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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

JURID - Competência é questionada [18/09/09] - Jurisprudência


Competência para julgar banqueiro é questionada


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
JUÍZO FEDERAL DA SEGUNDA VARA CRIMINAL DE SÃO PAULO

Processo nº 2009.61.81.008761-7

Requerente: Dório Ferman
Requerido: Justiça Pública


Vistos, etc.

1. Trata-se de petição formulada pela douta defesa de Dório Ferman, representante legal do Banco Opportunity S.A., na qual se pleiteia a requisição do processo n. 2008.61.81.009002-8 (IPL 12/0035/2008), que tramita perante a 6ª Vara Criminal Federal, mediante afirmação de ser competente este juizo da 2a. Vara Criminal Federal, por prevenção, face aos princípios orientadores do processo penal pátrio (fls. 02/08, acompanhada dos documentos de fls. 09/52).

2. Alega a defesa, em breve sintese, que a denuncia ofertada nos autos n° 2008.61.81.009002-8 contém descrição de conduta que se relaciona diretamente com os fatos objetos de persecução penal no feito n° 2006.61.81.007302-2. Ainda, afirma o ilustre defensor que a competência para processar os autos que tramitam na 6ª Vara Federal Criminal encontra-se firmada nesta 2ª Vara, uma vez que este Juízo teria antecedido aquele na prática de atos jurisdicionais atinentes aos procedimentos relacionados ao Inquérito n° 2245, do Supremo Tribunal Federal. Segue a defesa dizendo que foram as decisões deste Juizo, quanto a produção de provas, que permitiram o início das investigações realizadas no âmbito da 6ª Vara Criminal. Por derradeiro, a defesa alega que diante da conexão fática existente entre os autos que tramitam nas 2ª e 6ª Varas, a competência para o processamento e julgamento, nos termos da lei que rege a materia, e desta 2ª Vara Federal Criminal.

3. Na oportunidade em que formulado o requerimento, ainda não havia sido recebida a denúncia oferecida pelo Excelentíssimo Procurador da República junto a 6ª Vara Federal Criminal. Com o recebimento da mesma, o douto defensor do requerente protocolou novo pedido junto a este Juízo (fls. 54/58), noticiando a decisão. Juntou os documentos de fls. 60/166.

4. Em síntese, a defesa alega que os documentos utilizados para embasar os autos da ação penal n° 2008.61.81.009002-8 tem relação objetiva com os fatos apurados no caso denominado de "Mensalão" (autos n° 2006.61.81.007302-2). Pleiteia a imediata requisição dos autos, já que a competência é mesmo da 2ª Vara Federal Criminal.

5. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido, uma vez que não haveria prevenção ou conexão probatória entre os autos por serem diferentes os fatos e diversos os processos e as pessoas envolvidas (fls. 168/176).

É o breve relatório.

Fundamentando, decido.


Dos autos n° 2006.61.81.007302-2

6. Preliminarmente, verifico que os autos n° 2006.61.81.007302-2 foram distribuídos a este Juízo, em 28 de junho de 2006, para se apurar, no âmbito de São Paulo, a partir de peças informativas oriundas do Colendo Supremo Tribunal Federal, suposto esquema de abastecimento e distribuição de dinheiro para variadas pessoas, integrantes do chamado "Valerioduto", incidindo, em tese, em crimes de "lavagem" de capitais.

7. O referido procedimento criminal seria uma continuidade dos trabalhos geridos pela CPMI "dos Correios" e Procuradoria-Geral da República para se investigar diversas pessoas identificadas no curso das apurações, que não foram denunciadas no caso denominado "Mensalão" e que não possuem foro privilegiado.

8. Com base nos documentos oriundos do COAF, bem como no relatório final da CPMI "dos correios", as investigações tiveram seu regular prosseguimento, na medida em que novos dados eram comunicados a este Juízo. Assim, o Ministerio Publico Federal requereu cópia dos dados contidos no HD que se encontrava em posse da Polícia Federal em Brasília, apreendido na sede do Banco Opportunity. Segue trecho da manifestação:

"Chegou ao conhecimento dessa signatária que nos autos do processo n° 2004.61.81.001452-5, foi apreendido um HD na sede do Banco Opportunity (o HD do servidor de rede do banco) que, hoje, está de posse da Polícia Federal em Brasília.

