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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

JURID - Ação ordinária. Contrato de crédito. Devedor menor incapaz. [14/09/09] - Jurisprudência


Ação ordinária. Contrato de abertura de crédito. Devedor menor absolutamente incapaz. Ausência de capacidade.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG

Número do processo: 1.0145.07.408214-3/001(1)

Relator: MARCELO RODRIGUES

Relator do Acórdão: MARCELO RODRIGUES

Data do Julgamento: 29/07/2009

Data da Publicação: 31/08/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. DEVEDOR MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE. ELEMENTO ESSENCIAL DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. NULIDADE DECLARADA DE OFÍCIO. VOTO VENCIDO. A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, motivo pelo qual, verificando-se que negócio jurídico carece de um desses elementos essenciais, não deve subsistir, impondo-se a declaração de sua nulidade, posto absoluta, até mesmo de ofício pelo julgador quando constatá-la. Tendo sido os contratos de abertura de crédito e de seguro celebrados com utilização de documentos falsificados de menor absolutamente incapaz, que assinou pessoalmente todos os instrumentos, sem prévia autorização judicial e qualquer menção a aquiescência de sua representante legal, devem ter sua nulidade declarada, determinando-se o retorno das partes a seu estado anterior, em razão de vício essencial a sua validade. V.v.: Tem-se que no âmbito de abrangência da solidariedade vão ser alcançadas tanto a boa-fé objetiva, quanto a função social do contrato, e qualquer ato praticado sem estes imperativos devem ser considerados, abuso de direito, ainda que respaldado em lei.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.07.408214-3/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - 1º APELANTE(S): SABEMY SEGURADORA S/A - 2º APELANTE(S): ALTIELLY MONTES DA SILVA REPRESENTADO(A)(S) P/ MÃE FLÁVIA CRISTINA DA SILVA - APELADO(A)(S): SABEMY SEGURADORA S/A, ALTIELLY MONTES DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. MARCELO RODRIGUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DE OFÍCIO, DECLARAR A NULIDADE ABSOLUTA DO CONTRATO, EXTINGUINDO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, PREJUDICADOS OS RECURSOS, VENCIDO O RELATOR.

Belo Horizonte, 29 de julho de 2009.

DES. MARCELO RODRIGUES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

SESSÃO DO DIA 15/04/2009

O SR. DES. DUARTE DE PAULA:

VOTO

Eu peço a palavra, pela ordem.

Trata-se de ação ordinária intentada por ALTIELLY MONTES DA SILVA, representado por sua mãe, FLÁVIA CRISTINA DA SILVA, contra SABEMI SEGURADORA S.A., alegando ter celebrado com a ré contrato de empréstimo, cujo pagamento das parcelas vem sendo consignado em folha de pagamento da pensão recebida pelo menor e autor, que vem sofrendo também desconto de valor a título de seguro, que foram mantidos, mesmo depois de ter efetuado novo empréstimo. Pretende, assim, a suspensão dos descontos realizados ou sua limitação a 30% da pensão recebida, buscando, ainda, a revisão dos valores debitados a título de encargos financeiros, com exclusão dos juros acima de 12% ao ano e capitalização, com correção monetária pelo IGP-M, bem como a condenação da ré ao pagamento de danos morais em decorrência da venda casada do seguro e repetição dos valores pagos a maior.

A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, determinando a observação pela ré do limite de 30% para os descontos das parcelas dos empréstimos contratados, indeferindo o pedido de indenização por danos morais e ressarcimento de quantias descontadas a título de seguro e valores recebidos a maior por falta de prova.

Inconformados com a r. sentença, recorreram a empresa ré e o autor, conforme as respectivas razões de f. 218/221 e f. 224/227.

Pretende a empresa ré, 1ª apelante, a reforma parcial da r. decisão para que sejam limitados os descontos a 70% dos proventos dos rendimentos do apelado, invocando a aplicação da Medida Provisória 2.215-10/2001.

