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terça-feira, 8 de setembro de 2009

JURID - Cessão de direitos hereditários. Condomínio. [08/09/09] - Jurisprudência


Cessão de direitos hereditários. Condomínio. Indivisibilidade. Direito de preferência dos co-herdeiros.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 550.940 - MG (2003/0101605-4)

RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

RECORRENTE: DIOCÉLIA SARAIVA SANTANA

ADVOGADO: CLEBER REIS GREGO E OUTRO(S)

RECORRIDO: COOPERATIVA DE LATICÍNIOS VALE DO MUCURI LTDA - COOLVAM

ADVOGADO: VINÍCIUS DE FIGUEIREDO TEIXEIRA E OUTRO

EMENTA

DIREITO CIVIL. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. CONDOMÍNIO. INDIVISIBILIDADE. DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS CO-HERDEIROS. ART. 1139 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 504 DO CC EM VIGOR).

1. "Os co-herdeiros, antes de ultimada a partilha, exercem a compropriedade sobre os bens que integram o acervo hereditário 'pro-indiviso', sendo exigível, daquele que pretenda ceder ou alhear seu(s) quinhão(ões), conferir aos demais oportunidade para o exercício de preferência na aquisição, nos moldes do que preceitua o art. 1139, CC" (REsp n. 50.226/BA).

2. O art. 1.139 do Código Civil de 1916 (art. 504 do CC em vigor) não faz nenhuma distinção entre indivisibilidade real e jurídica para efeito de assegurar o direito de preferência ali especificado. Interpretação em sintonia com a norma do art. 633 do mesmo diploma legal, segundo a qual "nenhum condômino pode, sem prévio consenso dos outros, dar posse, uso, ou gozo da propriedade a estranhos" (art. 633).

3. Ao prescrever, do modo taxativo, a indivisibilidade da herança, assim o fez o legislador por divisar a necessidade de proteção de interesses específicos da universalidade ali estabelecida, certamente não menos relevantes do que os aspectos de ordem meramente prática que poderiam inviabilizar a divisão física do patrimônio.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). DELANO FERRAZ CUNHA(Substabelecimento protocolado em 18/08/2009 (Pet 187954))

, pela parte RECORRIDA: COOPERATIVA DE LATICÍNIOS VALE DO MUCURI LTDA - COOLVAM

Brasília, 20 de agosto de 2009(data de julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, prolatado nos autos de demanda em que se controverte acerca da possibilidade de alienação a terceiro de quota ideal do acervo hereditário sem a observância do direito de preferência de que trata o art. 1.139 do Código Civil de 1916, diploma legal vigente à época dos fatos.

Colhe-se dos autos que a ora recorrente, na condição de co-herdeira dos bens deixados por Nelson Saraiva, ajuizou ação ordinária com o propósito de assegurar o seu direito de preferência na adquisição de imóvel rural pertencente ao espólio, alienado antes da partilha à ora recorrida pelo também herdeiro Teodoro Saraiva Neto mediante escritura pública de cessão de direitos hereditários.

Julgado procedente o pedido no primeiro grau, para adjudicar à autora o direito hereditário objeto da cessão pelo valor constante da escritura, apelou a empresa ré, ora recorrida, tendo a Corte estadual a quo provido o recurso por entender (1º) que a indivisibilidade prevista no art. 1.139 do CC/1916 haveria de ser tida apenas como real, e não simplesmente jurídica; e (2º) que a indivisibilidade da herança (art. 1.580 do Código Civil) não pode impedir a alienação de quinhão se ele já está especificado antes da partilha e se não faz parte de bem indivisível.

Os embargos de declaração opostos na seqüência pela ora recorrente foram rejeitados às fls. 163/166 e 174/176.

Nas razões do especial, sustenta a recorrente, em preliminar, a nulidade do acórdão recorrido ante a violação dos arts. 535, 458 e 459 do CPC. No mérito, aduz divergência jurisprudencial quanto à existência ou não de direito de adjudicação da quota hereditária suprimida do co-herdeiro.

Contra-razões da recorrida apresentadas às fls. 234/243.

Admitido o recurso na origem (fls. 245/248), ascenderam os autos ao Superior Tribunal de Justiça.

Em apertada síntese, é o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (RELATOR):

Afasto, ab initio, a alegada violação dos arts. 165, 458, II, e 535 do Código de Processo Civil, por verificar que o acórdão recorrido examinou de modo claro, objetivo e fundamentado as questões que delimitam a controvérsia, com a exposição satisfatória dos elementos jurídicos que ensejaram as conclusões ali firmadas. Esclareça-se, ademais, que o órgão colegiado não se obriga a repelir todas as alegações expendidas pela parte, bastando que se atenha aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio e adote fundamentos que se mostrem cabíveis à prolação do julgado.