O Banco Opportunity possui participação nas empresas Telemig e Amazônia Celular, que estão entre as maiores depositantes nas contas das empresas de Marcos Valerio, conforme o Relatório Final da CPMI, pdginas 634/635.

O HD foi apreendido em meados de 2004, início de 2005, anos compreendidos no período no qual as contas de Marcos Valério foram abastecidas com dinheiro de empresas públicas e privadas.

Acredita-se que o HD do banco possa conter dados que venham a demonstrar a relação entre a Telemig e a Amazônia Celular e Marcos Valerio, isto é, entre pelo menos duas das fontes do Valerioduto, canal por onde escoaram os recursos que beneficiaram as mais variadas pessoas. Dito de outra forma, acredita-se que as informações nele contidas possam auxiliar a presente investigação, uma vez que, conforme já exposto no pedido inicial, é preciso conhecer-se de todo o esquema, que envolveu abastecimento e distribuição de dinheiro, já que a suspeita é a de as contas de Marcos Valerio apenas serviam como instrumento para a distribuição dos recursos.

Veja-se, aliás, que qualquer outra medida, mais ostensiva, seria inócua, pois não se espera, diante da ampla divulgação na imprensa, colher-se elementos de prova. O único que, em tese, ainda está preservado, seria justamente o HD objeto deste pedido, por ainda estar nas mãos da Polícia Federal. Qualquer outra informação poderá ser obtida diretamente com a CPMI ou junto ao E. Supremo Tribunal Federal.

Diante o exposto, requer-se:

a) expedição de ordem, a ser executada diretamente pelo Ministério Publico Federal, para a garantia do sigilo da medida, de cópia dos dados contidos no HD que se encontra na posse da Policia Federal em Brasilia. Requer sejam feitas duas copias autenticadas do referido HD, a primeira para ser enviada ao Procurador-Gefal da República, em auxílio a investigações de sua atribuição, a segunda, para ser periciada pela Polícia Federal em São Paulo;

b) autorização para realização de perícia na cópia referida, pela Polícia Federal, nos termos a serem requeridos, oportunamente, pelo Ministério Público Federal."


9. O pedido foi deferido por este Juizo, em 3 de julho de 2006. Após, houve a determinação de desentranhamento das peças processuais pertinentes, tendo sido distribuído por dependência e registrado sob o n° 2006.61.81.008746-0. Ressalte-se que o pedido formulado pelo Parquet destinava-se a apurar fatos relacionados ao caso denominado "Mensalão" e seus desdobramentos no âmbito da competência desta 2ª Vara Federal Criminal especializada em crimes contra o sistema financeiro nacional e de "lavagem" de dinheiro referente a todas as pessoas físicas e jurídicas que não detivessem foro privilegiado, conforme determinação expressa do Eminente Ministro Joaquim Barbosa.

Do relatório final da CPMI "dos Correios"

10. Os trabalhos desenvolvidos pela CPMI "dos Correios" identificaram diversos recebimentos de recursos de empresas privadas destinados as empresas de Marcos Valério, sem que fosse comprovada a prestação de serviços de publicidade. Ainda, de acordo com o relatorio final:

"(...) Os trabalhos da CPMI conseguiram alcançar resultados que comprovam que os recursos obtidos também com as empresas privadas aumentaram o Valerioduto.

(...)

A partir da análise da tabulação da movimentação financeira das contas correntes bancárias, atribuídas ao denominado esquema Valerioduto, identificaram-se os maiores fornecedores de recursos financeiros (entradas), excluindo-se os "empréstimos bancários ", para as empresas do Sr. Marcos Valério, no período de 2000 a 2005, cujos montantes podem ser assim demonstrados:

Empresas

R$

Banco do Brasil

Telemig*

Visanet/Servinet

Secretaria da Fazenda - DF

Eletronorte

Ministério do Trabalho

Amazônia Celular*

Correios

Secretaria da Fazenda - MG

Usiminas – Grupo*

Fiat*

Assembleia Legislativa - MG

Ministério do Esporte

Terracap

*empresas privadas

388.031.065

122.309.137

92.190.887

64.109.805

41.331.731

40.751.827

36.479.504

36.077.047

27.045.363

32.055.121

21.049.643

16.539.720

16.539.720

11.656.304



(...)

