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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Informativo STF 558 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 31 de agosto a 11 de setembro de 2009 - Nº 558.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 1
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 2
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 3
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 4
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 5
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 6
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 7
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 8
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 9
Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 10
Mandado de Segurança contra Ato de Concessão de Refúgio e Prejudicialidade
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 1
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 2
Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 3
1ª Turma
Porte Ilegal de Arma de Fogo com Sinal de Identificação Raspado
Dosimetria da Pena e Proporcionalidade
2ª Turma
Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 1
Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 2
Prova Ilícita e Falta de Justa Causa
Prisão Preventiva e Morador de Rua
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Estado-Membro - Inscrição SIAFI/CAUC/CONCONV - Inobservância do Devido Processo Legal - Preservação da Continuidade dos Serviços Públicos (AC 2395-MC/PB)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 1

O Tribunal iniciou julgamento de pedido de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país. O Min. Cezar Peluso, relator, deferiu a extradição, sob a condição formal de comutação da pena perpétua por privativa de liberdade por tempo não superior a trinta anos, e, em conseqüência, julgou prejudicado o mandado de segurança julgado em conjunto. Examinou, de início, questão preliminar ao pedido de extradição diante da concessão do status de refugiado ao extraditando pelo Ministro da Justiça, concluindo pela ilegalidade e pela ineficácia desse ato. Asseverou que, não obstante a Corte, em princípio e incidentalmente, houvesse declarado, no julgamento da Ext 1008/Governo da Colômbia (DJE de 17.8.2007), a constitucionalidade do art. 33 da Lei 9.474/97 (“o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.”), e independentemente da estima do acerto, ou não, dessa decisão, destacou que ficariam por esclarecer as condições em que a outorga de refúgio extinguiria o processo de extradição. No ponto, ressaltou que, apesar de reconhecido, naquele julgado, o caráter político-administrativo da decisão concessiva de refúgio, revendo os termos e o alcance da lei, à luz sistêmica da ordem jurídica, aduziu que tal afirmação não poderia ser entendida em acepção demasiado estrita, nem que o fato de o poder ou dever de outorga ser atribuição reservada à competência própria da União, por representar o país nas relações internacionais, lhe subtrairia, de forma absoluta, os respectivos atos jurídico-administrativos ao ordinário controle jurisdicional de legalidade (judicial review).
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 2

Assim, não haveria como, na interpretação unitária e constitucional do regime normativo do instituto do refúgio, estabelecer, de forma dogmática, que, independentemente de reverência à ordem jurídica, toda decisão emanada do Poder Executivo produzisse, em qualquer caso, o efeito ou efeitos típicos a que tendesse. Explicou que não o haveria, porque, nos limites do caso, como nítida questão prévia suscitada, teria a legalidade do ato administrativo de ser conhecida e decidida pela Corte como tema preliminar, suposto profundamente vinculado ao mérito mesmo do pedido de extradição, que não poderia deixar de ser julgado, se se concluísse pela invalidez e ineficácia da concessão do refúgio. Ademais, disse que o reconhecimento da condição de refugiado constituiria ato vinculado aos requisitos expressos e taxativos que a lei lhe imporia como condição necessária de validade. Dessa forma, a decisão do Ministro da Justiça não fugiria ao controle jurisdicional sobre eventual observância dos requisitos de legalidade, em especial da verificação de correspondência entre sua motivação necessária declarada e as fattispecie normativas pertinentes, campo em que ganharia superior importância a indagação de juridicidade dos motivos, até para se aferir se não teria sido usurpada, na matéria de extradição, competência constitucional exclusiva do Supremo. Observou que, à luz da competência estatuída na Constituição Federal, o confronto entre os artigos 1º e 33 da Lei 9.474/97, que, respectivamente, tipifica as hipóteses de reconhecimento da condição de refugiado e lhe prevê a declaração formal como causa externa impeditiva de extradição, revelaria e imporia ao intérprete uma distinção decisiva para solução da espécie. Expôs que, em nosso sistema normativo-constitucional, haveria, por um lado, a regulamentação de toda a matéria de refúgio, com suas hipóteses fechadas, as quais, em caso de reconhecimento da condição de refugiado, atuariam como autênticas causas extrínsecas obstativas de extradição, na medida em que adviriam de juízo autorizado e vinculado da autoridade administrativa e, como tais, seriam externas ao âmbito do processo de extradição. Por outro lado, o ordenamento discerniria a previsão e a disciplina de causas intrínsecas de não extradição, as quais constituiriam tema ou objeto necessário da cognição compreendida na competência jurisdicional do Supremo no processo de extradição.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 3

De acordo com o relator, as causas intrínsecas, enquanto causas excludentes interiores ao regime legal do instituto e do processo de extradição, substanciariam temática própria do mérito de processo cometido à competência constitucional exclusiva do Supremo, no sentido de que deveria este, no julgamento daquele, examiná-las todas, inclusive de ofício, a fim de verificar a sua ocorrência, ou não, em cada caso, haja vista que o reconhecimento de qualquer delas levaria ao indeferimento do pedido. Portanto, as causas intrínsecas operariam ab intra, do ponto de vista do processo judicial, sendo insuscetíveis de consideração por parte da autoridade administrativa, que sobre elas não deteria nenhuma competência. Por sua vez, as causas extrínsecas, entregues ao juízo vinculado da autoridade administrativa, quando declaradas como fundamento legal típico da outorga do refúgio, embora inibidoras indiretas do deferimento da extradição como razão jurídica ab extra, poderiam representar, dentro do processo de extradição, questão preliminar ao pedido, na precisa acepção de questão prévia que, antecedendo à questão de mérito, haveria de ser decidida antes, visto que sua solução seria capaz de opor ou de remover óbice à continuidade do processo e, pois, ao conhecimento do mérito. Salientou, assim, que, pressuposta a distinção entre as causas externas e internas, a Corte deveria apreciar, previamente ao mérito do pedido, a questão preliminar levantada, ou não, porque cognoscível de ofício, sobre a legalidade do ato administrativo vinculado que outorgara o benefício do refúgio, sob o fundamento de tê-lo feito contra legem, uma vez que não fundado em nenhuma de suas hipóteses legais (fattispecie abstratas), a que se não ajustariam os fatos considerados pela decisão administrativa. Acrescentou que a Corte deveria fazê-lo por ser dever jurídico que lhe adviria, no exercício do controle jurisdicional, da relação ou do nexo jurídico das questões, e porque os fundamentos empíricos da concessão de refúgio, que seriam causas excludentes extrínsecas, não se confundiriam, no plano da lei, com os fundamentos históricos ou factuais as quais tipificariam causas intrínsecas impeditivas da extradição.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 4

Em seguida, o relator analisou os quatro motivos declarados como fundamentos do ato de concessão de refúgio, perante o disposto no art. 1º, I, da Lei 9.474/97 (“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;”), para, no estrito controle da legalidade, ajuizar se, sendo acaso verdadeiros como fatos, corresponderiam, ou não, ao suporte fático (fattispecie abstrata) dessa norma vinculante, invocada pela autoridade como fonte da legitimidade de seu comportamento. Assinalou que o primeiro, referente à situação política do Estado italiano, em dada quadra histórica, a toda evidência não poderia ser considerada causa atual de algum fundado temor de perseguição futura por motivos políticos, pela razão de, supondo-se então verdadeira, não viger agora. Assim, reputando-se ali vigente ordem jurídico-constitucional democrática, nada justificaria sequer remoto receio de que, com o deferimento da extradição, o extraditando não teria seus direitos constitucionais respeitados. Quanto ao segundo motivo da decisão administrativa, de que, na época dos fatos, o governo do Estado requerente estaria infiltrado de “forças políticas eversivas”, cujo “poder oculto” superaria e excederia, por meio de atuações ilegítimas, “a própria exceção legal”, influindo, direta ou indiretamente, nas condenações do extraditando, registrou o relator que tal fundamento, sobre implicar gratuita e pesada afronta à independência e isenção da magistratura italiana, não transporia, na causa, as fronteiras amplas da fantasia, não se fundando em nenhum dado de realidade.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 5

