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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

JURID - Inépcia da denúncia. Ilegalidade das interceptações. [09/09/09] - Jurisprudência


Inépcia da denúncia. Ilegalidade das interceptações telefônicas. Nulidade da sentença. Teses rejeitadas.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0223.08.253588-9/001(1)

Relator: HERBERT CARNEIRO

Relator do Acórdão: HERBERT CARNEIRO

Data do Julgamento: 19/08/2009

Data da Publicação: 09/09/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL - INÉPCIA DA DENÚNCIA - ILEGALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS- NULIDADE DA SENTENÇA - TESES REJEITADAS - ROUBOS - ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULOS - ESTELIONATO - CONDENAÇÃO MANTIDA - FORMAÇÃO DE QUADRILHA - ABSOLVIÇÃO - REDUÇÃO DOS PERCENTUAIS FIXADOS PELA INCIDÊNCIA DAS MAJORANTES DO ROUBO E PELA CONTINUIDADE DELITIVA. Rejeita-se a alegação de nulidade da denúncia que além de ter correspondido às exigências do artigo 41 do CPP, também possibilitou a defesa técnica aos acusados. Não há falar em nulidade das interceptações telefônicas, pois, além de a diligência ter sido deferida e realizada nos moldes do previsto no artigo 3º, inciso II, e artigo 5º, ambos da Lei 9.296/1996, as prorrogações deferidas também foram devidamente fundamentadas. Não se acolhe nulidade da sentença formulada de acordo com os requisitos do artigo 381 do CPP e que, além de conter a exposição sucinta da acusação e da defesa, indica suficientemente os motivos em que se funda a decisão. Mantém-se a condenação dos réus pelos roubos das motocicletas, majorados pelo uso de arma e concurso de pessoas, diante das provas apresentadas que apontam a participação de cada um para a configuração dos delitos. A adulteração do número identificador do chassi e do motor da motocicleta restituída está tanto comprovada pela prova material quanto pelas declarações da vítima. Mantém-se a condenação do réu nas penas do artigo 180, §3º, do CPB, por ter sido comprovado que recebeu as peças da moto em condições que poderia presumir que foram obtidas por meio criminoso. Configurado o estelionato, deve ser mantida a condenação do réu que exigia das vítimas do roubo quantia em dinheiro para reaver o bem subtraído. Impõe-se a absolvição dos réus, diante da ausência de prova segura sobre a existência do quarto integrante da quadrilha, ou, ainda, de que entre os possíveis elementos houvesse vínculo premeditado e permanente para a prática de delitos. Diante das circunstâncias em que ocorreram os roubos, diminui-se o percentual relativo às majorantes aplicadas, uso de arma e concurso de pessoas, reduzindo-se, ainda, o percentual correspondente à aplicação da continuidade delitiva para 1/6, por terem sido dois os delitos cometidos.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0223.08.253588-9/001 - COMARCA DE DIVINÓPOLIS - 1º APELANTE(S): ELISWANDER VICENTE COSTA - 2º APELANTE(S): CELIO GERALDO DE OLIVEIRA - 3º APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - 4º APELANTE(S): BRUNO LEMOS GONTIJO DE FREITAS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, CELIO GERALDO DE OLIVEIRA, ELISWANDER VICENTE COSTA, CARLOS ANTONIO LAMOUNIER FILHO - RELATOR: EXMO. SR. DES. HERBERT CARNEIRO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM PROVER, EM PARTE, OS RECURSOS DE ELISWANDER VICENTE COSTA E CÉLIO GERALDO DE OLIVEIRA; ESTENDER OS EFEITOS DESTA DECISÃO AO CORRÉU CARLOS ANTÔNIO LAMOUNIER FILHO; NÃO PROVER O RECURSO DE BRUNO LEMOS GONTIJO DE FREITAS E JULGAR PREJUDICADO O APELO MINISTERIAL.

Belo Horizonte, 19 de agosto de 2009.

