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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - Apelação criminal. Réu denunciado por crimes contra saúde. [21/09/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Réu denunciado por crimes contra a saúde pública e contra a relação de consumo, em concurso formal.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Criminal n. 2009.018226-8, de Campo Erê

Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko

APELAÇÃO CRIMINAL. RÉU DENUNCIADO POR CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA (ART. 268 DO CP) E CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO (ART. 7.º, IX, DA LEI N. 8.137/1990), EM CONCURSO FORMAL (ART. 70 DO CP). CONDENAÇÃO APENAS PELO ART. 7.º, IX, DA LEI N. 8.137/1990, C/C ART. 18, § 6.º, DO CDC. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. DILIGÊNCIA FUNDAMENTADAMENTE INDEFERIDA PELO TOGADO SINGULAR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. PREFACIAL AFASTADA.

ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DA IMPROPRIEDADE DAS MERCADORIAS EXPOSTAS À VENDA. AUTO DE APREENSÃO QUE CONTÉM TODOS OS ELEMENTOS QUE A DEFESA ALEGA QUE ESTARIAM AUSENTES. FALTA DE ASSINATURA DAS TESTEMUNHAS. IRREGULARIDADE SANADA PELAS DECLARAÇÕES DE AMBAS, NA FASE JUDICIAL, DANDO CONTA DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES CONTIDAS NO AUTO. CRIME QUE SE APERFEIÇOA COM A MERA EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTO FORA DAS NORMAS DE FABRICAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO OU APRESENTAÇÃO. PRODUTOS SEM INSPEÇÃO SANITÁRIA E COM OS PRAZOS DE VALIDADE VENCIDOS. IMPRESCINDIBILIDADE DE LAUDO PERICIAL. TESE AFASTADA.

TESE DE AUSÊNCIA DE DOLO. PROVA NÃO PRODUZIDA. ÔNUS QUE INCUMBE A QUEM ALEGA. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. DECLARAÇÕES DO RÉU QUE CONFIRMAM QUE ALGUNS PRODUTOS (COXINHAS E RISSOLES) REALMENTE ESTAVAM EXPOSTOS À VENDA, MESMO COM PRAZOS DE VALIDADE VENCIDOS. ALEGAÇÃO DE QUE OS PRODUTOS SERIAM DEVOLVIDOS AO FORNECEDOR QUE SÓ FAZEM CONFIRMAR QUE O RÉU SABIA DA CONDIÇÃO DOS ALIMENTOS MESMO ANTES DA FISCALIZAÇÃO E, AINDA ASSIM, EXPÔS AOS CONSUMIDORES. DOLO EVIDENCIADO. ALEGAÇÃO AFASTADA.

APELO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.018226-8, da comarca de Campo Erê (Vara Única), em que é apelante Itacir Deotti, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, afastar a preliminar e negar provimento ao recurso. Custas de lei.



RELATÓRIO

Na comarca de Campo Erê, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Itacir Deoti, por infração ao disposto no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/90, e no art. 268 do Código Penal, c/c art. 70 do Estatuto Repressor, porque, conforme narra a exordial acusatória de fls. II-III:

Infere-se do incluso caderno policial que em 28/7/2006, em operação conjunta efetuada pelo Ministério Público e Vigilância Sanitária Estadual, durante a realização de vistoria no estabelecimento comercial MERCADO DEOTTI, de propriedade de ITACIR DEOTTI, constatou-se que este tinha em depósito para vender 3.168 KG de risoles e coxinhas com prazo de validade vencido, mercadoria em condições impróprias para o consumo.

Também verificou-se que o acusado expunha para a venda 500 g de salame, 26.372 KG de frango inteiro, 9.515 Kg de carne moída bovima, 19.972 Kg de carne suína e 1.8 Jg de carne de ovelha sem a devida comprovação de inspeção sanitária, infringindo, assim, determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.

Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente para condenar Itacir Deotti à pena de 2 (dois) anos de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/90, c/c art. 18, § 6º, da Lei n. 8.078/90, sendo-lhe substituída a sanção corporal por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, nos termos do art. 46 do Código Penal, e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, em favor do Conselho da Comunidade de Campo Erê.

