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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

JURID - Curitiba deve ressarcir União [17/09/09] - Jurisprudência


Município de Curitiba deve ressarcir a União por valores pagos indevidamente pelo Bolsa Família
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AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2008.70.00.016240-2/PR

AUTOR: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RÉU: MUNICÍPIO DE CURITIBA

ADVOGADO: PAULO ROBERTO JENSEN

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

A União - Advocacia Geral da União invoca tutela jurisdicional contra o Município de Curitiba, pretendendo que se condene "o réu a restituir aos cofres públicos da União o resíduo de R$ 148.609,91, equivalente aos valores indevidamente pagos ás pessoas indevidamente cadastradas por agente municipal no Cadastramento Único do Governo Federal, devidamente acrescido de correção monetária contada de cada dispêndio indevido e, ainda, de juros legais a contar da data da citação".

Deduz sua pretensão de acordo com os seguintes fundamentos: a) por meio do ofício n° 62/05 - FAZ-AJ, a Fundação de Ação Social de Curitiba informa ao Ministério Publico Federal do Paraná que, em análise preventiva, constatou 170 registros irregulares referentes a recursos repassados pelo Governo Federal, a titulo do Programa Bolsa-Família; b) em julho de 2007 foram remetidos expedientes à todos os supostos beneficiários e ao Município de Curitiba, solicitando a restituição dos valores pagos indevidamente. Por meio de GRU o Município recolheu aos cofres públicos da União o valor de R$ 80.607,70, e os demais notificados, apenas R$ 7.649,24; c) cabia ao Município de Curitiba efetuar o cadastro das pessoas habilitadas à percepção do benefício de acordo com os parâmetros estabelecidos; d) a Procuradoria da União buscou identificar quem seria o autor do ilícito, de modo a buscar o ressarcimento em desfavor de tal pessoa, no entanto, tal informação não foi prestada pelo Município réu; e) a responsabilidade do Município é objetiva, e independe de dolo ou culpa do agente público municipal responsável.

O Município de Curitiba apresentou contestação (fls. 447-452), alegando que: a) não há responsabilidade objetiva do réu, pois o disposto no art. 37, §6° da Constituição Federal, é inaplicável ao caso concreto; b) a relação estabelecida pelos entes federados em função do Programa Bolsa-Família, não possui natureza contratual; c) o réu não tem qualquer benefício direto com a adesão ao Programa; c) o cadastramento das famílias beneficiadas não se deu de forma aleatória, com critérios estabelecidos pelo Município de Curitiba, mas sim, seguindo critérios e informações contidas em formulário próprio denominado Cadastramento Único para Programas Sociais do Governo Federal; d) as informações que devem ser incluídas no Cadastramento Único possuem caráter declaratório, sob responsabilidade do declarante; e) no momento do cadastramento, não se tem como verificar a veracidade das informações, de modo a evitar a inclusão de beneficiários inidôneos; f) o réu tomou as devidas providências para apurar os fatos, primeiramente instaurando uma sindicância, posteriormente transformando em inquérito administrativo disciplinar; g) o cadastramento errôneo de 170 servidores municipais, decorreu exclusivamente da inconsistência do sistema de cadastramento único implantado e disseminado pela autora.

A União apresentou réplica ás fls. 494/498, rebatendo as alegações da contestação e ratificando os termos da inicial.

O Ministério Público Federal manifestou sua ciência, à fl. 502.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Pretende a União o ressarcimento de valores recebidos indevidamente por servidores municipais de benefícios instituídos por programas sociais, criados pelo Governo Federal.

Dos fatos

O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 e integra a estratégia FOME ZERO, que tem o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome.

Aludido programa seleciona as famílias com base nas informações inseridas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais para Governo Federal (CadÚnico). Esse cadastro é um instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias em situação de pobreza existentes no país.

A Lei n.º 10836, de 2004, que criou o Programa Bolsa Família, estabelece que:

Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.

Parágrafo único. O Programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - Bolsa Escola, instituído pela Lei n.º 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n o 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, instituído pela Medida Provisória n o 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001

Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto em regulamento:

I - o benefício básico, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza;

II - o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos.

§ 1º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - família, a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros;


II - nutriz, a mãe que esteja amamentando seu filho com até 6 (seis) meses de idade para o qual o leite materno seja o principal alimento;

III - renda familiar mensal, a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família, excluindo-se os rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda, nos termos do regulamento.

§ 2º O valor do benefício mensal a que se refere o inciso I do caput será de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e será concedido a famílias com renda per capita de até R$ 50,00 (cinqüenta reais).

§ 3º O valor do benefício mensal a que se refere o inciso II do caput será de R$ 15,00 (quinze reais) por beneficiário, até o limite de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) por família beneficiada e será concedido a famílias com renda per capita de até R$ 100,00 (cem reais).

