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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

JURID - Ação cominatória com pedido de tutela antecipada. Médico. [03/09/09] - Jurisprudência


Ação cominatória com pedido de tutela antecipada. Tratamento médico fora do domicílio.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2008.037098-7, de Laguna

Relator: Des. Substituto Ricardo Roesler

AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. IMPOSSIBILIDADE DO PACIENTE DE ARCAR COM O TRANSPORTE. DEVER DO ESTADO DE CUSTEAR A PASSAGEM. PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA VIDA E DA SAÚDE. RECUSA DO ESTADO EM AUTORIZAR O RETORNO DO PACIENTE AO RESPECTIVO HOSPITAL PARA REALIZAÇÃO DE EXAMES. ALEGAÇÃO DE INVASÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO (VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES). RECURSO DESPROVIDO.

Deve o Estado custear o transporte do enfermo quando o tratamento é fora de seu domicílio sempre que constatada a impossibilidade deste em arcar com as despesas. É a obrigação de resguardar os direitos fundamentais da vida (art. 5º, caput, CF) e da saúde (arts. 6º e 196, CF).

"Não há que se falar em ausência de previsão orçamentária, mero quadro organizatório, e de valor constitucional de somenos densidade em comparação com o direito a saúde, no dizer do ilustre Magistrado e Professor NAGIB SLAIBI FILHO, e tampouco em violação ao princípio da independência dos poderes, posto no dever que tem a autoridade judiciária de reparar uma lesão de direito (art. 5º, XXXVI da C.F.)" (AC n. 2007.057509-6, de Blumenau, Rel. Des. Vanderlei Romer).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.037098-7, da comarca de Laguna (2ª Vara), em que é apelante Estado de Santa Catarina, e apelado Michel Fernandes:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

1. RELATÓRIO

Michel Fernandes ajuizou ação cominatória com pedido de tutela antecipada contra o Estado de Santa Catarina alegando que sofreu acidente automobilístico e que, para dar continuidade ao seu tratamento, foi encaminhado, com autorização do Estado de Santa Catarina/réu, ao Hospital Sarah Kubtischek, em Brasília. Aduziu que em decorrência de suas dificuldades financeiras, solicitou ao réu o fornecimento de passagens para Brasília, as quais lhe foram negadas sem aparente motivo. Requereu, em sede de tutela antecipada, que o réu lhe propiciasse o aludido transporte, pois possuía consulta marcada para o dia 18 de outubro de 2007.

A tutela almejada restou deferida (fls. 28/34).

Devidamente citado, o réu apresentou resposta, na forma de contestação (fls. 57/62), sustentando, em preliminar, ausência de interesse de agir, uma vez que não comprovou o autor a negativa da parte do réu em oferecer o transporte pleiteado. No mérito, afirmou sobre a impossibilidade do judiciário exercer atividades típicas do poder executivo, como o direcionamento dos recursos do SUS, sob pena de se ferir o princípio da independência entre os poderes. Por fim, requereu a realização de estudo social para se comprovar se é real a hipossuficiência financeira do autor.

O Ministério Público manifestou-se "pela procedência do pedido, confirmando-se a tutela antecipada concedida" (fls. 83/87).

O feito foi julgado procedente, nos seguintes termos (fls. 88/97):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na presente Ação Ordinária movida por Michel Fernandes contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, o que faço com fulcro no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, a fim de determinar que o réu forneça o transporte aéreo e rodoviário necessários, ida e volta, para o autor e seu acompanhante, até a cidade de Brasília sempre que houver necessidade de tratamento no Hospital Sarah, tornando definitiva a medida liminar proferida nestes autos".

Irresignado, interpôs o réu recurso de apelação (fls. 107/110).

O autor contra-razoou às fls. 114/116.

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls.126/127).

2. VOTO

Trato de recurso de apelação interposto pelo Estado de Santa Catarina contra sentença que, nos autos da ação cominatória ajuizada por Michel Fernandes, julgou procedentes os pedidos esposados na exordial, condenando o apelante a fornecer o transporte aéreo e rodoviário necessários, ida e volta, para o apelado e acompanhante, até a cidade de Brasília, sempre que houver necessidade de tratamento no Hospital Sarah Kubtischek.

Aduz o apelante, em suma, que não é dever do Poder Judiciário direcionar os recursos do Sistema Único de Saúde - SUS, eis que tal conduta implica em invasão na competência do Poder Executivo, afrontando, assim, o princípio da independência entre os poderes.

Assevera que o SUS possui políticas públicas que buscam a efetivação do direito à saúde da população, e que a pretensão do apelado, por sua vez, não se enquadra em nenhumas dessas políticas.