Já o menor autor, 2º apelante, almeja a reforma da r. sentença, mediante alegação de que os documentos apresentados pela ré são falsos e não podem ser considerados pelo juízo, na medida em que apesar de terem se referido a empréstimo, nem ele menor, absolutamente incapaz, nem a sua representante, assinaram contratos com as cláusulas apresentadas pela ré, que falsificou sua identidade para alterar sua data de nascimento e conseguir liberar o crédito, tratando-se, portanto, de contrato nulo, já que tinha apenas oito anos de idade à época da contratação. Sustenta, ainda, ter a ré procedido de má-fé também ao efetuar os descontos em sua pensão, e com juros extorsivos, praticando, ainda, a venda casada, devendo por isso ser penalizada pelo ato ilícito praticado. Por fim, não nega a realização dos empréstimos, mas discorda da forma como foram dispostos em contrato, motivo pelo qual requer a procedência de seus pedidos iniciais, observando ainda que não pede pela nulidade dos contratos como forma de se eximir do pagamento.

Tendo em vista as matérias abordadas no segundo recurso, devem ser analisadas antecipadamente, tendo em vista a prejudicialidade das questões nele tratadas, até mesmo quanto à validade do ajuste contratual.

No que se refere à nulidade dos contratos de empréstimo celebrados pelas partes, não vejo como deixar de afastá-la, não podendo, a meu ver, considerar-se ratificado o ato pelo menor praticado, em virtude da anuência de sua representante legal aos termos do negócio firmado, que é viciado pela imprestabilidade.

Sabe-se que a validade do negócio jurídico requer dentre seus requisitos o agente capaz, nos termos do art. 104, I do Código Civil/2002, posto que se exige daquele que pretende celebrar o negócio a necessária aptidão para praticar os atos da vida civil.

Por sua vez, o art. 166, I, do Código Civil comina a sanção da nulidade absoluta ao negócio jurídico celebrado por pessoa absolutamente incapaz, fato que afronta o interesse público, nesse caso de proteção ao menor e aos que não possuem o domínio de sua capacidade civil, elencando, por sua vez, o art. 3º do mesmo Código, dentre aqueles considerados absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil, os menores de dezesseis anos.

No caso dos autos, não estamos diante de mera invalidade do instrumento que retrata o negócio jurídico em questão, mas de total imprestabilidade desse negócio em si, já que não se pode fechar os olhos as diversas irregularidades apresentadas quando da celebração das avenças, que são, como bem ressaltado pelo douto Procurador de Justiça, em seu parecer de f. 256/259, indicativas de fraude na contratação, diante das falsificações de documentos, constatadas sem exigência de muito esforço ou de perícia.

Não se pode, a meu ver, desconsiderar que os cartões-proposta de adesão a seguro de acidentes pessoais coletivos, de f. 93 e f. 94, realizados em 01/11/2005, apresentam como data de nascimento do menor 06/10/1978, enquanto teria o mesmo nascido em 06/10/1998, conforme se vê da certidão de nascimento de f. 122, dele constando a assinatura do menor e não de sua representante, o que também ocorreu com o requerimento assinado no mesmo dia para desconto de valor em folha de pagamento em favor da empresa ré. Da mesma forma, adulterando dados do menor, foram celebrados os contratos de abertura de crédito de f. 96 e 97, neles encontrando a assinatura do menor. É tão absurda a falsificação dos dados que, da simples visualização da carteira de identidade de f. 98, se constata uma fotografia e uma digital de criança, com data de nascimento de um adulto nascido em 1978.

Todos esses documentos foram apresentados em cópias autenticadas às f. 172/175, a pedido do Promotor de Justiça, vindo novamente aos autos cópias às f. 187/198, constando de todas elas apenas as assinaturas do menor, sem nenhuma anotação ou assinatura de sua mãe ou mesmo a substituição de tais documentos por outros por ela assinados, até porque, se o então contratante havia, conforme os dados constantes do documento nascido em 1978, em 2005 e 2006, quando celebrou os contratos, já contava com 27 anos, não sendo, pois, absolutamente capaz, o que dispensava a participação de qualquer representante no negócio jurídico.

Ora tais fatos permitem-nos concluir que, se não tinha a ré conhecimento da incapacidade do agente com quem estava celebrando os dois contratos de abertura de crédito e o seguro, deveria, ao menos, dela suspeitar, tendo em vista os diversos indícios de fraude dos dados do autor diante dos documentos que lhe foram apresentados.