DES. HERBERT CARNEIRO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. HERBERT CARNEIRO:

VOTO

Na Comarca de Divinópolis, Carlos Antônio Lamounier Filho e Eliswander Vicente Costa foram denunciados por infração aos artigos 157,§2º, incisos I e II, 288, §único e 311, todos do CPB. Célio Geraldo de Oliveira além de ter sido denunciado pelos referidos delitos, também o foi pelo delito previsto no artigo 171, do CPB. A peça exordial também denuncia Bruno Lemos Gontijo de Freitas, por infração aos artigos 180, caput, 288, § único, e 311, do CPB.

O MM. Juiz da 3ª Vara Criminal da referida Comarca julgou, através da sentença de f. 459/503, parcialmente procedente a denúncia. O réu Bruno Lemos Gontijo de Freitas foi absolvido dos delitos previstos nos artigos 288, § único, e 311, mas condenado pelo delito previsto no artigo 180,§3º, todos do CPB, ao cumprimento da pena de 30 dias-multa. Célio Geraldo de Oliveira foi condenado pelos delitos previstos nos artigos 157,§2º, incisos I e II, duas vezes, 171, caput, 288, parágrafo único e 311, todos do CPB, ao cumprimento da pena de 15 anos de reclusão, no regime inicialmente fechado, além do pagamento de 45 dias-multa. Os réus Carlos Antônio Lamounier Filho e Eliswander Vicente da Costa foram igualmente condenados por infração aos artigos 157, §2º, incisos I e II, duas vezes, 288, parágrafo único, e 311, todos do CPB, respectivamente, ao cumprimento da pena de 14 anos de reclusão, no regime inicialmente fechado, além do pagamento de 35 dias-multa.

Os réus Célio Geraldo de Oliveira e Eliswander Vicente Costa foram os primeiros a se insurgirem contra a sentença, f. 510/511.

Eliswander Vicente Costa pleiteia, em preliminar, a declaração de ilegalidade da interceptação telefônica e, em seguida, a nulidade da sentença. Nessa parte ressalta que a decisão apresenta-se carente de fundamentação, já que sequer "indica as provas que possam subsidiar a conclusão na qual chegou", f.553, causando evidente cerceamento de defesa. No mérito, pretende a absolvição em relação a todos os delitos, diante da patente inexistência de provas. Para tanto, elabora uma circunstanciada análise das provas apresentadas que lhe exime de qualquer envolvimento nos crimes de roubo, formação de quadrilha e adulteração de chassi. (f.551/564).

Em seguida, o réu Célio Geraldo de Oliveira apresenta suas razões recursais, colacionadas às f. 565/609, através das quais sustenta a preliminar de inépcia da denúncia, que se restringiu à menção genérica do fato sem, contudo, descrever "a ação a contento", f.569. Também sustenta a nulidade da sentença, por ausência de fundamentação, dando como certo que foi desprezada a defesa técnica, apresentada através das alegações finais. Analisa e critica a estrutura técnica da sentença que a seu ver dedicou pequena parcela à análise das provas, concluindo que a peça "é evasiva tanto quanto inconstitucional por não conter "inafastável fundamentação.", f.577. No mérito, também defende ausência de prova suficiente para uma condenação, questionando a legalidade das degravações que deveriam ter sido subscritas por perito judicial, o que torna esse meio de prova "ineficaz e corrompido", f.579. Em seguida, o apelante elabora uma circunstanciada análise das provas, para concluir que o conjunto probatório não se apresenta suficiente para uma condenação. Pelo crime de roubo, porque não ficou provado que o apelante tivesse fornecido qualquer arma de fogo para sua execução, e quanto à formação de quadrilha defende o apelante que ela não ficou configurada, inexistindo ainda prova da sua participação na adulteração de chassi e, ao final alega que não houve "cometimento de crime de estelionato". Por fim, com a sua absolvição, pleiteia a expedição imediata do competente alvará de soltura.

O Ministério Público também inconformado com parte da decisão recorre, argumentando, através das razões de f. 520/527, que no caso houve formação de quadrilha armada, pleiteando assim a aplicação da pena em dobro, nos termos do artigo 288, parágrafo único, do CPPB.