§ 4º A família beneficiária da transferência a que se refere o inciso I do caput poderá receber, cumulativamente, o benefício a que se refere o inciso II do caput , observado o limite estabelecido no § 3o .


§ 5º A família cuja renda per capita mensal seja superior a R$ 50,00 (cinqüenta reais), até o limite de R$ 100,00 (cem reais), receberá exclusivamente o benefício a que se refere o inciso II do caput , de acordo com sua composição, até o limite estabelecido no § 3º .

Os artigos 8º e 9º, da citada lei, preconizam que:

Art. 8º A execução e a gestão do Programa Bolsa Família são públicas e governamentais e dar-se-ão de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federados, observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social.

Art. 9º O controle e a participação social do Programa Bolsa Família serão realizados, em âmbito local, por um conselho ou por um comitê instalado pelo Poder Público municipal, na forma do regulamento.

Parágrafo único. A função dos membros do comitê ou do conselho a que se refere o caput é considerada serviço público relevante e não será de nenhuma forma remunerada.

O Decreto nº 5.209/2004, por sua vez, dispõe, em seu art. 14, que cabe aos Municípios efetuar o cadastro das pessoas habilitadas ao recebimento do benefício, in verbis:

Art. 14. Cabe aos Municípios:

I - constituir coordenação composta por representantes das suas áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar, quando existentes, responsável pelas ações do Programa Bolsa Família, no âmbito municipal;

II - proceder à inscrição das famílias pobres do Município no Cadastramento Único do Governo Federal;

III - promover ações que viabilizem a gestão intersetorial, na esfera municipal;

IV - disponibilizar serviços e estruturas institucionais, da área da assistência social, da educação e de saúde, na esfera municipal;

V - garantir apoio técnico-institucional para a gestão local do programa;

VI - constituir órgão de controle social nos termos do art. 29;

VII - estabelecer parcerias com órgãos e instituições municipais, estaduais e federais, governamentais e não-governamentais, para oferta de programas sociais complementares; e

VIII - promover, em articulação com a União e os Estados, o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades.

Nos termos do artigo 9º, da Lei 10.836/2004, o controle e a participação social do Programa Bolsa Família devem ser realizados, em âmbito local, por um Conselho ou por um Comitê instalado pelo Poder Público Municipal, Conselho este que, nos termos do art. 31, do Decreto 5.209/2004, tem como funções:

Art. 31. Cabe aos conselhos de controle social do Programa Bolsa Família:

I - acompanhar, avaliar e subsidiar a fiscalização da execução do Programa Bolsa Família, no âmbito municipal ou jurisdicional;

II - acompanhar e estimular a integração e a oferta de outras políticas públicas sociais para as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família;

III - acompanhar a oferta por parte dos governos locais dos serviços necessários para a realização das condicionalidades;

IV - estimular a participação comunitária no controle da execução do Programa Bolsa Família, no âmbito municipal ou jurisdicional;

V - elaborar, aprovar e modificar seu regimento interno; e

VI - exercer outras atribuições estabelecidas em normas complementares do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Portanto, conforme se observa dos dispositivos legais citados, a gestão do Cadastro Único requer a cooperação dos três níveis da federação, que atuam conjuntamente para cumprir uma responsabilidade que é constitucionalmente compartilhada: o combate à pobreza e às desigualdades.

É a própria Constituição Federal quem cria as bases da cooperação entre a União, estados e municípios para o combate à pobreza e à exclusão social. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil está o compromisso com a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como com a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inc III).

A gestão do Programa Bolsa Família é realizada de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federados. Essa diretriz consta da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que institui o Programa. Um dos seus desafios é articular os diversos agentes políticos em torno da promoção e inclusão social das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza.

Nesse sentido, o Programa não pode prescindir da participação efetiva dos três níveis de governo, como co-responsáveis pela sua implementação, estabelecendo um modelo de gestão compartilhada, com atribuições para cada ente federado.

Desse modo, compete aos municípios: a) identificar as famílias que compõem o público-alvo do Cadastro Único e registrar seus dados nos formulários específicos; b) analisar os dados e zelar pela qualidade das informações coletadas; c) digitar, em sistema específico, e transmitir os dados das famílias cadastradas, acompanhando o retorno do processamento pela Caixa (arquivo-retorno); d) manter atualizada a base de dados municipal do Cadastro Único; e) dispor de infra-estrutura e recursos humanos permanentes para a execução das atividades inerentes à operacionalização do CadÚnico; e) estimular a utilização dos dados do Cadastro Único para o planejamento e gestão de políticas públicas locais voltadas à população de baixa renda, executadas no âmbito do governo local; f) prestar apoio e informações às famílias de baixa renda sobre o Cadastro Único; e g) arquivar os formulários em local adequado por um período mínimo de 5 anos.

