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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - Indenização. Anticoncepcional sem o princípio ativo. [21/09/09] - Jurisprudência


Indenização. Dano moral. Dano material. Anticoncepcional sem o princípio ativo. Placebo. Gravidez indesejada.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 883.612 - ES (2006/0193816-6)

RELATOR: MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)

RECORRENTE: SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA

ADVOGADO: CID FLAQUER SCARTEZZINI FILHO E OUTRO(S)

ADVOGADOS: SÍLVIA FERREIRA LOPES PEIXOTO E OUTRO(S)

ÉSIO JOSÉ B MARCHIORI FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ELIZIA CARDOSO DE SOUZA

ADVOGADO: JARBAS FRANCISCO GONÇALVES GAMA

EMENTA

CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO MATERIAL. ANTICONCEPCIONAL SEM O PRINCÍPIO ATIVO. PLACEBO. GRAVIDEZ INDESEJADA. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO. NEXO CAUSAL. INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO.

1. Não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem da inversão do ônus da prova. (RESp. 737.797/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 28/08/2006 p. 226 ).

2. Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da prova, não há como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias do nexo de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em data compatível e posterior à remessa da fase experimental para destruição.

3. Rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais e materiais.

4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para julgar improcedente o pedido inicial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). SILVIA FERREIRA LOPES PEIXOTO, pela parte RECORRENTE: SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA.

Brasília (DF), 08 de setembro de 2009(Data do Julgamento).

MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):

Cuida-se de ação de reparação de danos ajuizada por ELIZIA CARDOSO DE SOUZA em face de SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA.

A Autora sustenta que já tinha filhos e não pretendia engravidar novamente, pois não teria condições de arcar com a educação de mais um filho.

Passo contínuo e no intuito de evitar nova gravidez, teria adquirido na cidade de Linhares, interior do Estado do Espírito Santo, o anticoncepcional Microvlar fabricado pela ora recorrente.

Todavia, alega que, a despeito o uso do citado anticoncepcional, ficou grávida o que teria lhe ocasionado "uma reviravolta de 360º (trezentos e sessenta graus) (sic), pois não estava nos planos da requerente tal gravidez, mesmo sabendo as dificuldades iriam acontecer, uma mulher grávida aos 45 anos (quarenta e cinco anos)..." (fls. 04)

Pediu, por fim, a condenação da ré em razão de dano moral e material sofridos.

Citada, a ré contestou os pedidos.

O Juiz Juracy José da Silva, na sentença inverteu o ônus da prova e julgou procedente a ação proposta para condenar a ré a pagar a importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescida de juros de mora à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, a partir da citação (art. 405, do Código Civil) e correção monetária, nos termos da Súmula nº 562 do Supremo Tribunal Federal, e um salário mínimo atual retroativos ao início da gravidez até quando o menor, em tese, deverá concluir o curso superior, ou seja, 285 (duzentos e oitenta e cinco) meses (vinte e três anos de idade + mais nove meses da gravidez), a título de dano material que deverá ser indenizável em uma única parcela.

Apelou a ré e a sentença foi mantida pelo acórdão ora recorrido. Eis a ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - MEDICAMENTO SEM O PRINCÍPIO ATIVO - GRAVIDEZ INDESEJADA - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE USO DO MEDICAMENTO - INAPLICABILIDADE DO CDC - FALTA DE CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL - INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS - REFORMA DA CONDENAÇÃO EM VERBAS SUCUMBENCIAIS - APLICADA A INVERSÃO DO ONUS PROBANDI - RELAÇÃO DE CONSUMO - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR - CONDUTA E DANO - DEVER DE INDENIZAÇÃO - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - UNANIMIDADE EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Apelação Cível em ação indenizatória, que questiona sentença que julgou procedente em parte os pedidos acerca da comercialização indevida de produtos anticoncepcionais sem o princípio ativo, ocasionando gravidez indesejada. Alegada a inexistência de comprovação de uso habitual do medicamento, sendo argüida a não existência de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e aduzida a não configuração da responsabilidade civil. Também alegada a inexistência de liame jurídico que ocasionasse a condenação em danos morais e patrimoniais e questionada a condenação nas verbas sucumbenciais. Entendido o cabimento da inversão do onus probandi. Comprovada a existência da relação de consumo, não cabendo na hipótese a incidência da exclusão de responsabilidade do fornecedor conforme o disposto no § 3º do art. 12 do CDC. Configurada a conduta e o dano, demonstrando o vinculo entre às partes, e assim caracterizado o dever de indenizar. Por fim, falece o pedido de revisão de condenação em verbas sucumbênciais, tendo em vista que a assistência judiciária foi deferida pelo juizo a quo. À unanimidade, negado provimento ao recurso. "