As razões recursais do apelante Bruno Lemos Gontijo de Freitas foram colacionadas às f. 545/549, alegando que não adquiriu as peças roubadas, logo, não configurou o delito de receptação, defendendo assim a sua absolvição.

Conheço de todos os recursos, que apresentam os requisitos próprios de sua admissibilidade.

Passo em seguida à análise das preliminares suscitadas, por tratarem de questões que, se acolhidas, podem prejudicar a análise do mérito.

PRELIMINARMENTE, sustenta o apelante Célio Geraldo de Oliveira a inépcia da exordial.

Sem razão em seu inconformismo.

Diante da complexidade dos fatos delituosos noticiados e do número de réus possivelmente envolvidos, não poderia o Promotor de Justiça, de fato, apresentar uma peça de ingresso pormenorizada, com descrições individualizadas dos atos de todos os corréus. A exordial acusatória, ao contrário do que defende apelante, deve limitar-se a apontar os fatos delituosos sem juízo de valoração e, quando vários os co-autores, de forma generalizada descrever a conduta que resultou a infração penal noticiada.

No caso em exame, constata-se que o Representante do Ministério Público após qualificar os acusados, narrou a contento os fatos delituosos. Inicialmente, relatou a configuração da quadrilha e apontou seus integrantes, em seguida, descreveu a maneira de execução dos roubos, quais acusados participaram desse delito, e da adulteração de chassis, relatando ainda a maneira de agir do acusado de estelionato e o da receptação. Ao final, capitulou os delitos e atribuiu cada qual ao respectivo acusado, apresentando por último o rol das testemunhas.

Nesses termos, constato que a exordial acusatória além de ter correspondido às exigências contidas no artigo 41 do CPP, também possibilitou aos acusados a defesa técnica. Nessa parte, ressalto que os d. Advogados desincumbiram de seus ônus com presteza, tanto que além de não registrarem qualquer reclamação na instrução do feito, ainda defenderam em suas respectivas peças processuais a versão de cada um, sobre os noticiados fatos delituosos.

Com essas considerações, rejeito a preliminar.

AINDA PRELIMINARMENTE, o apelante Eliswander suscita a declaração de nulidade das interceptações telefônicas realizadas.

Verifica-se dos autos apensos, que o Promotor de Justiça representou pela interceptação telefônica, junto ao juízo, a pedido da polícia militar, em razão de indícios existentes do envolvimento de Célio Geraldo de Oliveira, à época com o tráfico de drogas.

No desenrolar das investigações foi constatada ainda a existência de fortes indícios acerca do envolvimento do réu com outros delitos, inclusive roubo. Nessas circunstâncias e mediante apresentação de boletins de ocorrência, foram apresentados, sempre de forma justificada, pedido de prorrogação referente ao primeiro número interceptado, bem como sua extensão e prorrogação de outros números de telefone. O d. Magistrado também de forma justificada deferiu os pedidos, f.25/27, f.39/41, f.75/76, f.82/85, f.118/121, f.133/135 e f.174/176, autos apensos.

Sobre a questão suscitada pelo apelante Célio Geraldo de Oliveira, de que as degravações não foram feitas "por quem de direito (perito com fé pública)", f.579, constata-se que tal exigência não consta da legislação específica, não havendo, assim, de falar em ilegalidade.

Portanto, a diligência foi requerida, deferida e realizada nos moldes do previsto no artigo 3º, inciso II, e artigo 5º, ambos da Lei 9.296/1996, não havendo qualquer irregularidade que resultasse em nulidade, nem mesmo as prorrogações deferidas ao longo das investigações, tal como já decidiu o eg. STF através do julgamento do RHC 85575 / SP e do RHC 88371 / SP, publicados, respectivamente,no DJ 16-03-2007 PP-00043 e DJ 02-02-2007 PP-00160.

Nesses termos, rejeito a preliminar.

Também em sede de preliminar os apelantes Eliswander e Vicente Costa e Célio Geraldo de Oliveira suscitam a nulidade da sentença, por ausência de fundamentação.

