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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Informativo STF 559 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 14 a 18 de setembro de 2009 - Nº 559.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Provimento de Cargos de Oficiais e Vício Formal
Apropriação Indébita: Compra e Venda de Automóvel e Prescrição - 3
Repercussão Geral
Exoneração de Cargo Comissionado: Direito ao Valor das Férias Não Usufruídas Acrescido de Um Terço
1ª Turma
Fraude em Concurso Público e Fundamentação da Decisão - 3
Publicação em Nome de Advogado Falecido - 2
Restabelecimento de Sentença Absolutória e Execução Provisória
HC: Pessoa Jurídica e Representante Legal
2ª Turma
Repasse de Verbas Federais e Competência
Prisão Cautelar e Fundamentação
Clipping do DJ
Transcrições
Liberdade Provisória - Vedação Legal - Inconstitucionalidade - Prisão Cautelar - Fundamentação Inadequada (HC 100362-MC/SP)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

Provimento de Cargos de Oficiais e Vício Formal

Por reputar usurpada a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que verse sobre militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos e promoções (CF, art. 61, § 1º, II, f), de observância obrigatória pelos Estados-membros, tendo em conta o princípio da simetria, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Rondônia para declarar a inconstitucionalidade do art. 148-A da Constituição do referido Estado-membro e do art. 45 de suas Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação dada pela Emenda Constitucional estadual 56/2007, de iniciativa parlamentar, que dispõem sobre provimento de cargos de Oficiais Combatentes dos Militares estaduais. Observou-se, ademais, que, não obstante a Assembléia Legislativa houvesse introduzido a matéria no mundo jurídico por meio de emenda constitucional, tal fato não teria o condão de contornar as restrições de ordem constitucional ao seu poder de iniciativa. Precedentes citados: ADI 2966/RO (DJU de 6.5.2005); ADI 766/RS (DJU de 11.12.98).
ADI 3930/RO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2009. (ADI-3930)

Apropriação Indébita: Compra e Venda de Automóvel e Prescrição - 3

O Tribunal retomou julgamento de ação penal em que se imputa a Deputado Federal a prática do crime de apropriação indébita (CP, art. 168, § 1º, I). Conforme a denúncia, o parlamentar, dono de uma concessionária de veículos, propusera, verbalmente, à vítima que comprasse um veículo de sua propriedade, dando em troca um veículo da propriedade desta, de menor valor, mais os direitos de um consórcio junto a uma administradora de consórcio e prestações mensais, representadas por notas promissórias. Após a entrega recíproca dos aludidos veículos, um funcionário da empresa do denunciado teria exigido da vítima a transferência definitiva do seu veículo ao denunciado, do consórcio e das notas promissórias, sem entregar, no entanto, a documentação do veículo por esta adquirido. Diante disso, a vítima teria resolvido desfazer o negócio, devolvendo o veículo adquirido ao denunciado, o qual, não obstante se comprometera a devolver o veículo da vítima imediatamente, passara a constrangê-la, exigindo, para a restituição de seu veículo, que a mesma lhe pagasse uma determinada importância em dinheiro, a fim de cobrir despesas com a negociação desfeita. A empresa de propriedade do denunciado teria sido, então, notificada, na sua pessoa, via cartório de títulos e documentos, para que devolvesse o veículo no prazo de 24 horas, tendo, em resposta, negado a existência do contrato. Posteriormente, o veículo teria sido apreendido nessa concessionária, por meio de mandado de busca e apreensão expedido por juízo de direito da comarca, no curso da ação penal — v. Informativo 554. Depois do voto do Min. Eros Grau, acompanhando o voto do Min. Cezar Peluso, que absolvia o denunciado por atipicidade de conduta, e do voto da Min. Ellen Gracie, que acompanhava o voto do relator, no sentido de acolher a preliminar de prescrição da pretensão punitiva, suscitada pela defesa, e extinguir a punibilidade, o julgamento foi suspenso para aguardar-se o voto do novo Ministro que comporá a Corte ante o empate verificado.
AP 480/PR, rel. Min. Carlos Britto, 17.9.2009. (AP-480)

REPERCUSSÃO GERAL
Exoneração de Cargo Comissionado: Direito ao Valor das Férias Não Usufruídas Acrescido de Um Terço

O Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte contra acórdão que mantivera sentença que reconhecera a servidor público ocupante de cargo comissionado o direito a receber, quando exonerado, o valor referente às férias não usufruídas, acrescido de um terço. Alegava o Estado recorrente que, como não tinha gozado as férias, o servidor não teria direito ao referido adicional. Na linha do que decidido no julgamento do RE 324656/RJ (DJU de 17.8.2006), no sentido de que não é o gozo de férias que garante o adicional de, pelo menos, um terço a mais, e sim o próprio direito às férias constitucionalmente assegurado (CF, art. 7º, XVII), entendeu-se que, no caso, haveria dupla punição do servidor exonerado, que, além de não poder gozar as férias por necessidade de serviço, também não recebera o acréscimo de um terço, o que configuraria, ainda, enriquecimento ilícito do Estado. Rejeitou-se, ademais, a alegação do recorrente de que o terço constitucional não seria devido, por não dispor a legislação estadual (Lei Complementar 122/94, art. 83) de previsão do seu pagamento para a hipótese de férias não gozadas, haja vista não ser possível à legislação infraconstitucional restringir um direito constitucional garantido ao trabalhador. Outros precedentes citados: RE 324880 AgR/SP (DJU de 10.3.2006); AI 414230/SP (DJU de 30.3.2005).
RE 570908/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, 16.9.2009. (RE-570908)


PRIMEIRA TURMA

Fraude em Concurso Público e Fundamentação da Decisão - 3

Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de acusado de fraude em concurso público — venda de gabarito do certame para o ingresso no curso de Sargentos do Exército — para anular acórdão proferido pelo STM que o condenara sem observância ao disposto no art. 93, IX, da CF. No caso, absolvido por auditoria militar da acusação de haver praticado o crime previsto no art. 320 (“Violar, em qualquer negócio de que tenha sido incumbido pela administração militar, seu dever funcional para obter especulativamente vantagem pessoal, para si ou para outrem:”) c/c o art. 53 (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.”), ambos do CPM, o paciente tivera tal sentença reformada pelo STM, que desclassificara a conduta para o tipo previsto no art. 251, § 3º (“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento: ... § 3º A pena é agravada, se o crime é cometido em detrimento da administração militar.”) c/c o art. 53, também do aludido diploma legal, cominando-lhe a pena acessória de exclusão das Forças Armadas — v. Informativo 556. Assentou-se que o STM — ao concluir pela existência de provas aptas a embasar a condenação — não o fizera de forma fundamentada, ou seja, não explicitara quais os elementos probatórios que levara em consideração, hábeis a demonstrar a efetiva participação do paciente na prática do delito que lhe fora imputado. Concluiu-se que o processo de conhecimento se exaurira, em definitivo, com o pronunciamento final do STM, afigurando-se inadmissível o rejulgamento do paciente tantas vezes quantas necessárias para se alcançar a sua condenação, mediante o revolvimento do acervo probatório, procedimento que, em tese, seria passível de renovar-se ad infinitum, considerada a possibilidade de repetir-se a ausência de fundamentação em novos acórdãos emanados da Justiça castrense. Vencidos, em menor extensão, os Ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio que concediam a ordem parcialmente para que autos retornassem ao STM, a fim de que nova decisão, devidamente motivada, fosse proferida.
HC 95706/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 15.9.2009. (HC-95706)