No que tange ao terceiro fundamento, no sentido de que os crimes imputados ao extraditando teriam natureza política, o relator enfatizou sua ilegalidade, haja vista a incompetência da autoridade administrativa na matéria. No ponto, acentuou que, da atribuição prevista no art. 102, I, g, da CF, defluiria, que, enquanto objeto necessário da cognição imanente à competência constitucional reservada à jurisdição desta Corte, lhe tocaria apreciar, com exclusividade, todas as questões relativas à existência de fatos configuradores de causas intrínsecas de não extradição, assim consideradas as que, não correspondendo a nenhuma das taxativas hipóteses legais de concessão de refúgio, submissas todas a juízo administrativo privativo, mas vinculado, impediriam deferimento da extradição solicitada por Estado estrangeiro. Afirmou que, nos termos do art. 77, § 2º, da Lei 6.815/80, c/c o aludido art. 102, I, g, da CF, caberia, exclusivamente, ao Supremo a apreciação do caráter da infração, o que implicaria outorga de competência exclusiva para definir se o fato constitui crime comum ou político, sendo essa a razão pela qual, dentre as hipóteses específicas de reconhecimento da condição de refugiado, previstas no art. 1º da Lei 9.474/97, não constaria a de que a pessoa tivesse sido condenada por delito político. Relativamente ao quarto e último fundamento, concernente às vicissitudes da estada do extraditando na França, de onde teria sido expulso, de fato, por decisão de cunho político, reputou-o impertinente. Asseverou que, no tocante aos eventos lá ocorridos, escusaria opor objeções de ordem factual ou jurídica, por serem de todo irrelevantes as respectivas considerações da decisão administrativa para o desate da causa, porquanto a Lei 9.474/97 exigiria, em seu art. 1º, I, em cuja hipótese (fattispecie abstrata) se fundara o reconhecimento da condição de refugiado, como requisito típico essencial, que a pessoa se encontrasse fora do país de nacionalidade, sob cuja proteção não quisesse ou não pudesse se acolher. Observou que, no caso deste outro fundamento decisório, toda a particular motivação do asserto de perseguição política diria respeito a acontecimentos sucedidos em terceiro país, que não reclama extradição. Para o relator, da análise de todos esses fundamentos do ato de concessão de refúgio, depreender-se-ia que, se houvesse algum fundado temor atual do extraditando, tal receio teria por único objeto os desdobramentos legais da persecução penal executória, e não agravos imaginários de perseguição política, de cujo risco não constaria nenhum indício.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 6

Registrou, também, ser pertinente a distinção constante do manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado político, publicado, em 2004, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR, a qual deveria ser observada, com rigor, neste tema, a fim de não se confundirem coisas tão diversas entre si [“(d) Punição 56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infração de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infrações desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.”]. Dessa forma, não aparecendo o extraditando como vítima da injustiça, mas como alguém que fugiria da punição legal por crimes de natureza comum, não lhe seria possível aspirar à condição de refugiado. Ademais, no campo dos chamados requisitos negativos, afirmou que não seria menor a incompatibilidade entre a decisão administrativa e a lei, salientando que o manual do ACNUR distinguiria ainda, neste ponto, três grupos de condições ou cláusulas que haveriam de ser seguidas para fins de reconhecimento da situação de refugiado político, quais sejam, as de inclusão, de cessação e de exclusão. Citando o art. 1-F do Estatuto dos Refugiados (“F. As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houver razões sérias para se pensar que: a) cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dado pelos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes; b) cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados; c) tornaram-se culpadas de atos aos fins e princípios das Nações Unidas.”), revelou que o conjunto das normas expressas nesse texto teria sido complementado pela Lei 9.474/97 (“Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: ... III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”), reputando inequívoco o sentido da regra que veda, expressamente, a atribuição da condição de refugiado a pessoas que tenham cometido crimes comuns graves, sobretudo se qualificados como hediondos.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 7

Prosseguindo, o relator destacou que a decisão administrativa, ao se reportar ao fato de que em nenhum momento o Estado requerente noticiara a condenação do extraditando por crimes impeditivos da condição de refugiado, desconsideraria todo o teor das sentenças condenatórias italianas, recobertas pela res iudicata. Aduziu que os crimes cometidos pelo extraditando, sobre não apresentar nenhum traço de conotação política, entrariam com folga na classe dos crimes comuns graves, qualificados de hediondos, nos termos do art. 1º da Lei 8.072/90, e que a incidência dessa lei, no caso, não importaria agravamento da situação jurídico-penal do extraditando enquanto réu, senão mera qualificação jurídica da sua distinta situação de pretendente de reconhecimento da condição de refugiado. Além disso, sendo essa a lei regente, incidiria de imediato, sem retroagir, sobre a pretensão de refúgio formulada sob sua vigência, apanhando todos os fatos — o passado histórico — que constituiriam fundamentos do pedido, não para algum efeito penal, mas apenas para estima da coexistência, ou não, dos requisitos legais imprescindíveis à concessão do benefício político. Explicou que isto significaria apenas que, se os fatos principais, embora velhos ou anteriores ao requerimento, recebessem, por sua concreta e objetiva gravidade, valoração negativa e conseqüente eficácia obstativa de outra lei em vigor (Lei 8.072/90), o benefício político não poderia ser deferido, e não que a situação penal do extraditando fosse exacerbada. Concluiu que daí viria, desde logo, a existência de condição legal excludente da concessão de refúgio, como só remate e reforço do quadro da indiscutível ilegalidade de que se revestira a decisão administrativa que o deferira ao extraditando, tratando-se, portanto, de ato administrativo, que, por sua manifesta, absoluta e irremediável nulidade e ineficácia, não poderia se opor à cognição nem a eventual procedência do pedido de extradição. Afastou, ainda em sede preliminar, os argumentos da defesa acerca do defeito de forma do pedido de extradição, especialmente no que tange ao teor das decisões em que se fundaria e às respectivas traduções, tendo em conta, notadamente, a inteira inteligibilidade do conteúdo essencial que emergiria desses atos traduzidos.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 8

Quanto ao mérito, o relator repeliu todas as alegações apresentadas pela defesa do extraditando. Ressaltou que o fato de o extraditando não ter sido apresentado diante de qualquer tribunal, sendo julgado à revelia, não teria relevo nenhum, porque tal circunstância não constituiria, por si só, motivo de recusa para a extradição, conforme pactuado na segunda parte da alínea a do art. 5 do Tratado de Extradição Brasil-Itália. Ademais, observou que, mesmo que o julgamento tivesse tramitado à revelia do extraditando, que à época se encontrava foragido, não haveria dúvidas de lhe terem sido garantidos todos os direitos de defesa correspondentes a essa condição processual, conforme o citado dispositivo do Tratado, em estrita observância ao princípio do devido processo legal. Afirmou, também, diante de nosso sistema da contenciosidade limitada, ou de cognição restrita (Lei 6.815/80, art. 85, § 1º), caber à Corte apenas apreciar a defesa que verse sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, não sendo possível conhecer da alegação de fragilidade das provas produzidas na instrução criminal. Reconheceu, em seguida, estar atendido o requisito da dupla tipicidade, visto que o fato motivador do pedido seria considerado crime tanto no Estado requerente quanto no Brasil.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 9