Inicialmente cumpro em ressaltar que na formulação de uma sentença o Julgador deve-se ater às teses apresentadas nos autos sem, contudo, ficar adstrito aos argumentos e muito menos vinculado à análise de todas as indagações lançadas pelas partes. Se assim fosse, o juiz ficaria limitado em proferir uma decisão restrita aos argumentos apresentados pelas partes. Portanto, se o julgador, na linha do seu raciocínio, acolheu uma das teses e com base nas provas produzidas no processo, a seu ver, relevantes fundamentou o seu convencimento e fez incidir o preceito legal, não cabe falar em ausência de motivação.

No presente caso, constata-se que o d. Magistrado após rebater fundamentadamente todas as questões preliminares suscitadas, f. 463/468, adentrou ao mérito, iniciando por relatar conjuntamente os fatos por conveniência e viabilidade,justificadas pela complexidade do processo, f.469. Em seguida, apontou as provas relativas à materialidade e, com relação à autoria dos delitos, passou a colacionar as declarações e depoimentos que lhe pareceram relevantes, dentro da sua linha de convencimento. Se tal motivação foi feita de forma sucinta, através de apenas "quatro laudas" tal como reclama o apelante Célio Geraldo de Oliveira, f.577, ou se não rechaçou uma a uma das teses defensivas, f.578, não resulta em nulidade da sentença.

O Min. Celso Melo ao analisar caso análogo decidiu, através do julgamento do HC 70.814-8/SP:

"A estrutura formal da sentença deriva da fiel observância das regras inscritas no artigo 381 do Código de Processo Penal. O ato sentencial que contém a exposição sucinta da acusação e da defesa e que indica os motivos em que se funda a decisão satisfaz, plenamente, as exigências impostas pela lei."

Com essas considerações, rejeito a preliminar.

Vencidas as preliminares, passo ao julgamento do mérito, oportunidade em que, por questão de ordem prática, analiso simultaneamente os recursos dos apelantes Célio Geraldo de Oliveira e Eliswander Vicente Costa, por guardarem entre si fundamentos semelhantes.

Consta das provas apresentadas que no dia 29 de abril de 2008, Leandro Rodrigues Fernandes foi vítima de um roubo em sua residência, sendo-lhe subtraída uma motocicleta XR 250, Tornado. Desde o fato, Leandro tentou reaver a sua motocicleta, conseguindo chegar até Célio Geraldo de Oliveira, ora apelante, conhecido por "Celinho" por ter esse oferecido o referido veículo a um terceiro, conhecido de Leandro.

Célio então disse a Leandro que poderia recuperar o seu bem, mediante o pagamento da quantia de R$2.000,00. Leandro pagou a quantia sem, contudo, receber a motocicleta, apesar de procurar insistentemente por Célio e esse afirmar que o veículo foi deixado no lugar previamente combinado.

Em razão desses fatos e por suspeita de que Célio estivesse também envolvido em tráfico de drogas, a polícia militar oficiou ao Ministério Público para que representasse junto ao Juízo o requerimento de escuta telefônica. E tal providência tanto subsidiou as investigações que acabou por esclarecer ainda o roubo de outra motocicleta, ocorrido contra a vítima Bruno Greco e Melo, no dia 16 de maio de 2008.

Apurou-se ainda que, após o roubo praticado contra a segunda vítima, os sinais identificadores do referido veículo foram adulterados, tendo os números do motor e do chassi raspados e picotados. Além disso, uma das motocicletas foi desmontada e o ora apelante, Bruno Lemos Gontijo e Freitas, adquiriu algumas das peças, sabendo que se tratava de produto de crime.

A materialidade dos delitos encontra-se comprovada através dos documentos de f. 20, auto de apreensão do projétil deflagrado, a constatação da adulteração do chassi da motocicleta Honda/NXFFalcon, f.49, com a respectiva avaliação, 50/52 e 84, o auto de reconhecimento do réu Célio, 74.

