Anúncios


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

JURID - Contratação irregular. Ausência de concurso público. [23/09/09] - Jurisprudência


Contratação irregular. Ausência de concurso público após a Carta Magna. Nulidade. Efeito.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT 20ª Região.

AÇÃO/RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO N° 00297-2009-013-20-00-7

PROCESSO Nº 00297-2009-013-20-00-7

ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE ITABAIANA

PARTES:

RECORRENTE: MUNICÍPIO DE ITABAIANA

RECORRIDO: VANDIM SILVA MIRA E OUTROS

RELATOR: DESEMBARGADOR AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

REVISOR: DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO SANTANA DE MORAES

EMENTA:

CONTRATAÇÃO IRREGULAR - AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO APÓS A CARTA MAGNA - NULIDADE - EFEITO. A exigência do concurso como forma de provimento dos cargos públicos não comissionados é um imperativo, tanto que, no artigo 37 § 2º, da Carta Magna previu o constituinte a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável. Contudo, ainda que nulo o contrato, faz jus o obreiro ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas e dos valores referentes aos depósitos do FGTS, nos termos da Súmula nº 363 do TST.

RELATÓRIO:

MUNICÍPIO DE ITABAIANA recorre ordinariamente da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista ajuizada por VANDIM SILVA MIRA E OUTROS perante a Vara do Trabalho de Itabaiana.

Devidamente notificado, o recorrido apresentou contra-razões, fls. 101/102.

O Ministério Público do Trabalho emitiu parecer às fls. 108/110, manifestando-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, que lhe seja negado provimento.

Teve vista a Exmo. Sr. Desembargador Revisor.

VOTO:

ADMISSIBILIDADE

Conheço do recurso porque presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

O recorrente argúi a incompetência material da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que os contratos firmados com os reclamantes tiveram a natureza de contrato administrativo, pelo que seria a Justiça Comum a competente para apreciar e julgar direitos decorrentes da relação havida entre as partes.

Sem razão.

A pretensão do(s) autor(es) tem clara inspiração na Súmula 363 do TST, que recomenda sejam assegurados os salários e o FGTS nos casos de contratos de trabalho nulos por ausência de concurso público. Tal pretensão se reveste de natureza trabalhista, vale dizer, é daquelas que somente a Justiça do Trabalho pode apreciar - para acolher ou rejeitar, não importa.

Coisa diversa é o que fora decidido pelo STF na ADI 3395 MC/DF.

Não há mais dúvida acerca da competência da Justiça Comum para prover jurisdição nas hipóteses em que os servidores públicos postulam o cumprimento de regime estatutário ou jurídico-administrativo, pois assim decidiu o STF ao emprestar interpretação conforme ao art. 114, I, da Constituição. Causa finita.

Contudo, se o servidor público pretende a regência pela CLT e legislação correlata, pedindo, por exemplo, anotação de CTPS, aviso prévio ou FGTS, não se há aguardar a fundamentação da defesa para saber-se o juízo competente. A definição da competência jurisdicional se dará em razão da natureza dessa sua pretensão, que é nitidamente trabalhista, cabendo à Justiça do Trabalho, e somente a ela, acolhê-la ou, por entender que a relação fora estatutária ou administrativa, julgá-la improcedente.

Com venia, a interpretação que se empresta ao precedente do STF no sentido de que basta ao ente público alegar ou mesmo provar a existência de estatuto (distinto da CLT) para pôr-se a salvo da Justiça do Trabalho inverte, prematuramente, a regra processual estabelecida no art. 87 do CPC, segundo a qual determina-se a competência no momento em que a ação é proposta.

O art. 87 do CPC não teve a sua constitucionalidade sequer questionada perante o STF e, afinal, o STJ já celebrou a sua vigência em inúmeros arestos - exempli gratia: CC 23001/SC, CC 23699/SP, EDcl no CC 20763/GO, Resp 232102/SC. Em se tratando de competência absoluta e improrrogável, os fundamentos da defesa não poderiam mesmo ter maior relevância na delimitação da competência. O juiz afirma-se competente, ou não, no primeiro momento em que divisa o libelo.

Da petição inicial, que inaugura estes autos, não se extrai a existência de regime estatutário ou jurídico-administrativo. Ali se enxerga a alegação de que houve contrato (quiçá nulo) de emprego e se pede a concretização de direitos que não socorrem aos servidores estatutários ou temporários, estes últimos admitidos sob a égide do art. 37, IX da Constituição.

A Justiça Comum não pode estar na contingência de receber este processo com a alternativa única de frustrar a expectativa de quem procurou o Poder Judiciário, ou seja, apenas para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, pois isso implica a sua capitis deminutio, na medida em que lhe é defeso acolher a pretensão, além de gerar a imunização dos entes públicos à atuação da Justiça do Trabalho e de proclamar a vedação ao servidor público do direito de ação trabalhista. Bem entendido, do direito à ação na qual debateria a natureza do regime jurídico que o uniria à administração pública.