O relator asseverou não estarem prescritos os homicídios imputados ao extraditando, consumados em 6.6.77, 16.2.79, 16.2.79 e 19.4.79 e aos quais cominados a pena de prisão perpétua, com decisões condenatórias transitadas em julgado em 8.4.91 e 10.4.93. Enfatizou que, perante nossa legislação penal, seria mister decidir a questão da prescrição da pretensão executória à luz do máximo da pena abstratamente cominada para o correspondente tipo penal (homicídio qualificado), que seria de trinta anos de reclusão. Assim, segundo o inciso I do art. 109, c/c o art. 110, do nosso CP, a prescrição se operaria em vinte anos. Repeliu o argumento da defesa, segundo o qual, não tendo havido recurso do Ministério Público, inferir-se-ia que a condenação se tornara definitiva para a acusação na data em que a sentença fora proferida em audiência e depositada na Chancelaria (13.12.88). Esclareceu, no ponto, que a defesa desconsiderara que sobre a hipótese incidiria, depois do trânsito em julgado da sentença, a causa suspensiva da prescrição, constante do art. 116 do CP (“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”). Isto é, decretada a prisão preventiva do extraditando em 1º.3.2007, para fins de extradição, e devidamente cumprida em 18.3.2008, dessa data atuaria automaticamente a suspensão do prazo da prescrição executória segundo a legislação brasileira. Acrescentou que, caso a Corte entendesse que a prisão provisória para fins de extradição não seria decorrente de outro motivo, incidiria a causa interruptiva do prazo prescricional prevista no art. 117, V, do CP (“Art. 117 O curso da prescrição interrompe-se: ... V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;”). Haveria, para o relator, ainda, de se considerar suspenso o prazo prescricional, desde a data da suspensão do processo de extradição, em razão do pedido de refúgio formulado perante o CONARE, até a decisão final proferida, no recurso, pelo Ministro de Estado da Justiça. Aduziu que, de toda sorte, não obstante incidirem várias causas aptas a inibir a prescrição, o cálculo da prescrição da pretensão executória, para a acusação (1ª parte do inciso I do art. 112 do CP pátrio), não se contaria a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória de 1ª instância, datada de 13.12.88 e que impusera ao extraditando a pena de prisão perpétua pela prática dos quatro homicídios. Esclareceu que, com a anulação parcial, pela Corte de Cassação (3ª instância), em 8.4.91, do acórdão do 1º Tribunal de Apelação de Milão (2ª instância), relativamente à condenação por um dos homicídios, deixara de subsistir trânsito em julgado para a acusação, que poderia ter recorrido, se a decisão do 2º Tribunal do Júri de Milão, julgando em sede de reenvio pela Corte de Cassação, não houvesse confirmado a pena de prisão perpétua para o homicídio outrora excluído. Salientando que tais condenações transitaram em julgado em 8.4.91 e 10.4.93, não teria se operado prescrição da pretensão executória, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira, a qual se consumaria no prazo de vinte anos, a contar da data do trânsito em julgado das sentenças condenatórias, nos termos da norma vigente à época. Reputou, assim, satisfeita a exigência relativa ao duplo grau de punibilidade.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando - 10

O relator atestou a não ocorrência da causa impeditiva prevista no inciso VII do art. 77 da Lei 6.815/80, objeto da garantia consagrada no inciso LII do art. 5º da CF (“não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.). Reafirmando a competência da Corte para aquilatar, com exclusividade, o caráter das infrações que informam o pedido extradicional, julgou comuns os crimes cometidos pelo extraditando, sobretudo quando confrontados com o princípio da preponderância (Lei 6.815/90, art. 77, § 1º). Frisou, no ponto, consubstanciarem homicídios dolosos, perpetrados com premeditação, os quais não guardariam relação com fins altruístas que caracterizariam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social, mas revelariam, pelo contrário, puro intuito de vingança pessoal. Por fim, examinou a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, de o Presidente da República, uma vez acolhido o pedido de extradição, efetivar a entrega do extraditando ao Estado requerente. Tendo em conta o que constante do art. 1 do Tratado de Extradição e do art. 26 da Convenção de Viena (princípio do pacta sunt servanda), e, ainda, reputando satisfeitas todas as exigências para concessão sem se caracterizar nenhuma das hipóteses de recusa previstas no art. 6 do Tratado e, por conseguinte, deferido o pedido do Estado requerente, considerou que não se reconheceria discricionariedade legítima ao Presidente da República para deixar de efetivar a entrega do extraditando. Observou, no entanto, que tramitaria contra o extraditando, perante a Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, ação penal, cujo objeto seria a imputação da prática do delito de falsificação e/ou uso de passaporte falso. Em razão disso, entendeu que, deferido o pedido e, portanto, constituído o título jurídico sem o qual o Presidente da República não poderia determinar a extradição, a efetiva entrega do súdito ao Estado requerente poderia ser diferida, nos termos do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro, bem como do ‘item 1’ do art. 15 do Tratado Bilateral Brasil-Itália (“Artigo 15 Entrega Diferida ou Temporária 1. Se a pessoa reclamada for submetida a processo penal, ou deva cumprir pena em território da Parte requerida por um crime que não aquele que motiva o pedido de extradição, a Parte requerida deverá igualmente decidir sem demora sobre o pedido de extradição e dar a conhecer sua decisão à outra Parte. Caso o pedido de extradição vier a ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do processo penal ou até o cumprimento da pena”). Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Ellen Gracie, que acompanhavam o voto do relator, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Eros Grau, que, em suma, julgavam extinto o processo de extradição em face da decisão hígida do Ministro de Estado da Justiça de conceder o refúgio ao extraditando (Lei 9.474/97, art. 33), pronunciou-se o Min. Marco Aurélio acerca da legalidade do ato de concessão de refúgio, não vislumbrando desvio de finalidade no mesmo, e solicitou vista dos autos quanto às demais causas de pedir.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Mandado de Segurança contra Ato de Concessão de Refúgio e Prejudicialidade

Proferido o voto do Min. Cezar Peluso no processo de extradição, acima relatado, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicado o mandado de segurança impetrado pela República Italiana contra o aludido ato do Ministro da Justiça de concessão de refúgio ao extraditando. Tendo em conta haver a impetrante suscitado, incidentalmente, na extradição, a questão relativa à legalidade, ou não, do ato de concessão de refúgio, e, especialmente, por reputar ser cognoscível de ofício essa matéria, de ordem pública, considerou-se que ela deveria ser apreciada como preliminar na extradição. Assim, a República Italiana não teria interesse processual para impetrar o writ, porque a questão passaria necessariamente como uma preliminar no processo de extradição. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau, que entendiam ser necessário julgar o mandado de segurança. A Min. Cármen Lúcia asseverou que a análise da legalidade do ato do Ministro da Justiça deveria se dar no mandado de segurança, haja vista ser tal matéria o próprio objeto da impetração, meio adequado, portanto, para essa análise.
MS 27875/República da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (MS-27875)

Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 1

O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado pela Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul - AMAMSUL contra decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, formalizada no Procedimento de Controle Administrativo 484/2007, na qual se determinara a suspensão do pagamento de auxílio-moradia aos magistrados ativos daquela unidade federativa que não preenchessem os requisitos para o benefício, medida aplicável também aos inativos e aos pensionistas. Para o mencionado órgão impetrado, seria condição para o recebimento desse auxílio a inexistência de residência oficial ou imóvel próprio do magistrado na comarca. A impetrante sustenta a legitimidade da vantagem, a teor do disposto nos artigos 65, II, da LOMAN e 254 da Lei estadual 1.511/94 (Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul), e afirma que sua supressão implicaria redução dos vencimentos, considerada sua possível incorporação, já que paga habitualmente desde 1994. Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator, salientou a higidez da distribuição do feito e rejeitou a alegação de prevenção quanto a mandados de segurança de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski (MS 26550/DF e MS 26663/DF), porquanto, embora os temas de fundo fossem referentes ao auxílio-moradia, haveria diversidade de objetos. Assentou, também, a ilegitimidade da impetrante para atuar como substituta processual dos aposentados e dos pensionistas, dado que eles não estariam incluídos no rol de associados da entidade. Refutou, ainda, o apontado desrespeito ao devido processo legal no que o CNJ teria deferido liminar sem a audição dos interessados. Consignou a possibilidade de relator em procedimento em curso no CNJ poder atuar no campo precário e efêmero da medida acautelatória (RICNJ, art. 25, XI), bem como o fato de o relator haver determinado, no hoje PCA 200830000000723, a intimação de todos os interessados para, querendo, manifestarem-se. Em seguida, salientando que o feito versa relação jurídica continuada, renovando-se mês a mês, aduziu que a circunstância de o pagamento do auxílio-moradia anteceder o período de 5 anos do surgimento do processo administrativo no CNJ não geraria preclusão.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)

Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 2

No mérito, o Min. Marco Aurélio concedeu, em parte, a segurança para afastar a exclusão do direito a magistrado que tiver residência própria e aos inativos e pensionistas cuja situação jurídica esteja sacramentada pela Corte de Contas estadual. Relativamente ao auxílio-moradia, registrou cuidar-se de parcela que possui natureza indenizatória, não integrando o que percebido pelo magistrado, isso para efeito de aposentadoria, nem incidindo sobre ela tributos como o Imposto de Renda. Esclareceu que interpretações teleológica e vernacular do art. 65, II, da LOMAN revelariam o caráter linear da parcela, não mais havendo a restrição às comarcas do interior, estranhas à capital (“Art. 65. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: ... II - ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado.”). Aludiu que se constataria não estar o valor pago ligado ao fato de o magistrado possuir, ou não, residência própria, cabendo a satisfação, conforme disciplinado em lei, desde que não se colocasse à disposição do magistrado residência oficial. Fora isso, enfatizou que seria distinguir situações onde o texto não o fez. Tendo isso em conta, passou ao exame da Lei estadual 1.511/94, assinalando que esta poderia vir a ter a eficácia afastada, no campo administrativo, se conflitante com a LOMAN, no que ela se apresentaria harmônica com a Constituição.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)

Auxílio-Moradia de Magistrados Estaduais - 3

Citando o art. 254 do Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso Sul, considerou que, sob o ângulo da definição do valor, o critério adotado seria razoável [“Art. 254. Os magistrados perceberão, mensalmente e a título de auxílio-moradia, vinte por cento (20%) sobre os vencimentos. § 1º O magistrado que residir em próprio do Estado, ou mantido por ele, não fará jus à ajuda de custo prevista neste artigo. § 2º É defeso a magistrado receber ajuda de custo para moradia, ou sua complementação, de qualquer outra fonte.”]. Expôs que o previsto na LOMAN teria sido parcialmente observado por aquele ente federal, porquanto a exclusão do direito à ajuda, tal como versado na lei em comento, apenas ocorreria caso o magistrado residisse em imóvel do Estado. Desse modo, excluiu-se o benefício quando existente, na localidade, residência oficial e esta é colocada à disposição do magistrado (LOMAN, art. 65, II). Frisou, ademais, não caber aplicação analógica da Lei 8.112/90, uma vez que a LOMAN, quando remete a disciplina do tema auxílio-moradia à lei, refere-se à legislação local, surgindo, na situação dos autos, conflito parcial do § 1º do art. 254 da Lei estadual 1.511/94 com a citada lei complementar. No tocante aos aposentados, apontou a necessidade de se diferenciar a situação daqueles cujos cálculos dos proventos penderia de homologação pelo Tribunal de Contas estadual daqueles que já tiveram seus cálculos homologados. Quanto a estes, afirmou que a atuação do CNJ a eles não se estenderia e que se entender de forma diversa seria atribuir ao CNJ a possibilidade de afastar do cenário jurídico não apenas decisão administrativa de órgão do Poder Judiciário, mas também dos tribunais de contas, os quais atuam como órgãos auxiliares do Legislativo. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
MS 26794/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2009. (MS-26794)


PRIMEIRA TURMA

Porte Ilegal de Arma de Fogo com Sinal de Identificação Raspado

Para a caracterização do crime previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003, é irrelevante se a arma de fogo é de uso permitido ou restrito, bastando que o identificador esteja suprimido. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo com numeração raspada (Lei 10.826/2003, art. 16, parágrafo único, IV) pleiteava a desclassificação da conduta que lhe fora imputada para a figura do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/2003, art. 14). Sustentava a impetração que, se a arma de fogo com numeração raspada é de uso permitido, configurar-se-ia o delito previsto no art. 14 e não o do art. 16, parágrafo único, IV, ambos do Estatuto do Desarmamento. Observou-se que, no julgamento do RHC 89889/DF (DJE 5.12.2008), o Plenário do STF entendera que o delito de que trata o mencionado inciso IV do parágrafo único do art. 16 do Estatuto do Desarmamento tutela o poder-dever do Estado de controlar as armas que circulam no país, isso porque a supressão do número, da marca ou de qualquer outro sinal identificador do artefato potencialmente lesivo impediria o cadastro, o controle, enfim, o rastreamento da arma. Asseverou-se que a função social do referido tipo penal alcançaria qualquer tipo de arma de fogo e não apenas de uso restrito ou proibido. Enfatizou-se, ademais, ser o delito de porte de arma com numeração raspada delito autônomo — considerado o caput do art. 16 da Lei 10.826/2003 — e não mera qualificadora ou causa especial de aumento de pena do tipo de porte ilegal de arma de uso restrito, figura típica esta que, no caso, teria como circunstância elementar o fato de a arma (seja ela de uso restrito, ou não) estar com a numeração ou qualquer outro sinal identificador adulterado, raspado ou suprimido.
HC 99582/RS, rel. Min. Carlos Britto, 8.9.2009. (HC-99582)

Dosimetria da Pena e Proporcionalidade

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP sustenta ilegalidade na fixação de sua pena-base, acima do mínimo legal. Alega a defesa que, para a caracterização da personalidade e da conduta social do agente, foram considerados idênticos fatos (bis in idem), a saber, os atos infracionais cometidos pelo paciente durante a adolescência. Aduz que, mesmo que se entenda que os atos infracionais perpetrados no passado permitissem concluir que o paciente tivesse uma personalidade voltada para o crime e que apresentasse má conduta social, a dosimetria da pena não teria respeitado a devida proporcionalidade, pois apenas um dos oito critérios previstos em lei apresentar-se-ia desfavorável. Ademais, afirma que o fato de ter o paciente praticado o delito em plena luz do dia não poderia ser levado em seu desfavor, visto que, a rigor, facilitaria a defesa da vítima e a intervenção de terceiros para evitar a sua consumação. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, tendo em conta os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualidade, deferiu o writ para determinar ao juízo sentenciante que proceda a nova dosimetria da pena, a ser fixada em patamar mais próximo do mínimo legal. Reputou que não se afiguraria razoável que a pena-base tivesse sido aumentada de metade, em face dos atos infracionais realizados pelo paciente durante a adolescência e em razão de ter sido o delito cometido durante o dia. Salientou que os atos infracionais podem e devem, sim, ser levados em conta na avaliação da personalidade do paciente. Todavia, essa circunstância judicial, por si só, não seria apta a elevar a pena-base em metade, porquanto o art. 59 do CP listaria oito circunstâncias que poderiam ser consideras no momento do estabelecimento da sanção, e destas, no caso, somente a personalidade desajustada do agente se faria presente. Consignou que também não se mostraria pertinente para a exacerbação da pena o fato de ter sido o crime praticado durante o dia. Enfatizou, por outro lado, que o habeas corpus não seria a via adequada para a correção da dosagem da pena. Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.
HC 97056/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.9.2009. (HC-97056)


SEGUNDA TURMA

Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 1

A Turma indeferiu habeas corpus no qual se alegava que a falta de prévia oitiva da defesa em relação à decisão de magistrado de 1º grau que, em juízo de retratação, decretara a prisão preventiva do paciente, violaria o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como o Enunciado 707 da Súmula do STF (“Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.”) e o art. 589 do CPP (“Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários. Parágrafo único. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Neste caso, independentemente de novos arrazoados, subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado.”). No caso, o Ministério Público Federal interpusera perante o TRF recurso em sentido estrito contra a decisão do juízo, que denegara o pleito de prisão preventiva do paciente. Ocorre que, ao receber tal recurso, o juiz federal se retratara e decretara a custódia cautelar do paciente. Em razão disso, seguiram-se naquela Corte um habeas corpus e outro recurso em sentido estrito, ambos apresentados pela defesa, sendo este julgado prejudicado e aquele indeferido, denegação mantida pelo STJ.
HC 96445/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.9.2009. (HC-96445)