Entretanto, conheço do apelo interposto com base na alínea "c", porquanto devidamente caracterizada a divergência apta a justificar o exame das teses confrontadas nos autos.

Passo, assim, ao exame da questão de fundo, envolvendo a análise do cabimento do direito preferencial pleiteado pela recorrente.

Ao reformar a decisão de primeiro grau de modo a afastar o direito de preferência vindicado pela autora, ora recorrente, fê-lo a Corte Estadual a quo com base no entendimento de que a indivisibilidade da herança (art. 1.580 do Código Civil de 1916) não pode impedir a alienação de quinhão se ele já está especificado antes da partilha e se não faz parte de bem indivisível. Para assim decidir, adotou o julgado corrente doutrinária e jurisprudencial que defende a inaplicabilidade do art. 1.139 do CC/1916 nos casos em que a indivisibilidade for apenas jurídica - situação ocorrente no presente feito -, restringindo sua aplicação às hipóteses de indivisibilidade real.

De minha parte, não vejo como possa prosperar tal entendimento.

Primeiro porque o mencionado dispositivo civilista - art. 1.139-CC/1916 - não faz nenhuma distinção entre indivisibilidade real e jurídica para efeito de assegurar o direito de preferência ali especificado, não cabendo, desse modo, ao intérprete distinguir onde a lei não o fez.

Note-se, ademais, que entendimento em sentido contrário seria incoerente com o próprio código, que, ao regular os direitos e deveres dos condôminos, é direto ao prescrever, no art. 633, que "nenhum condômino pode, sem prévio consenso dos outros, dar posse, uso, ou gozo da propriedade a estranhos", disposição acolhida pelo novo Código no art. 1.314.

Por outro lado, parece-me que o legislador, ao prescrever, do modo taxativo, a indivisibilidade da herança, assim o fez por divisar a necessidade de proteção de interesses específicos da universalidade ali estabelecida, certamente não menos relevantes do que os aspectos de ordem meramente prática que poderiam inviabilizar a divisão física do patrimônio.

Tais particularidades, envolvendo as razões de ordem filosófica que determinaram a imposição do regime condominial estabelecido no art. 1.580 do estatuto civil de 1916 - cujo comando tem seu equivalente reproduzido no art. 1.791 do Código Civil em vigor -, são assim percebidas por Eduardo de Oliveira Leite, in verbis:

"(...)

Na realidade, o legislador, sabiamente, impôs um regime condominial, obrigando, via indivisão, a união de todos herdeiros até solução de todas pendências que, naturalmente, acompanham o longo e complexo processo sucessório. A situação condominial (do lat. con = reunião + dominium = propriedade) ou, da propriedade comum, na qual cada co-proprietário pode usar a coisa conforme seu destino e exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão (reinvindicá-la de terceiro, protegê-la, etc.) gera extraordinária comunhão entre todos os herdeiros, já que a ação de um ou de todos repercute sempre sobre a totalidade do monte mor.

É a situação condominial que, ao mesmo tempo, protege cada uma das cotas ideais e a totalidade do patrimônio, até posterior partilha, do risco de qualquer eventual perda ou dissipação dos bens que constituem a massa hereditária. Embora a indivisão - como já se repetiu à exaustão - seja fonte de litígio, é esta mesma indivisão que mantém (espontanemante ou a contragosto) todos os herdeiros unidos até as declarações finais quando, derradeiramente, se passa do terreno da abstração ao da realidade" (in Comentários ao Novo Código Civil - Do Direito das Sucessões, vol. XXI (arts. 1.784 a 2.027), Ed. Forense, 3ª ed., 2003).

Nesse contexto, e com a devida vênia de entendimentos contrários, quer me parecer que eventual interpretação teleológica que, de algum modo, objetive contornar a imposição legal, e, com isso, afastar a aplicabilidade do direito de preferência de que trata o art. 1.139 do CC/1916, há de ser tida, no mínimo, como inadequada, seja por contrariar disposição expressa de lei, no caso o art. 1.580 do CC/1916, seja por desmerecer a ratio essendi do instituto ali albergado, que informa o regime condominial e indivisível da herança.

Nessa linha de raciocínio, é o voto condutor do acórdão prolatado nos autos do Recurso Especial n. 50.226/BA (pub. no DJ de 19/09/1994, p. 24700), da lavra do em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira , cuja ementa reproduzo a seguir, in verbis:

"DIREITO CIVIL. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. DIREITO DE PRELAÇÃO. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 1139, CC. PRECEDENTES (RESP 4180-SP E 9934-SP). RECURSO PROVIDO.