Quanto ao delito do art. 268 do Estatuto Repressor, o réu restou absolvido, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o acusado apelou, por seu defensor constituído (fl. 124), a tempo e modo.

Nas razões (fls. 125-137), pugnou, preliminarmente, pela nulidade do processo, arguindo, para tanto, o cerceamento na produção de provas. No mérito, pleiteou sua absolvição, questionando a insuficiência de provas para amparar o decreto condenatório, principalmente, pela ausência de termo de apreensão nos autos e pela não comprovação de que os produtos apreendidos eram impróprios. Por fim, almeja o reconhecimento da inexistência de dolo em sua conduta.

Contra-arrazoado o recurso (fls. 139-146), os autos ascenderam a este Sodalício, oportunidade em que a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Odil José Cota, opinou pelo seu conhecimento e desprovimento.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade e ausentes preliminares a serem debatidas, nem mesmo de ofício, o recurso há de ser conhecido e o mérito, desde logo analisado.

Preliminarmente, a defesa pretende a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, consubstanciado no indeferimento de diligência.

Segundo o apelante, a diligência requerida, qual seja, oficiar à Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - CIDASC, era indispensável para verificar a validade do auto de apreensão, pois haveria dúvida acerca dos vínculos existentes entre aquela Companhia e os médicos veterinários que participaram do ato.

A validade do auto de apreensão, de acordo com o alegado pela defesa, está diretamente ligada ao vínculo existente entre o médico veterinário que o lavrou e a CIDASC: se servidor público, contratado por meio de concurso público, o auto seria válido, por lavrado por pessoa competente para fazê-lo; se terceirizado ou credenciado, o auto seria inválido, porque incompetente o agente que o lavrou.

Ocorre, entretanto, que o togado singular considerou irrelevante a diligência e, no estrito exercício da sua competência, indeferiu-a, fundamentadamente.

É do âmbito da discricionariedade do magistrado o indeferimento de diligências, tal como se tem decidido reiteradamente neste e. Tribunal.

Colhe-se da jurisprudência da Primeira Câmara Criminal:

PROCESSUAL PENAL - RECLAMAÇÃO CONTRA ATO DO JUIZ QUE INDEFERIU DILIGÊNCIAS NA FASE DO ART. 499 DO CPP - PODER DISCRICIONÁRIO DO MAGISTRADO - DECISÃO FUNDADA NA POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DOS DOCUMENTOS E CERTIDÕES INDEPENDENTEMENTE DA INTERVENÇÃO JUDICIAL - ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E VERDADE REAL - INOCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO.

A avaliação da necessidade ou conveniência das diligências requeridas em razão de circunstâncias ou fatos apurados durante a instrução criminal (art. 499 do Código de Processo Penal) se insere na esfera de discricionariedade do magistrado (Reclamação n. 2008.049373-5/000000, de Pomerode, rel. Amaral e Silva, j. E, 30/9/2008).

Da Segunda Câmara Criminal:

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). RECURSO DA DEFESA. PRELIMINARES. [...] ALUDIDO CERCEAMENTO DE DEFESA DECORRENTE DO INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. NEGATIVA FUNDAMENTADA NA DESNECESSIDADE DA MEDIDA. EIVA INEXISTENTE. [...] NULIDADE INOCORRENTE.

[...] RECURSO NÃO PROVIDO (Apelação Criminal n. 2008.073963-1/000000, de Joinville, rel. Tulio Pinheiro, j. em 17/3/2009). [grifado]

E, finalmente, deste mesmo órgão fracionário:

PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, EM FACE DO INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA QUE A DEFESA ENTENDIA IMPRESCINDÍVEL. INOCORRÊNCIA. SITUAÇÃO QUE FICA AO ARBÍTRIO E BOM CRITÉRIO DO TOGADO. PROVA DESNECESSÁRIA PARA ANÁLISE DO PROCESSADO. EIVA AFASTADA .