Juízo de Retratação: Prisão Preventiva e Ampla Defesa - 2

Ressaltou-se que o alvo da presente demanda seria, em última análise, a decretação da segregação cautelar do paciente e não o recurso em sentido estrito propriamente dito. Em seguida, aduziu-se que, nos termos do art. 311 do CPP, a custódia preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, inclusive, de ofício. Tendo isso em vista, considerou-se que não se sustentaria a tese de que a defesa deveria ter sido intimada para contra-arrazoar o recurso em sentido estrito interposto — o qual restara prejudicado com a retratação do juiz —, apenas porque a decretação da prisão, na espécie, operara-se em sede de juízo de retratação. Ademais, enfatizou-se que o acusado utilizara-se da faculdade prevista no parágrafo único do art. 589 do CPP, recorrendo da decisão que decretara a sua custódia, ocasião em que tivera a oportunidade de apresentar todas as razões de seu inconformismo, o que afastaria qualquer ofensa ao direito ao contraditório, à ampla defesa ou ao mencionado dispositivo legal. Rejeitou-se, também, a alegação de transgressão ao Verbete 707 da Súmula desta Corte seja porque o recurso em questão não fora interposto contra decisão de rejeição da denúncia, mas sim contra o indeferimento de prisão preventiva, seja porque este tipo de custódia pode ser decretado de ofício, sem manifestação prévia do réu. Por fim, salientando as peculiaridades da situação em apreço, considerou-se que, quando da prolação da decisão impugnada, o paciente, não obstante estar respondendo a processos criminais no Brasil, inclusive com sentença condenatória, mudara-se para a Itália, ciente de que, por ser nacional daquele país, sua extradição seria indeferida, sendo preso, contudo, no Principado de Mônaco.
HC 96445/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.9.2009. (HC-96445)

Prova Ilícita e Falta de Justa Causa

Não há justa causa para a ação penal quando a demonstração da autoria ou da materialidade do crime decorrer apenas de prova ilícita. Tendo em conta essa orientação, a Turma deferiu habeas corpus para, nos termos do art. 386, II, do CPP, absolver condenada nas penas do art. 251, caput, do CPM, por haver efetuado saques na conta de pensionista falecida, nos 5 meses posteriores ao óbito. Tratava-se de writ impetrado contra acórdão do STM que, embora reconhecendo a ilicitude da quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, assentara que a confissão posterior da paciente seria suficiente para manter a condenação, aplicando à espécie o princípio da proporcionalidade. Esclareceu-se, ainda, que a mencionada confissão surgira como efeito da prova ilicitamente obtida, sendo razoável supor que não teria sido feita sem a quebra prévia do sigilo. Dessa forma, concluiu que a palavra da acusada, como meio de prova, também padeceria de ilicitude, agora por derivação. Por conseguinte, seriam imprestáveis as provas que fundamentaram a condenação imposta à paciente.
HC 90298/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 8.9.2009. (HC-90298)

Prisão Preventiva e Morador de Rua

O simples fato de o acusado não possuir residência fixa nem ocupação lícita não é motivo legal para a decretação da custódia cautelar. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para conceder liberdade provisória (CPP, art. 310, parágrafo único) a denunciado por suposta tentativa de homicídio qualificado, cuja prisão fora decretada para assegurar a aplicação da lei penal e preservar a ordem pública, porquanto morador de rua, sem endereço conhecido ou local onde pudesse ser encontrado com habitualidade.
HC 97177/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 8.9.2009. (HC-97177)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno9 e 10.9.200941
1ª Turma8.9.2009265
2ª Turma8.9.2009348



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJE de 11 de setembro de 2009
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 599.903-RS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
Ementa: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NÃO EMBARGADA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 420.816. RECURSO EXTRAORDINÁRIO RECUSADO.
1. O tema constitucional examinado no Recurso Extraordinário n. 420.816, Redator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, estava restrito à redução interpretativa do art. 1º-D da Lei n. 9.494/1997 (Medida Provisória n. 2.180-35/2001) para torná-lo aplicável apenas às execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública (art. 730 do Código de Processo Civil).
2. É infraconstitucional a questão do enquadramento jurídico da execução de sentença proferida em ação coletiva contra à Fazenda Pública ao disposto no art. 730 do Código de Processo Civil.
3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Supremo Tribunal Federal.
4. Recurso extraordinário recusado.

Decisão Publicada: 1

C L I P P I N G D O DJ

4 de setembro de 2009

ACO N. 765-RJ
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA
Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. Extensão. Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte.
1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade recíproca prevista na norma supracitada.
2. Ação cível originária julgada procedente.
* noticiado no Informativo 546

ADI N. 3.773-SP
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, “b” e “d”, da Constituição Federal.
1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema Corte, pendente ainda recurso extraordinário.
2. Vencido o Ministro Relator, que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei estadual impugnada.
3. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas “b” e “d” do inciso II do art. 96 da Constituição da República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94.
4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado.
5. Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.
* noticiado no Informativo 537

Rcl N. 6.541-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
RECLAMAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. INICIAL RATIFICADA PELO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ART. 127 DA LEP POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL ESTADUAL. VIOLAÇÃO DAS SÚMULAS VINCULANTES 9 E 10 DO STF. PROCEDÊNCIA.
1. Inicialmente, entendo que o Ministério Público do Estado de São Paulo não possui legitimidade para propor originariamente Reclamação perante esta Corte, eis que “incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 46 da Lei Complementar 75/93” (Rcl 4453 MC-AgR-AgR / SE, de minha relatoria, DJe 059, 26.03.2009).
2. Entretanto, a ilegitimidade ativa foi corrigida pelo Procurador-Geral da República que ratificou a petição inicial e assumiu a iniciativa da demanda.
3. No caso em tela, o Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais de São Paulo/SP, reconhecendo a ocorrência de falta grave na conduta do sentenciado, declarou perdidos os dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP.
4. Ao julgar o agravo em execução interposto pela defesa do reeducando, a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 31 de julho de 2008, deu provimento parcial ao recurso, para restabelecer os dias remidos.
5. O julgamento do agravo ocorreu em data posterior à edição da Súmula Vinculante n° 09, como inclusive foi expressamente reconhecido pela Corte local.
6. O fundamento consoante o qual o enunciado da referida Súmula não seria vinculante em razão da data da decisão do juiz das execuções penais ter sido anterior à sua publicação, não se mostra correto.
7. Com efeito, a tese de que o julgamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição da súmula, não deve obrigatoriamente observar o enunciado sumular (após sua publicação na imprensa oficial), data vênia, não se mostra em consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a partir da publicação da súmula na imprensa oficial.
8. Deste modo, o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 31 de julho de 2008, ao não considerar recepcionada a regra do art. 127, da LEP, afrontou a Súmula Vinculante n° 09.
9. Além disso, o referido acórdão também violou o enunciado da Súmula Vinculante nº 10, eis que a 7ª Câmara Criminal – órgão fracionário do TJSP – afastou a incidência do art. 127 da LEP, sob o fundamento de que tal dispositivo afronta princípios constitucionais.
10. Ante o exposto, defiro a admissão do Sr. Procurador-Geral da República como autor da demanda e julgo procedente a presente reclamação para cassar o acórdão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que restabeleceu os dias remidos do reeducando.
* noticiado no Informativo 552

RE N. 562.980-SC
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
IPI - CREDITAMENTO - ISENÇÃO - OPERAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 9.779/99. A ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI que a antecedeu.
* noticiado no Informativo 545

RHC N. 90.197-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 da Lei 10.826/03. TIPICIDADE RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO DESPROVIDO.
I. A objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a Lei propicia.
II. Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da eficácia da arma para a configuração do tipo penal em comento, isto é, se ela está ou não municiada ou se a munição está ou não ao alcance das mãos, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização desimporta o resultado concreto da ação.
III – Recurso desprovido.
* noticiado no Informativo 550