Por tais razões, rejeito a exceção de incompetência material a fim de que a Justiça do Trabalho prossiga no exame da matéria de mérito.

DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Diz o recorrente que os reclamantes laboraram para o Município de Itabaiana, nos cargos e períodos outrora indicados, sem a submissão ao concurso público, o que torna sua contratação nula de pleno direito, não gerando qualquer efeito ou direito. Sustenta que a hipótese é de impossibilidade jurídica do pedido, porque não atendida uma das condições da ação, devendo, por essa razão, ser o processo extinto sem resolução do mérito.

A razão não lhe socorre, todavia, considerando-se que a possibilidade de declaração de nulidade contratual não caracteriza pedido impossível.

Rejeito a preliminar.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE - DO CERCEAMENTO DE DEFESA - DA NULIDADE PROCESSUAL

Suscita o recorrente preliminar de nulidade processual, por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de denunciação à lide da ex-prefeita Maria Vieira de Mendonça, administradora municipal responsável pela contratação irregular dos reclamantes, para responder pelos prejuízos que causou ao erário.

A denunciação da lide instaura relação processual acessória entre denunciante e denunciado, emprestando ao feito uma complexidade e uma dimensão que não condizem, em princípio, com o tempo razoável de um processo trabalhista. Afora a violação de princípio constitucional, inexistiria liame processual entre o autor e o litisdenunciado.

Tenho, portanto, que o processamento da denunciação da lide no processo trabalhista é prejudicial ao reclamante e contamina a celeridade processual, na medida em que torna mais demorada a satisfação do crédito supostamente devido ao trabalhador. No caso em tela, cabe ao ente público tomar as providências necessárias no Juízo Cível para responsabilização do administrador faltoso.

Rejeito a preliminar.

DA IMPUGNAÇÃO A SENTENÇA - DA EXCLUSÃO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DO FGTS - DA VIOLAÇÃO A SÚMULA 363 DO TST

O Município recorrente opõe resistência ao entendimento sufragado pela instância primeira, que acatou a tese de nulidade contratual com restrições, através do presente recurso ordinário, aduzindo que, por tratar-se de contrato nulo, o autor não faz jus a qualquer parcela pleiteada.

Outrossim, sustenta que apesar de a Lei 8.039/90, em seu artigo 19-A estabelecer ser devido os depósitos fundiários, mesmo que declarada a nulidade contratual, seu conteúdo não se coaduna com o regramento constitucional não gera direito ao recolhimento do FGTS

Por fim, argumenta que caso devido os valores referentes aos depósitos do FGTS, estes devem ter como base de cálculo o salário mínimo e não a evolução salarial do obreiro.

Sem razão.

No que concerne aos efeitos da nulidade, matéria suscitada pelo recorrente, é forçoso admitir que, no direito do trabalho, a matéria há que ser tratada de modo distinto do que faz o direito civil, tendo em vista as peculiaridades da prestação laboral e a necessária proteção ao trabalho humano.

Sob a égide do direito comum, a nulidade contratual ocasionaria o retorno das partes à condição anteriormente estabelecida e, como conseqüência, a restituição de tudo o que receberam. Todavia, a teoria das nulidades consignada na regra de direito civil não tem aplicação plena no Direito do Trabalho. Referidas nulidades não operam efeito retroativo, pois nas relações que envolvem a prestação de trabalho é impraticável devolver ao trabalhador a energia disponibilizada ou consumida em razão do contrato.

Vale destacar, por oportuno, o pensamento do ilustre professor José Rodrigues Pinto:

Ao empregado será de todo impossível receber de volta a prestação entregue, que foi sua força pessoal de trabalho.

Nesse caso, a teoria das nulidades, seria decididamente detrimentosa para o trabalhador, favorecendo, pelo contrário, o empregador com um enriquecimento sem causa, ou mesmo ilícito, num desafio a todos os princípios norteadores do Direito do Trabalho.

Aqui, então, se confrontam, inconciliáveis, o direito civil e o do trabalho, devendo prevalecer, obviamente, o atendimento à finalidade social deste último.

Dessa situação discursiva - ou seja, do esforço da jurisprudência trabalhista em conciliar a nulidade prevista no artigo 37, §2º, da Constituição, com a dignidade do trabalho humano e mesmo com a impossibilidade de ser restituída a força de trabalho já disponibilizada - resultou a Súmula 363 do TST, tendo a corte superior trabalhista, aplicando o princípio da proporcionalidade, optado por homenagear os valores sociais do trabalho. Está o citado verbete longe, porém e com venia, de usufruir da mesma estatura das normas constitucionais.

Nada obstava, portanto, que a lacuna legal, em parte preenchida pela Sumula 363 do TST, ganhasse nova colmatação pelo legislador ordinário.