[...]

RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO (Apelação Criminal n. 2007.013143-0/000000, de Laguna, rel. Alexandre d'Ivanenko, j. em 4/9/2008).

Ora, da primeira jurisprudência citada, extrai-se, ainda, importante lição plenamente aplicável ao presente caso: não fosse o médico veterinário Antonio Camilo Gato servidor da CIDASC, como alegado pela defesa, o próprio apelante ou seu advogado poderia diligenciar junto àquele órgão, sem necessidade de intervenção judicial.

Pelo que se infere dos autos, ao contrário do que alega a defesa, não há porque duvidar do vínculo entre o médico veterinário Antonio Camilo Gato e a CIDASC, tanto que assinou autos de apreensão e de inutilização impressos em papel timbrado daquela Companhia estatal, dos quais consta, inclusive, a sua matrícula junto aos registros do referido órgão.

Franciele Roman e Felipe Savi, de outro lado, declinaram a natureza dos seus vínculos com a CIDASC: a primeira é, na verdade, veterinária da ICASA; e o segundo, trabalha como terceirizado para o referido órgão.

Como bem anotou o togado singular, os vínculos de cada um dos médicos veterinários foram declinados e a diligência pretendida, por isso, foi considerada desnecessária.

Não é demais mencionar, ainda, que o fato das testemunhas Felipe e Franciele não fossem servidores da CIDASC não leva, necessariamente, à presunção de que Antonio Camilo Gato também não fosse.

Faz-se necessário ressaltar, também, que Felipe e Franciele foram meras testemunhas da apreensão, ou seja, nenhum deles lavrou o auto de apreensão e, por isso, o vínculo que tinham com aquela Companhia não torna irregular o referido auto.

Além de tudo isso, o indeferimento da diligência não trouxe prejuízo à defesa, pois: a) o auto de apreensão foi lavrado e assinado por médico veterinário com matrícula na CIDASC, na presença de duas testemunhas, também médicos veterinários, Felipe e Franciele; e b) os depoimentos de todos eles, de quem lavrou efetivamente o auto e das duas testemunhas, na fase judicial, dão conta da veracidade dos fatos nele anotados.

Tanto não houve prejuízo que as anotações do auto de apreensão foram, pelo menos parcialmente, confirmadas pela própria defesa, que se limitou a apresentar justificativas para o que nele foi informado: que as coxinhas e os rissoles seriam devolvidos ao fornecedor; que o salame tinha inspeção, mas o selo caiu; etc..

Sobre a ausência de prejuízo à defesa, já decidiu esta e. Corte:

CRIME CONTRA OS COSTUMES - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - APELANTE QUE TEVE A OPORTUNIDADE DE SE MANIFESTAR SOBRE AS TESTEMUNHAS NÃO LOCALIZADAS PELO OFICIAL DE JUSTIÇA E NADA REQUEREU - RESPEITO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA - PREFACIAL AFASTADA.

AVENTADA NULIDADE POR FALTA DE ANÁLISE DE PRELIMINAR INVOCADA EM ALEGAÇÕES FINAIS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA - DICÇÃO DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - PRELIMINAR REJEITADA.

[...] (Apelação Criminal n. 2003.015353-5, de Ibirama, rel. Torres Marques, Segunda Câmara Criminal, j. em 10/2/2004). [grifado]

Não houve, portanto, cerceamento de defesa e preliminar há de ser afastada.

No mérito, a defesa alegou a ausência de provas da materialidade, afirmando que não há, nos autos, termo de apreensão, apenas auto de apreensão, peça essa que não equivale àquela.

Segundo o apelante, o auto de apreensão de fl. 12 não contém todos os elementos imprescindíveis à prova da materialidade, como teria, por exemplo, o termo: não houve indicação dos dispositivos legais infringidos, apenas menção genérica; não houve especificação adequada das irregularidades praticadas pelo autuado; e, por fim, as justificativas apresentadas pelo réu não constaram do auto.