I - OS CO-HERDEIROS, ANTES DE ULTIMADA A PARTILHA, EXERCEM COMPROPRIEDADE SOBRE OS BENS QUE INTEGRAM O ACERVO HEREDITÁRIO 'PRO INDIVISO', SENDO EXIGÍVEL, DAQUELE QUE PRETENDA CEDER OU ALHEAR SEU(S) QUINHÃO(ÕES), CONFERIR AOS DEMAIS OPORTUNIDADE PARA O EXERCÍCIO DE PREFERÊNCIA NA AQUISIÇÃO, NOS MOLDES DO QUE PRECEITUA O ART. 1139, CC.

II - TAL EXIGÊNCIA E DE INAFASTÁVEL APLICABILIDADE A TODOS OS CASOS DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, DE ALIENAÇÃO DE FRAÇÃO OU COTA IDEAL DA HERANÇA INDIVISA, NÃO SE HAVENDO QUE EXCEPCIONAR SITUAÇÕES CASUÍSTICAS (COMO, POR EXEMPLO, A DE SEREM DIVISÍVEIS OS BENS QUE A INTEGREM), TENDO EM VISTA AS VICISSITUDES PRÓPRIAS DO PROCESSO DE INVENTARIO, QUE PODEM CONDUZIR A IMPREVISÍVEIS PERPLEXIDADES E INCONVENIENTES.

III - EM QUE PESE A CONTROVÉRSIA EXISTENTE NO TEMA, MERECE SER PRESTIGIADO O ENTENDIMENTO SEGUNDO O QUAL A VENDA E A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, EM SE TRATANDO DE BEM INDIVISÍVEL, SE SUBORDINAM A REGRA DO ART. 1139 DO CÓDIGO CIVIL, QUE RECLAMA SEJA DADA PREFERÊNCIA AO CONDÔMINO CO-HERDEIRO.

IV - EM LINHA DE PRINCIPIO, A ORIENTAÇÃO LEGAL É NO SENTIDO DE EVITAR O INGRESSO DE ESTRANHO NO CONDOMINIO, PRESERVANDO-O DE FUTUROS LITÍGIOS E INCONVENIENTES.

V - A INTERPRETAÇÃO MERAMENTE LITERAL DEVE CEDER PASSO QUANDO COLIDENTE COM OUTROS MÉTODOS EXEGÉTICOS DE MAIOR ROBUSTEZ E CIENTIFICIDADE."

Confiram-se, ainda, no mesmo sentido, os seguintes arestos da Corte:

"Civil. Recurso especial. Condomínio. Alienação de parte ideal por condômino. Estado de indivisão do bem. Direito de preferência dos demais condôminos.

- Na hipótese de o bem se encontrar em estado de indivisão, seja ele divisível ou indivisível, o condômino que desejar alienar sua fração ideal do condomínio deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos do art. 1.139 do CC16.

Precedentes da Quarta Turma. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 489.860/SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 13/12/2004.)

"CIVIL. CONDOMÍNIO. COISA DIVISÍVEL. ALIENAÇÃO DE FRAÇÃO IDEAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ART. 1139 DO CÓDIGO CIVIL.

O condômino não pode alienar o seu quinhão a terceiro, sem prévia comunicação aos demais consortes, a fim de possibilitar a estes o exercício do direito de preferência, tanto por tanto, seja a coisa divisível ou não.

Recurso especial não conhecido." (REsp n. 71.731, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 13.10.1998.)

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para restabelecer a decisão de primeira instância, lançada às fls. 78/82.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2003/0101605-4 REsp 550940 / MG

Número Origem: 3604371

PAUTA: 20/08/2009 JULGADO: 20/08/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: DIOCÉLIA SARAIVA SANTANA

ADVOGADO: CLEBER REIS GREGO E OUTRO(S)

RECORRIDO: COOPERATIVA DE LATICÍNIOS VALE DO MUCURI LTDA - COOLVAM

ADVOGADO: VINÍCIUS DE FIGUEIREDO TEIXEIRA E OUTRO

ASSUNTO: Civil - Sucessão - Herança

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). DELANO FERRAZ CUNHA(Substabelecimento protocolado em 18/08/2009 (Pet 187954))

, pela parte RECORRIDA: COOPERATIVA DE LATICÍNIOS VALE DO MUCURI LTDA - COOLVAM

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de agosto de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 906086

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/09/2009




JURID - Cessão de direitos hereditários. Condomínio. [08/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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