Ao efeito de não impedir a exigibilidade do salário stricto sensu somou-se um outro, o de também não ser empeço à garantia do FGTS. O mesmo Tribunal Superior do Trabalho, que editou o tão referido enunciado da súmula de sua jurisprudência, também adotou a posição que ora defendo, mediante decisão de sua SBDI 2, cuja ementa é elucidativa e minudente:

AÇÃO RESCISÓRIA. NULIDADE DO CONTRATO FIRMADO COM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO. EFEITOS. FGTS. MP Nº 2.164-41/2001. A contratação de servidor público após a Constituição Federal de 1988, ressentindo-se do requisito da prévia aprovação em concurso público para a investidura em emprego ou cargo público, encontra óbice no art. 37, II e § 2º, do atual Texto Constitucional, sendo nula de pleno direito e, portanto, empresta-se efeitos "ex tunc" à decisão que assim a declara, de sorte a não surtir nenhum efeito trabalhista. Ressalva se faz quanto ao pagamento do equivalente ao saldo de salários - na forma pactuada e respeitando-se o mínimo legal - dos dias efetivamente trabalhados, como forma de ressarcimento de sua força de trabalho dispensada.

Além disso, a decisão rescindenda, ao manter a condenação originária ao pagamento de aviso prévio, décimo terceiro salário, férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional, e FGTS com multa, contrariou frontalmente o Enunciado 363 desta Corte, com exceção do FGTS, pelo que se impõe a exclusão dos demais títulos trabalhistas lá deferidos. A propósito do FGTS, não obstante a nulidade do contrato, os princípios constitucionais em que se funda a própria República Federal do Brasil, de respeito à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, impuseram ao TST, ao editar o Enunciado 363, a conclusão de se garantir ao trabalhador público direitos mínimos que o colocassem a salvo da condição similar ao escravo. Esses princípios, que levaram esta Corte a abrandar as implicações provenientes da nulidade do contrato de trabalho no âmbito da Administração Pública, certamente inspiraram a alteração imprimida à Lei 8.036/90 pelo artigo 9º da MP 2.164-41/2001, infirmando assim eventual pecha de inconstitucionalidade. É bom salientar ainda que a proibição do efeito retrooperante da aludida norma remete ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, hipóteses indiscerníveis em relação à aplicação da medida provisória aos contratos já findos.

Além disso, não estando presentes nenhum dos obstáculos à incidência imediata da medida provisória, verifica-se do novo artigo 19-A da Lei 8.036/90 ressalva de ser devido o depósito do FGTS quando mantido o direito ao salário. Dela se pode concluir pela aplicação incontinenti da inovação aos processos em curso e, extensivamente, aos contratos de trabalho então findados, mesmo porque o são sabidamente de trato sucessivo, e o FGTS foi universalizado como regime jurídico único, conforme se infere do artigo 7º, incisos I e III, da Constituição. Mas se o FGTS incide sobre a contraprestação paga ou devida ao trabalhador público, carece ele do direito à multa de 40% sobre a conta vinculada. Isso não tanto por se sujeitar aos efeitos da nulidade do contrato de trabalho, ou pela constatação de o "caput" do artigo 19-A da Lei 8.036/90 não o ter assegurado, mas também por conta do disposto no parágrafo único da norma em pauta. Remessa necessária provida. (TST DECISÃO: 30/set/2003, RXOFAR 91038-2003-900-11-00, TURMA D2, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen - DJ 10/out/2003).

Por outro lado, o princípio a vigorar é o da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. Não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou possibilidade razoável de se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade.

Em suma, diante da impossibilidade de devolverem-se ao trabalhador as forças física e intelectual despendidas no labor, e tendo em vista os princípios supracitados, ser-lhe-á devido o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes ao FGTS, a teor do que recomenda a Súmula 363 do TST.

Assim, ante a ausência de prova da existência do recolhimento regular do FGTS, esse deve ser efetuado em relação a todo o pacto laboral.

Por fim, no que diz respeito à pretendida limitação da base de cálculo do FGTS, penso que, consoante a Súmula 363 do TST, com o acato deste Tribunal, na hipótese de contrato nulo, por força do disposto no art. 37, II, § 2º, da Constituição Federal, o trabalhador tem direito ao pagamento da contraprestação pactuada, ou seja, tendo o reclamante ao longo do contrato ajustado contraprestação em valor superior ao salário mínimo, tenho que acertadamente decidiu o primeiro juízo ao determinar fosse a liquidação feita com base na evolução histórica dos salários dos autores demonstrada nos autos.

Mantenho incólume a sentença no tópico.

Posto isso, conheço do recurso para, após rejeitar as preliminares suscitadas, no mérito, negar-lhe provimento.

DECISÃO:

Acordam os Exmos. Srs. Desembargadores do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, rejeitar a preliminar de incompetência material, vencidos os Exmos. Desembargadores João Bosco Santana de Moraes, Carlos Alberto Cardoso e Carlos de Menezes Faro Filho, que a acolhiam; no mérito, por unanimidade, negar-lhe provimento.

Aracaju, ____de _______ de 2009.

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO
Desembargador Relator

Publicado em 21/09/09




JURID - Contratação irregular. Ausência de concurso público. [23/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário