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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

JURID - Ação declaratória de isenção de imposto de renda. [18/09/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação declaratória de isenção de imposto de renda. Portador de Hepatite "C" crônica.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Apelação Cível Nº 70030546220

Vigésima Primeira Câmara Cível

Comarca de Porto Alegre

APELANTE: GILMAR DE AGUIAR BOTELHO

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. PORTADOR DE HEPATITE "C" CRÔNICA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SINTOMÁTICA DA DOENÇA. APRECIAÇÃO DA PROVA PERICIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO JUIZ. MOLÉSTIA INCURÁVEL. HEPATOPATIA GRAVE.

I- O Laudo Pericial não vincula o Juiz, segundo dispõe o artigo 436 do CPC, que agasalha o princípio da livre convicção contido no artigo 131 do mesmo Código.

Deveras, o sistema processual brasileiro, desde o Código de 39, acolheu o princípio da livre convicção que permite ao juiz, sem peias, amarras ou limitação legal, apreciar livremente as provas e lhes dar o valor que entender adequado. Mas para que a liberdade concedida ao juiz na apreciação das provas não signifique arbítrio, a parte final do artigo 131 lhe impõe o dever de indicar as razões e os motivos de seu convencimento.

O princípio vale, também, para a apreciação da prova pericial.

No caso, o laudo médico aduziu que o atual estágio da doença do periciado não caracteriza hepatopatia grave conforme os critérios estabelecidos pelo Manual de Perícia Médica do Ministério da Saúde para a concessão de aposentadorias e isenção do Imposto de Renda para servidores públicos.

Contudo, cuida-se de Hepatite "C" Crônica, sabido que a grande se não a totalidade dos microorganismos que conseguem cronificar-se no organismo humano, como no caso, tendem a se proteger seja da pressão imunológica, seja das drogas, mas lá permanecem em latência microbiológica. Por isso a mais das vezes não se manifestam por sinais clínicos, sintomáticos, ou mesmo em testes laboratoriais. Mas, oportunistas, a qualquer fraqueza imunológica conseguem se reativar.

Deste modo, por não ter se manifestado sintomaticamente a moléstia, quando do exame feito no Departamento Médico Judiciário, não quer dizer tenha o Autor dela ficado livre.

Mesmo inativado o vírus, a moléstia é incurável e quando muito diminui sua progressão. Como já comprometeu grave e irreversivelmente o órgão que ataca - o fígado - a Hepatite "C" Crônica evolui, fatal, progressiva e inexoravelmente para a cirrose, e em estágios mais avançados, à hemorragia digestiva, à encefalopatia e ao câncer de fígado, como consta do Relatório Médico.

II- O artigo 30 da Lei nº 9.250/95 elencou os requisitos para que os contribuintes possam gozar da isenção do IRPF.

Cuida-se de outorga de isenção, a que o artigo 111 do CTN clama por interpretação literal mas que, todavia, não impede ao intérprete ou o aplicador do direito de se valer "de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, historico e finalístico ou teleológico que integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas", como averbou o Ministro João Otávio de Noronha (RESP 411704/SC), para revelar, fundamentalmente, se a legislação se adapta ao preceito constitucional da defesa da dignidade humana.

Ora a isenção do Imposto de Renda para portadores de moléstias graves tem como finalidade diminuir o sacrifício do inativo, aliviando os encargos financeiros com o tratamento por Hepatite tipo "C" crônica, que são de vulto, como se sabe.

Isto, por certo, foi a intenção do legislador ao conceder o favor fiscal a quem padece de enfermidade grave, de modo que a regra positiva há de ser entendida de maneira que satisfaça o propósito.

III- Tudo leva à concluir que "HEPATITE 'C' CRÔNICA" constitui HEPATOPATIA GRAVE, por isso seus portadores, fazem jus ao benefício fiscal instituído pela Lei 7.713/88.

Apelo provido. Prejudicada a preliminar e o Agravo Retido. Unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso, prejudicada a preliminar e o agravo retido, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Francisco José Moesch (Presidente e Revisor) e Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2009.

DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Genaro José Baroni Borges (RELATOR)

Trata-se de Recurso de Apelação interposto por GILMAR DE AGUIAR BOTELHO contra sentença proferida na ação ordinária proposta contra o Estado do Rio Grande do Sul, objetivando a declaração de seu direito ao gozo de isenção de Imposto de Renda Retido na Fonte, por ser portador de HEPATITE "C" CRÔNICA, necessitando de constante acompanhamento médico.