Acórdãos Publicados: 105

C L I P P I N G D O DJ

11 de setembro de 2009

ADI N. 1.194-DF
RELATORA P/ O ACÓRDÃO: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB. ARTIGOS 1º, § 2º; 21, PARÁGRAFO ÚNICO; 22; 23; 24, § 3º; E 78 DA LEI N. 8.906/1994. INTERVENÇÃO COMO LITISCONSÓRCIO PASSIVO DE SUBSECÇÕES DA OAB: INADMISSIBILIDADE. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ARTIGOS 22, 23 E 78: NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO. ART. 1º, § 2º: AUSÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 21 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO: INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. ART. 24, § 3º: OFENSA À LIBERDADE CONTRATUAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. A intervenção de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade tem características distintas deste instituto nos processos subjetivos. Inadmissibilidade da intervenção de subsecções paulistas da Ordem dos Advogados do Brasil. Precedentes.
2. Ilegitimidade ativa da Confederação Nacional da Indústria – CNI, por ausência de pertinência temática, relativamente aos artigos 22, 23 e 78 da Lei n. 8.906/1994. Ausência de relação entre os objetivos institucionais da Autora e do conteúdo normativo dos dispositivos legais questionados.
3. A obrigatoriedade do visto de advogado para o registro de atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas (artigo 1º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994) não ofende os princípios constitucionais da isonomia e da liberdade associativa.
4. O art. 21 e seu parágrafo único da Lei n. 8.906/1994 deve ser interpretado no sentido da preservação da liberdade contratual quanto à destinação dos honorários de sucumbência fixados judicialmente.
5. Pela interpretação conforme conferida ao art. 21 e seu parágrafo único, declara-se inconstitucional o § 3º do art. 24 da Lei n. 8.906/1994, segundo o qual “é nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência”.
6. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, nessa parte, julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme ao art. 21 e seu parágrafo único e declarar a inconstitucionalidade do § 3º do art. 24, todos da Lei n. 8.906/1994.
* noticiado no Informativo 547

HC N. 94.601-CE
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA - A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW” COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL) - O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO “DUE PROCESS” - INTERROGATÓRIO JUDICIAL - NATUREZA JURÍDICA – MEIO DE DEFESA DO ACUSADO - POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES - PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA - PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENO) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – PEDIDO DEFERIDO.
A essencialidade do postulado do devido processo legal, que se qualifica como requisito legitimador da própria “persecutio criminis”.
- O exame da cláusula referente ao “due process of law” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de “participação ativa” nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.
- O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao “due process of law”, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos.
O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU.
- Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes.
possibilidade jurídica de um dos litisconsortes penais passivos, invocando a garantia do “due process of law”, ver assegurado o seu direito de formular reperguntas aos co-réus, quando do respectivo interrogatório judicial.
- Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente do STF.
* noticiado no Informativo 526

RE N. 377.409-PR
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: Tributo. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Adicional instituído por meio de medida provisória. Admissibilidade. Violação ao art. 246 da CF. Não ocorrência. Tributo instituído e regulamentado pela Lei nº 7.689/88. Mero aumento da alíquota pela MP nº 1.807/99. Recurso extraordinário não provido. A Medida Provisória nº 1.807/99 não instituiu, nem regulamentou a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL, mas apenas lhe aumentou a alíquota.
* noticiado no Informativo 556

EMB. DECL. NO RE N. 592.148-MG
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – SOCIEDADE CIVIL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO LEGALMENTE REGULAMENTADA - COFINS – MODALIDADE DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - OUTORGA DE ISENÇÃO POR LEI COMPLEMENTAR (LC Nº 70/91) – MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE LEI ORDINÁRIA (LEI Nº 9.430/96) PARA REVOGAR, DE MODO VÁLIDO, A ISENÇÃO ANTERIORMENTE CONCEDIDA PELA LC Nº 70/91 – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL – A QUESTÃO CONCERNENTE ÀS RELAÇÕES ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO-NORMATIVO ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA – ESPÉCIES LEGISLATIVAS QUE POSSUEM CAMPOS DE ATUAÇÃO MATERIALMENTE DISTINTOS – DOUTRINA – PRECEDENTES (STF) – INAPLICABILIDADE, AO CASO, DA DOUTRINA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRETENSÃO QUE, EXAMINADA NOS “LEADING CASES” (RE 377.457/PR E RE 381.964/MG), NÃO FOI ACOLHIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR DESTA CAUSA, QUE ENTENDE CABÍVEL, TENDO EM VISTA AS PECULIARIDADES DO CASO, A OUTORGA DE EFICÁCIA PROSPECTIVA – CONSIDERAÇÕES DO RELATOR (MIN. CELSO DE MELLO) SOBRE OS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA DOS CIDADÃOS EM SUAS RELAÇÕES COM O PODER PÚBLICO E, AINDA, SOBRE O SIGNIFICADO E AS FUNÇÕES INERENTES À SÚMULA DOS TRIBUNAIS - OBSERVÂNCIA, CONTUDO, NO CASO, DO POSTULADO DA COLEGIALIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.


Acórdãos Publicados: 248

TRANSCRIÇÕES


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Estado-Membro - Inscrição SIAFI/CAUC/CONCONV - Inobservância do Devido Processo Legal - Preservação da Continuidade dos Serviços Públicos (Transcrições)

AC 2395-MC/PB*

DECISÃO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Esta decisão é por mim proferida em face da ausência eventual, nesta Suprema Corte, do eminente Ministro-Presidente e de seu substituto regimental (fls. 266), justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 37, I, do RISTF.
Trata-se de “ação cautelar preparatória de ação civil originária”, ajuizada pelo Estado da Paraíba contra a União Federal, que tem por objetivo afastar “(...) todos os efeitos contra o Estado da Paraíba das inscrições contidas no SIAFI, CAUC, CONCONV e em quaisquer outros cadastros, listagens ou sistemas  que lhes fizessem as vezes ou tivessem semelhante finalidade, relativamente ao descumprimento da determinação constitucional de aplicação mínima de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino (Seq. 301 – Educação – art. 212, CF), bem como ao Convênio nº 085/2001 (Convênio SIAFI nº 423117 – Concedente Secretaria Nacional de Segurança Pública) e Convênio nº 018/2003 (Convênio SIAFI nº 483989 – Concedente Secretaria Nacional de Segurança Pública);” (fls. 36/37 – grifei).
O autor sustenta, em síntese, para justificar sua pretensão cautelar, o que se segue (fls. 03/06 e 32/34):

“1. O Estado da Paraíba está impedido de celebrar convênios, contrair empréstimos e receber transferências voluntárias de recursos federais por conta de duas singelas restrições acusadas no Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias - CAUC, subsistema vinculado ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI, da Secretaria do Tesouro Nacional.
2. Para se ter uma idéia dos prejuízos assumidos pelo Estado da Paraíba com esta anotação, verifica-se que - somente no âmbito da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) - se encontram bloqueados operações de crédito na ordem aproximada de R$ 445.000.000,00 (quatrocentos e quarenta e cinco milhões de reais), fundamentais para a concretização de investimentos essenciais para o ente federativo autor.
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3. A primeira restrição que se questiona diz respeito ao suposto descumprimento da imposição constitucional de aplicação do percentual mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) da receita corrente líquida, no exercício financeiro de 2008, na manutenção e desenvolvimento do ensino, na forma do artigo 212 da Constituição Federal.
4. Consoante se observa da documentação anexa (extraída do ‘site’ da SIOPE), o Estado da Paraíba teria descumprido a mencionada obrigação, ao destinar às despesas com educação (ano-referência de 2008) recursos correspondentes a apenas 23,75% (vinte e três, vírgula setenta e cinco por cento) da receita corrente líquida.
5. Em outras palavras, esta Unidade da Federação, de acordo com o FNDE, teria descumprido a exigência constitucional por ter deixado de aplicar o percentual de 1,25% (um vírgula vinte e cinco por cento) da receita corrente em despesas com ações e serviços de educação.
6. Ocorre que tal inscrição merece ser revista, não só pelo fato de que tal anotação há de ser atribuída à gestão governamental anterior, mas também porque há evidentes equívocos metodológicos nos critérios de cálculo utilizados pelo FNDE/MEC e STN/MF, especificamente quanto à base de cálculo das receitas e dos valores investidos nas áreas e serviços de educação, em dissonância, inclusive, com o pensamento plasmado pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, e em outras Cortes de Contas Estaduais. Isto sem contar a ausência de notificação prévia (violação da Lei Federal nº 11.945/2009) e a inexistência de medida corretiva de aplicação imediata.
7. Ademais, como se verá a seguir, a anotação em exame, diferentemente do que ocorre com as outras hipóteses de restrições contidas no sistema CAUC/SIAFI, condena o ente federativo a um ‘‘status’ de inadimplência de índole altamente irreversível’, isto porque não conseguirá sair, por absoluta falta de alternativa jurídico-legal e econômico-factual, desta posição de pseudo-inadimplemento, em curto espaço de tempo, o que é algo, em momentos de crise financeira e de quebra abrupta de repasses do Fundo de Participação dos ESTADOS-FPE, absolutamente nefasto para o Estado da Paraíba.
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8. A segunda anotação questionada diz respeito a DUAS tomadas de contas especiais instauradas em virtude da não aprovação de prestações de contas de dois convênios outrora contraídos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba junto ao Ministério da Justiça, respectivamente:

(a) Convênio nº 018/2003-MJ/SSP/PB (Implantação do Centro de Atendimento e Despacho Integrado e Computadorizado - CAD em João Pessoa; objeto executado no período entre outubro de 2003 a fevereiro de 2006) - Data de inclusão no CAUC/SIAFI: 23/06/2009, e
(b) Convênio nº 085/2001 - MJ/SSP/PB (treinamento e qualificação de Policiais Civis e Militares, visando a reciclagem e aperfeiçoamento dos quadros de operadores de segurança; objeto executado entre novembro de 2001 e agosto de 2003) - Data de inclusão no CAUC/SIAFI: 23/06/2009. Documento Anexo.

9. Diferentemente das conclusões apontadas nas prestações de contas que culminaram nas referidas instaurações de tomadas de contas especiais no âmbito do Ministério da Justiça, há argumentos fáticos e jurídicos, mais do que suficientes, para as revogações destas indevidas anotações, com todo o respeito.
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82. A pretensão veiculada reveste-se de razoabilidade e plausibilidade jurídicas suficientes à concessão de medida liminar, ‘inaudita altera parte’.
83. O pedido de suspensão da restrição que pesa sobre o Estado da Paraíba no CAUC/SIAFI tem supedâneo em inúmeros precedentes já firmados por esse Excelso Pretório.
84. A manutenção de restrição ao ente federativo por conta de irregularidade apurada unilateralmente e de forma automatizada pela União, sem a possibilidade de se discutir a questão em processo administrativo ou judicial, consubstancia intolerável violação ao princípio do devido processo legal (a violação frontal à Lei Federal n° 11.945/2009).
85. Demonstrou-se, ainda, que o impedimento anotado no CAUC/SIAFI é fruto, no primeiro caso, de uma forte divergência metodológica na composição dos critérios de receita e despesa passíveis de aferição da limitação constitucional mínima em educação, admitida, inclusive, pelo próprio Ministro da Educação (ver parágrafo 58 do petitório).
86. Sim, Douto Ministro, o SIOPE desconsidera os gastos com professores inativos, bem como inclui as receitas de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), o que, em conjunto, trazem uma divergência numérica, em detrimento do Estado, capaz de comprometer o atendimento do limite mínimo constitucional. Sobre este tema, há precedente recente do Colendo Supremo Tribunal Federal (AC nº 2.104, Rel. Min. EROS GRAU, DJe-114, p. em 05.08.2008 - decisão proferida pelo Ministro Presidente GILMAR MENDES - bem como AC 2231 MC, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgado em 15/12/2008, publicado em DJe-021 DIVULG 30/01/2009 PUBLIC 02/02/2009).
87. Registrou-se, ainda, que informações do Tribunal de Contas da Paraíba dão conta de que Estado aplicou 26% dos recursos em educação no exercício de 2008.
88. Anotou-se que há uma clara desproporcionalidade entre a suposta irregularidade e a sanção aplicada, isto porque não há medida administrativa de correção ou recomposição que viesse a permitir, em curto prazo, a exclusão da referida anotação do Estado da Paraíba no CAUC/SIAFI/SIOPE.
89. Indicou-se que o problema é comum a mais da metade dos Estados da federação, o que denota um forte indício de que a sistemática adotada pela União, por meio do SIOPE, para aferir o quantum aplicado em educação no exercício de 2008, apresentou um rigor duvidoso, que surpreendeu a maioria dos gestores públicos das unidades federativas.
90. No segundo caso (Convênios com a Secretaria Nacional de Segurança Pública - Ministério da Justiça), verificou-se que as pendências de prestação de contas já foram administrativamente saneadas, com as justificativas, informações e documentos encaminhados ao órgão competente, conforme farta documentação acostada.” (grifei)

Reconheço, preliminarmente, considerada a norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Constituição da República, que a presente ação cautelar preparatória inclui-se na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, pois a causa principal, a ser eventualmente ajuizada, pertence ao âmbito das atribuições jurisdicionais originárias desta Suprema Corte, o que faz incidir, na espécie, a regra consubstanciada no art. 800, “caput”, do CPC.
Com efeito, sabemos que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades que compõem a Federação.
Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira.
Cabe assinalar que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma de competência inscrita no art. 102, I, “f”, da Carta Política, tem proclamado que “o dispositivo constitucional invocado visa a resguardar o equilíbrio federativo” (RTJ 81/330-331, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE - grifei), advertindo, por isso mesmo, que não é qualquer causa que legitima a invocação do preceito constitucional referido, mas, exclusivamente, aquelas controvérsias de que possam derivar situações caracterizadoras de conflito federativo (RTJ 81/675 – RTJ 95/485 - RTJ 132/109 – RTJ 132/120, v.g.).
Esse entendimento jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Carta Política restringe-se àqueles litígios - como o de que ora se cuida - cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação, em ordem a viabilizar a incidência da norma constitucional que atribui, a esta Suprema Corte, o papel eminente de Tribunal da Federação (AC 1.700-MC/SE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - AC 2.156-REF-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ACO 597-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ACO 925-REF-MC/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Vale referir, neste ponto, recente julgamento do Supremo Tribunal Federal em que esse aspecto da questão foi bem realçado pelo Plenário desta Suprema Corte:

“CONFLITOS FEDERATIVOS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO.
- A Constituição da República confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação (CF, art. 102, I, ‘f’), atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades que compõem a Federação.
Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira.
A aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, ‘f’, da Constituição estende-se aos litígios cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Precedentes.”
(ACO 1.048-QO/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Daí a observação constante do magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/219-220, 1992, Saraiva), cuja lição, ao ressaltar essa qualificada competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, acentua:

“Reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Federal como órgão de equilíbrio do sistema federativo. Pertencente embora à estrutura da União, o Supremo tem um caráter nacional que o habilita a decidir, com independência e imparcialidade, as causas e conflitos de que sejam partes, em campos opostos, a União e qualquer dos Estados federados.” (grifei)

