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terça-feira, 8 de setembro de 2009

JURID - Habeas corpus. Direito penal. Crime ambiental. [08/09/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Direito penal. Crime ambiental. Apreensão de substância nociva. Desnecessidade.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 37.312 - SP (2004/0108026-3)

RELATOR: MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

IMPETRANTE: MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES E OUTRO

IMPETRADO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ANDRÉ LUIZ DIAS

EMENTA

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE SUBSTÂNCIA NOCIVA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO E DE ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. LAUDO PRELIMINAR. EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PREVENTIVA. NÃO-LOCALIZAÇÃO DO RÉU. ÚNICO FUNDAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, excepcional que é, em sede de habeas corpus, somente pode ter lugar, quando o motivo legal invocado mostrar-se na luz da evidência, primus ictus oculi.

2. Em havendo armazenamento de substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos, nada importa que, ao tempo da diligência policial, já se encontrassem vazios os tanques de combustível, porque não integra o tipo penal a exigência de que haja a flagrância da conduta.

3. Os crimes tipificados nos artigos 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 se aperfeiçoam com a adulteração do combustível, sendo bastante para a ação penal a constatação pericial da adulteração proibida, sendo desinfluente o eventual não-exaurimento da instância administrativa, em face da independência da instância penal.

4. O simples fato da não-localização do réu para responder à ação penal não se presta, isoladamente, como na iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à decretação da prisão preventiva. Precedentes.

5. Ordem parcialmente concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto do Sr. Ministro Paulo Gallotti concedendo parcialmente a ordem, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Nilson Naves a concedia em maior extensão. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP). Afirmou suspeição a Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 25 de junho de 2009 (Data do Julgamento)

MINISTRO Hamilton Carvalhido, Relator

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):

Habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, denegando writ impetrado em favor de André Luiz Dias, preservou-lhe a ação penal em que foi denunciado como incurso nas sanções dos delitos tipificados nos artigos 288, parágrafo único, do Código Penal, 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 56 da Lei nº 9.605/98.

A ausência de justa causa para a ação penal, relativamente aos delitos tipificados nos artigos 56 da Lei nº 9.605/98, 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, funda a impetração.

Alega o impetrante, relativamente ao crime ambiental (artigo 56 da Lei nº 9.605/98), que "(...) a inexistência material do 'produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva' no mundo fático implica a impossibilidade de se ter, ainda que em cognição sumária, como típica uma conduta" (fl. 9) que "(...) OS TANQUES DE ARMAZENAMENTO DE COMBUSTÍVEL ESTAVAM DESATIVADOS E VAZIOS!" (fl. 11) e que "(...) no local em que se imputa ter ocorrido o crime ambiental, não foi encontrada qualquer substância ou vestígio de produto na produção ou, como que a Acusação, 'adulteração de combustível'" (fl. 12)

Relativamente aos delitos contra as relações de consumo e de adulteração de combustíveis (artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, respectivamente), aduz que "(...) bastaria, para o início da ação penal, esse laudo preliminar, submetido - ainda - à defesa na esfera administrativa, para configurar o 'juízo de valor' necessário e DEFINITIVO para se determinar se haverá norma administrativa a completar o elemento normativo do tipo ('desacordo')?" (fl. 17) e que "(...) se algum elemento do tipo penal depender da conclusão final da via administrativa, a precedência da esfera administrativa se impõe, sob pena de termos a imputação de um tipo penal cujo elemento normativo terá como base uma decisão administrativa apenas provisória" (fls. 18/19).

Pugna, ao final, pela concessão da ordem, "(...) para fazer cessar o flagrante constrangimento ilegal ora demonstrado, consubstanciado na manutenção pela Primeira Câmara criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo do recebimento de denúncia sem justa causa, nos autos do processo nº 3457/2003, que tramita na 2º vara Criminal da Comarca de Limeira, São Paulo, impõe-se a concessão da presente ordem de habeas corpus e o conseqüente trancamento da ação penal a que responde o Paciente, relativamente às imputações dos delitos tipificados nos artigos (I) 56, da Lei 9.605/98 e (II) 1º, inciso I, da Lei 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90" (fl. 27).

As informações foram prestadas às fls. 319/320 dos autos.

O Ministério Público Federal veio pela denegação da ordem, em parecer assim sumariado:

"Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Crimes contra a Ordem Tributária, Economia e as Relações de Consumo (Lei 8.137/90). Trancamento de Ação Penal. Impossibilidade. Presença dos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Apresentação de argumentos contestáveis para comprovação de falta de justa causa na propositura da ação penal. Parecer pela denegação da ordem." (fl. 351).

Pelo petitório de fls. 355/357, requereram os impetrantes medida liminar, deferida tão-somente para "(...) para assegurar a liberdade do paciente até o julgamento do presente writ ou o exaurimento da instância recursal ordinária" (fls. 404/406).

É o relatório.

VOTO

EMENTA

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE SUBSTÂNCIA NOCIVA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO E DE ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. LAUDO PRELIMINAR. EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PREVENTIVA. NÃO-LOCALIZAÇÃO DO RÉU. ÚNICO FUNDAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, excepcional que é, em sede de habeas corpus, somente pode ter lugar, quando o motivo legal invocado mostrar-se na luz da evidência, primus ictus oculi.

2. Em havendo armazenamento de substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos, nada importa que, ao tempo da diligência policial, já se encontrassem vazios os tanques de combustível, porque não integra o tipo penal a exigência de que haja a flagrância da conduta.

3. Os crimes tipificados nos artigos 1º, inciso I, da Lei n º 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 se aperfeiçoam com a adulteração do combustível, sendo bastante para a ação penal a constatação pericial da adulteração proibida, sendo desinfluente o eventual não-exaurimento da instância administrativa, em face da independência da instância penal.

4. O simples fato da não-localização do réu para responder à ação penal não se presta, isoladamente, como na iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à decretação da prisão preventiva. Precedentes.

5. Ordem parcialmente concedida.

EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO(Relator): Senhor Presidente, habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, denegando writ impetrado em favor de André Luiz Dias, preservou-lhe a ação penal em que foi denunciado como incurso nas sanções dos delitos tipificados nos artigos 288, parágrafo único, do Código Penal, 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 56 da Lei nº 9.605/98.

A ausência de justa causa para a ação penal, relativamente aos delitos tipificados nos artigos 56 da Lei nº 9.605/98, 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, funda a impetração.