Em que pesem essas alegações, não salta aos olhos nenhuma irregularidade do auto e, pelo que se infere da fl. 12, ele contém sim todos os elementos necessários à sua validade.

Ao contrário do que diz a defesa, o auto de apreensão indica cada um dos dispositivos legais infringidos pelo autuado, ou seja, art. 268 do Código Penal e arts. 6º, 10, 18, 31 e 39, estes últimos da Lei n. 8.137/1990 (Código de Defesa do Consumidor), dando legitimidade à apreensão.

As irregularidades foram descritas adequadamente, pois do auto consta: "frangos originários do Colégio Agrícola CEDUP. Risoles e coxinha com prazo de validade vencida". E, ainda, mencionada que o destino era a "venda ao consumidor sem inspeção".

De outra parte, embora as justificativas apresentadas pelo réu efetivamente não constem do auto de apreensão, esses dados não eram imprescindíveis para a lavratura do auto e essa omissão não invalidade, de nenhuma maneira, o referido documento.

Ademais, embora as testemunhas Franciele Roman e Felipe Savi não tenham aposto suas assinaturas no auto, ambas confirmaram, em juízo, que estavam presentes quando da sua lavratura e ratificaram todas as informações nele contidas.

Note-se, inclusive, que o réu assinou o auto de apreensão, o que prova que participou de todo o ato, possibilitando a sua defesa, no futuro.

Não há se falar, então, que o auto não faz prova da materialidade, como quer a defesa. Pelo contrário, a materialidade dos fatos está amplamente comprovada, inclusive porque o próprio réu admitiu todo o exposto na denúncia, cujos dados foram extraídos, dentre outros documento, do auto de apreensão, limitando-se a apresentar justificativas para os fatos.

Sobre os rissoles e as coxinhas, não disse, em momento algum, que não existiram nem que estavam dentro do prazo de validade, apenas afirmou que seriam devolvidos ao fornecedor e que, portanto, não estavam à venda.

Não provou, todavia, a veracidade dessa alegação, pois tanto os rissoles quanto as coxinhas estavam expostos à venda e para a configuração do crime pelo qual foi denunciado e condenado (art. 7.º, IX, da Lei n. 8.137/1990 c/c art. 18, § 6.º, da Lei n. 8.078/1990) basta a exposição à venda, ou seja, não é necessário que o produto seja efetivamente vendido.

Sobre a carne de ovelha, disse que era para consumo próprio, mas se assim realmente fosse, a carne deveria estar na geladeira da sua residência e não no estoque do seu estabelecimento comercial.

Acerca do salame e da carne (moída e de suíno), afirmou que o primeiro produto tinha selo de inspeção sanitária que caiu e que o segundo era proveniente de estabelecimento devidamente inspecionado.

Para provar o alegado, juntou notas fiscais que afirmou serem de estabelecimentos regularizados e inspecionados (fls. 103-111).

O alegado, porém, não restou suficientemente comprovado, pois nada garante que o produto constante das notas fiscais fossem exatamente aqueles apreendidos na data da fiscalização.

A respeito do frango, sustentou que era proveniente do Colégio Agrícola e, por isso, supôs que fosse devidamente inspecionado.

Mesmo que se acolha, por exemplo, a alegação referente ao frango, ao salame ou à carne (suína, de ovelha e moída), ainda assim persistiria a questão dos rissoles e das coxinhas, com prazo de validade vencido e expostos à venda.

A prova de que os rissoles (ou nuggets) e as coxinhas estavam com o prazo de validade vencido é farta, já que isso consta do auto de apreensão e a informação foi confirmada pelo próprio acusado, que afirmou, em seu interrogatório judicial, que "estavam mesmo com prazo de validade vencidos" (fl. 39).

De que estavam expostos à venda, a prova também é farta: além do auto de apreensão (fl. 12), essa circunstância foi confirmada pelo réu, ao dizer, em seu interrogatório (fl. 39), "que por descuido, permaneceram com as outras mercadorias que estavam à venda", bem como por Felipe Savi, que confirmou, em juízo, "que as coxinhas e os risolis estavam no balcão de exposição do mercado" (fl. 74).

