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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - Apelação criminal. Abandono de incapaz.Recurso defensivo. [21/09/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Abandono de incapaz. Recurso defensivo pretendendo a absolvição. Acusado que se divertia na noite, deixando a filha menor exposta a risco no interior de automóvel.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Criminal n. 2008.081253-3, de Itajaí

Relator: Des. Torres Marques

APELAÇÃO CRIMINAL. ABANDONO DE INCAPAZ (ART. 133, § 3º, II, DO CP). RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO. ACUSADO QUE SE DIVERTIA NA NOITE, DEIXANDO A FILHA MENOR EXPOSTA A RISCO NO INTERIOR DE AUTOMÓVEL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRAS DA VÍTIMA E DOS POLICIAIS FIRMES E COERENTES QUANTO À SITUAÇÃO DE RISCO CRIADA PELO AGENTE. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL.

ALEGAÇÃO DE INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA À DROGA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DO ART. 45 DA LEI N. 11.343/06. RÉU QUE TINHA PLENA CAPACIDADE DE ENTENDER O CARÁTER ILÍCITO DO FATO NO MOMENTO DA PRÁTICA DELITIVA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.081253-3, da comarca de Itajaí (2ª Vara Criminal), em que é apelante Rubens Sérgio Felsky, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.

RELATÓRIO

Na comarca de Itajaí (2ª Vara Criminal) o representante do Ministério Público ofertou denúncia contra Rubens Sérgio Felsky, dando-o como incurso nas sanções do art. 133, §3º, II do Código Penal, conforme se infere da exordial acusatória:

"[...] Segundo consta do incluso caderno indiciário, RUBENS SÉRGIO FELSKY é pai da menor A. S. F., nascida em 27 de abril de 2000.

"No dia 06 de julho de 2007, após o almoço, o denunciado RUBENS SÉRGIO FELSKY saiu com a vítima A. S. F. para fazer algumas voltas, utilizando-se do automóvel Santana, placa AFD-6396.

"Entretanto, durante a noite, o denunciado estacionou o veículo com a vítima dentro, abandonando-a na Rua Agílio Cunha, Bairro Cidade Nova, nesta cidade e Comarca, próximo a um bar, sendo certo que, pela idade, ela era incapaz de defender-se dos perigos resultantes do abandono e desleixo por ele cometidos.

"Só no dia seguinte, por volta das 08:00 horas, uma pessoa não identificada nos autos viu a criança ainda dentro do veículo e acionou uma guarnição na Polícia Militar que, ao chegar ao local, constatou que a ofendida estava sozinha, sem parte de suas vestes, eis que havia urinado [...]" (fls. II/III).

Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada procedente para condenar Rubens Sérgio Felsky à pena de 1 ano, 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, por infração ao art. 133, §3º, II, do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (fl. 128). Em suas razões (fls. 132/137) pugnou pela absolvição ao argumento de que não deixou a criança abandonada no interior do veículo VW/Santana, pois manteve vigilância constante sobre ela, percebendo inclusive a aproximação da viatura policial.

Sucessivamente, postulou a aplicação da norma contida no art. 45 da Lei n. 11.343/06, ao argumento de que agiu sob efeito de droga ao tempo da omissão, estando, portanto, incapaz de entender o caráter ilícito do fato.

Apresentadas contrarrazões (fls. 138/144), ascenderam os autos a esta Corte, tendo a Procuradoria Geral de Justiça opinado pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 149/153).

VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Rubens Sérgio Felsky contra a sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 133, § 3º, II, do Código Penal.

A materialidade está amparada por meio do auto de prisão em flagrante (fls. 02/07) e do boletim de ocorrência (fls. 08/09).

Quanto à autoria, o réu, na fase policial, permaneceu calado (fl. 06). Em juízo, negou a prática delitiva nos seguintes termos:

"[...] que não é verdadeira a acusação que lhe é feita, que o interrogando teria saído na companhia de sua filha A., durante a noite, para irem à casa de conhecidos, visando aquisição de drogas, porquanto o interrogando é dependente químico; que estava somente o interrogando e sua filha no referido veículo; que o interrogando teria feito uso de bebida alcóolica e de drogas, naquela noite, sendo que nessas oportunidades, estacionava seu automóvel e fazia uso de drogas próximo ao carro, mas longe da criança; que quando estava regressando para casa, já no bairro Promorar, acabou a gasolina de seu veículo; que o interrogando estacionou o veículo em frente ao Sacolão Vitorino, local movimentado, tendo conversado com sua filha, contudo, a mesma estava dormindo, bem como havia urinado em sua saia, motivo pelo qual não teria levado a criança em sua companhia; que o interrogando chaveou o veículo e deixou parte do vidro aberto, acionando o alarme, e se dirigiu em direção a um posto de gasolina, situado próximo ao depósito de containers da Maerski; que quando caminhava, olhava em direção ao veículo para ver se estava tudo bem; que quando estava há cerca de 300 metros de distância do veículo, constatou que uma viatura policial estacionou ao lado de seu automóvel, tendo aberto a porta de seu veículo, motivo pelo qual regressou ao local para ver o que estava acontecendo [...]".