Alega o impetrante, relativamente ao crime ambiental (artigo 56 da Lei nº 9.605/98), que "(...) a inexistência material do 'produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva' no mundo fático implica a impossibilidade de se ter, ainda que em cognição sumária, como típica uma conduta" (fl. 9) que "(...) OS TANQUES DE ARMAZENAMENTO DE COMBUSTÍVEL ESTAVAM DESATIVADOS E VAZIOS!" (fl. 11) e que "(...) no local em que se imputa ter ocorrido o crime ambiental, não foi encontrada qualquer substância ou vestígio de produto na produção ou, como que a Acusação, 'adulteração de combustível'" (fl. 12)

Relativamente aos delitos contra as relações de consumo e de adulteração de combustíveis (artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90 e 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/91, respectivamente), aduz que "(...) bastaria, para o início da ação penal, esse laudo preliminar, submetido - ainda - à defesa na esfera administrativa, para configurar o 'juízo de valor' necessário e DEFINITIVO para se determinar se haverá norma administrativa a completar o elemento normativo do tipo ('desacordo')?" (fl. 17) e que "(...) se algum elemento do tipo penal depender da conclusão final da via administrativa, a precedência da esfera administrativa se impõe, sob pena de termos a imputação de um tipo penal cujo elemento normativo terá como base uma decisão administrativa apenas provisória" (fls. 18/19).

Pugna, ao final, pela concessão da ordem, "(...) para fazer cessar o flagrante constrangimento ilegal ora demonstrado, consubstanciado na manutenção pela Primeira Câmara criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo do recebimento de denúncia sem justa causa, nos autos do processo nº 3457/2003, que tramita na 2º vara Criminal da Comarca de Limeira, São Paulo, impõe-se a concessão da presente ordem de habeas corpus e o conseqüente trancamento da ação penal a que responde o Paciente, relativamente às imputações dos delitos tipificados nos artigos (I) 56, da Lei 9.605/98 e (II) 1º, inciso I, da Lei 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90" (fl. 27).

São duas as questões postas à análise: primeiro, que o fato de se encontrarem vazios os reservatórios subterrâneos, ao tempo da diligência policial, impediria, por atipicidade, a denúncia pelo crime tipificado no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 e, segundo, que os laudos preliminares constantes nas fls. 261/267 não autorizariam a propositura da ação penal relativamente aos ilícitos dos artigos 1º, inciso I, da Lei n º 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, enquanto pendente de julgamento o recurso administrativo interposto na esfera respectiva.

Denego a ordem quanto ao pleito absolutório.

O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, medida de exceção que é, somente pode ter lugar, quando o seu motivo legal mostrar-se na luz da evidência, primus ictus oculi.

É esta a letra do artigo 56 da Lei nº 9.605/98:

"Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."

Tem-se, assim, que na conduta típica subsumem-se as ações de "produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar" produto ou substância tóxica perigosa ou nociva ao homem ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.

E, recolhe-se no acórdão impugnado, a propósito:

"(...)

No caso ora enfocado, vê-se que a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, posto que expôs o crime de adulteração de combustível, que vinha ocorrendo até o dia 12 de novembro de 2003 nos locais descritos na exordial, e que o imóvel situado na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, era a sede onde se dava a adulteração com utilização de tanques subterrâneos ilegais, conforme documentos acostados aos autos.

O fato de tais tanques estarem vazios, no momento da operação pelo Força Tarefa, não desnatura a imputação, posto que a denúncia, de forma explícita, aponta os fatos ocorridos durante um período incerto, mas até o dia 12 de novembro de 2003.

Logo, o fato descrito na denúncia constitui delito, e saber se a conduta atribuída ao paciente á atípica, é matéria de mérito, cuja exame se mostra inviável e desaconselhável, e se atendida precipitada, posto que há indícios suficientes apontando a responsabilidade ilícita do paciente.

(...)" (fl. 31).

Tenho como irrepreensível o decisum colegiado, até porque não se pode afirmar desprovida de significação probatória a relação entre a substância apreendida e os tanques de armazenamento e veículo de transporte, nada importando que ao tempo da diligência policial os tanques já se encontrassem vazios, porque não integra o tipo penal a exigência de que haja a flagrância da conduta.

Não há falar, pois, em trancamento da ação penal.

Quanto aos delitos contra as relações de consumo e de adulteração de combustíveis, a ordem igualmente é de ser denegada.

A existência material dos crimes tipificados nos artigos 1º, inciso I, da Lei n º 8.176/91 e 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, independentemente da existência de qualquer elemento normativo a ela relacionado, é matéria de prova própria do processo da ação penal, por função mesma da independência das esferas administrativa e penal, sendo induvidosamente bastantes para a propositura da actio poenalis, à luz das normas de processo em vigor, o laudo pericial que atesta que a gasolina comercializada encontrava-se fora dos padrões técnicos exigidos pela Agência Nacional do Petróleo - ANP, na medida em que foi adicionada quantidade de álcool muito superior à permitida (62%).

A própria incidência dos complementos normativos da norma penal não são estranhos ao thema decidendum da querela penal, não havendo como pretender que a persecutio criminis dependa, em casos tais, do exaurimento da instância administrativa.

E, em não afastadas, de plano, a tipicidade e a materialidade delitivas na ação penal a que responde o paciente, deve a questão, por induvidoso, ser decidida em momento próprio, qual seja, o da sentença penal, e à luz de todos os elementos de convicção a serem colhidos no desenrolar de toda a instrução criminal, sendo, pois, de todo incabível o abortamento precipitado do feito, à moda de absolvição sumária do acusado, porquanto, pugna pelo trancamento alegando falta de justa causa, que requisita inafastável necessidade de reexame de prova.

A propósito:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. ART. 168-A, § 1, INCISO I, NA FORMA DO ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 9, § 2º DA LEI Nº 10.684/2003. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DADOS QUE COMPROVEM QUE A SOCIEDADE EMPRESÁRIA RELACIONADA COM O RECORRENTE TENHA QUITADO INTEGRALMENTE OS SEUS DÉBITOS. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

I - Em respeito ao princípio da fungibilidade recursal, o recurso em sentido estrito interposto contra v. acórdão do e. Tribunal a quo, denegatório de writ, deve ser conhecido como recurso ordinário em habeas corpus. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

II - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie. (Precedentes).

(...)

IV - O remédio heróico do habeas corpus, em sua estreita via, deve vir instruído com todas as provas pré-constituídas das sustentações feitas já que não se admite dilação probatória. (Precedentes). In casu, não há elementos suficientes capazes de demonstrar a pretensão aduzida.

Recurso desprovido." (RHC nº 21.095/PR, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 18/6/2007).