Com efeito, não se pode, ao meu entendimento, diante dos documentos juntados aos autos, considerar ratificado o ato praticado pelo menor, pois em nenhum deles consta declaração da mãe nesse sentido, não podendo ser considerado para o fim de ratificação as afirmações constantes da petição inicial da presente ação, até porque padecem dos mesmos vícios, que não convalidam o ato jurídico absolutamente nulo e imprestável, e por faltar-lhes o induvidoso assentimento do modo como foram deduzidas.

Não há, portanto, como manter a validade do negócio jurídico entabulado pelas partes, por não preencher os requisitos legais de validade, faltando a capacidade do autor para que pudesse praticar tal ato da vida civil, padecendo, portanto, de nulidade absoluta, para gerar qualquer efeito, na medida em que não tinha capacidade e nem muito menos a havia regular representação para contrair tais obrigações, impedindo, ainda, a meu ver, qualquer aproveitamento do negócio jurídico o fato de ter causado prejuízo aos interesses do menor, que justamente veio a juízo para remediá-los.

Cabe aqui ressaltar ainda que estabelece o próprio Código Civil limites ao poder de representação legal dos pais em relação aos interesses dos filhos, na medida em que dispõe no art. 1.691, não ser dado aos pais poder para contrair em nome de seus filhos obrigações, que ultrapassem os limites da simples administração de seu patrimônio, estabelecendo em tal situação a exigência de comprovação da necessidade ou do interesse da prole e ainda de prévia e necessária autorização do juiz para praticar o ato.

Esclarecedora acerca de tal questão da validade do negócio jurídico celebrado pelo representante do absolutamente incapaz é a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

"A declaração de vontade manifestada pelo incapaz entra no mundo fático (existe) mas não penetra no mundo jurídico (não vale). Para valer juridicamente teria de ter sido manifestada pelo representante legal. Somente este poderia querer pelo incapaz. Nem mesmo a autorização dada pelo representante à prática do negócio pelo incapaz o tornaria válido. Nem o representante poderia autorizá-lo ou dar-lhe poderes; nem o incapaz poderia, validamente, recebê-los.

Em alguns casos, nem mesmo a representação é suficiente para validar os negócios sobres do incapaz, pois a lei somente os permite se previamente autorizados pelo juiz (art. 1.691 e 1.748). Outras vezes, até mesmo com a autorização do juiz o negócio ainda será nulo, porque a lei o veda e nega validade à própria autorização judicial (ressalvas do art. 1691, caput, e do art. 1749)" (in "Comentários ao Novo Código Civil, Livro III - Dos fatos jurídicos, Do negócio jurídico, Volume III, Tomo I, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2008, p.432).

Em questões semelhantes relativas a validade de negócio jurídico celebrado por menor, já decidiu a jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INDENIZAÇÃO. É inexigível o débito contraído por menor absolutamente incapaz, quando ausente autorização do seu representante legal, não podendo subsistir as inscrições restritivas de crédito. Dano moral. Indenização fixada em dez salários mínimos. Apelo parcialmente provido" (TJRS, Apelação Cível 70024049330, 17ª Câmara Cível, Relatora Desª. Bernadete Coutinho Friedrich, J. 01/08/2008).

Neste esteio, não se pode reconhecer validade aos presentes negócios celebrados pelas partes, não havendo como afastá-los do campo das nulidades, até porque para que o negócio jurídico em questão pudesse ser confirmado pela mãe do menor, superando a falta do agente capaz, deveria ser considerado anulável e não nulo, como afirma o art. 166, I do Código Civil, pois o negócio nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169, Código Civil).

Novamente, a lição do grande mestre e processualista mineiro supracitado, na mesma obra, vem nos valer, à p. 532:

"Enquanto os negócios anuláveis podem ser naturalmente confirmados pelas partes, fazendo assim desaparecer o defeito que os atingia, o mesmo não se passa com os negócios nulos. Estes são verdadeiros natimortos. Surgem no mundo do direito sem vida e não é dado nem ao juiz suprir-lhes o vício profundo que lhes acarreta a invalidade, nem as partes a força de ratificá-los. Os vícios dessa espécie são insanáveis e insupríveis.

