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terça-feira, 15 de setembro de 2009

JURID - Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. ISS. [15/09/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. ISS. Franquia (franchising).
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 953.840 - RJ (2007/0115791-3)

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: JOSÉ EDUARDO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE E OUTRO(S)

AGRAVADO: CONCENTRO MARCAS LTDA

ADVOGADO: HELOÍSA MARIA DE QUEIROZ TOURINHO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. FRANQUIA (FRANCHISING). NATUREZA JURÍDICA HÍBRIDA (PLEXO INDISSOCIÁVEL DE OBRIGAÇÕES DE DAR, DE FAZER E DE NÃO FAZER). PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCEITO PRESSUPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AMPLIAÇÃO DO CONCEITO QUE EXTRAVASA O ÂMBITO DA VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA INFIRMAR A PRÓPRIA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

1. O ISS na sua configuração constitucional incide sobre uma prestação de serviço, cujo conceito pressuposto pela Carta Magna eclipsa ad substantia obligatio in faciendo, inconfundível com a denominada obrigação de dar.

2. Outrossim, a Constituição utiliza os conceitos de direito no seu sentido próprio, com que implícita a norma do artigo 110, do CTN, que interdita a alteração da categorização dos institutos.

3. Consectariamente, qualificar como serviço a atividade que não ostenta essa categoria jurídica implica em violação bifronte ao preceito constitucional, porquanto o texto maior a utiliza não só no sentido próprio, como também o faz para o fim de repartição tributária-constitucional (RE 116121/SP).

4. Sob esse enfoque, é impositiva a regra do artigo 156, III, da Constituição Federal de 1988, verbis:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(...)"

5. A dicção constitucional, como evidente, não autoriza que a lei complementar inclua no seu bojo atividade que não represente serviço e, a fortiori, obrigação de fazer, porque a isso corresponderia franquear a modificação de competência tributária por lei complementar, com violação do pacto federativo, inalterável sequer pelo poder constituinte, posto blindado por cláusula pétrea.

6. O conceito pressuposto pela Constituição Federal de serviço e de obrigação de fazer corresponde aquele emprestado pela teoria geral do direito, segundo o qual o objeto da prestação é uma conduta do obrigado, que em nada se assemelha ao dare, cujo antecedente necessário é o repasse a outrem de um bem preexistente, a qualquer título, consoante a homogeneidade da doutrina nacional e alienígena, quer de Direito Privado, quer de Direito Público.

7. Deveras, o Código Tributário Nacional, como de sabença recepcionado como lei complementar, tratava dos Impostos sobre Serviços de Qualquer natureza, em seus artigos 71 a 73, revogados pelo Decreto-Lei nº 406/68, que estabeleceu normas gerais de Direito Financeiro, aplicáveis ao ICMS e ao ISS.

8. Consoante o aludido decreto-lei, constituía fato gerador do ISS a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa ao diploma legal, ainda que sua prestação envolvesse o fornecimento de mercadoria.

9. Na citada lista de Serviços, anexa ao Decreto-Lei 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, encontrava-se elencada a atividade de "Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação (factoring) (excetuam-se os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);" (Item 48).

10. Destarte, a franquia não era listada como serviço pelo legislador complementar, mas, sim, as atividades de corretagem, agenciamento e intermediação que a tivessem por objeto, panorama que restou modificado pela Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, que revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12, do Decreto-Lei 406/68, bem como a Lei Complementar 56/87, entre outros dispositivos legais.

11. Os Itens 10 e 17, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, elencam, como serviços tributáveis pelo ISS, o agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de leasing, de franchising e de factoring (Subitem 10.04), bem como a franquia (Subitem 17.08).

12. A mera inserção da operação de franquia no rol de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo indissociável de obrigações de dar, de fazer e de não fazer.

13. Destarte, revela-se inarredável que a operação de franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando, portanto, da esfera da tributação do ISS pelos municípios.

14. A afirmação de constitucionalidade da inserção da franquia como serviço e a proposição recursal no sentido de que aquela incide em inequívoca inconstitucionalidade do Subitem 17.08, da relação anexa à Lei Complementar 116/2003, conjura a incompetência imediata do STJ para a análise de recurso que contenha essa antinomia como essência em face da repartição constitucional que fixa os lindes entre esta E. Corte e a Corte Suprema.

15. Deveras, a mesma competência foi exercida pela Corte Suprema na análise prejudicial dos conceitos de faturamento e administradores e autônomos para os fins de aferir hipóteses de incidência, mercê de a discussão travar-se em torno da legislação infraconstitucional que contemplava esses conceitos, reproduzindo os que constavam do texto maior.

16. Aliás não é por outra razão que o CPC dispõe no artigo 543 que:

"Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

(...)

§ 2º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

(...)"

17. Os fundamentos de índole notadamente constitucional, sem as quais não sobreviveria o aresto recorrido, impõem timbrar seu núcleo constitucional para, na forma da jurisprudência cediça na Corte, não conhecer do recurso especial (Precedentes do STJ: REsp 912.036/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 08.10.2007; AgRg no Ag 757416/SC, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 03.08.2006; AgRg no Ag 748334/SP, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 30.06.2006; REsp 754545/RS, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 13.03.2006; AgRg no REsp 778173/MG, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 06.02.2006; e AgRg no REsp 658392/DF, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 21.03.2005).

18. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 10, segundo a qual: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

19. Ademais, o artigo 535, do CPC, resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

20. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Benedito Gonçalves (Presidente) e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, por motivo de licença, a Sra Ministra Denise Arruda.

Brasília (DF), 20 de agosto de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Cuida-se de agravo regimental interposto pelo MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO em face de decisão monocrática de minha lavra, cuja ementa restou assim vazada:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. FRANQUIA (FRANCHISING). NATUREZA JURÍDICA HÍBRIDA (PLEXO INDISSOCIÁVEL DE OBRIGAÇÕES DE DAR, DE FAZER E DE NÃO FAZER). PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCEITO PRESSUPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AMPLIAÇÃO DO CONCEITO QUE EXTRAVASA O ÂMBITO DA VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA INFIRMAR A PRÓPRIA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

1. O ISS na sua configuração constitucional incide sobre uma prestação de serviço, cujo conceito pressuposto pela Carta Magna eclipsa ad substantia obligatio in faciendo, inconfundível com a denominada obrigação de dar.

2. Outrossim, a Constituição utiliza os conceitos de direito no seu sentido próprio, com que implícita a norma do artigo 110, do CTN, que interdita a alteração da categorização dos institutos.

3. Consectariamente, qualificar como serviço a atividade que não ostenta essa categoria jurídica implica em violação bifronte ao preceito constitucional, porquanto o texto maior a utiliza não só no sentido próprio, como também o faz para o fim de repartição tributária-constitucional (RE 116121/SP).

4. Sob esse enfoque, é impositiva a regra do artigo 156, III, da Constituição Federal de 1988, verbis:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(...)"

5. A dicção constitucional, como evidente, não autoriza que a lei complementar inclua no seu bojo atividade que não represente serviço e, a fortiori, obrigação de fazer, porque a isso corresponderia franquear a modificação de competência tributária por lei complementar, com violação do pacto federativo, inalterável sequer pelo poder constituinte, posto blindado por cláusula pétrea.