Publicação em Nome de Advogado Falecido - 2

A Turma retomou julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que condenados pelo crime de apropriação indébita (CP, art. 168, II) pleiteiam a anulação do processo a partir da publicação da pauta de julgamento da apelação criminal, sob a assertiva de cerceamento de defesa, haja vista que a pauta fora publicada em nome de advogado falecido dias antes — v. Informativo 504. Em voto-vista, o Min. Carlos Britto acompanhou a divergência iniciada pelo Min. Marco Aurélio e proveu o recurso ordinário para anular o julgamento da apelação. Salientou, inicialmente, os fundamentos de precedentes do STF quanto ao tema que rechaçariam a tese de ausência de cerceamento de defesa: 1) a falta de oportuna comunicação do óbito ao juízo ou tribunal e 2) a presença, nos autos, de mais de um defensor constituído. Nessa linha, se o acusado, ante eventual falecimento do patrono constituído, deixar de cientificar o órgão julgador, não é de se reconhecer a nulidade, porquanto incumbe a ele, acusado, a indicação de um novo causídico ou de defensor público para a continuidade do patrocínio da causa. Em que pese tal entendimento, considerou que o presente caso apresentaria peculiaridades que afastariam sua aplicação. Assinalou o fato de os recorrentes contarem com um único defensor regularmente constituído, o qual subscrevera a apelação e que falecera antes da inclusão do processo em mesa para julgamento. Dessa forma, quando o tribunal local dera publicidade à data provável do julgamento daquele recurso, o único defensor constituído já havia falecido, não podendo oferecer memoriais ou proceder à respectiva sustentação oral. Ademais, aduziu que as peças que instruíam os autos informavam que os recorrentes se encontravam em lugar incerto e não sabido, motivo pelo qual não tiveram conhecimento do óbito do patrono e, portanto, não puderam cientificar à Corte de origem para constituição de um novo advogado ou nomeação de defensor dativo. Mencionou que o relator da apelação reconhecera que os réus compareceram aos atos processuais na 1ª instância, todavia não foram encontrados pelo juízo para intimação pessoal nem posteriormente pela viúva do advogado, não sendo razoável imputar aos acusados o ônus pela falta de prévia ciência ao tribunal. Após, o julgamento foi adiado por indicação da Min. Cármen Lúcia.
RHC 93849/SP, rel. Min. Cármem Lúcia, 15.9.2009. (RHC-93849)

Restabelecimento de Sentença Absolutória e Execução Provisória

A Turma deferiu habeas corpus para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado do novo acórdão proferido pelo tribunal de justiça local, ressalvada, neste período, a possibilidade de se decretar a prisão cautelar se presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra acórdão do STJ que, embora reconhecendo a nulidade de julgamento realizado pela Corte de origem por ofensa ao princípio do juiz natural, mantivera o paciente custodiado. Ocorre que este fora absolvido em 1ª instância, sendo condenado em virtude do provimento de apelação interposta pelo Ministério Público estadual, com a conseqüente expedição de mandado de prisão, já efetuado. Dando cumprimento ao acórdão do STJ, o tribunal de justiça estadual realizara novo julgamento do recurso ministerial e o provera para mais uma vez condenar o paciente, sem apresentar motivação cautelar para a manutenção da prisão. Inicialmente, ressaltou-se a orientação firmada pelo STF no sentido de haver óbice à prisão para execução de pena na pendência de recursos especial ou extraordinário, exceção assentada em caso de prisão cautelar por decreto justificado. Em seguida, aduziu-se que, na situação dos autos, o efeito da anulação do acórdão condenatório pelo STJ seria o restabelecimento da sentença absolutória e a concessão do alvará de soltura, até que, sendo prolatado novo julgamento e sobrevindo outra condenação, haja fundamentação cautelar a respaldar eventual ordem de prisão, ou até que, em se vislumbrando a presença de pressupostos cautelares antes do novo julgamento, seja determinada a segregação com base nesses elementos. Assim, entendeu-se que, desde a primeira condenação pela Corte local — quando não apresentada a motivação cautelar para a expedição do mandado de prisão —, o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal.
HC 98463/SP, rel. Min. Cármem Lúcia, 15.9.2009. (HC-98463)

HC: Pessoa Jurídica e Representante Legal

A Turma, em votação majoritária, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que não conhecera, por ausência de interesse processual, de habeas corpus impetrado em favor de representante legal de pessoa jurídica, o qual fora citado para, nessa qualidade, presentá-la (CPC, art. 12, I) em ação penal contra ela instaurada pela suposta prática de crimes ambientais. A decisão impugnada assentara a inexistência de risco de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente, uma vez que ele não figurava como réu no mencionado processo-crime. Tendo em conta que, no caso, a denúncia fora oferecida contra a pessoa jurídica da qual o ora agravante seria representante legal, afirmou-se existir óbice ao processamento do writ. Enfatizou-se não haver, segundo o ordenamento jurídico pátrio e a partir da Constituição, possibilidade de pessoa jurídica que se encontre no pólo passivo de ação penal valer-se do habeas corpus porque o bem jurídico por ele tutelado é a liberdade corporal, própria das pessoas naturais. Vencido o Min. Marco Aurélio que, sem apreciar o mérito do habeas corpus, provia o agravo para que viesse, devidamente aparelhado, ao Colegiado.
HC 88747Agr/ES, rel. Min. Carlos Britto, 15.9.2009. (HC-88747)