Nem mesmo a requerimento das partes (de comum acordo), não é dado ao juiz suprir a nulidade (art. 168, parág. único).

Se é do interesse das partes manter o acordo de vontades praticado de maneira nula, não podem lançar mão do expediente da confirmação (que nos negócios anuláveis afasta o defeito invalidante). Devem renovar o negócio, não no sentido de confirmá-lo, mas de celebrá-lo de novo, visto que do negócio nulo primitivo nenhum efeito vinculante decorre que possa ser validado ulteriormente".

Neste esteio, a ratificação que o douto relator afirma ter sido praticada pela representante do menor, não teria o condão de tornar válido o negócio celebrado pelo menor, posto viciado por nulidade absoluta, e a meu ver sequer poderia ocorrer, pois a ratificação deve ser feita pelo representado que teve um negócio realizado em seu nome e contra seus interesses e não pelo seu representante que praticou o ato inválido.

No que tange ao fato do autor não ter se utilizado do incidente de falsidade de documentos previsto no art. 390 do Código de Processo Civil, tenho que igualmente não se trata de impedimento ao conhecimento da nulidade aqui configurada, tendo em vista seu caráter absoluto, afrontoso ao interesse público, que faz com que diante de sua constatação esteja o juiz de ofício obrigado a reconhecê-la, ao invés de supri-las conforme acima já ressaltando, tendo em vista os termos do art. 168 e seu parágrafo único do Código Civil, que estabelece in verbis:

"Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las ainda que a requerimento das partes".

Dito isso, tem-se que mesmo não tendo o autor requerido na inicial dos presentes autos a declaração da nulidade total dos contratos em discussão, insistindo apenas em sua revisão, tenho que não há como subsistir o suposto negócio jurídico, por se mostrar patente que o apelado era incapaz ao tempo de sua celebração, não foi regularmente representado e não estava previamente autorizado pelo juiz para realizá-lo.

Com efeito, tendo em vista a nulidade dos contratos celebrados pelas partes, cujo reconhecimento opera efeitos ex tunc, que retroagem à data de sua celebração, faz-se necessário, a meu ver, para que as partes venham a ser restituídas ao estado anterior à contratação, que se proceda a um acertamento de valores, tendo em vista que não se pode negar os efeitos até então gerados pelos negócios em discussão, verificados na medida em que se constata, através do extrato de f. 103/104, ter a seguradora creditado em conta do autor o valor de cinco mil e quinhentos reais em 03/11/2005, valor que foi efetivamente por ele, por alguém por ele utilizado, vindo, em contrapartida, desde então, a seguradora a promover descontos em folha de pagamento do autor, para abatimento da dívida, o que apenas cessou com o deferimento de antecipação de tutela nos presentes autos.

Pelo exposto, de ofício, declaro nulo os contratos celebrados pelas partes, constantes das cópias autenticadas dispostas às f. 172/175, anulando em conseqüência a r. sentença atacada, para julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por falta de superveniente de interesse processual, já que uma vez declarado nulo o contrato, nada mais há que reclamar em relação as cláusulas e condições neles previstas, restando prejudicada a análise do 1º e do 2º recurso de apelação. Em decorrência, condeno o autor a devolver a seguradora os valores que recebeu a título de empréstimo, devidamente corrigidos desde o desembolso, devendo, em contrapartida, a seguradora restituir ao autor os valores, igualmente atualizados desde a data de cada desconto, que foram por ela apossados a título de seguro e de pagamento dos empréstimos, devendo tais valores serem apurados em liquidação de sentença. Tendo em vista o desfecho dado à lide, condeno a seguradora ré ao pagamento de 50% das custas processuais e recursais e honorários advocatícios em favor do procurador do autor, que fixo em um mil reais, arcando o autor com os 50% restantes das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da ré, também de um mil reais, encargos que suspendo, nos termos do art. 12 in fine da Lei 1.060/50, por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

Seguindo ainda recomendação do douto Procurador de Justiça determino seja encaminhada cópia do processo à Promotoria de Justiça Criminal da Comarca de Juiz de Fora.

O SR. DES. MARCELO RODRIGUES:

VOTO

O Relator está trazendo a apreciação desta matéria sob a roupagem de preliminar, razão pela qual eu vou pedir vista dos autos.