Sustenta, por fim, que o asseguramento do direito à saúde é alcançado através de programas que atendem o coletivo, não se podendo beneficiar o individual, com medidas exclusivas, em detrimento da maioria.

Nesse mister, entendo imerecer amparo o presente recurso.

Infere-se do caderno processual que o apelado envolveu-se em acidente automobilístico, vindo a sofrer fraturas na clavícula e mais gravemente, fraturas na coluna vertebral (fl.02).

Por consequências do acidente, o apelado restou momentaneamente paraplégico, necessitando de tratamentos especializados para que a situação não se torne definitiva.

Após tratamentos no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão, o autor foi encaminhado para tratamento especializado no Hospital Sarah Kubtischek, em Brasília/DF, cuja autorização, com concessão de passe livre, foi dada pelo apelante (fl.18).

Contudo, o apelado precisaria retornar ao Hospital Sarah Kubtischek (fl.25), para nova bateria de exames, o que, no entanto, restou negado pelo apelante.

Tal negativa, por seu turno, é de ser rechaçada.

Primeiramente porque o argumento apelatório de que o deferimento do pleito do apelado pelo Poder Judiciário implicaria em ingerência no exercício de tarefa típica do Poder Executivo, é carecedor de qualquer amparo.

Isso porque já restou consolidado o entendimento de que não há invasão de competências entre os Poderes, quando a matéria envolve o direito à saúde. Ora, o Judiciário ao atuar no caso em tela proporciona, tão-somente, a garantia da execução da lei, obrigando o executivo a seguir o ordenamento jurídico.

Sobre o assunto, discorreu o eminente Des. Jaime Ramos, em acórdão proferido na Apelação Cível n.º 2008.034999-9, de Criciúma:

"Ressalta-se que não está havendo uma interferência do Poder Judiciário na competência do Poder Executivo, como alegou o Estado de Santa Catarina. O que faz o poder jurisdicional, no uso de suas prerrogativas constitucionais e legais, é aplicar a lei a um caso concreto.

"Efetivamente, o Estado tem o dever solidário de proporcionar saúde a todos os indivíduos, segundo o disposto em normas auto-aplicáveis das Constituições Federal e Estadual. Mas não cumpre essa obrigação. Cabe ao interessado, titular do direito de ação também constitucionalmente resguardado (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), segundo o Princípio Dispositivo, pleitear em Juízo que se obrigue o Estado a cumprir sua obrigação. O Poder Judiciário, cujos agentes têm a função de exercer a função jurisdicional, não pode furtar-se de determinar a atuação do Direito no caso concreto.

"Além de não haver indevida interferência do Poder Judiciário nas funções do Poder Executivo, também não se pode falar em violação do Princípio da Separação dos Poderes adotado no art. 2º da Constituição Federal. Não se exerceu mais do que a função do Poder Judiciário" (AC n. 2008.034999-9, de Criciúma, Rel. Des. Jaime Ramos).

E:

"AÇÃO ORDINÁRIA DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. DIÁRIAS. CUSTEIO PARCIAL. DEMANDA AJUIZADA COM O PROPÓSITO DE COMPELIR O ESTADO A SATISFAZER O SALDO REMANESCENTE. RECUSA FUNDADA NA AUSÊNCIA DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS E FINANCEIROS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE ARCAR COM OS VALORES DEVIDOS AO NOSOCÔMIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.

"Não há que se falar em ausência de previsão orçamentária, mero quadro organizatório, e de valor constitucional de somenos densidade em comparação com o direito a saúde, no dizer do ilustre Magistrado e Professor NAGIB SLAIBI FILHO, e tampouco em violação ao princípio da independência dos poderes, posto no dever que tem a autoridade judiciária de reparar uma lesão de direito (art. 5º, XXXVI da C.F.)" (AC n. 2007.057509-6, de Blumenau, Rel. Des. Vanderlei Romer).

Assim, não há o que se falar em infringência aos princípios da isonomia e da independência entre os Poderes.

Posteriormente, no que se refere ao argumento de que a pretensão do apelado não se enquadra em nenhuma das políticas públicas que buscam o direito à saúde da população, igual entendimento deve ser dispensado.

A discussão no caso em tela recai sobre o dever do Estado em custear ou não o transporte de pacientes a outras cidades para tratamento. Quanto a isto, tenho que não resta dúvida de que abrange sim, desde que comprovada a necessidade do tratamento fora do domicílio do paciente e sua impossibilidade de arcar com as respectivas despesas.

É o entendimento pacificado desta Corte:

"Processual Civil. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa inocorrente.

"[...]

