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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - Crime contra os costumes. Art. 213 c/c art. 14, inciso II. [21/09/09] - Jurisprudência


Penal. Crime contra os costumes. Artigo 213 c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal.
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Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 540.431-7, DA LAPA, VARA CRIMINAL

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

APELADO: JOSÉ HAMILTON DE ASSUMPÇÃO HEMPLES

RELATOR: DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO

PENAL - CRIME CONTRA OS COSTUMES - ARTIGO 213 C/C ARTIGO 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE PROVA CABAL NO SENTIDO DE QUE O RÉU TENHA TENTADO PRATICAR RELAÇÕES SEXUAIS COM A VÍTIMA, MORMENTE QUE AS PALAVRAS DA MESMA SÃO CONTRADITÓRIAS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - RECURSO DESPROVIDO.

Inexiste nos autos prova conclusiva no sentido de que o réu tenha tentado manter relações sexuais com a vítima, mormente que as declarações prestadas por ela não são coerentes e não se encontram em harmonia com os demais elementos dos autos.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 540.431-7, da Lapa, Vara Criminal, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e apelado JOSÉ HAMILTON DE ASSUMPÇÃO HEMPLES.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, em face da r. sentença de fls. 102/116, que julgando improcedente a denúncia, absolveu o denunciado José Hamilton de Assumpção Hemples, da prática do delito previsto no artigo 213 c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Em suas razões recursais, sustenta existirem provas suficientes para condenar embasar o édito condenatório, máxime que nos crimes contra os costumes a palavra da vítima possui inequívoco valor probante, pugnando, daí, pela condenação do apelado nas sanções do artigo 213 c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Contra-arrazoado o recurso, subiram os autos a este e. Tribunal.

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, com vista dos autos, pronunciou-se pelo desprovimento do recurso.

É O R E L A T Ó R I O.

2. O recurso não comporta provimento.

A materialidade do delito não ficou configurada, bem como, a autoria é incerta, tendo o réu, tanto na fase inquisitorial, quanto em juízo (fls. 22 e termo de degravação de fls. 145/153), negado a prática do crime de estupro tentado.

A vítima, nas duas oportunidades em que foi ouvida, apresentou versões distintas para os fatos, como bem destacou o culto representante da douta Procuradoria Geral de Justiça, Procurador de Justiça, Dr. José Antonio Pereira da Costa, em seu proficiente parecer, em análise detida da prova colhida durante a instrução criminal, verbis:

A despeito das respeitáveis considerações efetuadas pelo proficiente representante do Ministério Público de 1º grau, contidas na peça recursal, in casu a versão da vítima não se revela suficiente para subsidiar a condenação do apelado pelo crime tipificado no art. 213 c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Como muito bem ressaltado pelo julgador, existem inúmeras divergências nas declarações da menor, as quais acabam por enfraquecer seu valor como elemento probatório.

Na fase inquisitorial a ofendida alegou ter visto o apelado na estrada, tendo ele a agarrado, iniciando a prática do crime de estupro, pois começou a tirar suas roupas e agrediu-a fisicamente, apertou seu pescoço, impedindo-a de gritar, entretanto, conseguiu se desvencilhar sozinha e fugiu, asseverou ainda não ter encontrado ninguém no local, nem antes ou depois do ocorrido (fl. 10). Em outra oitiva, mas ainda extrajudicialmente, alterou suas declarações afirmando ter estado na casa de seus primos na data do fato, porém, enfatizou não ter visto o apelado no lugar, contrariando os depoimentos de David da Silveira Hemples (fl. 25) e Luiza Glaci de Assumpção Hemples (fl. 26), os quais destacaram, inclusive, manterem os dois uma conversa aparentemente animada.

Posteriormente, perante o MM. Juízo a quo, mais uma vez modificou suas palavras (fls. 154/160), alegando ter conseguido gritar durante a abordagem, sendo ouvida por seu tio João Maria, tendo ele respondido e só por isso o apelado a soltou, mencionou também ser esta a única vez em que esteve com o suposto meliante no dia apontada na inicial, em afronta direta ao conteúdo dos depoimentos acima citados.

Convém ressaltar não ter se procedido à oitiva de João Maria no curso do feito, porquanto seu irmão, genitor da vítima, afirmou a impossibilidade do ato em virtude de estar acometido de doença mental grave (fls. 161/165).