Interposto o presente recurso especial, no qual são apontadas violações aos arts. 2º, 3º, 6º, VIII, 12, § 3º, I e III, do CDC; 21, 131, 267, IV, 333, 334, III e IV e 368, todos do CPC e 159 e 1.058, do Código Civil de 1.916 (correspondentes aos artigos 186, 393 e 927 do Código Civil de 2.002); 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Alega, em resumo, que:

a) "nem tudo o que é produzido pela empresa é 'produto' para fins do CDC, sendo necessário que haja o animus de disponibilização do bem ao mercado". (fls. 1.028)

b)"fica claro que os elementos apontados jamais poderiam determinar, à luz do disposto no artigo 2º do CDC, que a requerente seria consumidora de unidade de teste, já que ainda que se tenha por comprovado que fazia ela, em determinado período, uso de Microvlar, daí não decorre que a conclusão de que utilizou unidade de placebo." (fls. 1.029)

c) "incontroverso nos autos (posto que admitido pela parte autora em réplica, a fls. 265) que os testes que envolveram a utilização de placebos foram realizados entre 15/01 e 20/04/98". Ou seja, verifica-se com meridiana clareza que na data em que a autora afirma ter adquirido a unidade de Microvlar que teria sido utilizada no período da concepção de seu filho, os testes não haviam sequer sido iniciados, o que torna logicamente impossível que em 10/01/98 existisse alguma unidade oriunda dos testes".(fls. 1.030).

d) "verifica-se, portanto, que a E. Turma Julgadora entendeu que seria cabível in casu a inversão do ônus probatório não apenas em função da alegada configuração da relação jurídica objeto da lide como de consumo e consequentemente a verossimilhança das alegações autorais (o que, consoante já demonstrado, concessa venia inocorre), mas também porque a recorrida seria, no entendimento dos Julgadores, hipossuficiente"." (fls. 1.037)

e) "no caso em tela, não se pode ter como configurados quaisquer dos elementos imprescindíveis para que se determine a responsabilidade civil da recorrente, quais sejam, a conduta culposa ou dolosa e o nexo causal"." (fls. 1.060)

f) "constata-se que o v. acórdão, ao fixar os quantos indenizatórios em favor da recorrida, deixou de observar os princípios estampados nos artigos 4º e 5º retro transcritos, visto que foram arbitrados valores muito superiores aos fins sociais que serão atingidos com as quantias, não havendo também consonância com os princípios gerais de Direito, notadamente o da vedação de enriquecimento desmotivado." (fls. 1.066)

g) "no caso em tela, é inequívoca a ocorrência de sucumbência no mínimo recíproca, tendo em vista que o total pleiteado pela recorrida é muito superior aos benefícios concedidos pela r. decisão recorrida, devendo-se reformar a decisão também quanto a este particular, que não poderia ter condenado a recorrente ao pagamento das custas e despesas processuais e ainda honorários advocatícios de 20% sobre o total da condenação."(fls. 1.069)

Colaciona arestos para configuração de divergência jurisprudencial.

Pede, por fim, a reforma do acórdão recorrido.

Foram apresentadas, às fls. 1.099/1. 124, as contrarrazões.

Na origem, em exame de prelibação, recebeu o recurso crivo positivo de admissibilidade (fls. 1.126/1. 127).