A partir das informações anteriormente mencionadas, procedemos a revisão mais detalhada da movimentação financeira e das transações das empresas do Sr. Marcos Valério com as seguintes empresas privadas: Amazonia Celular e Grupo Usiminas. Também, por causa do relacionamento societário, passamos a investigar transações com a empresa Brasil Telecomunicações S/A (holding da Telemig e Amazonia Celular)."


11. Conforme se depreende do trecho acima, observa-se que as empresas Telemig e Amazonia Celular seriam as maiores empresas privadas relacionadas ao esquema denominado "Valerioduto", sendo que estas teriam relacionamento societário com a pessoa jurídica Brasil Telecom.

12. A CPMI "dos Correios" apurou, também, que:

"O Grupo Opportunity, por intermédio do Opportunity Fund é o controlador das empresas Telemig Celular S/A, Amazonia Celular S/A e, durante o período compreendido entre 1998 e setembro de 2005, da Brasil Telecom S/A entre outras.

É importante salientar que, conforme dados obtidos pel a CPMI "dos Correios'', amplamente divulgados na imprensa, as empresas controladas pelo Grupo Opportunity, TELEMIG Celular S/A e Amazonia Celular S/A, realizaram, em conjunto, pagamentos da ordem de R$ 152.458.434,00 (cento e cinquenta e oito milhões, quatrocentos e trinta e quatro mil reals) desde o ano de 2.000. Algumas notas fiscais emitidas pela Telemig Celular S/A, que mais realizou pagamentos ao Sr. Marcos Valério, simplesmente sumiram dessa empresa, não se podendo ainda comprovar com exatidão a natureza dos serviços prestados pelas empresas do Sr. Marcos Valério." (fls. 636)

"O relacionamento entre a Brasil Telecom e as empresas de Marcos Valério, DNA e SMP&B, inicia-se, como demonstram os documentos encaminhados a CPMI pela nova administração da Brasil Telecom, em julho de 2003. Naquele mês foi contratada a veiculação de programas de informação de utilidade pública, no período de 1° a 31 de julho de 2003, serviços esses solicitados diretamente pela presidência da Brasil Telecom, entao dirigida pela italiana Carla Cicco.

No ano seguinte, em julho de 2004, foram firmados uma série de contratos, com prazos de vigência mais longos. A soma dos valores atribuídos aos contratos (ou "teto contratual") excedia os R$ 50,000,000.00 (cinquenta milhoes de reais), dos quais cerca de R$ 2,500,000.00 (dois milhões e quinhentos mil reals) foram efetivamente despendidos até o fim do primeiro semestre de 2005, antes mesmo da entrega dos serviços contratados.

Esta CPMI teve acesso a diversos relatórios falsos de serviços prestados pelas empresas do Sr. Marcos Valério a Brasil Telecom, comprovando a utilização de empresas de propaganda como fachada para transferência de recursos de empresas privadas para o valerioduto".


13. O aludido relatório expôs, também, que a Brasil Telecom S/A, pessoa jurídica controlada pelo Grupo Opportunity, firmou contrato milionário com as empresas de Marcos Valério, fato este omitido por Daniel Dantas em sua inquirição pela CPMI. Ainda, foi constatado que a Brasil Telecom efetuou depósitos no valor de R$ 3.936.161,00 a empresa SMP&B, e R$ 823.529,00 a DNA Propaganda, essas últimas de propriedade de Marcos Valério. Prossegue relatório dizendo que a atual administração da Brasil Telecom denunciou a existência de dois contratos de publicidade da Brasil Telecom com as empresas DNA Propaganda e SMP&B no valor de R$ 25.000.000,00 cada, assinados em data posterior a movimentação financeira referida, sendo que, tais assinaturas coincidem com o período de afloramento do escândalo do "Mensalão".

