277.936,14 - fl. 217-verso da ação penal 2003.7000066405-7), o dia multa em cinco salários mínimos vigentes em 08/1998. Para o crime financeiro, em vista do disposto no artigo 33 da Lei n.º 7.492/1986, fixo o dia multa em quinze salários mínimos vigentes em 08/1998. Em ambos os casos, os valores devem ser corrigidos até o pagamento, pelos índices das tabelas da Justiça Federal.

220. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas. Os valores por ela depositados para reparação do dano são muito inferiores ao necessário para tanto, cf. item 62, retro, e, por seu patrimônio declarado e ainda pelas condições atuais da Jabur Toyopar, que seriam ótimas, cf. por ela mesmo afirmado no item 18 da fl. 1.998 da ação penal 2003.7000066405-7, é certo que, querendo, poderia ter depositado o montante necessário. O depósito em Juízo de valor muito aquém do necessário para a reparação do dano não basta para justificar a incidência de circunstância atenuante.

221. Elevo em um terço as penas do crime de corrupção em vista do disposto no parágrafo único do artigo 333 do CP, pois os empréstimos foram concedidos em razão da vantagem indevida e em infração do dever funcional, resultando elas em três anos e quatro meses de reclusão e oitenta dias multa.

222. Não havendo outras causas de aumento ou diminuição, são definitivas, para Maria Cristina Ibrahim Jabur, as penas de quatro anos de reclusão e sessenta dias multa para o crime de gestão fraudulenta, e de três anos e quatro meses de reclusão e oitenta dias multa para o crime de corrupção. As penas devem ser somadas em concurso material, resultando, as penas privativas de liberdade em sete anos e quatro meses de reclusão. Já a soma das penas de multa depende de cálculo específico do valor.

223. Considerando os critérios previstos no artigo 33 do CP, fixo o regime fechado para o início de cumprimento de pena por José Maria e o regime semi aberto para Sergio Fontoura e Maria Cristina.

224. Segundo redação dada ao inciso IV do artigo 387 do CPP pela Lei n.º 11.719/2008, cumpre ao juiz, ao proferir a sentença, fixar "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração". Tal novo dispositivo incide de imediato, alcançando os processos em curso. Houve ampla discussão da questão no processo, especialmente nos processos de arresto propostos com a finalidade de garantir a reparação do dano contra os condenados (processos 2003.7000075469-1, 2003.7000081473-0 e 2003.7000084153-8). No caso, o dimensionamento do valor necessário à reparação do dano é singelo, pelo menos levando em conta apenas o aspecto pecuniário do dano, pois é necessária a devolução dos valores dos empréstimos. Assim, cf. já apontado no item 59, retro: a) para José Maria Ribas Muller, o valor mínimo para a reparação do dano, consiste na devolução do valor emprestado, que somava USD 1.000.000,00 em 22/12/1999; b) para Sergio Fontoura Marder, o valor mínimo para a reparação do dano, consiste na devolução do valor emprestado, que somava USD 1.000.000,00 em 22/12/1999; e c) para Maria Cristina Ibrahim Jabur, o valor mínimo para a reparação do dano, consiste na devolução do valor emprestado, que somava USD 1.300.000,00 em 22/121999. Os valores devem ser convertidos em reais pelo câmbio oficial vigente nas referidas datas e corrigidos monetariamente até o pagamento, pelos índices de correção monetária das tabelas da Justiça Federal. A eles devem ser acrescidos os juros de mora de 0,5% ao mês, não competindo à Justiça cobrar os juros bancários. Os valores depositados em Juízo pelos condenados José Maria e Maria Cristina deverão ser utilizados para a reparação do dano (fl. 1.736 da ação penal 2003.7000066405-7 e fl. 589 do arresto 2003.7000075469-1; e fls. 346, 351, 405, 415, 431, 434, 441, 444 e 462 do arresto 2003.7000081473-0). Os valores devem ser amortizados da dívida, segundo a data de realização dos respectivos depósitos. Fixo tais valores como os mínimos para a reparação do dano, cf. artigo 387, IV, do CPP.

225. O valor da reparação é devido ao Banco Banestado ou ao Estado do Paraná, estando a questão em discussão na ação civil pública 3427/2003 da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual de Curitiba.

226. Condeno ainda José Maria, Sergio Fontoura e Maria Cristina ao pagamento das custas e despesas processuais.

227. Considerando a jurisprudência das Cortes Superiores, permito que os condenados apelem em liberdade.

228. Junte-se o original desta sentença na ação penal 2004.7000037746-2 e cópia na ação penal 2003.7000081473-0. Devido à reunião das ações penais e julgamento conjunto, os atos processuais deverão doravante ser praticados apenas na ação penal 2004.7000037746-2, permanecendo a ação penal 2003.7000081473-0 apensada a esta. Intimem-se de todo modo todos os condenados pessoalmente, os demais acusados na pessoa de seus defensores e todos os demais defensores, de ambas as ações, da sentença.

229. Independentemente do trânsito em julgado, oficie-se encaminhando cópia desta sentença para a ação civil pública 3427/2003 da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual de Curitiba. Consigne-se no ofício a existência de valores depositados por José Maria Ribas Muller, apontando o saldo depositado, e por Maria Cristina Ibrahim Jabur, apontando o saldo depositado, cf. folhas apontadas no item 62, retro, e informando que eles ficarão aguardando a definição pelo Juízo Cível do credor.

230. Independentemente do trânsito em julgado, cumpra-se o despacho proferido nesta mesma data no inquérito 2007.7000004134-5.

231. Independentemente do trânsito em julgado, tendo em vista os indícios de que foram apresentados a este Juízo documentos falsos para provar o destino dos empréstimos, cf. itens 103-111, extraia a Secretaria cópia desta sentença, das fls. 03-04 e18-22 do apenso X da ação penal 2003.7000066405-7, fls. 298-299, 304-305, 413-424, 593-597, 720-730, 2.108-2.109 e 2.111-2.131 da ação penal 2003.7000066405-7, fls. 308-334 do apenso XV, vol. II, da 2004.7000039573-7, do vol. VII e VIII do apenso II da ação penal 2004.7000039573-7, fls. 278-281, 284-285 e 307-330 da ação penal 2004.7000039573-7, e encaminhem-se à Polícia Federal para a instauração de inquérito destinado a apurar possível crime previsto no artigo 304 do CP, c/c com o artigo 299 do CP em relação à apresentação dos documentos de fls. 2.111-2.131 da ação penal 2003.7000066405-7 a este Juízo. Expeça ainda a Secretaria certidão de que os documentos de fls. 2.124-2.128 foram apresentados a este Juízo em vias originais e o documento de fl. 2.130-2.131 em cópia autenticada, e que deverá acompanhar as peças encaminhadas para a instauração do inquérito.

232. Tendo em vista o disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal e o interesse público em casos envolvendo crimes contra a Administração Pública, a sentença será disponibilizada na íntegra na internet, como aliás procedem o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça em relação a suas decisões mesmo na área criminal.

233. Transitada em julgado, lancem o nome de Maria Cristina Ibraim Jabur, José Maria Ribas Muller e Sergio Fontoura Marder, no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe em relação aos condenados e ao absolvido. (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 10 de setembro de 2009.

Sergio Fernando Moro
Juiz Federal



JURID - JF condena empresários [11/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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