Do mesmo modo, não foi realizado exame pericial para constatar os ferimentos eventualmente ocasionados pela atuação do apelado, pois, segundo a menor em juízo, da ação resultou lesões na cabeça (fls. 154/160), restando inviabilizada a demonstração da violência perpetrada através de prova técnica, mesmo comparecendo a adolescente 03 (três) dias após o ataque na Delegacia de Polícia. Todavia, curiosamente, diante da autoridade policial não fez qualquer referência a tais machucados, ao contrário, disse que nada sofreu (fl. 10).

Não obstante também existam divergências nos interrogatórios do apelado (fls. 22/23 e 57), incumbe considerar cuidar-se de ônus da acusação a demonstração da existência do delito, contudo, não foi apresentada nenhuma prova direta da imputação, baseando-se sua responsabilização em meras conjecturas calcadas nos depoimentos da ofendida, conflitantes em aspectos fundamentais, sem nenhum outro elemento do qual se possa retirar conclusão idêntica.

Dessa forma, verificada a possibilidade de explicação diversa, ou seja, de que poderia não ter ocorrido o crime, não há como se sustentar uma decisão condenatória, devendo, diante da dúvida, ser mantida a absolvição (fls. 183/186).

De fato, existem inúmeras contradições nos depoimentos prestadas pela vítima, não sendo sua palavra harmônica e segura.

Ademais, na fase inquisitorial não informou a ocorrência de lesões (fls. 10), salientando-se que a autoridade policial não requisitou a sua submissão a laudo pericial. Contudo, em juízo, afirmou ter ficado muito machucada, mas não procurou ajudar médica (fls. 157).

O genitor da ofendida, em juízo, esclareceu que ela tinha apenas um arranhão no pescoço, não tendo nenhum outro tipo de ferimento no corpo (termo de degravação de fls. 161/165)

Induvidoso que nos crimes contra os costumes a palavra da ofendida assume relevante importância, mormente que nestes casos os delitos são praticados às escusas, sem a presença de testemunhas.

Entretanto, na hipótese em comento, da análise da farta prova testemunhal colhida em juízo, sob o crivo do contraditório, não é possível concluir-se que o réu praticou o crime lhe imputado na exordial acusatória, sem olvidar que, consoante alhures aduzido, as declarações da ofendida são totalmente divergentes, não podendo servir de amparo para um decreto condenatório.

Esta é a orientação pretoriana:

ESTUPRO - INSUFICIÊNCIA JURISDICIONALIZADA - ABSOLVIÇÃO.

A palavra da vítima nos crimes praticados contra a liberdade sexual assume relevância ímpar, pois, de regra, são cometidos às escondidas, sem testemunhas presenciais, porém, desde que corroboradas em outras provas ou elemento existentes nos autos, harmônicos entre si. Provas testemunhais inconsistentes e laudos periciais não confirmando a conjunção carnal. Valoração. A condenação não pode ter como suporte acusatório genérico e inexpressivo, sob pena de acarretar a punição de inocentes. Inexistindo prova jurisdicionalizada suficiente da existência do fato, aplica-se o princípio in dúbio pro reo, de acordo com o comando normativo do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Recurso de apelação conhecido e provido (TJGO - 3ª T., 1ª C. - Ap. 17533-1/213 - Rel. Byron Seabra Guimarães).

Malatesta, em sua obra, 'A Lógica das Provas em Matéria Criminal', leciona:

... o poder de condenar sem a certeza da criminalidade deslocaria a pena de sua base legítima, de defesa do direito, tornando-a inimiga do próprio fim da tranqüilidade social, para que deve tender. Por isso, a pena, pelo princípio em que se inspira, pelo fim a que se propõe, não pode legitimamente impor-se, senão quando obtida a certeza do fato da criminalidade (CONAN Editora Ltda, 1995).

E, ao abordar as distinções entre a certeza e a probabilidade, verbera:

A certeza é, por sua natureza, subjetiva; mas pode considerar-se do ponto de vista de suas relações objetivas. Do ponto de vista objetivo, confunde-se com a verdade; é a verdade enquanto seguramente percebida. Ora, a verdade, em si mesma, é a própria verdade. Por isso, como objetividade, única em si, da certeza, não se revela a nosso espírito senão através de uma conformidade simples e sem contrastes entre a noção ideológica e a realidade ontológica e que dá lugar, sob o primeiro aspecto, como verdades instituídas, sejam contingentes ou necessárias e, portanto, como certezas intuitivas. Considerando a objetividade da certeza, enquanto assim se releva ao espírito, não há quem não veja sua diferença da probabilidade, tomada também, objetivamente e, sob este aspecto, a distinção não precisa de defesa. A probabilidade, objetivamente, não tem por conteúdo a simples verdade, como a certeza; tem um objeto multíplice: os motivos maiores, convergentes à afirmação, juntamente com os menores, divergentes da afirmação. A certeza, considerada objetivamente, na verdade, não pode ter motivos divergentes da sua crença; a probabilidade deve tê-los; a certeza tem objeto único; a probabilidade, multíplice (obra citada, fls. 57/58).