Não há dúvida da materialidade; nem da presença de dolo.

Diz a defesa que as coxinhas e os rissoles seriam devolvidos ao fornecedor, mas não faz prova disso. Apenas alega. E ambos os produtos estavam, como confessou o acusado e confirmou a mencionada testemunha, no balcão de exposição do mercado.

É prova suficiente do dolo. Se os produtos seriam devolvidos ao fornecedor, deveriam ter sido desde logo retirados do balcão de exposição. Se esses produtos estivessem fora do alcance dos consumidores, aí sim, poder-se-ia acolher a alegação de que não havia o dolo de expô-los à venda.

Quem alega tem que provar. Essa é a máxima confirmada pela jurisprudência deste e. Tribunal:

APELAÇÕES CRIMINAIS. TENTATIVA DE ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA. PLEITOS ABSOLUTÓRIOS CALCADOS NA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. [...] PALAVRAS DOS ACUSADOS INFORMANDO QUE APENAS FORAM COBRAR DA VÍTIMA O CONSERTO DE PEÇAS DE COMPUTADOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. TESE NÃO COMPROVADA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE A QUEM ALEGA.

[...]

RECURSOS DESPROVIDOS (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.066066-6/000000, de Balneário Camboriú, rel. Torres Marques, Terceira Câmara Criminal, j. em 16/1/2009). [grifado]

E mais:

PENAL E PROCESSUAL - ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO - EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES - NEGATIVA DA AUTORIA DESACOMPANHADA DE ELEMENTOS DE PROVA CAPAZES DE SUPORTAR O ÁLIBI LEVANTADO PELA DEFESA - ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE A QUEM ALEGA, A TEOR DO DISPOSTO NO ARTIGO 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL [...] (Apelação Criminal n. 2006.047470-8, de Sombrio, rel. Amaral e Silva, Primeira Câmara Criminal, j. em 17/4/2007).

Não poderia o réu, como fez, alegar um lapso involuntário, pois quem exerce a atividade dele, de comerciante, deve estar atento à normas da vigilância sanitária, inclusive em relação ao prazo de validade dos produtos expostos à venda.

E, ademais, da mesma forma que os produtos ficaram expostos à venda por lapso do réu, poderiam também ter sido vendidos a um consumidor desavisado, por lapso, talvez.

Faz parte do rol de obrigações do acusado, como comerciante que é, certificar-se que nenhum produto exposto à venda em seu estabelecimento está com o prazo de validade vencido.

Não há como deixar de registrar, ainda, que o próprio réu confessou que os produtos estavam com o prazo de validade vencido e, mais que isso, ao dizer que eles ficaram expostos à venda por equívoco, porque já haviam sido selecionados para devolução ao fornecedor, confessou também que ele já sabia da condição desses produtos, antes mesmo da fiscalização, mas nada fez para retirar os produtos do balcão de exposição do seu estabelecimento.

O dolo está evidente. Nenhuma outra prova é necessária.

Quanto às demais justificativas apresentadas pelo acusado, nenhuma delas restou comprovada, como já foi mencionado, nem mesmo diante da juntada das notas fiscais de fls. 103-111, pois nada garante, repita-se, que os produtos mencionados nestas notas sejam efetivamente aqueles que constam do auto de apreensão e, ademais, não foi feita a prova de que os estabelecimentos emitentes eram inspecionados.

Ademais, simplesmente supor que os produtos provenientes do Colégio Agrícola tinham inspeção sanitária não é o suficiente para elidir a sua responsabilidade criminal a título de dolo, porque, como também já foi dito, o exercício da atividade de comerciante exigia que o réu tomasse as cautelas devidas e atendesse a todas as normas respectivas, sendo diligente na compra e na venda de mercadorias, sobretudo quando se trata de alimentos perecíveis, que podem causar dano à saúde do consumidor.

De qualquer maneira, já está evidenciado o dolo na exposição à venda das coxinhas e dos rissoles (ou nuggets), o que é o bastante para a manutenção da sentença condenatória.