6. O conceito pressuposto pela Constituição Federal de serviço e de obrigação de fazer corresponde aquele emprestado pela teoria geral do direito, segundo o qual o objeto da prestação é uma conduta do obrigado, que em nada se assemelha ao dare, cujo antecedente necessário é o repasse a outrem de um bem preexistente, a qualquer título, consoante a homogeneidade da doutrina nacional e alienígena, quer de Direito Privado, quer de Direito Público.

7. Deveras, o Código Tributário Nacional, como de sabença recepcionado como lei complementar, tratava dos Impostos sobre Serviços de Qualquer natureza, em seus artigos 71 a 73, revogados pelo Decreto-Lei nº 406/68, que estabeleceu normas gerais de Direito Financeiro, aplicáveis ao ICMS e ao ISS.

8. Consoante o aludido decreto-lei, constituía fato gerador do ISS a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa ao diploma legal, ainda que sua prestação envolvesse o fornecimento de mercadoria.

9. Na citada lista de Serviços, anexa ao Decreto-Lei 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, encontrava-se elencada a atividade de "Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação (factoring) (excetuam-se os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);" (Item 48).

10. Destarte, a franquia não era listada como serviço pelo legislador complementar, mas, sim, as atividades de corretagem, agenciamento e intermediação que a tivessem por objeto, panorama que restou modificado pela Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, que revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12, do Decreto-Lei 406/68, bem como a Lei Complementar 56/87, entre outros dispositivos legais.

11. Os Itens 10 e 17, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, elencam, como serviços tributáveis pelo ISS, o agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de leasing, de franchising e de factoring (Subitem 10.04), bem como a franquia (Subitem 17.08).

12. A mera inserção da operação de franquia no rol de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo indissociável de obrigações de dar, de fazer e de não fazer.

13. Destarte, revela-se inarredável que a operação de franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando, portanto, da esfera da tributação do ISS pelos municípios.

14. A afirmação de constitucionalidade da inserção da franquia como serviço e a proposição recursal no sentido de que aquela incide em inequívoca inconstitucionalidade do Subitem 17.08, da relação anexa à Lei Complementar 116/2003, conjura a incompetência imediata do STJ para a análise de recurso que contenha essa antinomia como essência em face da repartição constitucional que fixa os lindes entre esta E. Corte e a Corte Suprema.

15. Deveras, a mesma competência foi exercida pela Corte Suprema na análise prejudicial dos conceitos de faturamento e administradores e autônomos para os fins de aferir hipóteses de incidência, mercê de a discussão travar-se em torno da legislação infraconstitucional que contemplava esses conceitos, reproduzindo os que constavam do texto maior.

16. Aliás não é por outra razão que o CPC dispõe no artigo 543 que:

"Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

(...)

§ 2º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

(...)"

17. Os fundamentos de índole notadamente constitucional, sem as quais não sobreviveria o aresto recorrido, impõem timbrar seu núcleo constitucional para, na forma da jurisprudência cediça na Corte, não conhecer do recurso especial (Precedentes do STJ: REsp 912.036/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 08.10.2007; AgRg no Ag 757416/SC, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 03.08.2006; AgRg no Ag 748334/SP, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 30.06.2006; REsp 754545/RS, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 13.03.2006; AgRg no REsp 778173/MG, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ de 06.02.2006; e AgRg no REsp 658392/DF, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 21.03.2005).

18. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 10, segundo a qual: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

19. Ademais, o artigo 535, do CPC, resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

20. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, artigo 557, caput)."

Em suas razões, aduz o Município que:

"DATA MAXIMA VENIA, OLVIDOU-SE O SR. MINISTRO QUE O TRIBUNAL A QUO SEQUER MANIFESTOU-SE ACERCA DA QUESTÃO SOB O PRISMA DA LEI COMPLEMENTAR 116/2203. SÓ O FAZENDO NOS ESTREITOS LIMITES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. E ASSIM MESMO, NÃO O FEZ SOB A ALEGAÇÃO DA OFENSA AO ITEM 17.08 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR. DAÍ O MUNICÍPIO TER VEICULADO EM SEU RECURSO A VIOLAÇÃO AO ART. 535, INCISOS I E II, DO CPC.

(...)

... o Sr. Ministro Relator, ao manifestar-se acerca da constitucionalidade da Lei Complementar ACABOU POR SUPRIMIR UMA INSTÂNCIA, TENDO EM VISTA QUE A QUESTÃO DEVERIA TER SIDO ANALISADA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL LOCAL, NO SENTIDO DE OPORTUNIZAR AO MUNICÍPIO A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO ACERCA DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL, O QUE NÃO OCORREU NA ESPÉCIE.

Ressalta-se que o Município sequer veiculou em seu recurso especial a constitucionalidade da lei complementar.

Ademais, porquanto o Município tenha interposto o extraordinário, o recurso especial também está fundamentado em matéria de índole infraconstitucional (violação dos arts. 1º e 8º, da Lei Complementar 116/2003, bem como do Item 17.08 da Lista em anexo, 535, incisos I e II, do CPC), bem como a dissídio jurisprudencial, tendo a decisão agravada ignorado por completo a questão suscitada."

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): A decisão agravada ostenta o seguinte teor:

"Trata-se de recurso especial interposto pelo MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, com fulcro nas alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, no intuito de ver reformado acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja ementa restou assim vazada:

'APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE FRANQUIA. ISS. NÃO INCIDÊNCIA.

O contrato de franquia é de natureza híbrida, eis que formado por vários elementos circunstanciais, não caracterizando uma simples prestação de serviços e, portanto, não se insere em nenhum dos itens da lista de atividades sujeitas ao ISS, que acompanha o Decreto-Lei nº 406/68.

Recurso conhecido e provido.'

Opostos embargos de declaração pela Municipalidade, acolhidos parcialmente apenas para sanar erro material detectado, consoante se depreende do seguinte excerto extraído do voto-condutor:

'Com efeito, há de ser sanado erro material contido no aresto embargado, para que no seu relatório, às fls. 595, onde se lê: 'A douta Procuradoria de Justiça, às fls. 479/482, opinou pela procedência do pedido autoral', se passe a ler o seguinte: 'O Ministério Público, em 1º grau de jurisdição, às fls. 479/482, opinou pela procedência do pedido autoral'.

No tocante à alegada legalidade da cobrança do ISS sobre as atividades do contrato de franquia, com fulcro na Lei Complementar nº 116/2003 e na Lei Municipal n] 3.691/2003, tem-se que o franqueamento da marca não se confunde com o seu agenciamento, corretagem ou intermediação, tampouco com a locação de bens móveis, como reiteradamente tem interpretado o Egrégio STJ.

Desta forma, como asseverado no acórdão embargado, em se tratando de obrigação tributária, não é possível aplicar uma interpretação analógica, nem extensiva da lista das atividades que são fatos geradores do tributo.'

Nas razões do especial, sustenta o recorrente, preliminarmente, que o acórdão hostilizado incorreu em violação do artigo 535, do CPC, ao não discorrer sobre a previsão legal na lista anexa à Lei Complementar 116/2003 da incidência de ISSQN sobre os serviços de franquia. Meritoriamente, aponta ofensa aos artigos 1º e 8º, da Lei Complementar 116/2003, bem como ao Item 17.08 da lista anexa. Traz arestos do STJ para confronto.

Às fls. 635/656, consta recurso extraordinário interposto pela empresa, inadmitido na origem, o que motivou o manejo de agravo de instrumento.

Apresentadas contra-razões aos recursos especial e extraordinário.

O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem, tendo sido provido o agravo de instrumento dirigido a esta Corte.

Sumariamente, relatados decido.

Inicialmente, cumpre assinalar que o artigo 535, do CPC, resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

Ademais, não se revela cognoscível a insurgência especial, ante a natureza constitucional do thema iudicandum.

Com efeito, cinge-se a controvérsia à incidência ou não de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN sobre a atividade de franquia (franchising).

Prima facie, impende inquirir do critério material integrante da regra-matriz de incidência tributária do ISS, a fim de explicitar o comportamento humano abstratamente descrito na hipótese normativa e que, no dizer de Amílcar Falcão, representa 'fato econômico de relevância jurídica'.

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da competência tributária dos Municípios, assim preceitua em seu artigo 156:

'Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

§ 2º - O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II - compete ao Município da situação do bem.

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)'

Desta sorte, excluídas as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação, hipóteses de incidência do ICMS (artigo 155, II, da CF/88), a tributação pelo ISS contempla a prestação de serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar.

Ocorre que o âmbito semântico dos veículos língüísticos adotados pela Constituição, para traduzir o conteúdo de suas regras de competências tributárias impositivas, não pode ficar ao alvedrio de quem recebe a outorga de competência.

Na obra intitulada "ISS na Constituição e na Lei", Aires F. Barreto discorre amplamente sobre o artigo 156, III, da Constituição Federal, donde se extrai que o vocábulo "serviço", cuja prestação constitui o critério material da hipótese de incidência do ISS, é conceito constitucionalmente pressuposto, ao qual deve se ater o legislador complementar:

'3.5. O art. 156, III, da Constituição Federal

Centremos nossa atenção agora ao que consideramos o ponto nuclear desta meditação: a disposição do inciso III, do art. 156, da Constituição. Embora esse preceptivo não possa ser considerado isoladamente - mas, somente no contexto sistemático em que inserido - é o preceito básico fixador da competência municipal para tributar serviços.

Lembra, oportunamente, Geraldo Ataliba que a esse respeito tem prevalecido uma visão parcial e equivocada, amesquinhadora do Município, e caracterizada por chocante superficialidade. Isso decorre do empolgamento causado pela intensa discussão econômica que precedeu à introdução da EC 18/65.

É inafastável a consideração conjunta e conjugada de todos os preceitos que cuidam das competências (legislativas) tributárias, de modo direto ou indireto, fixando-lhes os contornos e conteúdo (arts. 153, 155 e 156). É que só interpretação sistemática pode iluminar os caminhos a serem percorridos pelo intérprete, de modo útil.

Parece evidente que a interpretação de qualquer preceito da Constituição como é o caso da atividade que vimos desempenhando - não pode olvidar as exigências dos princípios capitais e, sobretudo, a regração desses princípios sobre o próprio conteúdo do mandamento a ser examinado, na busca de determinação de seu conteúdo, sentido e alcance. Nem é autorizada interpretação que termine por negar eficácia aos princípios básicos do Texto Magno. Deveras, não se pode, na tarefa interpretativa, negar, na sua devida medida, eficácia a cada princípio constitucional. Sublinhamos "na sua devida medida", recordando que os princípios se escalonam hierarquicamente, aí sediando-se o critério da unidade do sistema de Direito Positivo.

Daí por que não será correto afirmar que o vocábulo - contido nesse inciso III, do art. 156, da Constituição - "qualquer" significa todo serviço, menos o serviço público, porque este está claramente excluído do conceito de serviço tributável. Se a primeira inclinação do intérprete é no sentido de entender "qualquer" como significando "todo", algumas considerações sistemáticas - deduzidas de acordo com a técnica própria da ciência do Direito - evidenciarão que essa conclusão carece de prévio exame e definição de seus contornos.

Embora amplíssima a dicção constitucional- e, conseqüentemente, o campo material abrangido pelo conceito - ver-se-á que a eficácia de determinados princípios (como é o caso do da capacidade contributiva) impõe-lhe determinados limites. Além disso, por força da redação do texto, não se pode analisar o conceito sem, concomitantemente, examinar dois pressupostos negativos, postos como demarcadores da competência e, pois, denotadores da noção de "serviço tributável". (...)

3.6. A Cláusula "não Compreendidos no art. 155, II"

(...)

Convém enfatizar que esta cláusula, formulada em termos negativos, evidencia que a definição de serviço é necessariamente genérica, significativa de "qualquer", sinônima, portanto, de todo serviço. Esta negativa vem excepcionalmente delimitar "qualquer" significando: todo, tirante apenas os compreendidos no art. 155, II, que, como visto, são só os de transporte intermunicipal e interestadual e os de comunicação.

O enunciado constitucional deixa bem evidente que a regra geral é a tributabilidade dos serviços pelo Município; exceção é a tributabilidade pelo Distrito Federal e pelos Estados de dois tipos de serviço (transportes e comunicações), sendo que os de transporte só e quando forem transcendentes dos limites municipais. Outorga-se a essas entidades político-constitucionais competência para tributar apenas esses dois serviços.

Feita a delimitação negativa, fica-se com um universo amplo e genérico de todo e qualquer esforço humano, para outrem, com conteúdo econômico, prestado sob regime de Direito Privado - exceto os serviços de transporte intermunicipais e interestaduais e os de comunicação, explicitamente entregues à competência do Distrito Federal e dos Estados. Tais são os serviços tributáveis pelo Município. Quer dizer: todo e qualquer serviço, com estrita exceção dos expressamente conferidos à competência do Distrito Federal e dos Estados (art. 155, II), é tributável pelo Município.

3.7. A Cláusula "Definidos em Lei Complementar"

Ensina o mestre Souto Maior Borges que, no caso, estamos diante de dois mandamentos, com dois destinatários nitidamente diversos, encerrados numa só formulação legislativa, num só dispositivo normativo:

a) o primeiro destinatário é o Município, que pode tributar quaisquer serviços;

b) o segundo destinatário é o Congresso Nacional, que, mediante leis complementares, pode definir os serviços compreendidos na competência do Distrito Federal e dos Estados, bem como explicitar o conteúdo implícito dos preceitos constitucionais que dispõem sobre a competência dos Estados para tributar, acessoriamente às operações mercantis, atividades que, da perspectiva pré-jurídica, podem parecer serviço (ensejando, em tese, o que se convencionou designar por conflito de competência tributária).

Assim, a regra é a competência municipal; exceção é a estadual. É mais lógico requerer-se norma para definir a exceção do que para definir a regra, especialmente quando a regra está tão clara no próprio Texto Constitucional (art. 156, III). É da técnica legislativa corrente que o geral, o abrangente "qualquer" - por ser universal- não requer definição, a não ser delimitativa, como é o caso. Daí ser lógico que "definidos" serão os serviços tributáveis pelos Estados.

A única forma de dispor sobre conflitos é definir, pelo menos, um dos termos possivelmente conflitantes. Se é assim - se só é lógico entender que "a definição" da lei complementar será a que considera as exceções - é descabido pretender que a definição seja da regra formulada em termos inequivocamente amplos e genéricos "serviços de qualquer natureza", e não da exceção. Este raciocínio põe à mostra a evidência de que, se algo deve ser definido, a definição só pode ser a da exceção, e não da regra. Assim, o termo "definidos" só pode voltar-se para os dois serviços conferidos à competência dos Estados e do Distrito Federal, além daquelas atividades que, aos olhos do leigo, parecem serviço, mas, na verdade, se desenvolvem no bojo de operações mercantis.

Registre-se, apenas para argumentar, que, se em tese duas interpretações são cabíveis, tem que prevalecer aquela que melhor e de modo mais esplendorosa assegura a eficácia dos magnos princípios constitucionalmente consagrados, como o da autonomia municipal, especialmente em matéria de decretação de seus tributos e da rigidez da discriminação de competências tributárias.

Tirante as estritas exceções vistas acima, só aos Municípios cabe a tributação dos inúmeros serviços. Embora possa parecer tautológico, é necessário advertir para a circunstância de que, no plano pré-jurídico, os fatos são meros fatos. Ainda não receberam qualificação legal. É nesse plano que os fatos se confundem. Depois de juridicamente qualificados, é que se vê que Estados só podem tributar dois serviços, entendido o termo em sua dimensão jurídica. O Distrito Federal pode tributar todos serviços, sem exceção, porque são de sua competência tanto os impostos estaduais como os municipais.

A eventual "definição" dos serviços tributáveis pelos Estados, embora não possa diminuir a esfera de autonomia dos Municípios, não encerra maiores problemas ou complexidades. Todavia, já a "definição", por lei complementar, de serviços tributáveis pelos Municípios agride frontalmente a autonomia municipal porque, se a lei complementar pudesse definir os serviços tributáveis, ela seria necessária e, pois, intermediária entre a outorga constitucional e o exercício atual da competência, por parte do legislador ordinário municipal. Se assim fosse, a sua ausência importaria inibição do Município, o que seria um absurdo no nosso sistema, porquanto a Constituição, no art. 30, atribui foros de princípio fundamental ao sistema à autonomia municipal, fazendo-a exprimir-se especialmente em matéria de "instituir e arrecadar os tributos de sua competência".

Essa singela consideração já demonstra impor-se repulsa categórica ao raciocínio de que definidos devem ser os inúmeros serviços de competência dos Municípios. Só a possibilidade de concreção desse absurdo já obriga a afastar a hipótese. Só o colocar-se a tributação municipal dependendo do arbítrio do legislador complementar já mostra a erronia dessa orientação. Deflui da Constituição (art. 30, III) que a competência tributária é instrumento da autonomia dos Municípios; ora, se, ao mesmo tempo, entender-se que ela depende de lei complementar, editada pelo Congresso, ter-se-á motivação suficiente para evidenciar a contradição de alguns intérpretes, que querem atribuí-la ao Texto Constitucional. A Constituição, consigna a mais conspícua doutrina, veicula um sistema, necessariamente coerente, harmônico e concatenado. Não é um amontoado de preceitos, mas uma organização sistemática, cujo critério de unificação e ordenação está nos seus princípios, dos quais a autonomia municipal é, evidentemente, basilar.

É clássica a frase de Rui Barbosa, segundo a qual a Constituição "não retira com a mão direita aquilo que deu com a mão esquerda". Admitir que os "serviços de qualquer natureza" é que haverão de ser definidos importa contradictio in terminis. Se são de qualquer natureza, prescindem de definição; se são definidos, não serão jamais os de qualquer natureza, mas, sim, os definidos.

Carlos Maximilian ensina que se deve afastar as interpretações impossíveis ou ilógicas: pois, é da mais gritante falta de lógica, tanto comum, como jurídica, a interpretação que pretende conferir a esse preceito o significado de conferir à lei complementar o definir "serviços de qualquer natureza", para efeito de abrir espaço à competência tributária dos Municípios. Tudo isto foi amplamente exposto por Souto Maior Borges, no seu clássico "Lei Complementar Tributária"." (in obra citada, 2ª ed., rev. ampl. e atual., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, págs. 36/42)

Tárek Moysés Moussallem e Ricardo Álvares da Silva, no livro "ISS na Lei Complementar 116/2003 e na Constituição", repisam que:

"Não resta muita escolha ao legislador complementar senão considerar, em nível constitucional, a eleição do critério material da hipótese de incidência do ISS.

Ao empregar o vocábulo "serviços", a Lex Legum utiliza-se necessariamente de um pré-conceito do termo, afastando-o dos demais porventura próximos.

É que as competências tributárias, como bem asseverou Roque Antônio Carrazza, ao serem rigidamente discriminadas na Constituição Federal, trazem consigo os conceitos prévios dos termos utilizados para outorgá-las.

Por isso, a definição do conceito de serviço é constitucionalmente pressuposta.

Permitir ao legislador complementar definir, ao seu bel-prazer, o conceito de "serviços" é jogar por terra a rígida repartição de competências no Estado.

Outra não é a lição de Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, ao vislumbrarem que a Lei Complementar não pode definir, como serviço, o que não é serviço:

A lei tributária não pode ampliar o conceito de serviço constitucionalmente pressuposto. É inconstitucional a lei tributária que pretenda dispor que "se considera serviço" algo que esse conceito não corresponde.

É que essa ampliação teria por efeito alargar a competência tributária do Município, o que é matéria constitucional e, pois, imodificável por lei. As competências constitucionalmente fixadas são inderrogáveis. Nem lei complementar - ainda que sob pretexto de dispor sobre conflitos - poderia fazê-lo.

A delimitação do conceito de serviço deve se ater aos pressupostos constitucionais.

Em termos mais rigorosos, todas características definitórias do definiendum "serviço" estão postas na Constituição Federal. A lei complementar somente pode acrescer características acidentais ou acessórias. Mas não pode estabelecer, como serviço, o que não o é.

Por conseqüência, qualquer grandeza eleita para figurar na base de cálculo do ISS que não se origine das características definitórias constitucionais de "serviço" encontra-se estigmatizada pelo vício da inconstitucionalidade." (in obra citada, Organização de Heleno Taveira Tôrres, 1ª Ed., Ed. Manole, São Paulo, 2004, págs.236/237)

Deveras, como bem elucida Marcelo Caron Baptista, na obra "ISS: Do Texto à Norma", a exação em tela somente pode incidir se houver a realização de serviço para terceiro, porquanto ser necessária a existência de uma relação "envolvendo, pelo menos, duas pessoas: o realizador e o tomador do serviço".

De acordo com o aludido autor, a prestação de serviço, núcleo do critério material da hipótese de incidência do ISS, ostenta natureza jurídica de obrigação de fazer, identificável pelo fim específico a que visa o contrato celebrado entre as partes, a despeito da existência de prestação-meio consistente em um "fazer" ou em um "dar":

"4.1.10. A prestação de serviço como prestação "de fazer"

A hipótese de incidência do ISS, sopesadas as informações colhidas do sistema jurídico, em confronto com a experiência empírica, afasta as prestações negativas de "não fazer" e de "não dar", ainda que, de qualquer modo, caracterizem um fazer em sentido lato, uma ação omissiva. Mesmo que existam várias possibilidades da prestação objeto da relação jurídica identificar-se com um comportamento omissivo, aquele correspondente a "prestar serviço" em benefício de terceiro, mediante remuneração, parece totalmente incompatível com a idéia de uma abstenção. Pelo menos fazemos questão de confessar o fato de não termos vislumbrado sequer uma hipótese nesse sentido.

Partindo desse pressuposto, resta analisar, diante das prestações positivas, a distinção entre as de dar e as de fazer.

Quanto às típicas prestações de dar e de fazer a explicação não comporta maiores controvérsias. Prestação de dar ocorre quando a ação titularizada pelo devedor se destina à tradição de um bem. Prestação de fazer é aquela que se opera pela ação pessoal do devedor, cuja relevância não está na tradição de bem, ainda que ela possa eventualmente ocorrer.

A hipótese de incidência do ISS refere-se às prestações de fazer, ou seja, aquelas marcadas pela ação pessoal do devedor. Essa conclusão não se alcança com base na eficácia normativa experimentada por esse tributo ao longo do tempo mas por meio de indicativo colhido da própria Constituição Federal.

A palavra "serviços", constante do artigo 156, III, do Texto, afasta, por incongruência semântica, a idéia de prestação de dar, eis que não envolve, na sua essência, qualquer coisa, seja material, seja imaterial.

A ação pessoal do prestador, no entanto, não rejeita o emprego de bens materiais ou imateriais, mercadorias ou produtos industrializados, bem como de equipamentos. Ao contrário, a maior parte dos serviços requer o emprego de tais bens, sob pena de restar inviabilizada a prestação. Mas o comportamento tributado pelo ISS é aquele em que o esforço pessoal do devedor se sobrepõe aos materiais e equipamentos eventualmente aplicados.

Colabora, também, nesse sentido, o confronto de "serviços" com a materialidade de outros tributos, especialmente o ICMS - no quanto se refere a operações relativas à circulação de mercadorias - e o IPI - exceto sobre importação de produtos. Ainda que o critério material destes últimos não se resuma a uma prestação de dar, porque sua essência está na realização de operações jurídicas, elas, invariavelmente, giram em torno de um bem material, de uma mercadoria ou de um produto industrializado, o que não ocorre com o ISS. Este tributo, portanto, é dirigido preponderantemente à atividade pessoal do sujeito passivo da relação jurídica patrimonial.

O tomador do serviço, quando o contrata, objetiva não a apropriação de um bem mas o resultado do esforço e da capacidade, física ou intelectual, da outra parte, ainda que esse resultado se expresse, no mundo fenomênico, por meio de um bem material. Prestação de serviço, por isso, é prestação jurídica de fazer."

4.1.11 Prestação-meio e prestação-fim

Como desdobramento da distinção fundamental entre prestações de dar e de fazer, surge a necessidade de admitir que um esforço humano, no contexto de uma relação jurídica contratual, não assegura ao intérprete, por si só, tratar-se de uma prestação de fazer, e ainda tributável pelo ISS. Muitas vezes a complexidade dos fatos jurídicos torna deveras difícil estabelecer os contornos precisos que permitem apartar, das prestações em geral, as figuras do dar e do fazer, o que acarreta importantes reflexos para a compreensão da norma tributária, ocasionando, em algumas vezes, dúvidas razoáveis sobre a incidência de determinados tributos diante de específicas hipóteses.

A presença do contrato é mais do que o primeiro divisor de águas para limitar o conjunto de comportamentos passíveis de tributação pelo ISS. É dele que aflora a natureza jurídica tributária da prestação. Centra-se a investigação, por isso, no acordo de vontades.

As relações jurídicas são estabelecidas em torno de uma prestação que, quando adimplida, extingue o dever jurídico do sujeito passivo.

Todo contrato visa a um fim específico. É um dos meios pelos quais o homem busca a satisfação de suas necessidades, relacionando-se com terceiros. Exatamente da finalidade do contrato é que se extrai a natureza da prestação. Imprescindível estabelecer, pois, um critério jurídico pelo qual seja possível identificar o comportamento-fim pactuado, aquele que, ocorrido, faz extinguir o dever jurídico.

As lições da doutrina são precisas sobre o tema.

Para ORLANDO GOMES "a distinção entre as obrigações de dar e as de fazer deve ser traçada em vista do interesse do credor (...). Nas obrigações de dar, o que interessa ao credor é a coisa que lhe deve ser entregue, pouco lhe importando a atividade do devedor para realizar a entrega. Nas obrigações de fazer, ao contrário, o fim é o aproveitamento do serviço contratado".

O interesse do credor, portanto, pode estar voltado, preponderantemente, para um bem ou para um comportamento do devedor. No primeiro caso, a prestação a que faz jus o credor é a de dar; na segunda, a de fazer.

Entre o seu surgimento e a sua extinção, a relação - colocado à parte o direito à remuneração - fica na dependência do comportamento-fim imputado ao devedor. Tal comportamento pode ser um ato simples, unitário, facilmente identificado; ou pode ser complexo, caso em que requer a observância de etapas, para que o fim contratado seja atingido.

AIRES FERNANDINO BARRETO esclarece que a prestação de serviço tributável é tão-somente aquela que atinge o fim do contrato, "Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere...".

Sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de "prestação-fim", saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas "prestações-meio" da sua realização.

Independe, para que um ato do devedor seja tido como prestação-meio, tratar-se de um fazer ou de um dar. O elemento decisivo está na prestação-fim, que definirá se há ou não incidência do ISS.

Disso se extrai o critério não só aplicável para o estudo do tributo em exame. Serve, de igual modo e com a mesma precisão, para a explicação da incidência de outros tributos presentes no sistema. Identificado o fazer como uma atividade-meio do dar, é neste que se deve focar, quando relevante, a adequação do seu conceito à previsão normativa.

Não se deve confundir, todavia, a prestação-fim com o ato concreto final do comportamento exigido do prestador, eis que este, mesmo tratando-se de prestação de serviço, pode consistir em um dar. Realmente. Quando um alfaiate é contratado para confeccionar uma roupa, a prestação-fim da relação é, não temos dúvidas, o comportamento de entregar a roupa feita a quem a encomendou. Isso não se altera pelo fato de que a prestação-fim somente poderá ser tida como ocorrida quando da entrega da roupa pelo alfaiate ao seu cliente que, em última análise, caracteriza um dar. Em outras palavras, a simples entrega do resultado da prestação do serviço, do prestador ao tomador, não é fato capaz de alterar a natureza jurídica da prestação, que é de fazer. Como será visto adiante, o "serviço", entendido como o resultado da prestação de fazer, pode ser um bem corpóreo, que, de alguma maneira, será entregue ao tomador, sem que isso possua qualquer relevância para definir a incidência do ISS, haja vista não perfazer elemento suficiente para descaracterizar a prestação de serviço.

Outra observação deve ser feita, seguindo a lição de MARÇAL ]USTEN FILHO. Esse autor chama a atenção para o fato de que há obrigações de fazer de duas espécies bem definidas, quais sejam, aquelas que se esgotam em si mesmas, como as prestações de trabalho e as que se caracterizam pela realização de um novo negócio jurídico. Cita, como exemplo da segunda espécie, os "...'pré-contratos': em que as partes se obrigam a um fazer consistente na pactuação futura de um contrato".

Quando a prestação de fazer corresponder ao ato de estabelecer novo acordo de vontades, inexiste esforço humano tributável. Seja qual for o objeto da nova relação jurídica, certo é que, contratar, por si só, não é comportamento alcançado pelo ISS. A hipótese normativa do imposto não reconhece, para fins de incidência, nem o ato de contratar a prestação do serviço e nem o ato de pactuar prestação de outra natureza. Some-se a isso o fato de que, quando as partes pactuam a celebração de um contrato futuro, inexiste um comportamento de alguém voltado ao benefício de terceiro. Não se trata, propriamente, de uma prestação de serviço, porque os contratantes simplesmente estabelecerão as condições em que, diante da relação jurídica vindoura, aí sim, uma fará (ou dará) alguma coisa em proveito da outra.

Outrossim, o dever de contratar não caracteriza uma relação de conteúdo patrimonial, eis que não se estabelece uma remuneração para tal conduta. E quando o pré-contrato prevê multa para a hipótese de não contratação futura, o valor correspondente perfaz a prestação de norma jurídica sancionatória, não se confundindo com remuneração pela prestação de serviço. Excetua-se dessa hipótese, contudo, o caso em que alguém é contratado, onerosamente, para representar alguém na celebração de uma relação jurídica futura, como ocorre nos contratos onerosos de mandato. Em tal circunstância, entendemos, o mandatário age como prestador de um serviço ao mandante e, como tal, sujeito à incidência do ISS.

A prestação de serviço tributável pelo ISS é, pois, entre outras coisas, aquela em que o esforço do prestador realiza a prestação-fim, que está no centro da relação contratual, e desde que não sirva apenas para dar nascimento a uma relação jurídica diversa entre as partes, bem como não caracterize prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal ou de comunicação, cuja tributação se dará pela via do ICMS." (in obra citada, 1ª Ed., Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2005, págs. 281/286)

Aires F. Barreto também discorre sobre o tema, asseverando que "são comuns as hipóteses nas quais os particulares avençam, a um só tempo, negócios jurídicos que importam a transferência da titularidade de mercadoria e, concomitantemente, a prestação de esforço humano, em caráter negocial". Diante desta constatação, alerta o citado doutrinador:

"Nesses casos, exige-se toda cautela - do legislador, do intérprete e do aplicador da lei - a fim de que não se fira a Constituição. É que Ihes cabe, mesmo diante de um cipoal de fatos, discernir, à luz dos critérios constitucionais, os fatos subsumíveis ao ICMS e os oneráveis pelo ISS. A correta interpretação das competências exige, nesses casos, a aguda e percuciente observação de cada fato, a fim de que não se conclua pela sujeição ao ISS, de negócios jurídicos mercantis ou, ao ICMS, de serviços (exceto os dois já referidos).

Tenha-se presente que, usando de sua liberdade negocial, os particulares podem produzir fatos complexos, estabelecendo negócios que se consubstanciam, concomitantemente, em prestação de serviços e em venda de mercadorias. Mesmo quando referidos num só instrumento de contrato, pode-se discernir, juridicamente, esses dois objetos, embora o interesse das partes seja global e uno.

É imperioso estremá-los, a fim de sujeitá-los a um e outro ou a um ou outro, na exata medida das respectivas competências privativas. O caminho a ser trilhado - único conducente à separação consentânea com o sistema constitucional - exige digressão em torno das obrigações de dar e de fazer, categorias gerais do direito, amplamente estudadas pelos civilistas.

A distinção entre dar e fazer como objeto de direito é matéria das mais simples. Basta - aos fins a que nos propusemos - salientar que a primeira (obrigação de dar) consiste em vínculo jurídico que impõe ao devedor a entrega de alguma coisa já existente; por outro lado, as obrigações de fazer impõem a execução, a elaboração, o fazimento de algo até então inexistente. Consistem, estas últimas, num serviço a ser prestado pelo devedor (produção, mediante esforço humano, de uma atividade material ou imaterial).

Nas obrigações de fazer segue-se o dar, mas este não se pode concretizar sem o prévio fazimento, que é o objeto precípuo do contrato (enquanto o "entregar" a coisa feita é mera conseqüência).

Essa diferenciação entre as obrigações de dar e de fazer - de extrema relevância para apartar os fatos tributáveis pelos Estados dos graváveis pelos Municípios - é magistralmente demarcada por Washington de Barros Monteiro:

"O 'substractum' da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-Ia, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer."

Orlando Gomes, na sua excelente obra a respeito, distingue, com rara felicidade, a obrigação de dar da obrigação de fazer: Eis suas lições:

"Nas obrigações de dar, o que interessa ao credor é a coisa que lhe deve ser entregue, pouco lhe importando a atividade de que o devedor precisa exercer para realizar a entrega. Nas obrigações de fazer, ao contrário, o fim que se tem em mira é aproveitar o serviço contratado."

O eminente doutrinador pátrio, Clóvis Beviláqua, é preciso ao conceituar as obrigações de dar:

"Obrigação de dar é aquela cuja prestação consiste na entrega de uma coisa móvel ou imóvel, seja para constituir um direito real, seja somente para facilitar o uso, ou ainda, a simples detenção, seja finalmente, para restituí-la a seu dono."

Para distinguir as obrigações de dar e as obrigações de fazer, Orozimbo Nonato ressalta que aquelas "têm por objeto a entrega de uma coisa ao credor, para que este adquira sobre a coisa um direito, enquanto as obrigações de fazer têm por objeto um ou mais atos do devedor, quaisquer atos, de fora parte a entrega de uma coisa".

Em resumo, nas obrigações ad dandum ou ad tradendum consiste a prestação em entregar alguma coisa (dar), enquanto as infaciendo referem-se a ato ou serviço a cargo do devedor (prestador).

A doutrina admite, excepcionalmente, casos em que o dare e o facere praticamente se entrelaçam, tornando sobremodo difícil concluir pela efetiva natureza do vínculo obrigacional.

Dessa rápida análise da posição da doutrina já é possível concluir que o regime jurídico tributário a que se subordinam certos fatos exige se perquiram com a profundidade requerida - a natureza e objeto do contrato em conseqüência do qual se produzem os fatos considerados.

De um lado, é exato que o ICMS incide sobre contratos (operações mercantis, reguladas pelo Direito Obrigacional), necessariamente configuradores de "obrigações de dar" mercadoria; de outro, é correto que o ISS incide sobre o fato "prestar serviços" (obrigações de fazer). Advirta-se, todavia, para a circunstância de que, se é certo afirmar que o ISS incide sobre o contrato de prestação de serviço, não é menos correto asseverar que não há serviço tributável que não decorra de um contrato, cuja natureza seja a de uma "obrigação de fazer". Meticuloso exame do contrato ilumina a compreensão do fato (que dele é objeto), sendo, pois, decisivo para qualificação jurídica deste.