A d. sentença não colheu o pedido sob o seguinte fundamento:

"Inicialmente aduzo que embora os médicos que assinaram o laudo por ocasião do pedido administrativo não fossem especialistas em gastroenterologia, são peritos credenciados e aptos para examinar, e analisar os documentos, emitindo parecer de acordo com as normas técnicas aportadas no documento. E mais, não se diga que o autor não apresenta problemas de saúde, por que isso jamais foi contestado. Contudo, o que foi apurado naquele momento e confirmado pela prova judicial realizada é que a doença que acomete o autor não é considerada grave para fins de isenção do imposto de renda.

(....)

Afirmou o perito judicial que o autor é portador de Hepatite C, sendo tratado de forma bem sucedida, de modo que o estágio atual da doença não caracteriza hepatopatia grave." (fls. 428/429).

Em sede de apelação, requer o Autor apreciado o Agravo Retido, suscita preliminar de cerceamento de defesa, e, al fim, pugna pelo provimento, repisando os termos da inicial.

Com a resposta do Estado e parecer do Ministério Público pelo desprovimento, chegaram os autos ao gabinete para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Genaro José Baroni Borges (RELATOR)

Como encaminho o voto pelo provimento da Apelação, como se verá, deixo de apreciar o Agravo Retido e a preliminar de cerceamento de defesa, por tudo prejudicados.

Certo, e bem admite a d. sentença, "não se diga que o autor não apresenta problemas de saúde, porque isso jamais foi contestado".

E que problema! É portador de Hepatite "C" Crônica, comprovada por exames laboratoriais (fls. 34/37) e anatomopatológico (fl. 47), ainda atestada por Relatório Médico (fl. 51).

Por conta disso, consta das fls. 33/39, pleiteou administrativamente, posto que aposentado, o reconhecimento da isenção do IRPF, nos termos da Lei 7.713/88 e posteriores alterações, "verbis":

"Art. 6º - Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(.......)

XIV- os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, HEPATOPATIA GRAVE, estados avançados da doença de Paget ( osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenho sido contraída depois da aposentadoria ou reforma." ( o destaque não consta do original)

A autoridade fazendária encaminhou o pedido ao Departamento de Perícia Médica da Secretaria Estadual da Administração e Recursos Humanos que assim se pronunciou:

"O Departamento de Perícia Médica, após avaliação especializada, conclui:

Para fins de Isenção de Imposto de Renda, que o requerente não é portador de moléstia enquadrável na Lei 7.713/88." (fl. 41).

A conclusão a que chegou a Junta Médica Oficial, como se vê, consta de um lacônico "x" aposto em formulário padrão, sem mais detalhes, considerações ou justificativas de qualquer ordem.

O pleito foi indeferido (fl. 43), ensejando a presente demanda.

No curso da ação, por requerimento do Ministério Público na origem (fl. 210), o Magistrado que então presidia o processo determinou a realização de perícia pelo Departamento Médico Judiciário (decisão de fl. 212).

Intimadas as partes desta decisão (fl. 213), somente o Autor formulou quesitos (fls. 230/231).

O exame foi aprazado para o dia 10/06/2008 (fl. 233), nesta data realizado e no mesmo dia elaborado o Laudo, do qual extraio tópicos e a conclusão, "litteris":

"A análise dos documentos e laudos médicos apensos aos autos permite as seguintes conclusões:

O periciado é portador de hepatite C crônica, genótipo 3, com atividade acentuada, em processo de transformação cirrótica (Metavir A3/F3), segundo laudo de biópsia datado de 10-03-2006.

Relatou que foi tratado com a associação de interferon convencional e ribavirina pelo período de um ano, compreendido entre outubro de 2006 e outubro de 2007. O PCR realizado em fevereiro de 2008 mostra-se negativo, abaixo do limite detecção (<600Ui/ml).

Os testes que acessam a função hepática encontram-se dentro da normalidade.

O atual estágio da doença do periciado não caracteriza hepatopatia grave conforme os critérios estabelecidos pelo Manual de Perícia Médica do Ministério da Saúde para a concessão de aposentadorias e isenção do Imposto de Renda para servidores públicos". (fl. 236)

Certo, o artigo 30 da Lei nº 9.250/95 elencou os requisitos para que os contribuintes possam gozar da isenção do IRPF:

"Art. 30- A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.451, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo 1º - O serviço médico oficial fixará o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle.

( ...)."

Pois bem.

O Laudo Pericial não vincula o Juiz, segundo dispõe o artigo 436 do CPC, que agasalha o princípio da livre convicção contido no artigo 131 do mesmo Código.

Deveras, o sistema processual brasileiro, desde o Código de 39, acolheu o princípio da livre convicção que permite ao juiz, sem peias, amarras ou limitação legal, apreciar livremente as provas e lhes dar o valor que entender adequado. Mas para que a liberdade concedida ao juiz na apreciação das provas não signifique arbítrio, a parte final do artigo 131 lhe impõe o dever de indicar as razões e os motivos de seu convencimento.