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. FASE ADMINISTRATIVA. FATO PENALMENTE RELEVANTE. DEFINIÇÃO JURÍDICA. NÃO VINCULAÇÃO. NECESSIDADE DA INSTRUÇÃO. TRANCAMENTO INVIÁVEL.

O trancamento de ação penal exige a comprovação incontroversa do direito do acusado e, do mesmo modo, em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva plena.

In casu, sendo o fato penalmente relevante, não há porque interromper a persecução penal sob o argumento da existência de procedimento administrativo, se esta fase não vincula a promoção processual.

Recurso desprovido." (RHC nº 14.808/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, in DJ 11/10/2004).

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

1. O exame da tipicidade objetiva e subjetiva do fato, para afirmá-la ou negá-la, requisita, em regra, necessariamente, o conhecimento e a valoração do conjunto da prova, fazendo-se induvidosamente estranho ao âmbito de cabimento do habeas corpus.

2. A ausência de justa causa para a ação penal, assim, somente se viabiliza à declaração, por meio do remédio heróico, quando a atipicidade que a fundamenta se oferece, de plano, manifesta.

3. Recurso improvido." (RHC nº 9.313/PR, da minha Relatoria, in DJ 5/11/2001).

Não merece reparo, portanto, o acórdão estadual no tanto em que preservou a ação penal em relação aos crimes contra as relações do consumo e de adulteração de combustíveis, litteris:

"(...)

Quanto à alegada necessidade de esgotamento da esfera administrativa para que se possa provocar a atuação do Poder Judiciário, melhor sorte não se reserva ao paciente, primeiramente porque, realizado pelo órgão técnico ANP exame que detectou a presença de álcool na gasolina, em patamar muito superior ao permitido - 62%, quando o permitido é de 25%, admitida a variação de 1% para cima ou para baixo -, a iniciação da Ação Penal estaria autorizada em razão de cometimento de crime contra a relação de consumo." (fl. 32).

É de se conceder a ordem, por fim, para assegurar a liberdade do paciente até o trânsito em julgado da ação penal, como decidido em caráter liminar em 29 de junho de 2007.

É que, diante da iminência do julgamento do feito, o decreto de prisão preventiva a que se alude fundou-se unicamente no fato da não localização do réu, que, isoladamente, como na iterativa jurisprudência desta Corte Federal Superior, não se mostra idôneo à constrição cautelar, autorizando que se assegure a liberdade do paciente até o trânsito em julgado de eventual condenação.

Confiram-se, por todos, os seguintes arestos:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 121, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE.

I - A prisão preventiva deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

II - A apontada dificuldade de localização do réu, no caso concreto, não constitui motivo suficiente a embasar a custódia cautelar, uma vez que não restou efetivamente demonstrado que o paciente se encontrava foragido, bem como em razão de ter ele comparecido espontaneamente à audiência de interrogatório, realizada pouco após a decretação da prisão preventiva (Precedentes).

Ordem concedida." (HC nº 79.283/PA, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 5/11/2007).

"HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. NULIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE.

1. É nula a citação por edital quando inesgotados todos os meios disponíveis para a localização do réu.

2. As informações eventuais existentes no inquérito policial sobre a residência do apontado autor do ilícito não excluem o dever do Oficial de Justiça de proceder à diligência citatória nos endereços constantes nos autos.

3. O decreto de prisão preventiva há de substanciar-se no fato-crime e no homem-autor concretos, sendo incabível inferir fuga, em função da revelia do paciente.

4. Ordem concedida." (HC nº 63.066/PR, da minha Relatoria, in DJ 3/9/2007).

"Prisão preventiva (requisitos). Fuga (motivação). Fundamentação (insuficiente). Revogação (caso).

1.Só por si, a fuga do acusado não justifica se lhe imponha preventivamente a prisão.

2.A decisão que decreta a prisão preventiva há de estar suficientemente fundamentada (Constituição, art. 93, IX, e Cód. de Pr. Penal, art. 315).

3.Se não subsiste mais o motivo que ensejou a prisão preventiva, deve ela ser revogada.

4.Habeas corpus deferido." (HC nº 44.538/MG, Relator Ministro Nilson Naves, in DJ 5/3/2007).

Pelo exposto, concedo, em parte, a ordem, para assegurar a liberdade do paciente até o trânsito em julgado de eventual condenação, convolando em definitiva a liminar deferida.

É O VOTO.

Voto

CARLOS FERNANDO MATHIAS: Sr. Presidente, antes de mais nada, gostaria de louvar o advogado e subscrever - tenho de justificar que sou um modesto estudante de Direito Autoral - em tudo o que S. Exa. disse a respeito da Sra. Ministra Maria Thereza, que merece todas as homenagens e muito mais.

Por outro lado, gostaria de louvar. Os Advogados não estão aqui para serem avaliados. Mas, assim como Piero Calamandrei fez "O elogio dos Juízes feito por um Advogado", pode-se fazer o elogio aos advogados por um juiz.

Quero dizer que li o memorial. Sei que alguém do seu escritório, talvez a senhora mesma, ontem, esteve lá no meu Gabinete, mas alguém aqui presente que sabe que, neste momento, estava recebendo uma parte que trazia, deduzia uma pretensão, e tive que ouvir a história longa. Não estou reclamando pelo fato de ter sido longa, ou não, mas quando mandei que entrasse, V. Exa. já havia saído. Li atentamente o memorial muito bem elaborado, muito bem escrito, com um português escorreito, porque, hoje, a língua é um pouco maltratada, mas vou pedir vênia a V. Exa. para acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator.

Ao pedir vênia aos advogados, não estou fazendo nenhuma liberalidade, mas porque a Constituição menciona que a Advocacia é essencial à administração da justiça. Portanto, nós integramos a justiça, realizamos a justiça; assim, está na Constituição brasileira.

O Sr. Ministro Relator empresta uma inteligência adequada, primeiro, com relação à justa causa, a qual ele demonstra que ela existe, até porque não há que se confundir a conduta com flagrante; uma coisa é o flagrante e sabemos todas as conseqüências que se tem quando há uma prisão em flagrante, mas o fato de ela não haver não quer dizer que não exista a persecução penal. Desculpe-me por estar dizendo o óbvio, que, segundo Nelson Rodrigues diria "ululante".

Por outro lado, o eminente Ministro que já teve a sensibilidade - grande juiz, e grande mestre que é -, deu uma cautelar e observou que não havia, naquele instante, a necessidade da constrição do paciente.

