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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - Crime contra o patrimônio. Receptação. Artigo 180, § 1º CP. [21/09/09] - Jurisprudência


Crime contra o patrimônio. Receptação. Artigo 180, § 1º do Código Penal.


Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 545.990-1, DA COMARCA DE GUAIRA, VARA CRIMINAL

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

APELADO: NEWTON DIAS DA SILVA

RELATOR: DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO

PENAL - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - RECEPTAÇÃO - ARTIGO 180, § 1º DO CÓDIGO PENAL - INDISPENSABILIDADE, PARA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME, QUE O RÉU SAIBA DA ORIGEM ILÍCITA DO BEM - AUSÊNCIA DE PROVA CONCLUSIVA - ÔNUS QUE COMPETIA À ACUSAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.

1. Um dos elementos necessários para a configuração do delito de receptação é a prévia ciência, por parte do réu da origem criminosa do bem.

2. Ainda que se admita a imposição de um decreto condenatório com base em indícios, há necessidade de que eles sejam veementes, convergentes, sérios e graves.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 545.990-1, da Comarca de Guaíra, Vara Criminal, em que é apelante MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e apelado NEWTON DIAS DA SILVA.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face da r. sentença de fls. 273/274, que julgando improcedente a denúncia, absolveu o réu NEWTON DIS DA SILVA das sanções do artigo 180, §§ 1º 2º, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Em suas razões recursais, pugna o agente ministerial pela condenação do réu Newton Dias da Silva nas raias do artigo 180, § 1º, do Código Penal.

Contra-arrazoado o recurso, foram os autos remetidos a esta Corte de Justiça.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, com vista dos autos, pronunciou-se pelo provimento do recurso.

É O R E L A T Ó R I O.

2. Em breve retrospectiva dos fatos, do exame dos autos, verifica-se que o ora apelado foi denunciado pela prática do seguinte fato delituoso, verbis:

Aos dezoito dias do mês de novembro de 1997, por volta da 09:00 horas, no Porto Internacional, em Guairá, o denunciado Newton Dias da Silva foi preso em flagrante por policiais federais em serviço naquela ocasião enquanto transportava, de Londrina para a balsa que liga Guairá ao Paraguai, o veículo VW Quantum CL, 1800 I, ano 1995, cor azul, placas AFM-7788, Curitiba-PR, chassi 9BWZZZ33ZSPOO3926, de propriedade da vítima Flávio Mattuela (objeto de crime, conforme Boletim de Ocorrência de roubo de veículo acostado às fls. 18). O denunciado Newton Dias da Silva transportava referido veículo, que sabia ser produto de crime, mediante contrato firmado entre o mesmo e a pessoa conhecida tão somente por 'Cunha', que lhe encarregou de fazer o transporte rodoviário do veículo, que deveria ser entregue a pessoa desconhecida, que lhe entregaria a quantia de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) (fl. 02).

Sentenciando, o MM. Juiz a quo, julgou improcedente a peça acusatória, absolvendo o réu NEWTON DIAS DA SILVA das sanções do artigo 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VI, da lei de ritos, sob o fundamento de que no procedimento criminal instaurado em juízo resta carente de provas robustas no sentido de imputar ao réu, de maneira segura a autoria do delito (fls. 274).

Lançadas tais considerações, passo a análise do recurso interposto pelo órgão acusatório.

3. A materialidade do delito ficou demonstrada através do auto de apresentação e apreensão de fls. 08 e boletim de ocorrência de fls. 21, porém, com relação a autoria, não existem nos autos provas seguras de que o apelante tinha conhecimento da origem ilícita do bem.

Em juízo, interrogado, afirmou que sabia que o veículo era 'golpe do seguro' e por isto o levou até a balsa de Guairá (fls. 123), não tendo noção de que o automóvel era produto de roubo.

Os policiais federais Átila de Barros e Disraely Rodrigues Neves (fls. 163 e 209), inquiridos, disseram não se recordarem dos fatos, em razão do tempo transcorrido.

Como se vê, inexistem nos autos elementos seguros de que o apelante tivesse ciência da origem espúria do bem, sem olvidar que o fato do mesmo estar transportando o veículo, sem a consciência provada de sua origem ilícita, não configura a receptação e. ainda que se admita a imposição de um decreto condenatório com base em indícios, há necessidade de que eles sejam veementes, convergentes, sérios e graves (RJDTACRIM 25/382).

À propósito:

Os indícios têm força convincente quando muitos, concordes e concludentes. Indícios que permitam explicação diferente apenas levantam suspeitas. Não são aptos para conduzir à certeza (JTACRESP 73/400).

Meros indícios não coincidentes com os demais elementos do processo não autorizam o decreto condenatório (JTACRESP 61/309).

Consoante doutrina de Anamaria Campo Torres de Vasconcelos, no processo criminal, ao menos para a condenação, os juízos aceitos serão sempre de certeza, jamais de probabilidade, sinônimo de insegurança, embora possa a probabilidade ser caminho, impulso na direção da certeza (Prova no Processo Penal, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1993).

Malatesta, em sua obra, 'A Lógica das Provas em Matéria Criminal', leciona:

... o poder de condenar sem a certeza da criminalidade deslocaria a pena de sua base legítima, de defesa do direito, tornando-a inimiga do próprio fim da tranqüilidade social, para que deve tender. Por isso, a pena, pelo princípio em que se inspira, pelo fim a que se propõe, não pode legitimamente impor-se, senão quando obtida a certeza do fato da criminalidade (CONAN Editora Ltda, 1995).