É o breve relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):

Trata-se de ação de indenização que visa o pagamento de danos morais e materiais envolvendo o conhecidíssimo fato de utilização de comprimidos anticoncepcional sem princípio ativo, notoriamente divulgado pela mídia como a "pílula de farinha".

Alega a autora, em síntese, que sempre fez uso do anticoncepcional "Microvlar" (produzido pela ora recorrente) e que, em janeiro de 1998, teria consumido uma cartela que continha placebo, o que resultou em uma gravidez indesejada.

Não se ignora que este eg. Tribunal ao julgar o Recurso Especial n. 866.636-SP (2006/0104.394.9) da relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, relativamente a Ação Civil Pública proposta pela Fundação de proteção e Defesa do Consumidor - PROCON/SP e Outro, reconheceu em profundo exame do direito a responsabilidade da Recorrente quanto aos critérios de segurança para manuseio e destruição de pílulas-teste do anticoncepcional MICROVLAR sem o princípio ativo.

A questão, sob esses aspectos, não suscita questionamentos quanto às suas conclusões que também se acham decididas sob esses mesmos fundamentos quando do Recurso Especial nº 1.096.325-SP (2008/023955-0), também da relatoria da em. Ministra Nancy Andrighi.

Com efeito, manifesta a responsabilidade da Recorrente.

Entretanto, a despeito de se reconhecer a manifesta responsabilidade da Recorrente, o que mais não se discute, no exame destes autos, o centro da discussão ou a vexata quaestio, permissa vênia, desloca-se para o tema, qual seja, a comprovação do dano em face do nexo de causalidade como elemento absolutamente essencial para que se possa deferir ou não a condenação nos danos morais e materiais.

A indagação que se faz é, se mesmo em se tratando de direito decorrente do Código de Defesa do Consumidor, haverá indenização por dano moral sem a manifesta comprovação do nexo de causalidade, mesmo admitida a inversão do ônus da prova pelos princípios da verossimilhança e da hipossuficiência da consumidora ou agente lesada.

Feitas essas breves considerações, antes de adentrar no exame do mérito propriamente dito, é importante frisar que a situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte, uma vez que não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e a formação da convicção do julgado em face da distorcida aplicação pelo eg. Tribunal de origem da inversão do ônus da prova ao fundamento de que "hipossuficiência da apelada, atestada nos autos e maximizada pela presença de uma multinacional do ramo farmacêutico do outro lado, e a verossimilhança da alegação da ora apelada, entendo que o ônus da prova deve ser invertido".

Destarte, o direito, mesmo em se tratando de responsabilidade objetiva, rejeita qualquer indenização, se incomprovado o nexo de causalidade entre o fato alegado e o dano, entendimento esse que se extrai da valoração jurídica da prova, consoante precedente de lavra do em. Ministro Luiz Fux, assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO POLICIAL. TIRO DISPARADO CONTRA A VÍTIMA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO. ONUS PROBANDI DO ESTADO. CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO MATERIAL. (...) 3. A situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na Responsabilidade Civil do Estado, por danos materiais e morais, decorrente do falecimento de vítima, ocasionado por errôneo planejamento de ação policial, que impõe a inversão do onus probandi. 4. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145) [...]"(REsp 737797 / RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 28/08/2006 p. 226). "

À evidência, a discussão jurídica merece destaque tão-somente em relação ao claro rompimento do nexo de causalidade, o que é permitido, inclusive, no âmbito do próprio Código de Defesa do Consumidor consoante se depreende dos incisos I e III, do § 3º do seu art.12.

Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da prova, não haveria mesmo como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias ou na sentença, do nexo de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em data compatível ao início e à remessa da fase experimental para destruição.