Repetiria uma coisa que disse no meu primeiro voto, aqui, invocando o art. 59, que trata, obviamente, da aplicação da pena. Ninguém cometeria uma injustiça dizendo que cometi um engano palmar, mas o princípio que está ali é de que as medidas penais só devem ser aplicadas na medida em que sejam necessárias, tanto que invoquei, até, uma letra expressa, um cânon do Código Canônico Pio-Beneditino que está repetido no Código João Paulo II.

Portanto, com essas considerações, concedo em parte a ordem de habeas corpus, já que assim S. Exa. deu, porque S. Exa. estava denegando a ordem, porém, repristinando a cautelar. Depois, S. Exa. inverte, tecnicamente, concedendo em parte a ordem. Quer dizer: o paciente vai responder o processo em liberdade, ou seja, continua respondendo em liberdade.

Nessas condições, acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.

Concedo em parte a ordem de habeas corpus.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2004/0108026-3 HC 37312 / SP

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 34572003 4527033

EM MESA JULGADO: 07/08/2007

Relator
Exmo. Sr. Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Ministra Impedida
Exma. Sra. Ministra: MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. SAMIR HADDAD

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES E OUTRO

IMPETRADO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ANDRÉ LUIZ DIAS

ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de Consumo

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES, pela parte: PACIENTE: ANDRÉ LUIZ DIAS

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto do Sr. Ministro Relator concedendo parcialmente a ordem, no que foi seguido pelo Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (juiz convocado do TRF 1ª Região), pediu vista o Sr. Ministro Nilson Naves."

Impedida a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 07 de agosto de 2007

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Trata-se de imputações relativas à Lei nº 8.137/90, art. 7º, IX ("vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo"), e à Lei nº 8.176/91, art. 1º, I ("adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei"), e à Lei nº 9.605/98, art. 56 ("produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos"). Conforme a denúncia, nestes tópicos iniciais,

"Apurou-se que o denunciado André Luis Dias é proprietário de uma rede de postos de combustíveis denominada 'ALD', dentre eles o 'Tropical Auto Posto Limeira', localizado na avenida Fabrício Vampré, n. 2244, Jardim São Paulo, em Limeira, e o 'Serv Gem Serviços Automotivos', cujo nome de fantasia é 'Auto Posto Barão', sendo na rua Barão de Campinas, n. 246, centro, também em Limeira.

Nas atividades voltadas ao ramo de combustíveis, os denunciados, com unidade de propósitos, associaram-se para o fim de praticar crimes, produzindo e comercializando produtos derivados de petróleo, álcool etílico hidratado e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei, ou seja, 'combustível adulterado', sendo que, para a execução da prática delituosa, a quadrilha contava com a participação de outras pessoas ainda não identificadas, as quais atuavam mediante divisão de tarefas para a consecução de objetivo comum.

A organização criminosa atuava na forma de uma empresa legalmente constituída com o nome 'ALD', iniciais do denunciado André Luis Dias. Assim é que tal denunciado locou num bairro residencial o imóvel situado na avenida Marechal Artur Costa e Silva, n. 681, em Limeira, no qual foi montada a base de adulteração de combustível, instalando ilegalmente no referido local dois tanques subterrâneos para o armazenamento dos produtos químicos, álcool etílico e derivados de petróleo, sendo que ali era feita a mistura necessária para produção do combustível adulterado. Fabricado o produto ilegal, o mesmo era armazenado nos tanques dos caminhões de propriedade de André Luis Dias e posteriormente distribuído nos postos pertencentes à rede 'ALD' e revendidos para os consumidores."

Resumidamente, o que se alega na petição endereçada ao Superior Tribunal é o seguinte:

"Parte I: Falta justa causa quanto ao crime do artigo 56, da Lei 9.605/98, uma vez que o elemento objetivo-descritivo do tipo penal não foi encontrado no local imputado como dos fatos tanto que sequer referido em qualquer passagem dos autos.

Logo, falta justa causa para uma acusação legítima, por absoluta ausência de elemento objetivo - objeto material - do tipo penal.

Parte II: Falta justa causa quanto aos crimes do artigo 7º, inc. IX, da Lei 8.137/90 e do artigo 1º, inc. I, da Lei 8.176/91, porquanto os elementos normativos integrantes dos tipos penais referidos, ainda não podem ser aferidos, vez que não se tem a certeza quanto a sua existência e, eventualmente, se existirem, qual será a norma ou o regulamento aplicável na espécie."

Pedi vista para refletir sobre as alegações em torno do indicado art. 56, a cujo propósito houve, na origem, voto vencido, nestes termos:

"Ocorre que, quando da vistoria ali realizada, com mandado judicial, após investigação sigilosa por parte do Ministério Público Estadual, equipe do GAERCO/Campinas, acompanhado pela Polícia, Civil e Militar, agentes da ANP (Agência Nacional de Petróleo e CETESB, nada ali fora localizado, em especial no que concerne à substância nociva a saúde ou ao meio ambiente, como exige o tipo penal.

Os tanques de combustível e o caminhão tanque estavam vazios, o que é matéria incontroversa nos autos (admitida pela Justiça Pública) e realçada no auto de prisão em flagrante pelo depoimento do testemunho do Sargento Gutemberg (cf. fls. 14/5).

.................................................................................................................

O objeto material do crime em questão, qual seja, o elemento normativo está a exigir a presença de 'substância tóxica, perigosa, nociva à saúde humana ou ao meio ambiente', razão pela qual não se pode imputar a prática de tal crime ao paciente (e aos co-réus por extensão) se, no local, nada foi localizado e apreendido que pudesse, ao menos em tese, configurar a tipicidade da conduta imputada na exordial pública, ou mesmo de outras condutas e nas demais figuras do tipo múltiplo do art. 56 da Lei nº 9.605/98.

Falta, portanto, justa causa à instauração da ação penal para apuração do tal crime, sendo que, neste sentido, a denúncia é de ser afastada 'in limine'. O direito de agir, no caso, se mostra ausente. De crime ambiental não se pode falar, nem ao menos em tese, dada a ausência do elemento objetivo do tipo, ou seja, o objeto material da infração.

Daí porque, neste diapasão, ousei divergir do eminente Desembargador Relator e, pelo meu voto, concedia em parte a ordem impetrada para trancar parte da ação penal movida contra o ora paciente, medida extensiva aos co-réus, no que concerne ao delito do art. 56 da Lei nº 9.605/98, crimes contra o meio ambiente, mas fiquei vencido."