"Saúde Pública. Pagamento de despesas de deslocamento para tratamento de saúde fora do domicílio. Pessoa de parcas condições financeiras. Portaria/SAS/n. 055 de 24 de fevereiro de 1999, do Ministério da Saúde. Direito constitucional social e fundamental.

"Suficientemente demonstrada a necessidade de tratamento médico fora do domicílio e a impossibilidade de o enfermo arcar com as despesas de deslocamento, surge para o Poder Público o inafastável dever de fornecê-los, assegurando-lhe o direito fundamental à saúde" (AC n. 2006.023911-1, de Dionísio Cerqueira, Rel.ª Juíza Sônia Maria Schmitz).

Também:

"'APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE LIMINAR. TRATAMENTO MÉDICO REALIZADO FORA DE DOMICÍLIO DO AUTOR. NECESSIDADE COMPROVADA. AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. PEDIDO DE AJUDA DE CUSTO NO VALOR DE 1 (UM) SALÁRIO MÍNIMO PARA DESPESAS COM MEDICAMENTOS, TRANSPORTE E ALIMENTAÇÃO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO IMPOSTA AO ESTADO. PREVISÃO CONTIDA NA LEGISLAÇÃO QUE TRATA DO TEMA. PORTARIA/SAS N. 55, DE 24.2.1999, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PRECEDENTE DESTA CASA. RECURSO DESPROVIDO.

"'Comprovada a necessidade de realização de tratamento médico pelo sistema único se saúde fora do domicílio do paciente, impõe-se o pagamento, pelo Estado, das despesas de transporte e estadia.' (Apelação cível n. 2007.005684-0, de Araranguá, relator o desembargador Luiz Cézar Medeiros, j. em 24.7.2007)" (AC n. 2007.059104-5, de São Joaquim, Rel. Juiz Jânio Machado).

Ressalta-se, portanto, que a concessão do benefício almejado é medida decretada sempre que demonstrada a necessidade de realização do tratamento fora do domicílio e a incapacidade do enfermo em custear as despesas com o transporte.

Sobre o assunto, ainda, colho da jurisprudencia:

"Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só é possível opção: o respeito indeclinável à vida" (STF, PETMC n. 1.246/SC, rel. Min. Celso de Mello, em 31.1.1997).

"Sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, não pode o Poder Público eximir-se de prestar a integral e universal assistência à manutenção da vida e integridade psíquica de seus cidadãos. Comprovando-se a doença e a impossibilidade financeira de o requerente arcar com os custos dos medicamentos que necessita, não pode o Estado negar-se a fornecê-los" (AC n. 2002.006747-0, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

"CONSTITUCIONAL - DIREITO À SAÚDE (CF, ART. 196) - RESPONSABILIDADE PELO TRANSPORTE DE PESSOA ENFERMA - RESSARCIMENTO DAS DESPESAS REALIZADAS

"'A saúde é direito de todos e dever do Estado' (CF, art. 196). Cumpre-lhe fornecer transporte às pessoas enfermas que dele comprovadamente necessitam ou ressacir as despesas por elas realizadas" (AC, n. 2004.032980-9, de Chapecó, Rel. Des. Newton Trisotto).

Assim, restando comprovada a necessidade do apelado de retornar à consulta na cidade de Brasília, entendo pela manutenção da decisão proferida em primeiro grau.

Aliás, os requisitos para a concessão do transporte aéreo ao apelado, justificando a sua necessidade de retorno à Brasília, restaram comprovados às fls.22/23, por meio do Relatório Médico expedido pelo Hospital Sarah Kubtischek.

Destaca-se que além de o apelante ter autorizado o apelado a realizar consulta médica fora de seu domicílio (concessão de passe livre - fl.28), tinha conhecimento de que aquele deveria retornar à Brasília para dar continuidade ao tratamento, inclusive, com data prevista (fl.25).

Logo, diante dos fatos arrolados e tendo em vista as condições financeiras do apelado, as quais o impossibilitam em continuar realizando o tratamento melhor indicado para sua saúde, voto pelo desprovimento do presente recurso.

Importante ressaltar que, conforme dispôs o magistrado sentenciante, o pagamento do transporte dar-se-á sempre que houver necessidade de tratamento no Hospital Sarah Kubtischek, visto que o dever do apelante se alonga enquanto durar a reabilitação do apelado.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a sentença prolatada em primeiro grau.

3. DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso.

O julgamento foi realizado em 9 de junho de 2009, com a participação dos Exmos. Srs. Desembargadores Cesar Abreu (Presidente com voto) e Newton Janke.

Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. João Fernando Q. Borrelli.

Florianópolis, 9 de junho de 2009.

RICARDO ROESLER
RELATOR

PUBLICADO EM 16/07/09




JURID - Ação cominatória com pedido de tutela antecipada. Médico. [03/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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