Para que o juízo seja ato de justiça, disse Santo Tomás de Aquino, dele se exigem três condições: que proceda de uma inclinação de justiça; que emane da autoridade competente; que seja pronunciado segundo a reta razão. Faltante a primeira dessas condições, o juízo diz-se injusto; a segunda usurpado; a terceira suspicaz ou temerário: quando falta a certeza racional. Como se alguém julga das coisas que são duvidosas e ocultas por algumas ligeiras conjecturas (Suma Teológica, IIa. - II ae, questão LX, art. 2º, respondeo). Na dúvida, continua, não se deve proceder à condenação (ob. Citada, IIa - II ae, questão LX, art. 3º, respondeo), interpretando-se a dúvida em sentido favorável (ob. Cit., IIa - Iiae, questão LX, art. 4º, passim), como se assinala no aforismo dúbia in meliorem partem sunt interpretanda.

De outro cariz, consoante, aliás, precedente do col. Superior Tribunal de Justiça, o órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório o ônus da prova da acusação, sendo vedado, nessa linha de raciocínio, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal (HC nº 27.684-AM).

Neste sentido, é a orientação de Afrânio Silva Jardim:

O réu apenas nega os fatos alegados pela acusação. Ou melhor, apenas tem a faculdade de negá-los, pois a não impugnação destes ou mesmo a confissão não leva a presumi-los como verdadeiros, continuando eles como objeto de prova de acusação. Em poucas palavras: a dúvida sobre os chamados 'fatos da acusação' leva a improcedência da pretensão punitiva, independentemente do comportamento processual do réu (...). O ônus da prova, na ação penal condenatória é todo da acusação e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado, afirmado na denúncia ou queixa; conclusão esta que harmoniza a regra do art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal com o salutar in dúbio pro reo (Direito Processual Penal, RJ, Editora Forense, 2000, p. 214).

E, na hipótese em comento, o órgão acusador não se desincumbiu do ônus da prova, inexistindo provas suficientes no que concerne a autoria para embasar o édito condenatório do crime de estupro tentado.

À propósito:

Aplicação do princípio 'in dubio pro reo'. Autoria pelo apelante sinalizada como mera possibilidade. Tal não é bastante para condenação criminal, exigente de certeza plena. Como a lógica e exata como a matemática.

(RJTJERGS 177/136).

Destarte, a condenação criminal não pode ser ditada por mero juízo de probabilidade, devendo estar alicerçada em elementos seguros da autoria criminosa, mormente se considerado que o direito penal não opera com conjecturas, estando assentado na presunção de inocência do réu.

O Pretório Excelso, em precedente, proclamou:

Toda e qualquer condenação criminal há de fazer-se alicerçada em prova robusta. Indícios e o fato de se ouvir dizer que o acusado seria um traficante de drogas não respaldam pronunciamento judicial condenatório, o mesmo devendo ser dito em relação a depoimentos colhidos na fase policial e não confirmados em juízo.

(RT 770/497).

Finalmente, consigne-se que o princípio in dúbio pro reo não é uma regra de interpretação, mas um critério de valoração da prova e, conforme magistério de Carlos Augusto Bonchcristiano, o princípio in dúbio pro reo é onde mais claramente evidencia-se a dificuldade de apuração do fato atribuído ao réu no processo penal. Tal princípio constitucional é um pilar fundamental do julgamento do réu. Segundo este princípio, qualquer dúvida acerca da verdade dos fatos opera a favor do acusado, o qual somente pode ser condenado se o tribunal não tem dúvida alguma sobre a veracidade das provas produzidas. Disso conclui-se que não é o acusado que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado que tem que provar a acusação feita (A aplicação do princípio in dubio pro reo nos Tribunais, RT 724/483).

Por tais razões, impõe-se o desprovimento do recurso.

EX POSITIS, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento, consoante enunciado.

Participaram do julgamento o Senhor Desembargador Eduardo Fagundes e o Senhor Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Convocado Rogério Etzel.

Curitiba, 03 de setembro de 2009.

DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator

Publicado em 18/09/09




JURID - Crime contra os costumes. Art. 213 c/c art. 14, inciso II. [21/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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