De igual sorte, foi o parecer de Édis Milaré, consultado pelos advogados do paciente; eis, conclusivamente, a sua opinião:

"Em suma: inexiste, conforme se conclui a partir dos próprios elementos comprobatórios que acompanham a Denúncia, o objeto material do crime ambiental imputado aos réus, no imóvel localizado na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681; objeto material este que constitui componente essencial do tipo penal. No caso concreto, portanto, estão ausentes indícios mínimos da configuração abstrata da tipicidade da conduta prevista no artigo 56 da Lei 9.605/98, já que, como visto, os fatos de que o Ministério Público valeu-se, no embasamento da Denúncia, não se amoldam à descrição contida na lei."

É do mesmo modo que estou eu tendo compreensão do caso, daí que, adotando o voto do Juiz Péricles Piza, voto aqui pela concessão em parte da ordem, isto é, quanto ao art. 56 da Lei nº 9.605, voto pela extinção da ação penal.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2004/0108026-3 HC 37312 / SP

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 34572003 4527033

EM MESA JULGADO: 04/10/2007

Relator
Exmo. Sr. Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Ministra Impedida
Exma. Sra. Ministra: MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES E OUTRO

IMPETRADO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ANDRÉ LUIZ DIAS

ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de Consumo

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Preliminarmente, retificou-se a proclamação do dia 07/08/2007 para: após o voto do Sr. Ministro Relator concedendo parcialmente a ordem para assegurar a liberdade do paciente, sendo acompanhado pelo Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (juiz convocado do TRF 1ª Região), pediu vista o Sr. Ministro Nilson Naves. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Impedida a Srª Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Prosseguindo o julgamento, após o voto do Sr. Ministro Nilson Naves concedendo a ordem em maior extensão, decidiu a Turma remeter os autos ao Sr. Ministro Paulo Galotti para composição de quorum."

Impedida a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 04 de outubro de 2007

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

VOTO

O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: A hipótese é de habeas corpus que objetiva o trancamento da ação que atribui a André Luiz Dias a prática dos delitos descritos no artigo 56 da Lei nº 9.605/1998, no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/1991, e no artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990.

Afirmam os impetrantes, no tocante à infração do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998, que "no local em que se imputa ter ocorrido o crime ambiental não foi encontrada qualquer substância ou vestígio de produto utilizado na produção ou, como quer a acusação, adulteração de combustível".

Quanto aos demais delitos, enfatiza que "sem o término do procedimento administrativo não poderá a defesa discutir, no curso da ação penal, se o combustível estava ou não em desacordo com norma ou regulamento".

O Ministro Hamilton Carvalhido, relator, concedeu parcialmente a ordem tão somente para revogar a prisão preventiva do paciente, no que foi acompanhado pelo Desembargador convocado Carlos Fernando Mathias, tendo o Ministro Nilson Naves concedido em parte o writ para trancar a ação relativamente ao crime do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998.

Os autos foram a mim encaminhados para composição de quorum.

Leia-se a denúncia:

"Consta nos autos do incluso inquérito policial que os denunciados André Luiz Dias, Cristiane Vonzubem, Eduardo Ananias de Campos e Flávio Aparecido de Oliveira, contando ainda com a participação de outras pessoas ainda não identificadas, inclusive de policiais civis e militares, durante um período incerto, mas até o dia 12 de novembro de 2003, na Avenida Fabrício Vampré, nº 2244, Jardim São Paulo, na Rua Barão de Campinas, nº 246, Centro, e na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, todos neste Município e Comarca de Limeira, associaram-se em quadrilha ou bando armado, na forma de organização criminosa, para o fim de cometer crimes.

Consta, ainda, que os mesmos denunciados, contando também com a participação de outras pessoas ainda não identificadas, inclusive de policiais civis e militares, na Avenida Fabrício Vampré, nº 2244, Jardim São Paulo, e na rua Barão de Campinas, nº 246, Centro, nesta cidade e comarca, previamente ajustados e com identidade de propósitos, durante um período incerto, mas até 12 de novembro de 2003, adquiriram, distribuíram e revenderam derivados de petróleo e suas frações recuperáveis, álcool etílico e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas pela legislação vigente.

Consta também que os denunciados, contando com a participação de outras pessoas ainda não identificadas, inclusive de policiais civis e militares, na avenida Fabrício Vampré, nº 2244, Jardim São Paulo, e na Rua Barão de Campinas, nº 246, Centro, nesta cidade e comarca, durante um período incerto, mas até 12 de novembro de 2003, venderam, tiveram em depósito para a venda e expuseram à venda mercadorias em condições impróprias para o consumo.

Consta, outrossim, que os denunciados, contando com a participação de terceiros ainda não identificados, inclusive de policiais civis e militares, na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, nesta cidade e comarca, produziram, armazenaram, guardaram, tiveram em depósito e usaram substâncias tóxicas, perigosas e nocivas à saúde humana e ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e em seus regulamentos.

Apurou-se que o denunciado André Luis Dias é proprietário de uma rede de postos de combustíveis denominada 'ALD', dentre eles o 'Tropical Auto Posto Limeira', localizado na Avenida Fabrício Vampré, nº 2244, Jardim São Paulo, em Limeira, e o 'Serv Gem Serviços Automotivos', cujo nome de fantasia é 'Auto Posto Barão', sediado na Rua Barão de Campinas, nº 246, Centro, também em Limeira.

Nas atividades voltadas ao ramo de combustíveis, os denunciados, com unidade de propósitos, associaram-se para o fim de praticar crimes, produzindo e comercializando produtos derivados de petróleo, álcool etílico hidratado e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei, ou seja, 'combustível adulterado', sendo que, para a execução da prática delituosa, a quadrilha contava com a participação de outras pessoas ainda não identificadas, as quais atuavam mediante divisão de tarefas para a consecução de objetivo comum.

A organização criminosa atuava na forma de uma empresa legalmente constituída com o nome 'ALD', iniciais do denunciado André Luis Dias. Assim é que tal denunciado locou num bairro residencial o imóvel situado na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, em Limeira, no qual foi montada a base de adulteração de combustível, instalando ilegalmente no referido local dois tanques subterrâneos para o armazenamento dos produtos químicos, álcool etílico e derivados de petróleo, sendo que ali era feita a mistura necessária para a produção do combustível adulterado. Fabricado o produto ilegal, o mesmo era armazenado nos tanques dos caminhões de propriedade de André Luis Dias e posteriormente distribuído nos postos pertencentes à rede 'ALD' e revendidos para os consumidores.

A denunciada Cristiane Vonzubem, por sua vez, integrando a organização, era incumbida, na ausência de André, pessoa de quem tinha plena confiança, de liderar a quadrilha, sendo a responsável pela administração e gerência dos negócios ilícitos desenvolvidos pelo grupo criminoso.