14. Ante estas informa9oes, a quebra do sigilo do HD, apreendido na sede do Banco Opportunity, foi imprescindivel, uma vez que poderia corroborar as suspeitas levantadas pelas investigações da CPMI, sendo um material probatório indispensável para o descobrimento da verdade real.

Do inquérito policial n° 2008.61.81.009002-8

15. Sustenta a i. defesa que, de acordo com notícias oriundas de dois grandes jornais de São Paulo, a denúncia ofertada nos autos n° 2008.61.81.009002-8 (em trâmite na 6ª Vara Criminal), descreveria fatos que se relacionariam diretamente com o objeto de persecução criminal no caso "Mensalão".

16. Os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, do dia 7 ue julho de 2009, trazidos pela douta defesa de Dório Ferman, nos quais foi veiculada matéria noticiando que na denúncia oferecida junto a 6ª Vara Federal Criminal, que detém a mesma competência desta 2ª Vara Federal Criminal, por força do Provimento n° 238/2004, do CJF da 3ª Região, haviam sido denunciados 14 pessoas por diversos crimes, existindo ligação com o esquema do "Mensalão".

17. Observo, por oportuno, que materias jornalísticas tem carater meramente informativo, pois muitas vezes, a falta de conhecimento técnico-jurídico por parte dos jornalistas acaba por noticiar fatos e acontecimentos que não refletem a realidade.

18. Entretanto, analisando a cópia da denúncia ofertada perante a 6ª Vara Federal Criminal, nos autos n° 2008.61.81.009002-8 (fls. 60/139), verifica-se que foram imputados aos acusados os crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira, de evasão de divisas, de "lavagem" de ativos e de corrupção ativa. A peça acusatória faz menção a fatos relacionados ao caso "Mensalão", conforme trecho abaixo transcrito:

"(...) 2ª IMPUTAÇÃO PENAL: pelo menos desde o ano de 1999 até o mês de setembro de 2005, DANIEL VALENTE DANTAS, VERÔNICA VALENTE DANTAS e DÓRIO FERMAN geriram fraudulentamente o OPPORTUNITY FUND e o BANCO OPPORTUNITY S/A, destacando-se, dentre os expedientes fraudulentos utilizados: (i) a presençaa de cotistas brasileiros residentes no Brasil no OPPORTUNITY FUND, quando lhe era vedada tal prática; (ii) o direcionamento de recursos financeiros da BRASIL TELECOM S/A para financiamento em condições favorecidas ao OPPORTUNITY FUND; (iii) os vultosos gastos de aluguel do escritório da BRASIL TELECOM S/A e respectiva reforma; (iv) na utilização da BRASIL TELECOM S/A para repassar recursos a MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, figura central daquilo que veio denominar-se "Caso do Mensalão", a guisa de supostos serviços de publicidade por intermédio das agências DNA PROPAGANDA LTDA. e SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA., (v) a presenga de diversos funcionários do BANCO OPPORTUNITY S/A na folha de pagamento da BRASIL TELECOM S/A sem que, de fato, tivessem prestado serviços de qualquer espécie; e (vi) a realização do "CONSÓRCIO VOA", de maneira que tornaram-se incursos no artigo 4°, "caput", da Lei n° 7.492/1986 c.c. o artigo 29, "caput", do Codigo Penal (...)

(...)

70. No mês de julho de 2003, a BRASIL TELECOM S/A, então administrada pelo GRUPO OPPORTUNITY, entenda-se DANIEL VALENTE DANTAS, VERÔNICA VALENTE DANTAS e DORIO FERMAN, com o auxílio material de CARLA CICCO, entao presidente da BRASIL TELECOM S/A, entabulou contratos para a veiculação em rádio de programas de utilidade pública, no periodo de 01 de julho de 2003 a 31 de julho de 2003 com frequência diária de 4 (quatro) vezes ao dia a veiculação, com a DNA PROPAGANDA LTDA., cujos sócios eram MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, RAMON HOLLERBACH e CRISTIANO PAZ. Em contraposição, a DNA PROPAGANDA LTDA. recebeu R$ 823.529,41 (oitocentos e vinte e três mil quinhentos e vinte e nove reais e quarenta e um centavos) da BRASIL TELECOM S/A conforme a nota fiscal n° 030876 [cf fls. 2527].