A vítima A. S. F., de outra forma, relatou o abandono de que foi vítima, conforme se retira de suas declarações na fase policial, verbis:

"[...] que ontem depois do almoço a declarante saiu de carro com seu pai e fizeram várias voltas na cidade tendo seu pai ido num lugar que disse ser sua médica, lá ficou numa sala esperando e depois saíram novamente, foram na praia onde tem um rio preto, onde a declarante lavou seus pés e seu pai ficou dentro do carro esperando, que depois ficaram andando pela cidade, seu pai comprou salgadinho uma coca e continuaram andando de carro e seu pai parou o carro numa rua que no final tem um morro e umas escadas; que seu pai saiu do carro mandando que a declarante esperasse dentro do veículo e então ele subiu as escadas dizendo que ia conversar com um cara que logo voltou; que seu pai colocou gasolina no carro e foi num ponto de taxi para pegar dinheiro; que já era de noite e declarante pediu para ir embora por três vezes e seu pai dizia que já ia mais não foi continuou andando de carro; que seu pai foi num bar e voltou com três homens sendo que um deles tinha uma garrafa achando a declarante que era cachaça, pois seu pai tomava daquela garrafa, que os três homens entraram no carro no banco de trás e a declarante e seu pai no banco da frente; que ficaram bastante tempo dentro do carro conversando com seu pai e ficaram andando de carro também; que seu pai parou o carro e saíram todos deixando a declarante dentro do veículo, isso já era noite, que em seguida voltaram os três homens incluindo o pai da declarante; que novamente pararam numas casinhas velhas e o pai da declarante saiu com o cara que estava com a garrafa e outros dois ficaram dentro do carro com a declarante que por duas vezes seu pai saiu do carro e deixou os dois homens com a declarante mais nada fizeram nada nem falaram nada para a declarante; que saíram e seu pai foi levar os dois homens em casa e deixou a declarante dentro do carro sozinha; que em seguida seu pai voltou e levou a declarante no Morro da Cruz para mostrar a cidade a declarante e lá ficaram por pouco tempo e saindo seu pai foi no posto trocar um cheque mas não conseguiu e trocou o cheque na natação da Sara, pegou o dinheiro comprou bombom, chicletes e uma coca; que seu pai parou o veículo e a declarante com sono dormiu no banco do carona, que era noite a declarante acordou e tinha feito xixi então tirou a roupa e viu que o carro estava travado e seu pai não estava então ouviu uma mulher dizer 'tem uma criança aqui' e chamou a policia, enquanto isto um outro homem pegou uma toalha e tampou a declarante até a chegada da policia; que os policiais fizeram algumas perguntas e em seguida seu pai chegou, isso já era dia; que a declarante ficou um pouco assustada por ficar sozinha no carro, que uma mulher levou a declarante para casa [...]" (fls. 12/13).

Em juízo, confirmou que seu pai a levou para passear e na sequência deixou-a sozinha por toda a madrugada do dia 7 de julho de 2007, enquanto ele se divertia com amigos (fl. 58).

A mãe da vítima e esposa do acusado declarou em juízo que a filha havia saído com o pai por volta das 13:30 horas do dia 6 de julho de 2007, com a desculpa de irem à prefeitura. Em razão da demora no retorno, Maria Madalena resolveu realizar buscas na tentativa de encontrar a filha, não obtendo êxito. Somente no dia seguinte, por volta das 8:00 horas, soube que encontraram o veículo de seu marido e soube que a criança estava sozinha no interior do automotor, em situação de abandono. Relatou que a menor chegou a urinar dentro do veículo, vejamos:

"[...] que o acusado saiu com a filha por volta de 13:30, daquela sexta feira, com intuito de ir à prefeitura; que como não retornava a declarante com ajuda de vizinhos passou a procurá-lo, mas não obtinha êxito, tampouco através do celular; que retornou para casa após buscas por volta de 02:00 da manhã sem sucesso; que é casada com o réu há 12 anos e o mesmo já chegou a se internar para tratamento do vício de drogas; que depois que saiu da cadeia em março, o réu não voltou a consumir drogas e já estava fazendo bicos e apresentando orçamentos para serviços de pintura, sua profissão; que por volta das 08:00 da manhã voltou a fazer buscas, e quando estava se dirigindo à delegacia para denunciar, soube que haviam localizado o veículo e sua filha dentro do carro sozinha; que soube que sua filha tirou a roupa e fez xixi dentro do carro, não sabendo quanto tempo ficou ali dentro e se o carro estava trancando; que não sabe aonde o acusado estava; que pelo que sabe uma mulher viu sua filha dentro do carro sem roupas e acionou a polícia [...]" (fls. 59/60).