Com relação aos crimes de roubo, segundo as declarações da vítima Leandro Rodrigues Fernandes, no dia dos fatos, no momento em que foi abrir o portão de sua residência, foi abordado por dois indivíduos em uma moto CG150, preta, e o carona empunhava uma arma de fogo tipo pistola, que:

"(...)anunciado o roubo mandaram o declarante jogar o alarme da moto que estava em sua cintura...", (f.10, autos apensos).

Em Juízo, tal versão foi confirmada, f. 320, oportunidade na qual a vítima reconheceu o réu Célio, como a pessoa que recebera o dinheiro para recuperar a moto. E acrescentou que quando compareceu na casa de Célio, acompanhado do próprio pai, o depoente acionou o alarme reserva e, nesse momento, ele e seu pai perceberam que a moto estava num cômodo, "próximo à casa de Célio", diante da "resposta sonora da moto". Na referida assentada, a vítima Leandro também reconheceu "...com 90% de certeza de ter sido esta pessoa um dos indivíduos que o assaltou...", pois "foi a pessoa que portava a arma e pela sobrancelha , pela altura, pelo porte físico, acredita o depoente ser o autor do assalto.", f.320.

E quanto ao envolvimento de Célio no referido roubo, obtém-se tal certeza diante de suas próprias declarações prestadas na fase administrativa, mas na presença de seu advogado, acertadamente sopesadas pelo d. Magistrado às f. 472/473. Além disso, tem as declarações de Carlos Antônio Lamounier Filho afirmando que o denunciado Célio já o convidou inúmeras vezes para praticar assaltos, f. 334/335, confessando, inclusive, a prática de um assalto em Lagoa da Prata, na companhia de Eliswander.

Com relação ao segundo roubo, que teve como vítima Bruno Grecco e Melo apura-se das suas declarações dessa vítima que no dia dos fatos, no momento em que entrava na garagem de sua residência, foi seguido por dois indivíduos em uma moto CG Titan 125, cor cinza. Em seguida, o indivíduo que estava na garupa desceu da moto:

"...abordou o depoente ameaçando-o de morte com uma arma calibre 32, após o depoente entregar a motocicleta de sua propriedade o indivíduo que procedeu a abordagem efetuou um disparo dentro da garagem do depoente e depois evadiu do local levando consigo a motocicleta do depoente...", f.15/16.

A testemunha Lenon Thadeu Pimentel de Lima, conhecido da vítima Bruno e que intercedeu na recuperação dessa moto, relatou em Juízo que a entrega dos R$3.000,00 exigidos para devolução do veículo, foi feita diretamente ao corréu Carlos que, na ocasião, estava junto com Célio. E que:

"ao procurar certificar-se de que a moto a ser resgatada era efetivamente a moto da vítima Bruno, foi quando Célio identificou Carlos como um dos praticantes do assalto", f. 322.

E sobre a participação de Eliswander nesse roubo tem também a declaração de Célio, feita à autoridade policial, no sentido de que:

"...Carlos relatou de forma minuciosa o crime ...acrescentando que teria vendido a moto para outras pessoas, informando ainda que a motocicleta estava toda desmontada e que teria cometido o crime juntamente com Eliswander e que o declarante dirigiu-se até a residência de Lenon, amigo da vítima, e conhecido do declarante, a sua pick-up Strada para transportar as peças da motocicleta (...)", f.75/76.

Feitas essas observações concluo que nenhuma ressalva deve ser feita na sentença com relação à configuração dos roubos, bem como a sua autoria atribuída aos réus Carlos Antônio Lamonier Filho, Elisvander Vicente Costa e Célio Geraldo de Oliveira. Tal como ressaltou o d. Magistrado, os réus estavam "conluiados entre si" para a prática dos delitos, f.478. E nesse sentido, ressalto que tal assertiva encontra respaldo no artigo 29 do CPB, pois cada um ao seu modo concorreu para a prática dos delitos, devendo, portanto, incidir nas penas a ele cominadas.