71. No ano de 2004, BRASIL TELECOM S/A contratou novamente os serviços da DNA PROPAGANDA LTDA. e da outra empresa de MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, RAMON HOLLERBACH CARDOSO e CRISTIANO DE MELLO PAZ, qual seja, a SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA. Segundo apurado, a contratação ocorreu diretamente por CARLA CICCO sem qualquer pesquisa de mercado ou mesmo anuência do setor de marketing da BRASIL TELECOM S/A."

(...)

74. Nesse passo, merece destaque o fato que, conquanto tenham sido firmados e quitados no ano de 2004, os serviços contratados pela BRASIL TELECOM S/A foram concretizados somente no ano de 2005, quando MARCOS VALÉRIO já estava sob investigação da Polícia Federal e da CPI dos Correios por aquilo que veio denominar-se o "caso do Mensalão".

(...)

75. Além da contratação de serviços sem uma contrapartida contratual, constatou-se, também, que os trabalhos executados pelas empresas DNA PROPAGANDA LTDA. E SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA não foram a contento, ficando muito aquém do razoável, não fazendo jus aos significativos valores que por eles foram pagos. Importante destacar, ainda, que a área de marketing, por ordem da então presidente CARLA CICCO. teve que rescindir um contrato aue havia celebrado anteriormente com outra agência de publicidade que vinha atendendo a BRASIL TELECOM S/A de forma satisfatória.

77. Sob esse contexto, a robustecer a presença de elementos que indicam o desvio de vultosos valores sob uma suposta "prestação de serviços de publicidade, ações relacionadas com promoção de vendas, eventos e serviços vinculados à mídia" com a intermediação das empresas DNA PROPAGANDA LTDA. e SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA, de MARCOS VALÉRIO, registre-se o que assentou, por ocasião do oferecimento da denúncia no Inquérito n° 2245 do STF ("caso do Mensalão"), o Procurador-Geral da Republica: "Marcos Valerio também confirmou que intermediou reuniões entre o Sr. Carlos Rodenburg, acionista do Banco Opportunity, que lhe solicitou ajuda para solução de problemas que estava enfrentando no relacionamento com o Governo Federal, fato confirmado por Delúbio Soares (fl. 247) e também, conforme declarando pelo próprio Delúbio, intermediou visita de Delúbio e José Genoíno à empresa Usiminas"."


19. Observa-se, portanto, que os elementos apontados na exordial dizem respeito ao caso "Mensalão". A ligação entre o esquema Marcos Valério com o Opportunity Fund está integralmente estampada na denúncia oferecida.

20. Tomou-se o menor, ou seja, aquilo que seria uma parte específica e não vinculada a competência exclusiva desta 2ª Vara ("mensalão" de São Paulo - determinação da quebra de sigilo do HD), sob a alegação de que haveria fração de ações que estariam fora desse contexto.

21. Pois bem. Se fora desse contexto estavam, como afirmado pelo Parquet, a este Juízo assim que comunicado, cumpria, nos exatos termos da lei, tal como foi feito, determinar a livre distribuição para que se apurassem os fatos que não guardassem relação com os que se apuravam nesta Vara. Tal é evidente, porque nos exatos termos constitucionais referentes ao juiz natural e com fundamento nas leis processuais penais que dispõem sobre as regras de competência por prevenção, essa é a solução correta.

22. No entanto, da leitura da peça inicial apresentada em Juízo a 6ª Vara Criminal, considerada na sua totalidade, não é o que se verifica.

23. Frente ao exposto na denúncia oferecida pelo Exmo. Procurador da Republica, autos n° 2008.61.81.009002-8, é indiscutível que a origem dos fatos relatados referentes ao Opportunity Fund está no que ocorreu entre o Grupo Opportunity e Marcos Valerio.

