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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

JURID - Auto-escola condenada. [24/09/09] - Jurisprudência


Auto-escola responde por não providenciar carro adaptado à deficiente físico.
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Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2005.01.1.104791-8
Vara: 219 - DÉCIMA NONA VARA CÍVEL

Processo: 2005.01.1.104791-8

Ação: INDENIZAÇÃO
Requerente: ANTONIO GOMES DE SOUZA
Requerido: CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES UNIVERSO LTDA

Sentença

Antônio Gomes de Souza ingressou com ação em face de Centro de Formação de Condutores Universo Ltda., pretendendo ser ressarcido pelos prejuízos provocados pela ação da ré, uma vez que não disponibilizou os meios para que o autor obtivesse sua habilitação para conduzir veículos automotores, no que concerne à prova prática designada para o dia 20.10.04 pelo DETRAN-MT/Juína. Aduz que, frustrado o aludido exame, a ré, sem o conhecimento do autor, promoveu a transferência do exame prático para a cidade de Cuiabá, MT, olvidando ser o autor pessoa de parcos recursos, uma vez que teria que desembolsar as despesas com locomoção, hospedagem e refeições, o que o impediu de concluir a última etapa do exame de direção. Teceu considerações sobre o foro competente, evidenciou os danos materiais infligidos, bem como o dano moral experimentado, ao final pedindo: a) a concessão dos benefícios da justiça gratuita; b) a condenação da ré ao pagamento da quantia de R$ 801,40, a título de danos materiais; c) a condenação da ré ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00, a título de danos morais.

A inicial veio acompanhada da documentação de fls. 09/28.

Centro de Formação de Condutores Universo Ltda. manifestou-se em contestação, fls. 34/41, sustentando que o autor deixou de fazer o exame prático para obtenção da habilitação automotiva, porque compareceu ao exame sem a prótese, circunstância que lhe permitiria realizar a prova prática tanto em automóvel especial quanto em convencional, uma vez que fora treinado neste sentido. Afirmou que o laudo do exame, anexado à peça defensiva, não foi preenchido pela parte demandada, vez que fica sob a posse exclusiva do examinador designado, caso contrário responderia por fraude. Alega que o próprio autor demandou pela mudança do local do exame, conforme atesta a prova documental carreada aos autos, assinalando que o processo de habilitação pertence ao candidato e não à auto-escola, tampouco ao DETRAN-MT, da cidade de Juína. Assevera que em qualquer localidade da federação o autor restaria impedido de submeter-se ao exame prático, caso não porte a prótese. Indicou débito remanescente na ordem de R$ 607,70, e advertiu não haver assumido compromisso de disponibilizar veículo adaptado para o requerente, fato do qual tomou ciência na data da assinatura da avença. Apontou a litigância de má-fé, colacionou jurisprudência sobre o tema, e, a final, postou-se pela rejeição dos pedidos, com a inversão dos ônus da sucumbência, bem ainda postulou a condenação do autor por litigância de má-fé. Juntou documentos, fls. 43/54.

Às fls. 63/65 e 67, transpôs-se decisão vertida nos autos de exceção de incompetência.

O autor manifestou-se em réplica às fls. 73/78.

Em especificação de provas, o autor indicou a prova testemunhal, fl. 83; o réu deixou de se manifestar a respeito, fl. 85.

Frustrada a tentativa de conciliação, fl. 96, o juízo intimou a ré para que prestasse os esclarecimentos contidos na decisão de fl. 99, tendo-os prestados às fls. 102/109. Sobre os esclarecimentos, o autor manifestou-se à fl. 113-v.

O feito restou saneado às fls. 116/117, ocasião na qual se indeferiu a prova testemunhal requerida pelo réu.

O processo foi incluído na pauta da Semana Nacional de Conciliação (Meta 2 - CNJ), todavia, a ausência do réu e de seu advogado tornou impossível a conciliação, fl. 124.

É a suma do necessário.

Decido.

Não remanescendo questões de ordem processual, passo ao exame do mérito, na forma preconizada pelo art. 330, I, do CPC.

Cuida-se de ação de conhecimento, submetida ao rito comum ordinário, por meio qual tenciona o autor o ressarcimento dos danos materiais e morais decorrentes da conduta irregular atribuída à ré.

Cumpre estabelecer, inicialmente, que a relação de direito material subjacente ao feito é presidida pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as partes se enquadram nas definições estabelecidas nos artigos 2º e 3º do aludido Codex. Anote-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CDC. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO.

Inegável a existência de relação de consumo entre as partes, quando inseridos na definição de consumidor e fornecedor, constante dos art. 2º e 3º do CDC. A hipossuficiência de que fala o art. 6.º inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, se configura, quer na dificuldade econômica de uma parte frente à outra, quer na dificuldade técnica de comprovar as suas alegações. Presente o pressuposto relativo à hipossuficiência do consumidor, impõe-se a inversão do ônus probatório. (20090020042413AGI, Relator CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, julgado em 10/06/2009, DJ 06/07/2009 p. 100)

Tal diploma imprimiu novos contornos à autonomia privada, uma vez que operou o enfraquecimento da ideologia do contrato como fruto da liberdade individual, ou seja, a autonomia privada veiculada

nos contratos, antes entronizada como lei entre as partes, passa a exigir a tutela objetiva da confiança em detrimento da tutela subjetiva da vontade, visando assegurar o equilíbrio das partes na relação jurídica, mediante a proibição de cláusulas abusivas, a imposição do dever de informação, a boa-fé objetiva e seus deveres conexos de lealdade e cooperação, procurando garantir a adequação do produto ou serviço em tais paradigmas interpretativos.