Portanto, os municípios têm a função de efetuar o cadastramento dos beneficiários dos programas sociais criados pelo Governo Federal, impondo-se a sua responsabilidade em caso de não atendimento aos critérios estabelecidos pelas disposições normativas, culminando com o recebimento indevido dos benefícios. Certo é que eventuais informações incorretas inseridas no Cadastro Único do Governo Federal pelo órgão de controle social, subordinado ao Município, torna o aludido ente responsável por tais inconsistências.

Da responsabilidade civil

A responsabilidade civil da Administração Pública se encontra consagrada no artigo 37, § 6º, da atual Constituição Federal, que assim dispõe: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

O sistema constitucional adotou a teoria da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco administrativo, e não do risco integral (este obriga a indenizar, sem qualquer excludente).

A adoção da responsabilidade civil objetiva da administração, sob a modalidade da teoria do risco administrativo, faz surgir a obrigação de indenizar pela só ocorrência de lesão, causada ao particular por ato da administração - na presença do fato do serviço - fato lesivo da administração. Assim, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

A doutrina e a jurisprudência já pacificaram que, no Brasil, apesar de ser aplicada a responsabilidade objetiva quanto aos atos comissivos da Administração, o que se deve empregar na análise dos casos concretos é a teoria do risco administrativo, ou seja, com o abrandamento necessário a exigir um efetivo nexo de causalidade, observando-se que a culpa da vítima exclui, total ou parcialmente, o dever de indenizar (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 612).

Depreende-se que a responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos essenciais à sua configuração, quais sejam: a) a comprovação, pelo demandante, da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público prestado ou incorretamente prestado; b) a prova do dano por ele sofrido; e c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido.

A responsabilidade civil do Estado será elidida quando presentes determinadas situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, quais sejam, a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. A força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, como, por exemplo, um raio, uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o Estado se torna incapacitado diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que, por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais danos, por não estar presente aí o nexo de causalidade.

A responsabilidade civil do Estado poderá ser proveniente de duas situações distintas: a) de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que este não funcionou ou funcionou tardiamente, ou ainda, pela atividade que se cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.

O Município de Curitiba, por sua vez, alega que não se trata de responsabilidade objetiva e que a relação estabelecida entre os entes federados não possui natureza contratual. Sustenta que se trata de uma parceria, não tendo prestado serviço algum à autora.

No caso, é necessário analisar se presentes os requisitos para configurar a responsabilidade civil do Município de Curitiba.

Da responsabilidade civil no caso concreto

No caso sub examine, ficou devidamente comprovado que foram inscritos no programa Bolsa-Família servidores públicos municipais que percebiam rendimentos acima do montante per capita estabelecido, em desacordo com o disposto na Lei nº 10.836/2004.

Cotejando-se as alegações da autora com as do réu, bem como a teor da legislação que rege o assunto, entendo que se trata de conduta positiva do Estado, pois os dados inseridos no Cadastro Único, ainda que inverídicos em razão das declarações falsas dos servidores, estão afetos à responsabilidade do ente, em razão de negligência do responsável na averiguação das informações prestadas pelos pretendentes aos benefícios, pois, mesmo que a comprovação das informações através de documentos não fosse exigência expressa, entendo que é obrigação do agente público responsável por tal ato ser diligente, a fim de comprovar as informações prestadas e enviá-las ao Cadastro Único, principalmente porque os beneficiários do programa eram servidores públicos municipais, de modo que bastaria uma simples consulta à folha de pagamento desses servidores para se concluir acerca da veracidade das informações prestadas.

Conforme relatado pela União e comprovado através dos documentos que instruíram a petição inicial, a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania analisou o perfil dos servidores do Município de Curitiba envolvidos no recebimento indevido dos benefícios e confrontou as informações inseridas no Cadastro Único com os dados relativos à renda de referidos servidores, concluindo-se que as famílias beneficiárias detinham renda mensal superior ao limite estabelecido.

Com efeito, foi instaurado processo administrativo disciplinar sob nº 01-071697/2005 (fls. 187-198), a fim de se apurar recebimento indevido dos benefícios do Programa bolsa Família. Em âmbito Federal foi instaurado procedimento administrativo para se efetivar o cancelamento do pagamento dos benefícios provenientes do Programa Bolsa Família aos beneficiários que não preenchiam os requisitos legais (fl. 128).

Os servidores beneficiados foram elencados no relatório juntado às fls. 215-220, os quais foram notificados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para ressarcimento dos valores indevidamente recebidos (fls. 224-378).

Ajuizada Ação Penal Pública em relação a alguns dos beneficiários, houve suspensão condicional do processo em razão do pagamento em favor do Programa, de quantia equivalente a 10% do total recebido indevidamente (fls. 381-418 e 429-437).