24. Ora, se as transações/operações financeiras e demais fatos narrados na denúncia da 6ª Vara tiveram origem, tal como consta, na associação das pessoas mencionadas com Marcos Valério Fernandes de Souza, "figura central daquilo que veio denominar-se "caso mensalão", com implicações diretas e indestacáveis da BRASIL TELECOM, DNA PROPAGANDA, OPPORTUNITY FUND, SMP&B COMUNICAÇÕES, interligadamente, nao se percebe como, na forma da lei vigente, pode-se afastar a competencia desta 2ª Vara Federal Criminal para conhecer e julgar os fatos, uma vez que, conforme inumeras vezes repetido, os autos n° 2006.61.81.007302-2 e 2006.61.81.008746-0, foram para cá distribuidos em 28 de junho de 2006 e em 3 de agosto de 2006, respectivamente.

25. Verifica-se, dessa forma, que a suposta desvinculação existente entre os fatos investigados, que motivou a decisão deste Juízo mencionada a fl. 36, como apontado pelo Ministério Público Federal, acabou por não existir. Tanto isso é verdade, que a denúncia apresentada encanarrega-se de, passo a passo, de maneira didática, esclarecer a origem, o denominador comum de todos os fatos imputados as pessoas que menciona, ou seja, o "mensalão" é a determinação para que fosse deslacrado o HD do Banco Opportunity, ambos de competência inquestionável desta 2ª Vara Federal Criminal.

26. Não se cuidou, como se depreende, de investigação de novos fatos, como se afirmou num primeiro momento. Tratou-se, sim, de desdobramento da investigação de fatos com origem comum, tal como se lê de forma cristalina na inicial acusatória.

27. Está registrado, portanto, que essa relação só foi descoberta com a determinação, também emanada por este Juízo da 2ª Vara Federal Criminal, para a quebra de sigilo do HD do Banco Opportunity. Os fatos relatados na denúncia oferecida estabeleceram, linha por linha, tendo por origem a relação de Marcos Valério com Daniel Dantas, todo o encadeamento de ações, como se relacionam, imputando e descrevendo tais ações como criminosas.

28. A inalidade da deslacração do HD, apreendido na sede do Banco Opportunity, está absolutamente clara, não deixando margem a dúvidas. As informações contidas no HD, que em tese seria o único elemento probatório que estaria preservado, poderiam auxiliar a investigação concernente ao caso denominado "mensalão", uma vez que poderia trazer a lume todo o esquema que envolveu o abastecimento e distribuição de dinheiro promovido por Marcos Valério. A razão invocada à época, para o desmembramento e que no HD deslacrado haviam sido descobertos fatos que não se relacionavam com o objeto dos autos n° 2006.61.81.007302-2 e 2006.61.81.008746-0. Qualquer outra coisa que desbordasse, relativamente à outra matéria envolvendo dados do HD, que tivesse conexão com Marcos Valério ("Valerioduto, DNA PROPAGANDA LTDA. e SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA.; e outros mencionados no processo do "mensalÃo" de São Paulo sempre foram da competência da 2ª Vara Federal Criminal por prevenção, na conformidade da Lei e da j urisprudência pátria.

29. Consigno que em se tratando de matéria afeta à competencia das Varas Especializadas em Crimes Financeiros e "Lavagem" de Dinheiro, no âmbito do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Provimento n° 238/2004), dada a complexidade do tema, pode realmente ocorrer que em dado momento da investigação pareça existir desvinculação entre os fatos e, mais a frente, concluir-se, com os novos dados obtidos, que não, pois a causa primeira era comum. A intrincada cadeia de movimentação do dinheiro, por sua própria natureza, e principalmente, quando se lhe atribui, como no caso, caráter fraudulento, é toda construída para dissimular a origem, escondendo-se-lhe os vestígios originários, que somente são recompostos quando finalizada a investigação. É só nesse momento que se revela, tal como se lê na inicial, o encadeamento das condutas expostas aos fatos primeiros, decorrentes, inquestionavelmente dos processos n° 2006.61.81.007302-2 e n° 2006.61.81.008746-0 desta 2ª Vara Federal Criminal.