Destarte, cumpre impedir, nos moldes do estatuto consumerista e suas normas cogentes, que um contratante, valendo de sua posição econômica, dite cláusulas que sejam desleais ou vexatórias para o outro, bem ainda subtraia à parte hipossuficiente informações sem as quais não teria levado a termo a contratação. Tais cânones enfeixam, em "ultima ratio", a proteção da dignidade humana.

No presente caso, tenho que a requerida deixou de observar tais deveres, ao não disponibilizar veículo adequado para a realização do exame prático que levaria o autor a obter a almejada habilitação, circunstância, aliás, olvidada desde o período em que ministrou as aulas práticas ao demandado, conforme expressamente revela nos esclarecimentos prestados às fls. 102/109. Por outro ângulo, se o autor submeteu-se ao treinamento de direção veicular sem a prótese exigida pelo órgão oficial, a ilação mínima que se pode obtemperar é que tal circunstância o levou a crer que dela não necessitaria no exame prático.

Ainda quanto ao tema, cumpre observar que o laudo de fl. 13 é taxativo ao considerar o autor apto com restrições, com a indicação do uso de veículo adaptado ou com transmissão automática (vide fl. 13), o que deita por terra o argumento da ré quanto à sua não-obrigação de disponibilizar veículo especialmente adaptado, uma vez que possuía a alternativa de ofertar veículo com transmissão automática para o autor, conforme a dicção do art. 21 da Resolução nº 168 do Conselho Nacional de Trânsito.

Por fim, as incongruências constantes dos laudos dos exames acostados ao caderno processual, e bem assinaladas pelo douto representante da Defensoria Pública à fl. 77 dos autos, demonstram que a requerida se conduziu de forma defeituosa, impondo injusto e desproporcional gravame ao autor, considerando suas expectativas e o longo tempo investido para obter a tão almejada habilitação veicular, não sendo plausível aceitar, por derradeiro, a assertiva de que o próprio autor teria ensejado, "sponte propria", a transferência do aludido exame para o DETRAN de Cuiabá, MT.

O dano moral é aquele que traz como conseqüência ofensa ao patrimônio imaterial da pessoa, consubstanciado em situação humilhante, vexatória ou degradante, que afete a psique, provocando amargura e desestabilização do bem-estar individual. O dano moral pode ser definido, ainda, como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apreciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que rege os princípios morais tutelados pelo direito: a honra, o decoro, a paz interior, os sentimentos afetivos de qualquer natureza, a liberdade, a vida e a integridade corporal.

Segundo a melhor doutrina, a indenização por dano moral, além de prestar uma satisfação em relação à vítima, tem também um caráter punitivo e pedagógico em relação ao autor da infração, no sentido de inibir novas práticas da espécie. Além do caráter punitivo, deve-se considerar, na fixação do "quantum" indenizatório, a extensão espiritual do dano e as condições pessoais das partes, a fim de por em mãos do ofendido uma soma que não representa o "pretium doloris", porém meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja de cunho material. Considerando tais parâmetros, além do que aconselha a jurisprudência, fixo, a título de indenização por danos morais, a importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como aquela apta a minimizar a dor da ofendida e não transbordar para o enriquecimento ilícito.

No que tange aos danos materiais, a par da responsabilidade objetiva da ré, decorrente do art. 14 do CDC, tenho que devam cingir-se tão-somente à restituição das parcelas vertidas à requerida, uma vez que esta prestou um serviço defeituoso, senão, confira-se:

DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. SERVIÇO DEFEITUOSO PRESTADO PELA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. CLÁUSULAS DO CONTRATO. DESOBEDIÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Em se tratando de dano causado a consumidor pela má prestação do serviço, a responsabilidade da empresa é objetiva, independe de culpa, aperfeiçoando-se com os seguintes elementos: defeito do serviço, evento danoso e relação de causalidade entre o defeito do serviço e o eventus damni.

2. Presença, in casu, de todos esses requisitos, do que decorre a responsabilidade da sociedade empresária demandada.

3. A intensidade do dolo do agente, tal como observada no caso concreto, deve ser levada em consideração na fixação do quantum indenizatório.4. Redução do valor da condenação por dano moral.

5. Apelação da Ré parcialmente provido. Recurso Adesivo do Autor não provido.(20080110312824APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 17/06/2009, DJ 06/07/2009 p. 68)

Ante o acima exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para: a) condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais, corrigida monetariamente pelo INPC e acrescida de juros de 1% ao mês a partir desta data até a do efetivo pagamento; b) condenar a ré à restituição da quantia de R$ 589,20 (quinhentos e oitenta e nove reais e vinte centavos), correspondente ao valor total das parcelas vertidas em favor da ré, corrigida monetariamente desde a data dos desembolsos, e acrescida de juros legais a partir da citação.

Em razão sucumbência mínima do autor, condeno a ré, por derradeiro, ao pagamento das despesas processuais e da verba advocatícia, esta fixada à razão de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos moldes do art. 20, § 3º, do CPC e da Súmula 326 do STJ.

Encerro o tema com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC.

Após o trânsito em julgado, aguarde-se o cumprimento voluntário do "decisum", sob pena de multa, conforme estipulado no art. 475-J, do CPC.

P.R.I.

Brasília - DF, terça-feira, 15/09/2009 às 15h48.

Clóvis Moura de Sousa
Juiz de Direito



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