O denunciado Flávio Aparecido de Oliveira, integrante da organização, passou a exercer a função de gerente dos postos Serv Gem Serviços Automotivos, ou seja, do Auto Posto Barão, e do Tropical Auto Posto Limeira, local em que o produto ilícito era comercializado.

O denunciado Eduardo Ananias de Campos, policial militar, também integrava o grupo, sendo incumbido de escoltar os caminhões que saíam da base transportando o combustível adulterado, prestar serviços de segurança nos estabelecimentos utilizados para as atividades ilegais, de maneira a impedir que outras quadrilhas se apoderassem do material ilícito, com o que garantia pleno êxito para as atividades do grupo, evitando ações repressivas da polícia. No desenvolvimento de sua atividade ilegal, o policial se utilizava de arma de fogo, sendo apreendida em seu poder a pistola semi-automática da marca Taurus, calibre 380mm, nº KTF31468, com capacidade para 19 tiros, devidamente municiada (auto de fl. 23).

Igualmente, o denunciado André Luis Dias possuía duas armas de fogo, uma pistola semi-automática marca Imbel, calibre 380mm, capacidade para sete tiros, nº 11441 e um revólver marca Taurus, calibre 38, capacidade para seis tiros, nº JJ370842, que pela documentação apreendida teriam sido adquiridas da pessoa de Rogério Zapala, em 14 de janeiro de 2003 (auto de fl. 18).

Após diligências preliminares realizadas pelos Promotores de Justiça de Limeira em parceria com os membros do Gaerco-Campinas, no dia 12 de novembro de 2003, a partir das 11 horas, aproximadamente, foi realizada uma operação pelo Ministério Público em conjunto com a Agência Nacional de Petróleo e com a Receita Estadual, oportunidade em que, munidos de mandados de busca e apreensão, os integrantes das respectivas instituições dirigiram-se aos postos de combustíveis de propriedade de André Luis Dias - Tropical Auto Posto Limeira e Auto Posto Barão. Nos locais foram recolhidas amostras dos combustíveis que estavam sendo comercializados em ambos os estabelecimentos, sendo que no primeiro posto, de imediato, já se constatou a adulteração da gasolina, através de teste aplicado pelo agente da ANP, ante o nível de álcool misturado no combustível acima do limite permitido por lei. Assim, consoante auto de fls. 209/211, e laudo de fl. 212, constatou-se a porcentagem de 62% de álcool etílico anidro misturado na gasolina, quando o limite permitido pelas normas vigentes é de 25% (mais ou menos 1%). Em decorrência, a ANP autuou o estabelecimento pela prática de uma série de infrações, em especial, o de 'estar o revendedor comercializando ao público consumidor Gasolina 'C' comum fora das especificações da ANP, uma vez que foram feitos os testes por Cristiane Brito Costa Melo, química do convênio ANP/FUJB, tendo sido constatada a presença de 62% de teor de álcool, conforme Boletim de Análise em anexo, quando deveria ter apenas 25% (mais ou menos 1%)', o que deu ensejo à interdição, mediante lacração, de todos os equipamentos medidores destinados à comercialização de combustíveis automotivos do estabelecimento.

Na ocasião, encontravam-se presentes no Auto Posto Tropical a denunciada Cristiane Vonzubem, mais precisamente, exercendo atividades administrativas no escritório do estabelecimento, e o denunciado Eduardo Ananias de Campos, este prestando serviços de segurança no local. Diante das circunstâncias que evidenciavam a participação de ambos na atividade criminosa, foram presos e autuados em flagrante delito.

No segundo posto fiscalizado, o Auto Posto Barão, não foi possível diagnosticar de imediato a adulteração, uma vez que o teste aplicado no local pela ANP detecta apenas o nível de mistura do álcool. Contudo, a amostra colhida foi remetida para o laboratório competente, cujos testes constataram a 'presença de marcador, o que comprova a adulteração do produto por adição de solvente marcado', conforme laudo juntado a fls. 214/215. Por força da comprovação da adulteração do combustível, em data posterior os equipamentos do referido estabelecimento comercial também foram lacrados pela Agência Nacional de Petróleo.

Como diretamente responsável pela gerência do Auto Posto Barão, apresentou-se durante as diligências o denunciado Flávio Aparecido de Oliveira.

Nos dois postos foram apreendidos documentos, inclusive fiscais, estes em poder da Receita Estadual para perícia.

Dando continuidade à operação, os integrantes da força-tarefa rumaram para o imóvel localizado na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, onde se encontrava uma funcionária de nome Talita Ramos Barba. Nesse local foram encontrados dois tanques subterrâneos, uma casa de bombas e um caminhão tanque de cor vermelha, com a inscrição da sigla 'ALD', o qual estava estacionado estrategicamente dentro de um galpão, com a boca de uma mangueira instalada na direção da boca do reboque-tanque, e que vinha dos tanques subterrâneos instalados na parte externa do terreno (fotografias de fls. 193 a 201).

Solicitados os alvarás, licenças ambientais e autorizações para o local, a documentação não foi apresentada, sendo, então, solicitada a presença de um fiscal da CETESB, que elaborou o respectivo auto de inspeção (fl. 35), no qual foi consignada a instalação dos tanques subterrâneos para o armazenamento de combustíveis sem as devidas licenças ambientais pelo órgão. Neste local também foram apreendidos documentos e computadores para a perícia.

Assim, os denunciados exerciam a atividade de distribuição - que compreende, de acordo com o art. 3º da Portaria ANP nº 202/1999, a aquisição, armazenamento, transporte, comercialização e o controle de qualidade dos combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos - sem os necessários registros de distribuidor em nome de pessoa jurídica e autorização para o exercício da atividade de distribuição, consoante exigido pela mesma Portaria ANP nº 202/1999, contrariando, consequentemente, o artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.847/1991, e sem observarem as exigências da Lei Estadual nº 997/1996, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 8.468/1976.

O artigo 2º da Portaria ANP nº 202/1999, com efeito, dispõe que 'a atividade de distribuição de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos deverá ser realizada por pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, que atenda, em caráter permanente, aos seguintes requisitos:

I - possuir registro de distribuidor;

II - possuir autorização para o exercício da atividade de distribuição.'

