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terça-feira, 8 de setembro de 2009

JURID - Direito internacional. Ação de indenização. Barco afundado. [08/09/09] - Jurisprudência


Direito internacional. Ação de indenização. Barco afundado em período de guerra. Estado estrangeiro. Imunidade absoluta.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ORDINÁRIO Nº 72 - RJ (2008/0087588-6)

RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

RECORRENTE: MANOEL DE NAVARRA PORTO E OUTROS

ADVOGADO: LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO E OUTRO(S)

RECORRIDO: REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

EMENTA

DIREITO INTERNACIONAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. BARCO AFUNDADO EM PERÍODO DE GUERRA. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE ABSOLUTA.

1. A questão relativa à imunidade de jurisdição, atualmente, não é vista de forma absoluta, sendo excepcionada, principalmente, nas hipóteses em que o objeto litigioso tenha como fundo relações de natureza meramente civil, comercial ou trabalhista.

2. Contudo, em se tratando de atos praticados numa ofensiva militar em período de guerra, a imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção.

3. Assim, não há como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ter afundado barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio durante a Segunda Guerra Mundial.

4. Recurso ordinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negar provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencido parcialmente o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 18 de agosto de 2009(data de julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Tratam os autos de ação de indenização proposta em desfavor da República Federal da Alemanha em razão da morte de pescadores ocorrida em 1943, no litoral de Cabo Frio.

Segundo narram os recorrentes, o barco de pesca denominado Changri-lá foi afundado por um submarino de guerra alemão (U-199) que percorria a costa brasileira.

Afirmam que o comandante do submarino, Hans Werner Kraus, decidiu afundar o barco de pesca com tiros de canhão, não sobrevivendo nenhum dos dez tripulantes. Os destroços do barco afundado foram identificados por pescadores da região, e o fato levado à Capitania dos Portos, que enviou inquérito ao Tribunal Marítimo.

Posteriormente, o submarino foi abatido pela Marinha de Guerra brasileira, sendo que, entre os sobreviventes resgatados, estavam o então Comandante Kraus, que, interrogado em Washington, nos Estados Unidos, confessou ter afundado o barco Changri-lá. Contudo, em 1944, o Tribunal Marítimo arquivou o caso, concluindo pela ausência de provas de que o Changri-lá havia sido abatido pelo referido submarino alemão.

Ocorre que o caso foi ressuscitado em 2001, em razão do trabalho efetuado pelo historiador Elísio Gomes Filho, e, nessa segunda oportunidade, o Tribunal Marítimo concluiu que o Changri-lá teria mesmo sido afundado pelo submarino de guerra alemão.

Daí o presente feito, no qual se pleiteia a reparação de danos morais.

A ação foi extinta sem julgamento de mérito em primeiro grau ao entendimento de que goza de imunidade diplomática a República Federal da Alemanha, que, conforme documento de fls. 192, a ela não renunciou.

Contra essa decisão, os autores aviaram apelação, sustentando o seguinte:

não há capacidade postulatória do subscritor da "nota-verbal" enviada pela República Alemã em respostas à citação recebida;

não se aplica a imunidade nas hipóteses em que haja afronta aos direitos humanos;

inexiste imunidade de jurisdição por atos praticados no território do Estado do foro; w

inexiste lei que ampare a imunidade de jurisdição nos casos da espécie.

O recurso foi recebido nesta Corte sob a forma de recurso ordinário, conforme estabelece o artigo 105, II, letra "c" da Constituição Federal.

O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 420/425, opinou pelo conhecimento e não-provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

Segundo dados constantes dos autos, a embarcação de pesca Chagri-lá foi, de fato, afundada pelo submarino de guerra alemão U-199.

Consta do acórdão do Tribunal Marítimo que o U-199 foi afundado por ataque empreendido pela FAB e que, dos 61 tripulantes, 49 morreram. Os sobreviventes foram resgatados e, depois de interrogados, acabaram confessando o abatimento de um "veleiro". Confrontados os depoimentos diversos com os documentos existentes, inclusive com os extraídos do submarino, concluiu-se que se tratava do Chagri-lá. Observe-se:

"O Mariner e o Catalina [aviões da FAB que afundaram o U-199] jogaram botes de borracha para os agora náufragos, que foram recolhidos, duas horas depois, pelo tender de hidroaviões 'BARNEGAT'. Eram 12 - quatro oficiais, quatro suboficiais e quatro marinheiros e o mais velho era o comandante Krauss, com 28 anos.

Os prisioneiros foram conduzidos ao Rio de Janeiro e, pela manhã do dia seguinte, embarcados em avião de transporte para o Recife, onde havia um campo de prisioneiros e o centro de interrogatórios, sendo, meses depois, transferidos para os EUA.

Ouvidos pelo Departamento Naval do Chefe de Operações Navais de Washington, Arquivo do Comando - 2ª GG - os prisioneiros do U-199, além de afirmarem as informações anteriores, acrescentaram um fato desconhecido das autoridades brasileiras, qual seja: no dia 22 de julho de 1943, em patrulha noturna na superfície, o U-199 avistou um barco a vela na sua ré, quando Kraus decidiu afundar o navio a tiros de canhão, iniciando a ação, abrindo fogo com a metralhadora de 37mm, até que o canhão de 105 mm pudesse ser guarnecido, que disparou sete vezes, das quais apenas os dois últimos tiros lograram êxito afundando o alvo.

Tais depoimentos foram corroborados por documentos enviados pelos Adidos Navais do Brasil nos Estados Unidos e na Alemanha.

(...)

Dessa forma, o primeiro indício de que foi o U-199 que afundou o 'CHANGRI-LA' retira-se da coincidência entre as suas rotas, tanto no que diz respeito à latitude e longitude, quanto aos dias e horários de usa derrotas.

E mais, com a descoberta do diário de guerra do U-199, depreende-se, de seus registros, um ataque a uma pequena embarcação civil, com um vela na popa, na noite do dia 06 de julho de 1943. Tal assertiva foi corroborada pelo depoimento dos tripulantes sobreviventes do submarino. Tais conclusão são revestidas de certeza, uma vez que baseadas em documentos oficiais, enviados pelo Adido Naval nos Estados Unidos" (fls. 111/112).

Nada obstante, essas assertivas não socorrem os autores da ação, pois o prosseguimento do feito esbarra num óbice intransponível, segundo o direito atual: a supremacia estatal, perfectibilizada nos atos de império praticados pelas nações no âmbito de suas jurisdições.

Hodiernamente, a questão relativa à imunidade de jurisdição não é vista de forma absoluta, sendo excepcionada, principalmente, nas hipóteses em que o objeto litigioso tenha como fundo relações de natureza meramente civil, comercial ou trabalhista e alcançando as situações que indiquem o exercício da soberania do estado estrangeiro. Esse também tem sido o entendimento firmado no âmbito desta Corte. Observe-se:

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ESTADO ESTRANGEIRO. IPTU E TAXAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA CONDENAÇÃO.

1. Afasta-se a imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro quando a questão subjacente é de natureza civil, comercial ou trabalhista, ou, de qualquer forma se enquadre no âmbito do direito privado. Tratando-se de questão tributária ou de direito público, sujeita-se a imunidade aos acordos internacionais firmados pelos Estados soberanos.

2. Os artigos 23 e 32 da Convenção de Viena imunizam o Estado estrangeiro e o Chefe da Missão 'de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da Missão de que sejam proprietários ou inquilinos, excetuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados'.

3. É indevida a cobrança do IPTU, já que abarcado pela regra de imunidade prevista na Convenção. No que se refere às taxas de limpeza pública e iluminação, a cobrança seria, em princípio, possível, já que enquadrada na exceção consagrada nas normas em destaque. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, em inúmeras oportunidades, declarou inconstitucionais as referidas taxas em razão da ausência de especificidade.

4. São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública quando acolhida exceção de pré-executividade e extinta a execução fiscal por ela manejada. Precedentes.

5. Recurso ordinário improvido" (RO n. 45, relator Ministro Castro Meira).

Todavia, na hipótese presente, ela é absoluta, pois o ato praticado pelo Estado estrangeiro deu-se numa situação excepcional, qual seja: estado de guerra, em que o Brasil se posicionou contra a Alemanha.

Com efeito, o Brasil, embora num primeiro momento tenha buscado se manter à margem do conflito, nele se viu envolvido ao ter navios mercantes sob sua bandeira afundados, o que gerou uma forte pressão da opinião pública, levando o governo de Getúlio Vargas, em agosto de 1942, a reconhecer a existência de estado de guerra entre o Brasil e as potências do Eixo. Assim, veio o Brasil a repetir sua participação bélica ao lado dos aliados, como ocorrera na Primeira Grande Guerra mundial.

Nessa situação excepcional, entende-se que as ofensivas praticadas contra o Estado com o qual se guerreia são decorrentes da decisão soberana do ente estatal agressor. E, infelizmente, a questão dos direitos humanos são relegadas; se verdadeiramente os direitos humanos importassem, guerras não seriam declaradas. Contudo, a história desta humanidade foi escrita sob o sangue de vidas sem conta em todo tipo de guerras praticas desde a antiguidade até os dias atuais.

Direitos humanos, em tempo de guerra, servem para balizar os atos atentatórios à vida e à dignidade da pessoa humana praticados com excesso de perversidade, considerados excessivos, como se houvesse escalas na ordem de torturar e matar, como se pudesse medir um certo limite do aceitável na prática de tais insanidades. Quem não conhece o famoso caso do Tribunal de Noremberg, instaurado em razão das barbaridades praticadas contra os judeus?

Por mais irônico que possa parecer, em estado de guerra, a simples morte de alguém não é vista sob a ótica pretendida pelos recorrentes, que se aventaram na defesa dos direitos humanos. E, se fosse, a discussão esbarraria em assunto bastante controvertido no direito contemporâneo acerca da jurisdição internacional para conhecimento e julgamento de crimes de guerra e respectiva competência para reparação de danos em face do direito brasileiro, assunto este que ultrapassa o objeto do presente feito.

Portanto, a imunidade acta jure imperii, na espécie, é absoluta e não comporta exceção.

A República Federal da Alemanha foi comunicada do presente feito e expressamente reafirmou sua imunidade à jurisdição nacional, não podendo responder à presente demanda, pois, tendo praticado ato de império, numa ofensiva militar em período de guerra, não se submete ao Poder Judiciário Nacional.

A respeito, confiram-se os seguintes precedentes:

"DIREITO INTERNACIONAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍTIMA DE ATO DE GUERRA. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE ABSOLUTA.

1 - A imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção. Precedentes do STJ e do STF.

2 - Não há infelizmente como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ato de império daquele País, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio - RJ, por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.

3 - Recurso ordinário conhecido e não provido." (RO n. 66, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 19.5.2008.)

"RECURSO ESPECIAL. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO.INDENIZAÇÃO. REGIME NAZISTA. ATO DE IMPÉRIO.

- Alimentos concedidos pela República Federativa da Alemanha, a título de indenização por danos causados pelo regime Nazista. Tal pensão resulta de ato de império.

- Ato de império de Estado Estrangeiro é imune à Justiça Brasileira.

- Recurso improvido." (REsp n. 436.711/RS, rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 22.5.2006.)

Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

Sr. Presidente, de acordo, porém ressalvando o meu ponto de vista contrário, expresso no voto-vista apresentado no RO nº 74/RJ.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0087588-6 RO 72 / RJ

Número Origem: 200651010003484

PAUTA: 18/08/2009 JULGADO: 18/08/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ANA MARIA GUERRERO GUIMARÃES

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MANOEL DE NAVARRA PORTO E OUTROS

ADVOGADO: LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO E OUTRO(S)

RECORRIDO: REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencido parcialmente o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 18 de agosto de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 904149

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/09/2009




JURID - Direito internacional. Ação de indenização. Barco afundado. [08/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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