Sobre a configuração das majorantes, nenhuma ressalva a ser feita, tanto com relação ao concurso de pessoas, quanto ao uso de arma. Nessa parte, ressalto que apesar da arma de fogo utilizada nos roubos não ter sido apreendida, a prova de sua utilização e eficiência é obtida através do disparo efetuado na garagem da vítima Bruno Greco e Melo, durante o roubo, cujo projétil deflagrado foi apreendido, f.20.

Com relação ao delito previsto no artigo 311 do CPB, de início, ressalto que a prova material acostada às f. 49 assegura que a moto Honda/NXFalcon/ subtraída de Bruno Greco e Melo teve a "identificação alfanumérica do chassi e motor ...raspados e picotados, tornando-os ilegíveis.", f.49. E diante do contexto probatório, não se têm dúvidas de que Célio, Carlos Antônio e Eliswander concorreram para a configuração do delito, mormente se se considerar de que desde a subtração do veículo, quando não tinha qualquer adulteração, até a sua restituição o referido bem esteve na posse exclusiva dos réus.

A vítima Bruno Greco e Melo declarou perante o Juiz que além do valor pago pelo resgate ainda teria que desembolsar "cerca de R$1.500,00 em peças e mão-de-obra; que ainda terá mais despesas com a remarcação de chassi e motor que foram adulterados.", f.319.

O crime de estelionato atribuído a Célio Geraldo de Oliveira, a meu ver, também não se tem dúvida de sua configuração, pois era ele quem "negociava" com as vítimas, por intermédio de terceiros, a recuperação dos veículos subtraídos e impunha um valor, com o firme propósito de obter uma vantagem em detrimento delas.

Leandro Rodrigues Fernandes confirmou perante o Juiz que entregou o dinheiro nas mãos de Célio, quando ficou combinado que a motocicleta seria entregue no dia seguinte e que o declarante esteve no local "sendo que nada foi encontrado". Em seguida

"...entrou em contato mais uma vez com Célio e este informou-lhe que não haviam entregado por medo de 'ter polícia' e que no dia seguinte era 'certeza' da devolução de sua moto,....no dia seguinte foi até o local e nada foi encontrado;Que entrou em contato com Célio e este lhe disse para que procurasse direito no meio do mato, onde eles deveriam ter a escondido; que novamente nada foi encontrado...", fl.s 11, autos apensos e 320.

Posteriormente, essa vítima fez contato com Célio que continuou o engodo até que a vítima desistisse, acabando no prejuízo de R$2.000,00 e da própria motocicleta, que não foi recuperada.

A vítima Bruno Greco por sua vez, pagou a Célio a quantia de R$3.000,00 e teve sua moto de volta, porém, faltando peças e com sinais identificadores adulterados, f. 15/16 e 319.

Assim, nenhuma dúvida de que o réu Célio incorreu na conduta descrita no artigo 171 do CPB.

Quanto à formação de quadrilha, no entanto, ao contrário do MM. Juiz, não obtive das provas a certeza da configuração do delito.

Inicialmente ressalto que dos quatro denunciados pelo delito de quadrilha, nos presentes autos, um foi absolvido, o apelante Bruno Lemos. Entretanto, segundo o d. Sentenciante:

"...as evidências que nos levam a concluir pelo envolvimento de outros indivíduos, em formação de quadrilha para a prática de roubos de motos, estão nas transcrições das degravações nos autos do processo cautelar n. 0223 08 251537-8."(f.478).

As degravações referidas pelo d. magistrado, f. 13/16, do processo cautelar em apenso, dão conta de um dialogo estabelecido entre o apelante Célio e Pablo Henrique Lopes, conhecido como "Pardal", ao que parece combinando um roubo de uma motocicleta. Entretanto, não se obtém a certeza de que "Pardal" estivesse envolvido com o apelante Célio, juntamente com os demais corréus, Carlos Antônio e Eliswander, com ânimo associativo para a prática de crimes. Há indícios do envolvimento daquele que seria o quarto integrante com o réu Célio, entretanto, não ficou seguramente comprovado que, além deles dois, outras pessoas integrassem o grupo para composição do número mínimo exigido para a formação da quadrilha.

Além disso, ainda que comprovada a composição mínima exigida, haveria de ficar demonstrado também o caráter estável e permanente do grupo, para a prática de delitos.

Portanto, sem a prova segura da formação da quadrilha ou ainda de que entre os possíveis elementos houvesse vínculo premeditado e permanente para a prática de delitos, impõe-se a absolvição.

Nesses termos e com base no artigo 386, inciso III, do CPPB, absolvo Célio Geraldo de Oliveira e Eliswander Vicente Costa pelo delito de quadrilha descrito na denúncia, estendendo os efeitos dessa decisão ao corréu Carlos Antônio Lamounier Filho, nos termos do artigo 580, do CPPB.

Com essa decisão e considerando que o recurso interposto pelo Ministério Público restringe-se ao pedido de agravamento da pena fixada pelo delito de quadrilha, julgo-o prejudicado, por perda de objeto.

Quanto ao recurso interposto por Bruno Lemos Gontijo de Freitas, alegando que a receptação não configurou diante da imediata devolução da peças "quando da dúvida da procedência das mesmas", f.548, vejo que razão não lhe assiste.

A testemunha Alysson Duarte Tavares, que é mecânico, relatou perante a autoridade policial que o seu vizinho Bruno solicitou a ele que fizesse reparo em sua motocicleta. Na oportunidade entreou a ele:

"(...) peças de outra motocicleta da marca Honda/NX4 Falcon (...) que cerca de quatro dias após a entrega das peças, esteve em sua residência dois indivíduos," (sic....) Que tais indivíduos disseram ao depoente que Bruno tinha autorizado a entrega das peças; Que desconfiado de tal atitude...ficou temeroso em entregar aqueles objetos..." (f.79/80).

E ainda acrescentou a referida testemunha que só entregou as peças após Bruno ter autorizado diretamente a ele, através do telefone, e que um dos indivíduos era o réu Célio, a quem reconheceu através de foto na delegacia. Tal relato foi confirmado em juízo, através do depoimento de f.325, através do qual essa testemunha afirmou não ter questionado Bruno acerca das notas fiscais das peças.

Assim, ao contrário do que o réu tenta fazer crer em seu recurso, a entrega das peças não se deveu ao fato delas estarem "desacompanhadas de nota fiscal", não se verificando nada nos autos, ainda, acerca do alegado "cancelamento da compra", f.548. Ao contrário, evidencia-se das provas que as peças foram devolvidas por motivos outros e de interesse do corréu Célio, que já havia negociado com a vítima a "devolução" da moto e, por conseqüência, de suas respectivas peças.

Portanto, não tenho dúvidas de que a conduta de Bruno Lemos Gontijo de Freitas enquadra-se na prevista no artigo 180,§3º, do CPB, nos termos prolatados na sentença.

Com relação à pena fixada aos apelantes, observo que o d. Magistrado analisou criteriosamente as circunstâncias judiciais, fixando a pena-base de todos os réus na mínima permitida.

Entretanto, em razão das majorantes dos crimes de roubo, para todos os apelantes e aqui estendo o entendimento e a decisão ao corréu Crlos Antônio Lamounier Filho nos termos do artigo 580 do CPPB, o d. Sentenciante aumentou a pena pela metade, elevando-a para 06 anos de reclusão e 15 dias-multa.

Tenho que o simples reconhecimento na sentença da dupla causa de aumento no crime de roubo não autoriza, desde logo, a aplicação de fração maior que a mínima prevista na lei.

A presença de mais de uma causa de aumento pode conduzir ao agravamento de 1/3 até metade quando se constatar, diante das peculiaridades do caso concreto, a ocorrência de circunstâncias que indiquem a necessidade da elevação da pena além da fração mínima.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados do STJ:

HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 157, INCISOS I E II, E ART. 307 DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. CONDUTA ATÍPICA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS MAUS ANTECEDENTES. AUMENTO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DA PRESENÇA DE DUAS MAJORANTES. ILEGALIDADE. EXASPERAÇÃO SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FASE INQUISITORIAL. RETRATAÇÃO EM JUÍZO. CONDENAÇÃO BASEADA EM ELEMENTOS DA CONFISSÃO. ATENUANTE. RECONHECIMENTO.