Por sua vez, o Decreto Estadual nº 8.468/1976, regulamentando a Lei Estadual nº 997/1996, normas estas que dispõem sobre o controle da poluição do meio ambiente, considera poluente, nos termos do inciso V de seu artigo 3º, toda e qualquer forma de matéria ou energia que 'tornem ou possam tornar as águas, o ar ou o solo impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; inconvenientes ao bem estar público; danosos aos materiais à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade, bem como às atividades normais da comunidade.'

O artigo 4º do referido Decreto considera como 'fonte de poluição todas e quaisquer atividades, processo, operações ou dispositivos, móveis ou não, que, independentemente de seu campo de aplicação, induzam, produzam ou possam produzir a poluição do meio ambiente, tais como: estabelecimentos industriais, agropecuários e comerciais, veículos automotores e correlatos, equipamentos e maquinarias, e queima de material ao ar livre', obrigando a toda instalação, construção ou ampliação, como a operação ou funcionamento das fontes de poluição à prévia autorização do órgão estatal de controle de poluição do meio ambiente, mediante licenças de instalação e funcionamento, qual seja, a CETESB.

Portanto, as atividade desenvolvidas pelos denunciados e demais participantes no referido local necessitavam de prévias autorizações e licenças de instalação e funcionamento, quer da Agência Nacional de Petróleo, quer da CETESB, além dos demais órgãos públicos competentes, o que foi totalmente descumprido.

Além disso, a partir da mistura de derivados de petróleo armazenados no local da base, os denunciados produziam combustível fora das especificações legais da Agência Nacional de Petróleo, e, portanto, impróprio para o consumo, que era distribuído nos postos da rede pertencente ao denunciado André Luiz Dias e revendidas ao consumidor final.

Na continuidade das diligências realizadas, Policiais Militares de posse de ordem judicial apreenderam na residência de André Luis Dias, situada na Rua José Sebastião Soares, nº 37 - Pq. São Bento -, um aparelho de rádio HT, marca Kenwood, de número 80901460; um aparelho de rádio HT, da marca Kenwood, de número 20400266; 89 (oitenta e nove) cartuchos de calibre 380 intactos; 35 (trinta e cinco) cartuchos de calibre 38 intactos; 6 (seis) cartuchos deflagrados de calibre 38; e 6 (seis) cartuchos deflagrados de calibre 38, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 24/25.

Ante o exposto, denunciamos André Luiz Dias; Cristiane Vonzubem; Eduardo Ananias de Campos e Flávio Aparecido de Oliveira, como incursos nos artigos 288, parágrafo único, do Código Penal, c/c a Lei nº 9.034/1995; artigo 1º, inciso I, da Lei 9.605/1998, todos combinados com o artigo 69 do Código Penal, requerendo que, r. e a. esta, sejam os denunciados citados para interrogatório, prosseguindo-se na forma do disposto no artigo 395/405 e 498 e seguintes do Código de Processo Penal, ouvindo-se, oportunamente, as testemunhas abaixo arroladas, prosseguindo-se até final sentença condenatória." (fls. 46/53)

Ora, é cediço que a denúncia, além de preencher os requisitos formais descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, deve vir acompanhada de um lastro probatório mínimo apto a desencadear a persecução penal em juízo, sob pena de ofensa ao status dignitatis do acusado.

Confira-se, nesse sentido, lição do Professor Afrânio Silva Jardim, in Direito Processual Penal, 11ª edição, pp. 168/169:

"Para nós, a justa causa funciona como uma verdadeira condição para o legítimo exercício do direito de ação penal. Levando em linha de conta que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do acusado, o legislador exige do autor o preenchimento de mais esta condição para se invocar regularmente a tutela jurisdicional. Sublinhe-se que as condições da ação são requisitos para o regular exercício deste direito e não condições para a sua existência.

(...)

Desta maneira, torna-se necessária ao regular exercício da ação penal a sólida demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material do fato típico e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Ressalte-se, entretanto, que uma coisa é constatar a existência da prova e outra coisa é valorá-la. É preciso deixar claro que a justa causa pressupõe um mínimo de lastro probatório no inquérito ou peças de informação. É necessário que haja alguma prova, ainda que leve. Agora, se esta prova é boa ou ruim isto já é questão pertinente ao exame do mérito da pretensão do autor. Até porque as investigações policiais não se destinam a convencer o Juiz, mas apenas viabilizar a ação penal."

Também é tranquilo o entendimento de que o habeas corpus é instrumento processual apropriado à obtenção de trancamento de ação por falta de justa causa, quando evidenciada primus ictus oculi, entre outros, a falta de indícios da materialidade ou autoria do ilícito, assim também a atipicidade da conduta.

Do contrário, é vedado o trancamento, já que não se permite, no âmbito do writ, o cotejo dos elementos indiciários, isto é, o revolvimento aprofundado do material probatório, notadamente porque é na sentença que se fará um exame mais detalhado das alegações da acusação e defesa.

No caso, não desponta, da análise dos autos, algum elemento que fulmine, de plano, a justa causa para a ação, presente, a meu ver, tanto porque a denúncia é formalmente escorreita, bem como porque está amparada em elementos indicadores da prática dos delitos previstos no artigo 56 da Lei nº 9.605/1998, no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/1991, e no artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990.

Ao contrário do que afirma a impetração, a circunstância de não se haver apreendido combustível no imóvel alugado pela empresa ALD na Avenida Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, em Limeira, São Paulo, não impede a deflagração da ação pelo cometimento, em tese, do delito ambiental previsto no artigo 56 da Lei nº 9.605/1998.

Confira-se o referido tipo penal:

"Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa."

Como visto, a denúncia narra que, no referido imóvel, foram encontrados dois tanques subterrâneos destinados à adulteração e ao armazenamento de combustível, uma casa de bombas e um caminhão-tanque sem as respectivas licenças ambientais, circunstância que autoriza o desencadeamento da ação pelo ilícito ambiental, não se olvidando que nos dois postos de gasolina de propriedade do paciente, Tropical Auto Posto Limeira e Auto Posto Barão, para onde era distribuído o combustível, foram apreendidas amostras de gasolina adulterada.

Nesse sentido, destacou o Tribunal de origem:

"No caso ora enfocado, vê-se que a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, posto que expôs o crime de adulteração de combustível, que vinha ocorrendo até o dia 12 de novembro de 2003 nos locais descritos na exordial, e que o imóvel situado na Avenida Marechal Artur Costa e Silva era a sede onde se dava a adulteração com utilização de tanques subterrâneos ilegais, conforme documentos acostados aos autos.

O fato de tais tanques estarem vazios, no momento da operação pela Força Tarefa, não desnatura a imputação, posto que a denúncia, de forma explícita, aponta os fatos como ocorridos durante um período incerto, mas até o dia 12 de novembro de 2003.

Logo, o fato descrito na denúncia constitui delito, e saber se a conduta atribuída ao paciente é atípica é matéria de mérito, cujo exame se mostra inviável e desaconselhável, e se atendida precipitada, posto que há indícios suficientes apontando a responsabilidade ilícita do paciente." (fl. 31)

(...)

"Comprovadamente, na Av. Marechal Artur Costa e Silva, nº 681, mencionado na denúncia, foi constatada a existência de dois tanques de combustíveis vazios, construídos sem licença da autoridade ambiental competente (conf. auto de infração da Cetesb - fl. 227).

É verdade, como afirmou o segundo Juiz em seu voto, que na vistoria realizada nada ali fora encontrado, em especial no que concerne à substância nociva à saúde ou ao meio ambiente, como exige o tipo legal de crime do artigo 56.

Mas tendo presente que a construção de tanques de combustível depende de licença ambiental, que um caminhão-tanque foi encontrado no local com mangueiras acopladas ao mencionado tanque e que as demais imputações atribuídas ao paciente e aos co-réus, especificamente, são as de comercialização de combustível adulterado, acho, com todo respeito, que o trancamento da ação penal poderá ser um prematuro julgamento de mérito, porque, como argumentou o Procurador de Justiça, o crime ambiental não é algo isolado, compartimentado, mas deve ser entendido dentro de todo um contexto, como fazendo parte da ação de adulteração de combustíveis. O imóvel se prestou, durante determinado período, que teria se encerrado em 12 de novembro de 2003, como sede para adulteração de combustível, com a utilização de tanques subterrâneos ilegais, onde era feita a mistura. O fato de os tanques estarem vazios no momento da operação policial não desnatura a conduta típica, como se tudo se tivesse passado somente naquele dia. Há, portanto, indícios acerca da prática ilícita que legitima a instauração da ação penal." (fls. 35/37)

No tocante aos delitos contra a ordem econômica (artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/1991) e contra as relações de consumo (artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990), não há como se exigir, como pretende a impetração, o exaurimento do procedimento administrativo que questiona o laudo preliminar lavrado pela Agência Nacional de Petróleo - ANP, demonstrador da adulteração da gasolina.

Primeiro, porque, é cediço, as instâncias administrativa e penal guardam independência entre si.

Segundo, porque o mencionado laudo preliminar revela que a gasolina armazenada no Tropical Auto Posto Limeira, de propriedade do paciente, era adulterada, contendo 62% de álcool etílico, quando o regular é de 25%, além do que, após a realização de exames em laboratório, constatou-se que a gasolina do Auto Posto Barão, também pertencente ao paciente, foi adulterada por meio de adição de solvente, indícios, a meu ver, bastantes à propositura da ação penal.

Confira-se, no que interessa, o acórdão:

"Quanto à alegada necessidade de esgotamento da esfera administrativa para que se possa provocar a atuação do Poder Judiciário, melhor sorte não se reserva ao paciente, primeiramente porque, realizado pelo órgão técnico ANP exame que detectou a presença de álcool na gasolina em patamar muito superior ao permitido - 62%, quando o permitido é de 25%, admitida a variação de 1% para cima ou para baixo -, a iniciação da ação penal estaria autorizada em razão de cometimento de crime contra a relação de consumo." (fl. 32)

Vejam-se os precedentes:

A - "HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE DOS DELITOS QUE NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA.

1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. Narrando a denúncia fatos configuradores de crime em tese, de modo a possibilitar a defesa dos acusados, não é possível o trancamento da ação penal na via do habeas corpus, mormente quando a alegação de falta de justa causa demanda o reexame do material cognitivo constante nos autos.

3. A alegada atipicidade da conduta por restar configurada, apenas, diversidade entre depoimentos, é contraposta pelos indícios de falseamento da verdade, apresentados pela acusação, em evidente confronto de versões para o mesmo fato, somente deslindável por meio da instrução. Justa causa evidenciada.

4. Writ denegado."

(HC nº 44.748/CE, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJU de 6/8/2007)

B - "PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA. DESCABIMENTO. EXORDIAL ACUSATÓRIA EM CONSONÂNCIA COM O ART. 41 DO CPP. EXISTÊNCIA DE AÇÃO CÍVEL EM TRÂMITE. DESNECESSIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

Quando a denúncia descreve conduta que, em tese, constitui crime, incabível é a alegação de falta de justa causa, tanto mais porque, nessa fase processual, prevalece o princípio do in dubio pro societate, bastando, para o recebimento da denúncia, a mera probabilidade de procedência da ação penal.

Impedir o Estado-Administração de demonstrar a responsabilidade penal do acusado implica cercear o direito-dever do poder público em apurar a verdade sobre os fatos.

Marcado por cognição sumária e rito célere, o habeas corpus não comporta o exame de questões que, para seu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, posto que tal proceder é peculiar ao processo de conhecimento.

O trancamento de ação penal, pela via estreita do writ, somente é possível quando, pela mera exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico, inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito ou extinta a punibilidade.

Recurso a que se nega provimento."

(RHC nº 16.288/RJ, Relator o Ministro PAULO MEDINA, DJU de 9/4/2007)

Registre-se que o paciente foi condenado na ação penal de que aqui se cuida, em sentença datada de 17/10/2008, a 3 anos e 6 meses de reclusão, como incurso no artigo 56 da Lei nº 9.605/1998, a 3 anos e 9 meses de reclusão, pelo ilícito do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/1991, e a 5 anos de detenção, por infração do artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/1990.

Por derradeiro, muito embora não se cuide de pedido expresso formulado no presente writ, acompanho o relator no tocante à revogação do decreto de prisão preventiva, fls. 295/297, por não estar suficientemente fundamentado.

Diante do exposto, concedo parcialmente o habeas corpus para, tão somente, revogar a prisão preventiva decretada na presente ação penal.

É como voto

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2004/0108026-3 HC 37312 / SP

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 34572003 4527033

EM MESA JULGADO: 25/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA ELIANE MENEZES DE FARIAS

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES E OUTRO

IMPETRADO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ANDRÉ LUIZ DIAS

ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra a Ordem Tributária Econômica e as Relações de Consumo

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento após o voto do Sr. Ministro Paulo Gallotti concedendo parcialmente a ordem, a Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Nilson Naves a concedia em maior extensão."

Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP).

Afirmou suspeição a Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. .

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 25 de junho de 2009

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

Documento: 708372

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/09/2009




JURID - Habeas corpus. Direito penal. Crime ambiental. [08/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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