SESSÃO DO DIA 29/07/2009

O SR. DES. MARCELO RODRIGUES:

Este feito veio adiado da sessão do dia 29/07/2009, a pedido do Desembargador Relator após o Revisor suscitar preliminar de nulidade do contrato de empréstimo celebrado com menor para extinguir o processo sem julgamento de mérito.

O SR. DES. MARCELO RODRIGUES:

VOTO

Na sessão do dia pedi vista dos presentes autos para melhor analisar a preliminar suscitada pelo eminente Revisor Des. Duarte de Paula, e após detida análise das razões por ele apresentadas, com a devida vênia, ouso dissentir do seu judicioso voto, pelos motivos que se seguem.

Conforme bem observou o ilustre Promotor de Justiça à f. 207/208, nada obstante os documentos apresentados pela requerida (f. 93/97 e 172/176), encontrar-se com a assinatura do segundo apelante, que à época contava com aproximadamente 07 (sete) anos de idade, verifica-se que houve plena anuência da sua genitora e representante legal.

Vale dizer, nos termos da peça exordial apresentada à f. 02/11, a representante legal do segundo apelante, reconhece expressamente que foi celebrado um contrato de empréstimo no valor de R$5.000,00, tentando posteriormente firmar um novo contrato, o qual não foi aprovado, sendo autorizado apenas a denominada "recompra" do empréstimo anterior, onde foi liberado o crédito suplementar de R$1.080,00 (um mil e oitenta reais).

Ora, ainda que se deflagre uma nulidade in casu, pela contratação realizada por intermédio de um menor absolutamente incapaz, a expressa confissão de sua representante legal, implica na validação do negócio jurídico realizado, o qual acabou restando incontroverso nos autos.

E, a teor do disposto no art. 183, do Código Civil de 2002, tem-se que:

"A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio".

Conforme esclarece Matiello acerca do dispositivo supra citado:

"O instrumento constitutivo pode padecer de invalidade e ainda assim não afetar o negócio jurídico, mas somente quando este puder provar-se por outros meios ...embora celebrado por intermédio de instrumento inválido, o negócio jurídico persistirá em todas as suas conformações como se vício algum houvesse, contanto que provado por outros dos meios admitidos em lei..." (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado, São Paulo: LTr, 2002, p. 144).

Noutras palavras, considerando a idade do menor no momento da contratação (07 anos de idade), bem como a sua idade no momento da propositura da ação que visava precipuamente discutir cláusulas contratuais (08 anos e meio de idade), não há como negar que o negócio jurídico, embora esteja em seu nome, em verdade foi realizado com a sua genitora.

Ressalte-se que a tipicidade dos atos processuais advém das leis processuais e, principalmente da Constituição da República, que assegura as garantias individuais relativas ao processo, por meio de princípios processuais, como o devido processo legal, inserido no seu art. 5º, inciso LIV. Desta forma, visando a integridade processual não há espaço no campo constitucional, para eventual irregularidade sem que haja uma correspondente sanção.

Nessa dimensão de garantia, a desconformidade do ato que traz em sua essência algum tipo de vício, suficiente e capaz de atingir a sua eficácia deve expor uma gravidade tal, a atingir o próprio interesse público, para que se mostre passível de ser declarado de ofício.

Logo considerando os princípios gerais de direito que norteiam o sistema das nulidades, deve-se aferir em cada situação fática tanto o prejuízo causado pelo ato atípico, quanto a finalidade do ato, o interesse envolvido e a convalidação.

O princípio da convalidação surge in casu, como forma de se preservar a boa-fé contratual e os deveres anexos do contrato, quais sejam, informação, cooperação e proteção.

Tais deveres impõem às partes contratantes a obrigação de exercê-los para garantir a obtenção dos fins perquiridos na formação do contrato.

São obrigações de conduta, as quais exigem que as partes se comportem em conformidade com os ditames da boa-fé. Assim, é o conceito trazido por Teresa Negreiros, no qual são deveres anexos aqueles "não abrangidos pela obrigação principal que compõe o objeto do vínculo obrigacional, caracterizam a correção do comportamento dos contratantes, um em relação ao outro, tendo em vista que o vínculo obrigacional deve traduzir uma ordem de cooperação, exigindo-se de ambos os obrigados que atuem em favor da consecução da finalidade. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos paradigmas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 150).