Examinadas, em rápida síntese, as obrigações de dar e de fazer, cumpre extrair as implicações dessas premissas: só pode incidir ISS onde haja obrigação de fazer. Deveras, acolhendo as distinções que com o Mestre Geraldo Ataliba fizemos, já nos idos de 1980, Marçal Justen Filho, em magnífica obra sobre ISS, enfatiza que as obrigações de dar não podem ensejar a exigência de ISS:

"Restam, então, as obrigações de prestação positiva. E, dentro delas, as obrigações de fazer, pois elas é que podem produzir uma prestação de esforço pessoal, caracterizadora de serviço tributável por via do ISS; As obrigações de dar não conduzem a um serviço prestado. A prestação do esforço caracterizadora do serviço é qualificável juridicamente como execução de uma obrigação de fazer."

De fato, obrigação de dar jamais pode conduzir à exigência de ISS, porquanto serviço se presta mediante um facere. Em outras palavras, serviço faz-se, não se dá.

Em suma: nas obrigações ad dandum ou ad tradendum consiste a prestação em entregar alguma coisa (dar), enquanto que as infaciendo se referem a ato ou serviço a cargo do devedor (prestador).

Consistindo o conceito de serviço tributável por via de ISS no esforço humano a terceiros, segue-se, inexoravelmente, que só pode abranger as obrigações de fazer (e nenhuma outra)." (in obra citada, págs. 42/45)

Deveras, o Código Tributário Nacional, como de sabença recepcionado como lei complementar, tratava dos Impostos sobre Serviços de Qualquer natureza, em seus artigos 71 a 73, revogados pelo Decreto-Lei nº 406/68, que estabeleceu normas gerais de Direito Financeiro, aplicáveis ao ICMS e ao ISS.

Consoante o aludido decreto-lei, constituía fato gerador do ISS a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa ao diploma legal, ainda que sua prestação envolvesse o fornecimento de mercadoria.

Na citada lista de Serviços, anexa ao Decreto-Lei 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, encontrava-se elencada a seguinte atividade:

"48. Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação (factoring) (excetuam-se os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);"

Destarte, a franquia não era listada como serviço pelo legislador complementar, mas, sim, as atividades de corretagem, agenciamento e intermediação que a tivessem por objeto, contexto que restou modificado pela Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, que revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12, do Decreto-Lei 406/68, bem como a Lei Complementar 56/87, entre outros dispositivos legais.

A referida lei complementar dispõe sobre o ISS e, em seus artigos 1º e 2º, prescreve o campo de incidência do ISS:

"Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.

§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

§ 3º O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

§ 4º A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.

Art. 2º O imposto não incide sobre:

I - as exportações de serviços para o exterior do País;

II - a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados;

III - o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.

Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior."

Os Itens 10 (Subitem 10.04) e 17 (Subitem 17.08), da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, assim discriminam:

"10 - Serviços de intermediação e congêneres.

(...)

10.04 - Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring).

(...)

17 - Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres.

(...)

17.08 - Franquia (franchising)."

Sérgio Pinto Martins, na obra intitulada "Manual do Imposto Sobre Serviços", ao discorrer sobre o Subitem 17.08, da Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar 116/03, assinala o seguinte:

"(...)

Franquia: Utiliza-se o termo franquia ou franchising. O vocábulo franchising provém do inglês franch, que teve origem no francês medieval franc, surgindo francher, no sentido de outorga de privilégio, uma forma de autorização ou abandono de servidão. Franchising, do verbo to franch, constitui um instrumento destinado a fomentar processos de venda e distribuição em série, com características específicas.(...)

No Brasil, segundo Rubens Requião (1978:43), o contrato examinado apareceu sob a forma de concessão mercantil, como no técnica de distribuição de filmes cinematográficos das grandes empresas que detinham a marca dos conceituados estúdios norte-americanos, passando a ser posteriormente utilizado pela indústria. As empresas importadoras de veículos também começaram a utilizar o instituto, mediante concessão exclusiva, para a distribuição dos veículos importados que ingressaram em nosso país.

Podemos conceituar o franchising como o negócio jurídico pelo qual uma pessoa concede, a outra, o direito de usar sua marca ou de comercializar seus produtos ou de terceiros ou de prestar serviços, de maneira contínua, com o fornecimento de assistência técnica, inclusive comercial e de publicidade dos produtos, que pode ser limitada a determinado espaço geográfico de acordo com uma remuneração ajustada entre os contratantes.

(...)

São partes neste contrato o franchisor (o franqueador), aquele que cede o uso da marca ou dos produtos; e o franchisee (franqueado), que é quem se compromete a utilizar a marca, vender os produtos, ou que vai fazer a prestação de serviços.

É, portanto, um contrato bilateral (envolvendo duas partes), consensual (torna-se obrigatório pela simples manifestação da vontade dos contratantes), oneroso (resulta do proveito que as partes têm na franquia, uma ao concedê-la, a outra ao utilizá-la, mediante o pagamento de uma importância), de duração (de prazo determinado ou indeterminado) e, na maioria nos casos, de adesão.

Normalmente, é feito entre empresas, mas pode ser realizado entre uma empresa e uma pessoa física ou comerciante individual.

O objeto do contrato é a cessão do uso da marca, que pode ser cedida em conjunto ou não com o produto, ou o título do estabelecimento ou nome comercial.

É comum haver a prestação de assistência técnica do franqueador ao franqueado.

Cobra-se, às vezes, uma taxa de adesão ao contrato, ou, então, um preço pelo uso da marca, ou, ainda, uma porcentagem sobre o faturamento, o que é mais usual, como ocorre em relação ao movimento das lojas dos shopping centers.

(...)

Orlando Gomes entende que é um contrato autônomo, de natureza híbrida, que se aproxima da concessão mercantil exclusiva, da distribuição, do fornecimento e da prestação de serviços (1979:576).

(...)

Os lineamentos básicos da franquia são os seguintes: (a) concessão do uso da marca e do título do estabelecimento, se for o caso, pelo franqueador; (b) promoção e publicidade em favor do franqueado, por parte do franqueador; (c) transferência dos direitos da franquia às pessoas expressamente designadas; (d) colocação pelo franqueado da marca em todos os recipientes, utensílios, papéis etc. necessários ao exercício do comércio.

(...)

Em regra, o franqueado é independente do franqueador e autônomo, possuindo empresa própria, empregados próprios, administração própria, não se confundindo com a empresa que lhe cede a marca.

O contrato de franchising engloba um contrato de assistência técnica a ser prestado pelo franqueador; pode conter um contrato de transferência de tecnologia ou licença para uso do sistema ou método - que, geralmente, é gratuito - e um compromisso para fornecimento pelo franqueador ao franqueado dos bens e/ou serviços objeto do pacto, havendo, ainda, um contrato oneroso de prestação de serviços de assistência mercadológica.

O preço das mercadorias a serem vendidas pelo sistema examinado é comumente fixado pelo franqueador. Sobre ele é dado um abatimento ao franqueado, que vem a se constituir no lucro deste na comercialização realizada.

(...)