30. Portanto, está claro na decisão que determinou a livre distribuição que os fatos a que se refere o despacho são única e exclusivamente os que não guardam relação com o esquema "Valerioduto" e com o caso denominado de "mensalão".

31. Não é o que se lê da denúncia apresentada. Embora o Ministério Público Federal argumente que a imputação lançada nos autos n° 2008.61.81.009002-8 não estabelece qualquer vínculo direto com a da Brasil Telecom S/A, a simples leitura da inicial acusatória demonstra de maneira clara que os fatos foram embasados em material probatório pertencentes ao caso "mensalão" e "Valerioduto". Ademais, conforme se verifica no laudo de exame de dispositivo de armazenamento computacional (do HD deslacrado), juntado nos autos n° 2006.61.81.008746-0 (caso "mensalão"), o Banco Opportunity mantinha em seus registros nomes de diversas empresas, dentre elas, as de Marcos Valério, DNA Propaganda e SMP&B Comunicação. Destarte, resta demonstrada que as provas que embasam os autos n° 2008.61.81.009002-8 deveriam compor o arcabouço probatório dos autos n° 2006.61.81.007302-2 e 2006.61.81.008746-0.

32. Dentro deste contexto, não há que negar-se vigência aos princípios constitucionais e legais quanto à questão.

33. O primeiro deles refere-se ao juiz natural, insculpido no art. 5º, XXXVII e LIII, da Constituição Federal:

"XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;"

"LIII - ninguém será processado nem sentenciado sendo pela autoridade competente;"


34. O segundo, nos arts. 76, III, 78, II, c, 82, 83 e 114 do Código de Processo Penal. Abordo, inicialmente, a questão relativa a prevenção.

35. Estabelece o art. 83 do Codigo de Processo Penal:

"art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juizes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3°, 71, 72, § 2°, e 78, n. II, letra c)."

36. Com efeito, ante todas as razões explicitada acima, verifica-se que a persecutio criminis em trâmite perante o Douto Juizo da 6ª Vara Federal Criminal, teve como pilar de sustentação as provas obtidas mediante a deslacração do HD do Banco Opportunity, determinada por este Juízo da 2ª Vara Federal Criminal. Ainda, tais provas encontram-se intrinsecamente ligadas aos fatos apurados nos autos n° 2006.61.81.007302-2, sendo, portanto, parte integrante do arcabouço probatório existente neste procedimento criminal.

37. Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já fixou o entendimento de que havendo dois ou mais juízes competentes, aquele que tiver antecedido aos outros a prática de algum ato do processo tem sua competência firmada pela prevenção. Verifiquem-se os presentes julgado:

"CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PREVENÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

I - Verifica-se a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes competentes, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, mesmo antes do oferecimento da denúncia.

II - Tendo sido o crime, vale dizer, de natureza permanente, cuja consumação se protrai no tempo, cometido em territórios sujeitos a diferentes jurisdições, a competência é determinada pela prevenção (artigo 71 do Código de Processo Penal).

Conflito conhecido, competente o Juízo Suscitado (Juízo de Direito de Corumbá-GO" (STJ- CC 33.583/DF - Proc. 2001/0147802-7 - Min. Relator FELIX FISCHER - Data da Decisão: 27 defevereiro de 2002 - Publicado em 08/04/2002)

"PROCESSO PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - COMPETÊNCIA - PREVENÇÃO - EXCESSO DE PRAZO- CASO COMPLEXO - DEMORA RAZOÁVEL.

- Tendo o delito sido cometido em mais de um território nacional, a competência para o seu processo e julgamento firma-se pela prevenção, conforme sólida jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso.

- Por outro lado, a complexidade do feito, bem como a necessidade de expedição de carta rogatória, justijicam o atraso para o término da instrução.