SEGUNDA TURMA

Repasse de Verbas Federais e Competência

Compete à Justiça Federal o processamento de ação penal em que se apure eventual irregularidade no repasse de verbas pela União a unidade federativa por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus no qual Secretário de Saúde de Estado alegava a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, haja vista que, em virtude do cargo exercido, o foro competente seria o tribunal de justiça local. Entendeu-se, todavia, ser evidente o interesse da União, a atrair a competência da Justiça Federal, dado que as verbas repassadas à unidade federativa em questão seriam oriundas do SUS, afetas, portanto, à fiscalização do Tribunal de Contas da União - TCU. Aduziu-se que, tendo em conta o envolvimento de Secretário de Estado, a competência seria atraída para o Tribunal Regional Federal. Precedentes citados: RE 464621/RN (DJE de 21.11.2008); RE 196982 (DJU de 27.6.97)
RHC 98564/DF, rel. Min. Eros Grau, 15.9.2009. (RHC-98564)

Prisão Cautelar e Fundamentação

A mera sujeição de alguém a simples investigações policiais ou a persecuções criminais ainda em curso não basta, por si só, para justificar a decretação de prisão cautelar. Ao aplicar esta orientação, a Turma concedeu habeas corpus para invalidar decreto de prisão exarado contra a paciente fundamentado na existência de inquéritos e procedimentos penais que tramitam em seu desfavor. Assentou-se que a prisão processual, de ordem meramente cautelar, mesmo que mantida ou decretada em sentença condenatória recorrível, tem, como pressuposto legitimador, a existência de situação de real necessidade — não configurada na espécie —, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção — sempre excepcional — dessa medida constritiva de caráter pessoal. Ressaltou-se que a submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais — ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado, em caráter definitivo, qualquer título penal condenatório — não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para autorizar a formulação, contra o indiciado ou o réu, de juízo (negativo), em ordem a recusar, ao que sofre persecutio criminis, o acesso a determinados benefícios legais. Observou-se que tal entendimento — que se revela compatível com a presunção constitucional juris tantum de inocência (CF, art. 5º, LVII) — ressalta, com apoio na jurisprudência dos tribunais, que processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento judicial absolutório, como elementos evidenciadores ou justificadores da restrição ou supressão do direito de permanecer em liberdade.
HC 100091/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 15.9.2009. (HC-100091)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno16.9.200917.9.2009318
1ª Turma15.9.2009231
2ª Turma15.9.2009173



C L I P P I N G  D O  DJ

18 de setembro de 2009

HC N. 97.652-2
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: Habeas Corpus. Direito Penal e Processual Penal. Concurso de pessoas. Reconhecimento de delito em modalidades de consumação distintas para co-réus que praticaram o mesmo fato criminoso em unidade de desígnios. Impossibilidade. Aplicação da teoria monista.
Tratando-se de concurso de pessoas que agiram com unidade de desígnios e cujas condutas tiveram relevância causal para a produção do resultado, é inadmissível o reconhecimento de que um agente teria praticado o delito na forma tentada e o outro, na forma consumada. Segundo a teoria monista ou unitária, havendo pluralidade de agentes e convergência de vontades para a prática da mesma infração penal, como se deu no presente caso, todos aqueles que contribuem para o crime incidem nas penas a ele cominadas (CP, art. 29), ressalvadas as exceções para as quais a lei prevê expressamente a aplicação da teoria pluralista. Ordem concedida.
* noticiado no Informativo 554

HC N. 95.425-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: HABEAS CORPUS. ATENUANTE. PENA FIXADA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ROUBO AO FURTO QUALIFICADO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o reconhecimento de atenuante não pode levar a pena para um patamar inferior ao mínimo legal, previsto no preceito secundário da norma penal incriminadora, mesmo que as circunstâncias judiciais sejam favoráveis. Firme é também a jurisprudência desta Corte no sentido de que a causa de aumento de pena contida no art. 157, § 2º, II, do Código Penal não deve ser aplicada ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, para o qual há previsão legal expressa. Precedentes: HC 93.905, rel. min. Eros Grau, DJe-112 de 20.06.2008; HC 92.926, rel. min. Ellen Gracie, DJe-107 de 13.06.2008; HC 93.071, rel. min. Menezes Direito, DJe-078 de 02.05.2008. Ordem denegada.