Para Judith Martins-Costa, a boa-fé produz deveres instrumentais e avoluntaristas, que irão orientar a colaboração entre as partes, otimizando o comportamento contratual.

"São instrumentais os deveres decorrentes da boa-fé, porque, direcionando o contrato a sua função, operacionalizam a diretriz da solidariedade, e são avoluntaristas porque não derivam, necessariamente, do exercício da autonomia privada nem de punctual explicitação legislativa, mas têm sua fonte no princípio da boa-fé objetiva, incidindo em relação a ambos os participantes da relação obrigacional" (MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002ª, p. 634).

Constata-se que através da boa-fé objetiva, ao se analisar o caso concreto o julgador deve enxergar o contrato, além da sua mera forma instrumental, através do sistema aberto em toda a sua complexidade. É desta forma que a cláusula geral de boa-fé poderá servir como fonte para a solução do caso, e inclusive sanando irregularidades ou nulidades no negócio jurídico, para que o mesmo produza os seus efeitos e assim, ocorra a convalidação.

Neste contexto, reconhecer a nulidade do contrato celebrado entre as partes, determinando o imediato retorno das partes a seu statu quo ante, em razão da simples existência da assinatura de um menor, e em detrimento da clara manifestação de vontade de sua genitora na realização do negócio jurídico firmado, significaria autorizar que esta última se beneficiasse de sua própria torpeza.

Logo, deflagra-se um paradoxo principiológico, onde se de um lado se deve ressaltar o sistema das nulidades, como forma de enaltecer a segurança jurídica, de outro não se pode ignorar um princípio geral de direito, e a densidade constitucional do princípio da solidariedade e seus corolários da boa-fé objetiva e função social do contrato.

Frise-se que, o contrato de empréstimo foi firmado entre as partes, quando o apelante contava com apenas 07 anos de idade (nascido em 06.10.1998), vindo a presente ação a ser ajuizada em 15.06.2007, ou seja, quando o apelante sequer havia completado 09 anos de idade.

Significa dizer que todo o procedimento em verdade foi realizado pela genitora do apelante, desde a contratação até a presente impugnação judicial, velando a sua conduta própria através do instituto da representação.

Dadas estas considerações, embora reste evidente a nulidade do contrato assinado pelo menor, não se pode negar os efeitos do negócio jurídico travado entre a sua genitora e a primeira apelante, por meio dele.

E, se algum prejuízo se verificar para a esfera patrimonial do menor, em razão de atos irregularmente praticados em seu nome, tão logo atinja a maioridade, o ordenamento jurídico brasileiro disponibiliza-o todos os meios e instrumentos legais para se ver ressarcido dos eventuais danos sofridos.

Destarte, considerando o regular acompanhamento do feito pelo Ministério Público, tanto nesta instância superior, quanto em primeiro grau, diante da evidência de fraude e falsidades nos autos, imperioso remeter a cópia dos mesmos à Promotoria de Justiça Criminal da Comarca de Juiz de Fora, conforme requerido à f. 259-TJ.

Logo, REJEITO A PRELIMINAR SUSCITADA PELO REVISOR.

O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:

VOTO

Sr. Presidente, antes de reinclusão deste processo em pauta, examinei os autos e o fato quando da celebração do contrato de abertura de crédito, entendi com razão Vossa Excelência, na qualidade de Revisor, de que a parte, Altielly Montes da Silva, estava com dez anos de idade e assina um contrato bancário, de forma que a nulidade está flagrante nos autos, como frisou Vossa Excelência.

Assim, com a devida vênia, do ilustre Relator, estou acompanhando Vossa Excelência para na integra de vosso judicioso voto declarar absoluta nulidade do contrato. Extinguindo, inclusive, o processo sem julgamento de mérito, conforme assim dispôs Vossa Excelência.

SÚMULA: DE OFÍCIO, DECLARARAM A NULIDADE ABSOLUTA DO CONTRATO, EXTINGUINDO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, PREJUDICADOS OS RECURSOS, VENCIDO O RELATOR.




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