Nenhuma outra prova precisava ser produzida, neste caso, nem mesmo de que os produtos eram realmente impróprios para consumo, pois nas hipóteses dos incisos I (prazo de validade vencido) e da última parte do inc. II (sem inspeção sanitária), tudo do § 6.º do art. 18 do CDC, a configuração do crime prescinde da realização de laudo pericial, pois é de perigo abstrato ou presumido, bastando que o produto esteja em desacordo com determinadas normas para que sejam considerados impróprios ao uso e consumo.

Elucidativo, para o assunto, foi o julgamento do Habeas Corpus n. 90.779-2, do Estado do Paraná, em 17 de junho de 2008, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, em Primeira Turma, cuja relatoria coube ao ilustre Min. Carlos Ayres Britto.

Embora nesse julgado o STF tenha considerado imprescindível a realização de laudo pericial, a Ministra Carmem Lúcia, brilhantemente, ressalvou, ao se referir à parte final do inc. II do § 6.º do art. 18 do CDC:

[...]

Para esses casos dessa parte final - porque, na verdade, esse inciso II contém duas normas -, eventualmente nós vamos poder nos deparar com alguma situação em que o próprio confronto, o próprio cotejo permita, independentemente de perícia, qualquer coisa, mas que, de toda sorte, como não é o caso, eu apenas estou acompanhando, não fechando essa matéria, eu me reservo para pensar.

A ressalva da Ministra supramencionada, a meu ver, foi acertada. A hipótese da última parte do inc. II do § 6.º do art. 18 do CDC, tanto quanto o inc. I do mesmo dispositivo, prescinde da realização de perícia técnica, simplesmente porque a impropriedade ao uso e consumo, como já foi visto, decorre do mero desrespeito a determinadas normas.

No presente caso, o indiciado expôs à venda produtos sem a necessária inspeção sanitária, ou seja, expôs à venda produto "em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação" e também produtos com os prazos de validade vencidos, dessa forma, a impropriedade dos referidos produtos decorre do mero desrespeito às referidas normas.

O perigo, neste caso, é abstrato ou presumido e, por isso, o laudo pericial é prescindível.

Este órgão fracionário já decidiu no mesmo sentido, em outro caso de exposição à venda de produto cuja impropriedade ao consumo também decorria da ausência de inspeção sanitária:

RECURSO CRIMINAL. DENÚNCIA PELO DELITO DESCRITO NO ART. 7º, IX, DA LEI N. 8.137/90. EXORDIAL REJEITADA EM RAZÃO DA FALTA DE LAUDO PERICIAL A COMPROVAR A MATERIALIDADE DA INFRAÇÃO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESPICIENDA A CONFECÇÃO DE LAUDO PERICIAL. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS. RECEBIMENTO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO (Recurso Criminal n. 2007.017661-6/000000, de Maravilha, rel. Torres Marques, Terceira Câmara Criminal, j. em 14/3/2008).

Não há se falar em falta de prova da impropriedade dos produtos, portanto.

Por fim, verifica-se que o togado singular optou fundamentadamente pela pena privativa de liberdade, fixando-a definitivamente no mínimo legal, com acerto; que o regime inicial de execução da pena foi determinado corretamente e, com a mesma correção, a pena de detenção foi substituída por duas restritivas de direitos.

Assim, nenhuma alteração merece ser efetuada, nem mesmo de ofício, nesta instância, por isso, sou pelo conhecimento e desprovimento da presente apelação criminal.

Observa-se que a comarca de origem deverá promover a(s) devida(s) comunicação(ões), conforme dispõe o § 2.º do art. 201 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n. 11.690/2008.

DECISÃO

Ante o exposto, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do apelo e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 30 de junho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, sem voto, e dele participaram, com voto, os Exmos. Srs. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho e Des. Subst. Roberto Lucas Pacheco. Funcionou, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 7 de julho de 2009.

Alexandre d'Ivanenko
RELATOR

Publicado em 14/08/09




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