O contrato de franquia envolve cessão de marca, transferência de tecnologia, assistência técnica. É um conjunto de fatores e não prestação de serviços. Esta, quando existente, é indissociável dos outros fatores. O franqueado não presta serviços ao franqueador ou vice-versa. Franquia não é serviço. É cessão de direitos.

A supervisão de rede, orientação, treinamento do franqueado e de seus funcionários, escolha de ponto é obrigação de meio para a realização da franquia e não serviço.

A lei tributária não pode estabelecer um conceito diverso do previsto no Direito Comercial (art. 110, do CTN) para alterar a definição do instituto e considerá-lo como serviço, que não é.

(...)

A franquia é um contrato complexo. Não é exatamente serviço.

(...)" (In obra citada, 7ª ed., Ed. Atlas, São Paulo, 2006, págs. 272/278)

Aires F. Barreto bem elucida a natureza jurídica do contrato de franquia, verbis:

"A franquia é materializada por contrato de cunho mercantil que resulta do acordo de vontades entre o titular da marca (designado concedente ou franqueador) e o cessionário desses direitos de uso de marca, intitulado franqueado.

Para atingir o fim do contrato, consubstanciado no direito de uso dos produtos ou serviços representados pela marca, o franqueado ou franqueador assumem deveres heterogêneos - gerados para ambas as partes - visando à consecução do contrato, qual seja, o direito de uso dos produtos ou serviços representados pela marca.

O conteúdo do contrato de franquia envolve obrigações de dar, de fazer e de não-fazer. Disso decorre a complexidade do contrato de franquia e a inexorável impossibilidade de dissociação dos diversos elementos do contrato, para fins de consideração jurídica.

(...)

Não é possível seccionar o contrato de franquia em vários outros, para considerá-lo de per si. O contrato de franquia é contrato misto, complexo, indivisível. Não se confunde com contratos coligados.

Como ensina Orlando Gomes, quando há contratos coligados, existe duplicidade contratual, cada qual com causa própria. A união dos contratos, muito embora consustanciam-se num mesmo instrumento, concluindo-se num mesmo átimo, é exógena ou externa. Cada qual mantêm individualidades e autonomias próprias. Não há que se cogitar de fusão, isto é, embora ocorra a acumulação, não se tem por resultado um contrato unitário.

Na estruturação e na eficácia, distinguem-se os contratos coligados dos contratos mistos. A coligação dos contratos não acarreta a perda da individualidade dos contratos, ao contrário do misto. Na coligação, os contratos são autônomos, mas se ajustam, unem-se em relação de união com dependência, de união alternativa ou união meramente exterior.

(...)

A seu turno, nos contratos mistos, dentre suas subsespécies, destacam-se os contratos complexos, em que as diversas prestações correspondem várias contraprestações. No contrato coligado, cada figura contratual apresenta autonomia funcional, mesmo naquela hipótese onde um dos contratos não possa existir autonomamente. Já no contrato complexo (misto), há uma unidade de causa, uma função jurídica específica, que somente é preenchida pela conjugação de diversas cláusulas e condições. É o que se verifica irretorquivelmente no contrato de franquia.

(...)

Em suma, a franquia é um contrato misto, do tipo complexo. Ao franqueador incumbe, fundamentalmente, conceder licença para o uso da marca. A essa obrigação se conjugam elementos: contratos completos, prestações típicas inteiras, ou elementos mais simples de outros contratos. Tem-se aí uma unidade contratual. Não há como separar esses diversos elementos porque, absorvidos, fundidos, amalgamados no contrato de franquia, perdem totalmente sua individualidade, deixando de ser autônomos. Dentre eles, despontam as atividades necessárias à consecução da franquia, sob pena de desnaturação do contrato." (In "ISS na Constituição e na Lei", 2ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, págs. 210/213)

Arremata o insigne tributarista que "é inequívoca a intributabilidade, por via de ISS, da atividade de franquia", uma vez que "o franchising (espécie de cessão de direitos) não se subsume ao conceito constitucional de serviços tributáveis por esse imposto municipal; conseqüentemente, dita atividade econômica não está abrangida pela competência tributária atribuída aos Municípios pela Constituição Federal", o que torna inarredável a ofensa ao texto constitucional pelo Subitem 17.08 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003 (In obra citada, pág. 219).

Forçoso relembrar que, consoante o voto que se sagrou vencedor no Plenário da Excelsa Corte (RE 116121/SP), "há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo em comento".

A mera inserção da operação de franquia no rol de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo indissociável de obrigações de dar, de fazer e de não fazer.

Destarte, revela-se inarredável que a operação de franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), escapando, portanto, da esfera da tributação do ISS pelos municípios.

As proposições acima conduzem à inequívoca inconstitucionalidade do subitem 17.08, da relação anexa à Lei Complementar 116/2003, que prevê a incidência do ISS sobre a franquia, por isso que se conjura a incompetência imediata do STJ para a análise de recurso que contenha essa antinomia como essência em face da repartição constitucional que fixa os lindes entre esta E. Corte e a Corte Suprema.

Deveras, a mesma competência foi exercida pela Corte Suprema na análise prejudicial dos conceitos de faturamento e administradores e autônomos para os fins de aferir hipóteses de incidência, mercê de a discussão travar-se em torno da legislação infraconstitucional que contemplava esses conceitos, reproduzindo os que constavam do texto maior.

Aliás não é por outra razão que o CPC dispõe no artigo 543 que:

"Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

(...)

§ 2º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

(...)"

Sobressai, desta sorte, imprescindível a manifestação da Corte Suprema sobre o thema iudicandum, suscitado de forma explícita ou implícita em todas as causas que versam sobre a competência tributária municipal, essência manifesta das decisões que tem acudido ao E. STJ.

Assim, as conclusões e premissas de índole notadamente constitucional, sem as quais não sobreviveria o aresto recorrido, impõem timbrar seu fundamento constitucional para, na forma da jurisprudência cediça na Corte, não conhecer do recurso especial.

(...)

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 10, segundo a qual: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Ex positis, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, com fulcro no artigo 557, caput, do CPC."

Destarte, resta evidenciado que o agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão ora hostilizada, razão pela qual merece a mesma ser mantida por seus próprios fundamentos.

Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

AgRg no

Número Registro: 2007/0115791-3 REsp 953840 / RJ

Números Origem: 200601741227 200613505509 200613603008 200613706298 55092006 62982006

EM MESA JULGADO: 20/08/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. IVALDO OLÍMPIO DE LIMA

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: JOSÉ EDUARDO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE E OUTRO(S)

RECORRIDO: CONCENTRO MARCAS LTDA

ADVOGADO: HELOÍSA MARIA DE QUEIROZ TOURINHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Impostos - ISS/ Imposto sobre Serviços

AGRAVO REGIMENTAL

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: JOSÉ EDUARDO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE E OUTRO(S)

AGRAVADO: CONCENTRO MARCAS LTDA

ADVOGADO: HELOÍSA MARIA DE QUEIROZ TOURINHO E OUTRO(S)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Benedito Gonçalves (Presidente) e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, por motivo de licença, a Sra Ministra Denise Arruda.

Brasília, 20 de agosto de 2009

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

Documento: 905297

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 14/09/2009




JURID - Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. ISS. [15/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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