Acórdãos Publicados: 419



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Liberdade Provisória - Vedação Legal - Inconstitucionalidade - Prisão Cautelar - Fundamentação Inadequada (Transcrições)

HC 100362-MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, “CAPUT” E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO “STATUS LIBERTATIS” DAQUELE QUE A SOFRE. IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITO DE CONTROLE DA LEGALIDADE DO DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR, DE EVENTUAL REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO ACRESCIDO POR TRIBUNAIS DE JURISDIÇÃO SUPERIOR. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 140.641/SP), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.
Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida liminar.
E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, a meu juízo, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelos ora impetrantes, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa.
Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”.
Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06", “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).
Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.
A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha a seguinte redação:

“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.” (grifei)

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.
Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

“(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei)

Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, “a priori”, em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.
Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.).
Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.
O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Essa orientação vem sendo observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Tenho por inadequada, desse modo, para efeito de se justificar a manutenção da prisão cautelar do ora paciente, a invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o paciente deveria ser mantido preso, “como garantia da ordem pública, evitando-se a reiteração de tais atos e que caia a Justiça em descrédito perante a comunidade local” (fls. 114 - grifei).
Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 72.368/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE):

“O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri.”
(RTJ 193/1050, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)

Por sua vez, as alegações - fundadas em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - de que o paciente deve ser mantido preso para evitar que “volte a cometer outros delitos” e que “por conveniência da instrução do processo-crime deve o indiciado permanecer no cárcere” (fls. 114) constituem, quando destituídas de base empírica, presunções arbitrárias que não podem legitimar a privação cautelar da liberdade individual, como assinalou, em recente julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

“‘HABEAS CORPUS’ - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DOS DELITOS E NA SUPOSIÇÃO DE QUE OS RÉUS PODERIAM CONSTRANGER AS TESTEMUNHAS OU PROCEDER DE FORMA SEMELHANTE CONTRA OUTRAS VÍTIMAS - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO, COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AO CO-RÉU.
A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS.
- A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa.
- A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira.
- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva.
O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.”
(HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A mera suposição desacompanhada de indicação de fatos concretos - de que o ora paciente, em liberdade, poderia delinqüir ou frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual - revela-se insuficiente para fundamentar o decreto ou a manutenção de prisão cautelar, se tal suposição, como ocorre na espécie dos autos, deixa de ser corroborada por base empírica idônea (que necessariamente deve ser referida na decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).
Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelos julgamentos emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.09.065824-0), no qual se denegou a ordem de “habeas corpus” então postulada em favor da ora paciente.
Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).”
(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU - grifei)

A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):

“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.
1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do hábeas corpus que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.”
(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que as decisões judiciais de primeira instância não observaram os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do Processo nº 229.08.604143-2 (2ª Vara Criminal do Foro Distrital de Hortolândia da comarca de Sumaré/SP), expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 140.641/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.09.065824-0) e ao MM. Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Distrital de Hortolândia da comarca de Sumaré/SP (Processo nº 229.08.604143-2).
Publique-se.
Brasília, 01 de setembro de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
31 de agosto a 11 de setembro de 2009

PERÍCIA CRIMINAL - Norma Geral
Lei nº 12.030, de 17 de setembro de 2009 - Dispõe sobre as perícias oficiais e dá outras providências. Publicada no DOU de 18/9/2009, Seção 1, p. 1.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Controle Interno - Funcionamento - Organização - Tribunal
Resolução nº 86/CNJ, de 8 de setembro de 2009 - Dispõe sobre a organização e funcionamento de unidades ou núcleos de controle interno nos Tribunais, disciplinando as diretrizes, os princípios, conceitos e normas técnicas necessárias à sua integração. Publicada no DJE/CNJ de 17/9/2009, n. 157, p. 4-5. Publicada também no DOU em 17/9/2009, Seção 1, p. 87. Publicada também no DJE/CNJ de 18/9/2009, n. 158, p. 4-5. Publicada também no DJ em 18/9/2009, p. 2.

Comunicação Social - Poder Judiciário
Resolução nº 85/CNJ, de 8 de setembro de 2009 - Dispõe sobre a Comunicação Social no âmbito do Poder Judiciário. Publicada no DJE/CNJ de 17/9/2009, n. 157, p. 2-4. Publicada também no DOU em 17/9/2009, Seção 1, p. 86-87. Publicada também no DJE/CNJ de 18/9/2009, n. 158, p. 2-4. Publicada também no DJ em 18/9/2009, p. 1.


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Informativo STF - 559 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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