- Ordem denegada." (STJ - HC 15.170 - Proc. 2000/0132576-0 - Min. Relator JORGE SCA RTEZZINI - Data da Decisão: 04 de setembro de 2001- Publicado em 02/09/2002)


38. Importante, também, consignar as disposições contidas no art. 114 do Código de Processo Penal, referentes ao conflito de jurisdição, que dispõe:

"Art 114. Haverd conflito de jurisdição:

I - quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes, ou incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso;

II - quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo, junção ou separação de processos."


39. E, também, deve-se considerar o disposto no art. 82 do Código de Processo Penal:

"Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentençaa definitiva. Nesse caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas."

40. In casu, há identidade fática, probatória e de partes, entre os dois feitos criminais, incidindo no entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 171, § 3° E 288, AMBOS DO CP. CONEXÃO INSTRUMENTAL. I - Havendo, em tese, conexão instrumental (ou probatória) entre os fatos, deve haver, em princípio, a reunião dos feitos (Precedentes). II - In casu, constata-se a existência de conexão instrumental, pois todos os estelionatos foram praticados pela mesma quadrilha e com a obtenção de vantagem econômica em prejuízo do INSS. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Bauru/SP." (STJ - CC 91353-200702586640 - Min. Relator FELIX FISCHER - TERCEIRA SEÇÃO - Data da Decisão: 13/02/2008 - Fonte: DJE DATA: 14/04/2008)

41. Nunca é demais lernbrar que o processo penal, no estado democratico de Direito, e meio necessário e inafastável de garantia dos direitos do acusado. Pode-se afirmar que não se trata de mero instrumento de efetivação do direito penal, mas sim de satisfação de direitos humanos fundamentais e garantia contra o arbítrio do Estado.

42. Nesse sentido, a lição do mestre Calmon de Passos, que o processo penal nao é "algo que opera como simples meio, instrumento, sim um elemento que integra o próprio ser do Direito. A relação entre o chamado direito material e o processo não é uma relação meio/fim instrumental, como se tem proclamado com tanta ênfase, ultimamente, por força do prestígio de seus arautos, sim uma relação integrativa, orgânica, substancial. (...) devido processo constitucional jurisdicional para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinonimo de formalismo, num culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que tem poder de decidir." (Direito, Poder, Justiça e Processo - Ed. Forense - 1999, pg. 68/69).

43. Assim é que no processo penal, apesar do crime ou crimes supostamente praticados, deve haver não só a mais rigorosa cautela e atenção aos preceitos constitucionais referentes a ampla defesa como também a fruição dos direitos do acusado previstos especialmente na Constituição do Estado Democrático de Direito, dentre os quais se insculpe o dojuiz natural.

44. Norberto Bobbio afirmou, com a propriedade de sempre que: "os direitos do homem, a democracia e a paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, nao há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia e a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais" (A Era dos Direitos - Ed. Campus, 1992, pg. 01)

45. No tocante à questao da prevenção e competência penal, acrescento que, na forma do contido nos artigos 69, VI, 75, parágrafo único e 83 do Codigo de Processo Penal, estão estabelecidos os critérios para tanto. Em linhas gerais, qualquer ato antecedente no processo praticado por juiz de igual competência, torna-o prevento.

46. O saudoso mestre Frederico Marques lecionava: "o processo e instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, as diretrizes políticas que plasmam a espiutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela Constituição, das diretrizes políticas desta e que partem os postulados informadores da legislação e da sistematização doutrinária. Com razão afirmou Goldschimidt que a estrutura do processo penal de uma nação indica a força de seus elementos autoritários e liberais." (Elementos de Direito Processual Penal - Vol. I - Ed. Bookseller - 1988, pág. 37).

47. Finalizando, acrescento, "Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir iinparcialmente" (Socrates).

Isto posto, decido:

Defiro o requerimento formulado pela douta defesa de Dório Ferman e requisito ao MM. Juizo da 6ª Vara Federal Criminal os autos do processo n° 2008.61.81.009002-8.

Oficie-se, instruindo-o com cópia desta decisão.

Intimem-se.

Decorrido o prazo de 10 (dez) dias, voltem os autos conclusos.

São Paulo, 16 de setembro de 2009.

Silvia Maria Rocha
Juíza Federal


JURID - Competência é questionada [18/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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