Com efeito, a doutrina é assente no sentido de que:

"mesmo na responsabilidade objetiva - não será demais repetir -é indispensável o nexo causal. Esta é a regra universal, quase absoluta, só excepcionada nos raros casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral, o que não ocorre no dispositivo em exame. Inexistindo relação de causa e efeito, ocorre a exoneração da responsabilidade. Indaga-se, então: quando o empresário poderá afastar seu dever de indenizar pelo fato do produto ou do serviço? Tal como no Código do Consumidor,a principal causa de exclusão da responsabilidade do empresário será a inexistência de defeito. Se o produto ou serviço não tem defeito não haverá relação de causalidade entre o dano e a atividade empresarial. O dano terá decorrido de outra causa não imputável ao fornecedor de serviço ou fabricante do produto. Mas se o defeito existir, e dele decorrer o dano, não poderá o empresário alegar a imprevisibilidade, nem a inevitabilidade, para se eximir do dever de indenizar. Teremos o chama fortuito interno, que não afasta a responsabilidade do empresário." (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil 7ª ed, Ed. Atlas, 2007, p.166/7).

Sustenta a Recorrente que seria incabível, no caso em análise, a inversão do ônus probatório, não apenas em função da alegada configuração da relação jurídica objeto da lide como de consumo e conseqüentemente a verossimilhança das alegações autorais, mas também porque a Recorrida seria considerada hipossuficiente. Aponta violações aos arts. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, 131, 334, III e IV, 368, todos do Código de Processo Civil.

Com efeito, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo negou provimento ao apelo da ora Recorrente e manteve a sua condenação ao pagamento da verba indenizatória, sob os seguintes fundamentos, verbis:

"(...)

Pelo o que verifico nos autos, a autora é muito simples e sem muita instrução, sendo que no dia 08/07/1998, foi à delegacia informar o ocorrido, ou seja, somente três meses após a data em que terminaram os testes acima referidos, sendo que a população somente tomou conhecimento do sumiço das pílulas em meados de junho/julho de 1998.

Não vislumbro, portanto, a impossibilidade apontada pela apelante de que a apelada sofresse com os efeitos do placebo. E devido a hipossuficiência da apelada, atestada nos autos e maximizada pela presença de uma multinacional do ramo farmacêutico do outro lado, e a verossimilhança da alegação da ora apelada, entendo que o ônus da prova deve ser invertido, caindo sobre a apelante, que não se desincumbiu de provar a inverdade da alegação da autora/recorrida.

A mesma inversão do onus probandi deve se dar, pelos fundamentos acima expostos, acerca da comprovação de que não ocorreu, em algum momento, a circulação de unidades de placebo no mercado.

(...)

Quanto ao § 3º do art. 12 do CDC, verifico que não cabe na hipótese: não ficou plenamente definido o que aconteceu com os placebos testes. O que se tem nos autos é foram para nas mãos de várias consumidoras no país, deve a empresa responsabilizar-se pelo risco da atividade que exercia.

Em segundo lugar, está mais que provado que as pílulas de placebo inseridas no mercado não possuem o princípio ativo, ou seja, têm um vício de qualidade que ocasionou um dano na vítima.

E, finalmente, a apelante não demonstrou a culpa exclusiva do consumidor, nem de terceiros para uma eventual exclusão de responsabilidade.

Quanto ao argumento de causa excludente relativa a caso fortuito e força maior, não merece ir adiante, pois enquanto o produto está na órbita do fornecedor, tem-se como evitar a sua introdução no mercado."(fls. 999/1.003).

Mais adiante, o Des. Rômulo Taddei, em seu voto vista, consigna expressamente:

" (...)

Relata em sua exordial que, em janeiro de 1998, adquiriu em determinada farmácia do bairro que reside o anticoncepcional Microvlar para continuar a prevenção de gravidez.

(...)

Lendo memorial apresentado pela recorrente e atento à sustentação oral da advogada da fabricante chamou-me a atenção a assertiva de que a autora teria comprado as pílulas anticoncepcionais em 10/01/1998, ao passo que os testes apenas foram iniciados em 15/01/1998, o que importaria em impossibilidade lógica de ter a autora utilizado uma das unidades desprovidas de princípio ativo. O fato é deveras intrigante, não fosse a falta de comprovação cabal e idônea para se chegar à dita conclusão.

Isto porque a apelante extrai de um boletim de ocorrência juntado aos autos a data de 10 de janeiro de 1998, quando a autora supostamente teria comprado o medicamento em testilha. Não observa que o B.O. fora lavrado em julho daquele ano, portanto, mais de seis meses após a compra das pílulas. Tratando-se de pessoa de baixa instrução, é de se considerar a menção aproximada e inexata à data da compra."(fls. 1.008/1.013) (grifei)

Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da prova, não vejo como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias do nexo de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em data compatível e posterior à remessa da fase experimental das pílulas e a sua remessa para destruição, ocasião em que possivelmente se extraviaram ou foram desviadas por funcionários.

A responsabilidade da Recorrente está reconhecida quando do julgamento da Ação Civil Pública referida. O nexo de causalidade não.

Com efeito e a despeito deste reconhecimento, não se pode olvidar que a doutrina mesmo em sede de teoria de responsabilidade objetiva se aperfeiçoou no sentido da indispensabilidade do nexo de causalidade como elemento configurador do dano, certo de que:

"mesmo na responsabilidade objetiva - não será demais repetir -é indispensável o nexo causal.(g.m) Esta é a regra universal, quase absoluta, só excepcionada nos raros casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral, o que não ocorre no dispositivo em exame. Inexistindo relação de causa e efeito, ocorre a exoneração da responsabilidade. Indaga-se, então: quando o empresário poderá afastar seu dever de indenizar pelo fato do produto ou do serviço? Tal como no Código do Consumidor, a principal causa de exclusão da responsabilidade do empresário será a inexistência de defeito. Se o produto ou serviço não tem defeito não haverá relação de causalidade entre o dano e a atividade empresarial. O dano terá decorrido de outra causa não imputável ao fornecedor de serviço ou fabricante do produto. Mas se o defeito existir, e dele decorrer o dano, não poderá o empresário alegar a imprevisibilidade, nem a inevitabilidade, para se eximir do dever de indenizar. Teremos o chamado fortuito interno, que não afasta a responsabilidade do empresário." (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil 7ª ed, Ed. Atlas, 2007, p.166/7).

Em verdade, se a ocorrência da utilização do comprimido de Microvlar no interior do Espírito Santo, antes mesmo de serem iniciados os testes com placebo, não há como se deixar de se reconhecer a ausência do nexo de causalidade, contrariamente ao entendimento adotado pelo eg. Tribunal de origem, diante do princípio denominado de fortuito externo, ou seja, aquele fato que não guarda relação de causalidade entre a data alegada como a de utilização do anticoncepcional em relação à data inicial da experiência de comprimidos inócuos por ausência do seu princípio ativo.

Essa circunstância fática da incompatibilidade da utilização do anticoncepcional sem princípio ativo em período anterior ao início da fabricação-teste, em pequena cidade do interior do Estado do Espírito Santo, e, aqui, friso uma vez mais, que não estou negando vigência ao princípio da inversão do ônus da prova em sede de direito do consumidor, afasta a possibilidade indenizatória, pois, sabe-se que "verossímil é aquilo que é crível ou aceitável em face de uma realidade fática".

Altamente relevante trazer ao julgamento que esse entendimento - ausência de nexo de causalidade - é extraído da confissão da Autora-Recorrida contida na petição inicial quando afirmara: "que em janeiro de 1998, adquiriu em determinada farmácia do bairro que reside o anticoncepcional Microvlar para continuar com a prevenção" (fls. 1.008).

Além disso, como se ditou alhures, existe nos autos um B.O. - (fls. 22, volume 1) - feito também pela autora, onde consta como a data de aquisição do Microvlar o dia 10/01/98, data essa anterior ao início dos testes com as pílulas de placebo, o que a meu ver afasta a conclusão do v. acórdão que optou simplesmente pela inversão do ônus da prova mesmo sem comprovação efetiva da existência de nexo de causalidade, esquecido de que

"Fica, portanto, a advertência de que a inversão do ônus da prova não é postulado aplicável a todas as situações jurídicas derivadas do consumo de bens ou serviços, pois supõe juízo de verossimilhança das alegações do consumidor".(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Projeto, 8ª Edição, Forense Universitárias, p. 188/9)

Diante dessa realidade não se tem como buscar extrair do juízo de verossimilhança adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, o elemento da probabilidade entre o fato e a conseqüência, ou seja, entre a utilização da pílula de anticoncepcional sem princípio ativo em data anterior ao início dos testes e a conseqüência que foi a indesejável gravidez, razão do dano moral e cuja indenização é buscada.

Destarte, é aplicável, também, ao Direito do Consumidor o princípio de que o fato exclusivo da vítima ou de terceiro é causa excludente do nexo causal, equiparável à força maior, ou como afirma o Professor Sérgio Cavalieri:

"se o comportamento do usuário é a única causa do acidente de consumo, não há como responsabilizar o produtor ou fornecedor, por ausência de nexo de causalidade entre sua atividade e o dano" (ob. cit. P. 167).

Ademais, como dito anteriormente, o acórdão recorrido registra que no B.O. feito pela autora a data da aquisição do anticoncepcional foi o dia 10/01/1998 e o início dos testes em data posterior, o que não foi impugnado.

Adquirido o produto no início de janeiro, em cidade do interior do Espírito Santo e verificando-se que a distribuição do lote defeituoso ocorreu no final do referido mês, seria improvável que a autora tivesse acesso ao dito lote imperfeito por mera impossibilidade do fator temporal.

Finalmente, gostaria de consignar que inobstante a própria autora reconhecesse a sua satisfação com o nascimento da criança, ajuíza a presente ação alegando "dano moral" argumentando ter sofrido prejuízo, quando ela própria, repito, afirmou que "hoje seu filho está com muita saúde e muito amado pelos familiares.(sic)" (fls. 970).

Não compreendo como alguém que ame seu filho possa dizer que sofreu prejuízo para pedir indenização por dano moral, pois o dano moral não tem cabimento, em tese, quando o ato atacado traz satisfação e amor, embora se viesse alegar uma gravidez indesejada como fundamento a indenização pecuniária.

Por tudo o exposto, merece ser parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido o recurso especial para julgar improcedente o pedido, invertendo-se o ônus da sucumbência, no entanto reduzo a verba de sucumbência arbitrando-a em 1% (um por cento) sobre o valor da ação, levando em consideração os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e as peculiaridades do caso concreto, mas isentando a autora do pagamento das custas e honorários advocatícios e periciais como disciplinam os arts. 3 e 12 da Lei 1.060/50, diante da assistência judiciária a ela concedida.

Em razão do desfecho da decisão, ficam prejudicadas as análises dos demais temas apresentados no apelo especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2006/0193816-6 REsp 883612 / ES

Números Origem: 30030042748 7000458221 96312001

PAUTA: 03/09/2009 JULGADO: 03/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA

ADVOGADO: ÉSIO JOSÉ B MARCHIORI FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ELIZIA CARDOSO DE SOUZA

ADVOGADO: JARBAS FRANCISCO GONÇALVES GAMA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.

Brasília, 03 de setembro de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2006/0193816-6 REsp 883612 / ES

Números Origem: 30030042748 7000458221 96312001

PAUTA: 03/09/2009 JULGADO: 08/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA

ADVOGADO: CID FLAQUER SCARTEZZINI FILHO E OUTRO(S)

ADVOGADOS: SÍLVIA FERREIRA LOPES PEIXOTO E OUTRO(S)

ÉSIO JOSÉ B MARCHIORI FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ELIZIA CARDOSO DE SOUZA

ADVOGADO: JARBAS FRANCISCO GONÇALVES GAMA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). SILVIA FERREIRA LOPES PEIXOTO, pela parte RECORRENTE: SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 08 de setembro de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 909099

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 21/09/2009




JURID - Indenização. Anticoncepcional sem o princípio ativo. [21/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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