O princípio vale, também, para a apreciação da prova pericial, como defende Lessona ponderando que "se é certo que o perito tecnicamente sabe mais do que o juiz, preciso é se advirta que a avaliação jurídica do fato tecnicamente apreciado é também sempre necessária, e esta avaliação não pode ser senão função soberana do juiz." (Apud Moacyr Amaral Santos - Comentários do Código de Processo Civil - pág. 375 - Forense - segunda edição).

Nesse contexto, nessa perspectiva, estou em dar provimento ao recurso, apressando-me a indicar, logo a seguir, os motivos de meu convencimento.

Então.

Ponto sobre o qual ninguém diverge, o Autor é portador de HEPATITE "C" CRÔNICA. Resta saber se caracteriza "hepatopatia grave" a conferir o benefício.

Os Laudos dizem que não.

O primeiro, de fl. 41, não merece considerado; imprestável mesmo, por lacônico, mais do que por lacônico, por nada dizer ou não dizer mais do que um prosaico "x" em um quadrado.

O segundo, melhor elaborado, peca por apontar a sintomatologia e desconsiderar a patologia.

Explico.

A moléstia foi diagnosticada por exames laboratoriais, já se disse.

Após isso o Autor submeteu-se a tratamento medicamentoso com "interferon e ribavirina" por mais de um ano, bem sucedido, diga-se, tanto que inativou o virus VHC, genótipo 3.

Sabe-se, todavia, e aqui cuida-se de Hepatite Crônica, que a grande se não a totalidade dos microorganismos que conseguem cronificar-se no organismo humano, como no caso, tendem a se proteger seja da pressão imunológica, seja das drogas, mas lá permanecem em latência microbiológica. Por isso a mais das vezes não se manifestam por sinais clínicos, sintomáticos, ou mesmo em testes laboratoriais. Mas, oportunistas, a qualquer fraqueza imunológica conseguem se reativar.

Quero dizer com isso, que por não ter se manifestado sintomaticamente a moléstia, quando do exame feito no Departamento Médico Judiciário, não quer dizer tenha o Autor dela ficado livre.

Mesmo inativado o vírus, a moléstia é incurável e quando muito diminui sua progressão. Como já comprometeu grave e irreversivelmente o órgão que ataca - o fígado - a Hepatite "C" Crônica evolui, fatal, progressiva e inexoravelmente para a cirrose, e em estágios mais avançados, à hemorragia digestiva, à encefalopatia e ao câncer de fígado, como consta do Relatório Médico de fl. 51.

Todos esses dados, que são científicos, levam à concluir, ao contrário do que revela o Laudo do DMJ, que "HEPATITE 'C' CRÔNICA" constitui HEPATOPATIA GRAVE, por isso seus portadores, como o Autor, fazem jus ao benefício fiscal instituído pela Lei 7.713/88.

Não perdeu atualidade o que foi dito ao ensejo do julgamento do Agravo de Instrumento nº 70017956384, de minha relatoria, interposto pelo ora Autor, oportunidade em que este Colegiado, sem divergência, antecipou a tutela recursal em ordem de suspender os descontos por IR retido na fonte.

Lá ficou dito, "verbis":

"Cuida-se de outorga de isenção, a que o artigo 111 do CTN clama por interpretação literal mas que, todavia, não impede ao intérprete ou o aplicador do direito de se valer "de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, historio e finalístico ou teleológico que integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas", como averbou o Ministro João Otávio de Noronha (RESP 411704/SC), para revelar, fundamentalmente, se a legislação se adapta ao preceito constitucional da defesa da dignidade humana.

Ora a isenção do IMPOSTO DE RENDA para portadores de moléstias graves tem como finalidade diminuir o sacrifício do inativo, aliviando os encargos financeiros com o tratamento por Hepatite tipo "C" crônica, que são de vulto, como se sabe..." (fl. 223).

Isto, por certo, foi a intenção do legislador ao conceder o favor fiscal a quem padece de enfermidade grave, de modo que a regra positiva há de ser entendida de maneira que satisfaça o propósito. Afinal, leciona o inexcedível Carlos Maximiliano, "considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida." ( Hermenêutica e Aplicação do Direito - Forense - nona edição - pag. 151/152) ; e conclui o mestre: "cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulta haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger" (mesma obra - pag. 156).

Ante ao exposto, dou provimento ao recurso e julgo procedente a ação, prejudicado o exame da preliminar e do Agravo Retido.

Encargos revertidos.

É como voto.

Des. Francisco José Moesch (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.

Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro - De acordo.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH - Presidente - Apelação Cível nº 70030546220, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO. PREJUDICADO O EXAME DA PRELIMINAR E DO AGRAVO RETIDO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

Publicado em 17/09/09




JURID - Ação declaratória de isenção de imposto de renda. [18/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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