O Município de Curitiba, conforme conta apresentada às fls. 439-442, efetuou pagamento no importe de R$ 80.607,70.

Infere-se da Instrução Operacional SENARC/MDS nº 7/2005, que as prefeituras municipais foram devidamente instruídas para apurar eventuais inconsistências observadas na base de dados do Cadastro Único, tendo em vista as informações constantes desse cadastro, atinente à renda dos beneficiários e àquelas verificadas na base de dados da Relação Anual de Informações Sociais-RAIS.

O Termo de Adesão ao Programa Bolsa Família e o Cadastro Único de Programas Sociais, por sua vez, estabelece na cláusula quarta, incisos I e V, que compete ao Município proceder à inscrição das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, bem como acompanhar o cumprimento das condicionalidades pelas famílias beneficiárias. Assim, ainda que baste para a concessão do benefício apenas a inserção de dados no Cadastro Único, cabe ao Município, da maneira que melhor lhe aprouver, a constatação de que as famílias beneficiárias realmente se enquadram no conceito de pobreza e extrema pobreza estabelecido nos comandos normativos.

O Decreto nº 5.209/2004, que regulamenta a Lei nº 10.836/2004, estabelece no art. 29 que o controle e a participação do programa Bolsa-Família deve ser realizado em âmbito local. Por seu turno, o art. 33, §1º, preconiza que os documentos que contem os registros realizados no Cadastramento Único deverão ser mantidos pelo Municípios, pelo prazo mínimo de cinco anos. Logo, não há falar em desnecessidade de comprovação da condição de pobreza e extrema pobreza pelos pretendentes ao recebimento do benefício, diligência e cautela que incumbe ao município, nos termos das normas aplicáveis ao assunto.

Nesse contexto, entendo que era dever do Município de Curitiba, ao fazer o cadastramento dos pretensos beneficiários, agir com presteza e proceder às diligências necessárias à verificação das informações por eles prestadas, principalmente porque se tratavam de servidores públicos municipais, cujos dados cadastrais seriam de fácil acesso ao gestor municipal do programa.

Desse modo, deve o Município de Curitiba ressarcir à União os valores recebidos indevidamente a título de Bolsa-Família por seus servidores.

Ressalto, ainda, que o ato negligente dos responsáveis pelo cadastramento de famílias que realmente necessitavam do benefícios acarreta prejuízos a toda sociedade, uma vez que as famílias que realmente necessitam de aludido auxílio podem ter deixado de se beneficiarem com os programas sociais em detrimento daquelas que não preenchiam os requisitos legais para tanto. Assim, considero que houve falha na prestação do serviço prestado pelo ente público responsável pelas verificações pertinentes.

No tocante aos valores a serem ressarcidos, entendo que assiste razão em parte ao Município de Curitiba. Com efeito, a aplicação da taxa SELIC, para fins de correção monetária, é inaplicável ao caso, pois tal taxa contém juros, os quais devem ser restritos à determinação legal. Além disso, a Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, determinou sua utilização para os casos de repetição de indébito a partir da data do pagamento indevido ou a maior, o que não é o caso.

Em relação ao valor de R$ 7.649,24, assiste razão à União, tendo em vista que aludido montante refere-se à devolução dos valores recebidos indevidamente por alguns dos beneficiários e o cálculos das fls. 439-442 descontou os pagamento efetuados a esse título.

Desse modo, entendo que o réu deverá ressarcir à União os valores históricos apontados na tabela das fls. 439-442, na coluna saldo.

Sobre o valor da condenação deve incidir correção monetária calculada pelo IPCA-E. Incidem também juros de mora, à taxa de 1% ao mês, considerando a aplicação ao caso do art. 406 do Código Civil/2002, conforme orientação firmada pelo Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 20 do CJF: Art. 406. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano.

Tratando-se de ressarcimento de ato ilícito, os juros de mora contam-se desde a data do evento danoso, e não apenas da citação (Súmula nº 54/STJ). In casu, a União suportou prejuízo a partir do momento em que repassou valores ao Município para recebimento de benefícios por famílias que não preenchiam os requisitos legais para tanto. Assim, os juros de mora incidem a partir de julho/2007, conforme apontado pela União nos cálculos das fls. 439-442.

III. DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC, para condenar o Município de Curitiba a ressarcir os valores indevidamente pagos às pessoas indevidamente cadastradas pelo referido ente no Programa Bolsa Família, conforme valores históricos apontados na coluna "saldo", da tabela das fls. 439-441, devidamente corrigidos pelo IPCA-e, a partir do evento danoso (julho/2007), bem como juros de mora, de 1% ao mês, conforme art. 406, do CC, também a partir de julho/2007.

Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º, do CPC.

P.R.I.

Sentença sujeita a reexame necessário.

Curitiba - PR, 20 de agosto de 2009.

Vera Lucia Feil Ponciano
Juíza Federal



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