E, ao abordar as distinções entre a certeza e a probabilidade, verbera:

A certeza é, por sua natureza, subjetiva; mas pode considerar-se do ponto de vista de suas relações objetivas. Do ponto de vista objetivo, confunde-se com a verdade; é a verdade enquanto seguramente percebida. Ora, a verdade, em si mesma, é a própria verdade. Por isso, como objetividade, única em si, da certeza, não se revela a nosso espírito senão através de uma conformidade simples e sem contrastes entre a noção ideológica e a realidade ontológica e que dá lugar, sob o primeiro aspecto, como verdades instituídas, sejam contingentes ou necessárias e, portanto, como certezas intuitivas. Considerando a objetividade da certeza, enquanto assim se releva ao espírito, não há quem não veja sua diferença da probabilidade, tomada também, objetivamente e, sob este aspecto, a distinção não precisa de defesa. A probabilidade, objetivamente, não tem por conteúdo a simples verdade, como a certeza; tem um objeto multíplice: os motivos maiores, convergentes à afirmação, juntamente com os menores, divergentes da afirmação. A certeza, considerada objetivamente, na verdade, não pode ter motivos divergentes da sua crença; a probabilidade deve tê-los; a certeza tem objeto único; a probabilidade, multíplice (obra citada, fls. 57/58).

Para que o juízo seja ato de justiça, disse Santo Tomás de Aquino, dele se exigem três condições: que proceda de uma inclinação de justiça; que emane da autoridade competente; que seja pronunciado segundo a reta razão. Faltante a primeira dessas condições, o juízo diz-se injusto; a segunda usurpado; a terceira suspicaz ou temerário: quando falta a certeza racional. Como se alguém julga das coisas que são duvidosas e ocultas por algumas ligeiras conjecturas (Suma Teológica, IIa. - II ae, questão LX, art. 2º, respondeo). Na dúvida, continua, não se deve proceder à condenação (ob. Citada, IIa - II ae, questão LX, art. 3º, respondeo), interpretando-se a dúvida em sentido favorável (ob. Cit., IIa - Iiae, questão LX, art. 4º, passim), como se assinala no aforismo dúbia in meliorem partem sunt interpretanda.

Destarte, a condenação criminal não pode ser ditada por mero juízo de probabilidade, devendo estar alicerçada em elementos seguros da autoria criminosa, mormente se considerado que o direito penal não opera com conjecturas, estando assentado na presunção de inocência do réu.

O Pretório Excelso, em precedente, assentou:

Toda e qualquer condenação criminal há de fazer-se alicerçada em prova robusta. Indícios e o fato de se ouvir dizer que o acusado seria um traficante de drogas não respaldam pronunciamento judicial condenatório, o mesmo devendo ser dito em relação a depoimentos colhidos na fase policial e não confirmados em juízo (RT 770/497).

4. De outro cariz, consoante, aliás, precedente do col. Superior Tribunal de Justiça, o órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório o ônus da prova da acusação, sendo vedado, nessa linha de raciocínio, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal (HC nº 27.684-AM).

Neste sentido, é a orientação de Afrânio Silva Jardim:

O réu apenas nega os fatos alegados pela acusação. Ou melhor, apenas tem a faculdade de negá-los, pois a não impugnação destes ou mesmo a confissão não leva a presumi-los como verdadeiros, continuando eles como objeto de prova de acusação. Em poucas palavras: a dúvida sobre os chamados 'fatos da acusação' leva a improcedência da pretensão punitiva, independentemente do comportamento processual do réu (...). O ônus da prova, na ação penal condenatória é todo da acusação e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado, afirmado na denúncia ou queixa; conclusão esta que harmoniza a regra do art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal com o salutar in dúbio pro reo (Direito Processual Penal, RJ, Editora Forense, 2000, p. 214).

E, na hipótese em comento, o órgão acusador não se desincumbiu do ônus da prova, inexistindo provas suficientes no que concerne ao conhecimento do apelante acerca da origem ilícita do automóvel para embasar o édito condenatório para o crime de receptação e, na dúvida, a absolvição é medida de rigor, como reclamo indeclinável, primeiro, da prudência e, depois, da licitude do juízo.

Confira-se sobre a questão, paradigma pretoriano:

Para que se configure a receptação dolosa não basta que o agente tenha razões para desconfiar da origem da coisa, pois cumpre que saiba tratar-se de produto de crime. É imprescindível o dolo direto, isto é, o conhecimento positivo de que se está mantendo a situação ilícita decorrente de crime anterior (RT 574/378).

Finalmente, consigne-se que o princípio in dúbio pro reo não é uma regra de interpretação, mas um critério de valoração da prova e, conforme magistério de Carlos Augusto Bonchcristiano, o princípio in dúbio pro reo é onde mais claramente evidencia-se a dificuldade de apuração do fato atribuído ao réu no processo penal. Tal princípio constitucional é um pilar fundamental do julgamento do réu. Segundo este princípio, qualquer dúvida acerca da verdade dos fatos opera a favor do acusado, o qual somente pode ser condenado se o tribunal não tem dúvida alguma sobre a veracidade das provas produzidas. Disso conclui-se que não é o acusado que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado que tem que provar a acusação feita (A aplicação do princípio in dubio pro reo nos Tribunais, RT 724/483).

Por tais razões, desprovejo o recurso.

EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo, consoante enunciado.

Participaram do julgamento o Senhor Desembargador Eduardo Fagundes e o Senhor Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Convocado Rogério Etzel.

Curitiba, 03 de setembro de 2009.

DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator

Publicado em 18/09/09




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