O policial militar e condutor do auto de prisão em flagrante, Julio Amandio Gomes filho, afirmou em juízo que a criança foi encontrada sozinha no interior do VW/Santana, o qual não estava trancado. Disse ainda que o pai da menor chegou no local uns 15 minutos após, dizendo que havia saído do veículo para buscar combustível. Retira-se das declarações do aludido testigo:

"[...] que na manhã dos fatos foram acionados via COPOM para comparecer a um local onde uma criança havia sido deixada dentro do carro; que a informação, ao que sabe, chegou ao COPOM através de uma mulher que residia perto do local em que o carro e a criança foram deixados; que a criança estava dentro do carro quando os policiais chegaram; que a criança estava sem calcinha; que o carro não estava trancado; que aproximadamente 15 minutos depois o denunciado chegou, que disse haver saído para buscar combustível; que não trazia, entretanto, nada parecido com combustível; que não sabe quando a criança e o carro foram deixados ali [...]".

Diante de tais constatações, forçoso é reconhecer que realmente o acusado (responsável pela guarda e cuidado de sua filha incapaz) agiu de modo a expor a criança a perigo concreto de dano, amoldando-se sua conduta àquela descrita no injusto do art. 133, §3º, inc. II, do Código Penal. A propósito, elucida Damásio E. de Jesus:

"No abandono, o sujeito deixa a vítima sem assistência no lugar de costume. Na exposição, leva a vítima a lugar diferente daquele em que lhe presta assistência. Assim, se a mãe deixa a casa, nela permanecendo a criança sem assistência, o caso é de abandono. Se, porém, leva a criança para a rua e a deixa privada de cuidado, o caso é de exposição. No crime do art. 133 é indiferente que o sujeito abandone ou exponha o ofendido. O código, nessa disposição, não faz nenhuma distinção entre abandonar e expor. Daí nosso entendimento de que o verbo abandonar abrange a exposição. Em todos os casos, é necessário que haja uma separação física entre os sujeitos do crime [...]

"5. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

"É o dolo de perigo, direto ou eventual. É necessário que o sujeito tenha a intenção de expor a vítima a perigo concreto de dano à sua vida ou à sua integridade corporal. Admite-se dolo eventual, caso em que assume o risco de produzir um perigo de dano ao objeto jurídico" (in Direito Penal, 2º volume: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 173).

Não há falar em falta de provas a respeito da autoria, muito menos em ausência de situação de risco, pois comprovada sobejamente a situação de abandono vivenciada pela menor.

Quanto ao pedido de isenção de pena, lastreado no art. 45 da Lei n. 11.343/06, decorrente da dependência química à droga, o pleito não merece prosperar.

O dispositivo estabelece que é isento de pena tão-somente aquele que, na época da prática do delito, era incapaz de entender o caráter ilícito do fato em razão da dependência toxicológica.

Muito embora Rubens tenha sido submetido a tratamento em clínica de dependência de substâncias psicoativas, fato esse que foi determinante para o deferimento da liberdade provisória (fl. 61), não há nos autos provas de que no momento da prática criminosa o recorrente estivesse sob efeito de droga, quiçá que eventual utilização tenha comprometido o seu discernimento acerca dos atos praticados. A respeito, já decidiu esta Corte:

"[...] INIMPUTABILIDADE DO RÉU - APLICAÇÃO DO ART. 45 DA LEI N. 11.343/06 - IMPOSSIBILIDADE TENDO EM VISTA QUE O DISPOSITIVO SOMENTE SE APLICA SE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA A DROGAS NO TEMPO DA PRÁTICA DO DELITO" (Apelação Criminal n. 2007.001634-1, de Balneário Camboriú, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 29-5-07).

Portanto, o acusado tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Por fim, ainda que a acusação não tenha oportunizado ao réu o benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), tem-se que não há nulidade alguma a ser declarada em razão da inicial expressamente referir-se à condição de reincidente do agente, fato impeditivo do deferimento desse benefício.

DECISÃO

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado no dia 22 de abril de 2009, os Exmos. Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Lavrou parecer, pela Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Jobél Braga de Araújo.

Florianópolis, 6 de julho de 2009.

Torres Marques
PRESIDENTE E RELATOR

Publicado em 18/08/09




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