1 - (omissis).

2 - (omissis).

3 - (omissis).

4.- A presença de duas majorantes no crime de roubo (emprego de arma de fogo e concurso de agentes) não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, quando se faz necessária a indicação de circunstâncias que justifiquem o aumento.

(HC 120249 - (HC 2008/0247754-8) Relatora Ministra Laurita Vaz - Quinta Turma - julgado em 24/03/2009 - publicado no DJe 20/04/2009 .

Diante do exposto e considerando que no presente caso a presença das duas majorantes não teve o condão de agravar ainda mais o roubo, aumento a pena fixada, em relação a todos os reus, porquanto igualmente consideradas, em 1/3, concretizando-a em 05 anos e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa.

Em seguida, também em relação a todos os réus, o d. Magistrado na aplicação do crime continuado aumentou a pena em 2/3, sob a justificativa dos crimes terem sido cometidos "contra vítimas diferentes, mediante grave ameaça com o uso de arma de fogo (...)", f.484, 491 e 497.

Entendo que a justificativa utilizada pelo MM. Juiz. data venia, já serviu tanto para configurar o roubo majorado quanto para fundamentar a aplicação da continuidade delitiva, não valendo, a meu modo de ver, também para aquilatar o aumento da pena. Além disso, tal como venho me posicionando, entendo que o critério que deve ser levado em conta para dosar o aumento de pena é a quantidade de delitos praticados.

Corroborando esse entendimento, colaciono o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 172, DO CP. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORAÇÃO. NÚMERO DE INFRAÇÕES COMETIDAS.

O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. In casu, como foram dois os crimes praticados, o aumento deve dar-se na fração de 1/6 (um sexto) (Precedentes do STF e do STJ). Writ concedido." (HC 43725/SP; Relator Ministro Felix Fisher; 5ª Turma; Julgado em 17/11/2005 e Publicado em 01/02/2006).

Nesses termos, reduzo o percentual fixado pela quantidade delitiva para 1/6, aplicado sobre a pena de um dos crimes de roubo por serem iguais, fixando ao final a pena de todos os réus, pelos dois roubos praticados em 06 anos e 02 meses de reclusão e 15 dias-multa.

Feitas essas modificações e com a absolvição dos réus pelo crime de quadrilha, ao final, fica concretizada a pena do réu Eliswander Vicente Costa em 09 anos e 02 meses de reclusão e 25 dias-multa; do réu Carlos Antônio Lamounier Filho em 09 anos e 02 meses de reclusão e 25 dias-multa e a pena do réu Célio Geraldo de Oliveira em 10 anos e 02 meses de reclusão e 35 dias-multa.

Mantenho quanto ao mais, intacta a sentença vergastada inclusive com relação ao regime prisional e ao quantum atribuído ao dia-multa.

Por todo o exposto, dou provimento parcial aos recursos interpostos por Célio Geraldo de Oliveira e Eliswander Vicente Costa, estendendo os seus efeitos ao corréu Carlos Antonio Lamounier Filho, nego provimento ao recurso de Bruno Lemos Gontijo e julgo prejudicado o recurso do Ministério Público.

Custas recursais, na forma da lei.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDUARDO BRUM e FERNANDO STARLING.

SÚMULA: PROVIDOS, EM PARTE, OS RECURSOS DE ELISWANDER VICENTE COSTA E CÉLIO GERALDO DE OLIVEIRA; ESTENDIDOS OS EFEITOS DESTA DECISÃO AO CORRÉU CARLOS ANTÔNIO LAMOUNIER FILHO; NÃO PROVIDO O RECURSO DE BRUNO LEMOS GONTIJO DE FREITAS E JULGADO PREJUDICADO O APELO MINISTERIAL.




JURID - Inépcia da denúncia. Ilegalidade das interceptações. [09/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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