Definida, assim, a competência originária deste Tribunal, passo a analisar a postulação cautelar deduzida na presente sede processual. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, o acolhimento da pretensão deduzida, em caráter liminar, pelo Estado da Paraíba, eis que concorrem, segundo vislumbro em juízo de estrita delibação, os requisitos autorizadores da concessão da medida cautelar ora postulada.
Presente esse contexto, tenho para mim que a inscrição, no CAUC/SIAFI, do Estado da Paraíba, em razão da suposta inobservância do índice percentual mínimo na área da educação, parece haver sido efetivada com possível violação ao postulado constitucional do devido processo legal (também aplicável aos procedimentos de caráter meramente administrativo).
Cabe advertir, neste ponto, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da República estabelece, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se viabilize a possibilidade de imposição, a determinada pessoa ou entidade, de medidas consubstanciadoras de limitação de direitos.
Cumpre assinalar, bem por isso, na linha de decisões que já proferi nesta Corte (RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer pessoa, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois - cabe enfatizar - o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como no caso, conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito  Administrativo Brasileiro”, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.).
Vale ter presente, neste ponto, o valioso magistério de PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, em obra conjunta escrita com GILMAR FERREIRA MENDES e INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (“Curso de Direito Constitucional”, p. 261/262, item n. 12.1, 2007, Saraiva), cuja lição ressalta a possibilidade constitucional de pessoas jurídicas titularizarem, elas mesmas, direitos e garantias fundamentais, aí incluídas, no que concerne às prerrogativas jurídicas de ordem procedimental, as próprias pessoas de direito público:

“Não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstantes estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas. Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular. (...).
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Questão mais melindrosa diz com a possibilidade de pessoa jurídica de direito público vir a titularizar direitos fundamentais. Afinal, os direitos fundamentais nascem da intenção de garantir uma esfera de liberdade justamente em face dos Poderes Públicos.
Novamente, aqui, uma resposta negativa absoluta não conviria, até por força de alguns desdobramentos dos direitos fundamentais do ponto de vista da sua dimensão objetiva.
Tem-se admitido que as entidades estatais gozam de direitos do tipo procedimental. Essa a lição de Hesse, que a ilustra citando o direito de ser ouvido em juízo e o direito ao juiz predeterminado por lei. A esses exemplos, poder-se-ia agregar o direito à igualdade de armas – que o STF afirmou ser prerrogativa, também, da acusação pública, no processo penal – e o direito à ampla defesa.” (grifei)

Essa visão do tema tem o apoio da própria jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal:

“A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO.
- A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes.”
(AC 2.032-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 - RDA 114/142 – RDA 118/99 - RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.
- O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer  medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Impende referir, neste ponto, por necessário, que, em situações semelhantes à que se registra na presente causa, esta Suprema Corte tem deferido, “initio litis”, medidas cautelares em processos instaurados por iniciativa do próprio Estado-membro (RTJ 192/767-768, Rel. Min. CELSO DE MELLO - AC 235-MC/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – AC 1.260-MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES – AC 1.700-MC/SE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – AC 1.915/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AC 1.936-MC/SE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – ACO 900/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES), determinando, então, a adoção da mesma providência que ora se postula nesta sede processual.
Cabe acentuar, ainda, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem confirmado essa orientação (AC 39-AgR/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):

“(...) LIMITAÇÃO DE DIREITOS E NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PARA EFEITO DE SUA IMPOSIÇÃO, DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
- A imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. (...).”
(AC 1.033-AgR-QO/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Cumpre relembrar, por sua extrema pertinência, decisão que o eminente Ministro GILMAR MENDES, como Relator, proferiu nos autos da AC 1.260-MC/BA, em que, ao ordenar a suspensão cautelar de eficácia de registro efetuado no SIAFI, assim fundamentou, no ponto, o seu ato decisório:

“A questão apresentada para análise não é nova neste Supremo Tribunal Federal. Em diversos precedentes análogos, a Corte já se manifestou pela concessão da liminar para afastar a inscrição do Estado no SIAFI/CADIN, sob o argumento de que a inviabilidade de formalizar acordos e convênios, bem como receber repasses de verbas, pode gerar prejuízos ainda maiores (inclusive com a paralisação de serviços essenciais) do que a ausência da inscrição do Estado, supostamente devedor, nesses bancos de dados. Nesse sentido, os seguintes precedentes: AC nº 39 (MC), Rel. Min. Ellen Gracie, monocrática, DJ 11.07.03; AC 223 (MC), Rel. Min. Gilmar Mendes, monocrática, DJ 23.04.04; AC 266 (MC), Rel. Min. Celso de Mello, monocrática, DJ 31.05.04; AC nº 259 (MC), Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, unânime, DJ 03.12.04; AC nº 659 (MC), Rel. Min. Carlos Britto, Plenário, unânime, julg. 12.06.06.” (grifei)

Ressalto, ainda, julgamento recente, em caso virtualmente idêntico ao ora em análise, no qual o Plenário desta Suprema Corte ordenou a suspensão cautelar do registro constante do CADIN/SIAFI, efetuado em desarmonia com a garantia do devido processo legal:

“CADIN/SIAFI - INCLUSÃO, NESSE CADASTRO FEDERAL, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, POR EFEITO DE DIVERGÊNCIAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CONVÊNIO MJ Nº 019/2000 - CONSEQÜENTE IMPOSIÇÃO, AO ESTADO-MEMBRO, EM VIRTUDE DE ALEGADO DESCUMPRIMENTO DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES, DE LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA INCLUSÃO, NO CADIN/SIAFI, DE QUALQUER ENTE ESTATAL - LITÍGIO QUE SE SUBMETE À ESFERA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HARMONIA E EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS E A UNIÃO FEDERAL - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO - POSSIBILIDADE DE CONFLITO FEDERATIVO - PRETENSÃO CAUTELAR FUNDADA NAS ALEGAÇÕES DE TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’ E DE DESRESPEITO AO POSTULADO DA RESERVA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA - DECISÃO DO RELATOR REFERENDADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
CONFLITOS FEDERATIVOS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO.
- A Constituição da República confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação (CF, art. 102, I, ‘f’), atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades que compõem a Federação.
Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira.
A aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, ‘f’, da Constituição estende-se aos litígios cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Precedentes.
LIMITAÇÃO DE DIREITOS E NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PARA EFEITO DE SUA IMPOSIÇÃO, DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
- A imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. (...).”
(ACO 1.048-QO/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Impõe-se ter presente, agora, um outro aspecto que se me afigura impregnado de evidente relevo, considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou em casos nos quais a causa geradora de inscrição em registros cadastrais de entidades inadimplentes é exclusivamente imputável a Administrações Estaduais anteriores (AC 1.763-MC/SE, Rel. Min. CARLOS BRITTO).
Resulta, de tais julgamentos, clara diretriz jurisprudencial estabelecida por esta Suprema Corte, cujas decisões – ordenando a liberação e o repasse de verbas federais – foram proferidas com o propósito de neutralizar a ocorrência de risco que pudesse comprometer, de modo irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas:

“Questão de ordem em medida cautelar em ação cautelar. 2. Autarquia estadual. Inscrição no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). 3. Impedimento de repasse de verbas federais. Risco para a continuidade da execução de políticas públicas. 4. Precedentes: (QO) AC nº 259-AP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 03.12.2004; (QO) AC nº 266-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28.10.2004; e (AgR) AC nº 39-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 05.03.2004. 5. Cautelar, em questão de ordem, referendada.”
(AC 1.084-MC-QO/AP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno - grifei)

Essa mesma orientação foi observada no julgamento (monocrático) da AC 1.989-MC/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, em caso que guarda absoluta identidade com a matéria ora em exame.
O que se mostra importante considerar, na realidade, é a orientação que o Supremo Tribunal Federal firmou a respeito do tema em análise, na qual esta Suprema Corte tem enfatizado a sua preocupação com as graves conseqüências, para o interesse da coletividade, que podem resultar do bloqueio das transferências de recursos federais (AC 2.032-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), como se verifica de fragmento de decisão proferida pelo eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, referendada pelo E. Plenário desta Corte:

“(...) Os argumentos apresentados evidenciam a plausibilidade jurídica do pedido cautelar, porquanto a permanência do Estado de São Paulo nos registros do CAUC e SIAFI implica o imediato bloqueio das transferências de recursos federais em detrimento do interesse público, com prejuízos irreparáveis ao crescimento estadual e à população.”
(AC 1.845-MC/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

Quanto aos Convênios Originais nº 085/2001 e nº 018/2003, celebrados com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ministério da Justiça), cumpre destacar trecho relevante da manifestação do Estado da Paraíba (fls. 29/32):

“(...) 71. De igual sorte, não existem motivos para a manutenção das anotações de inadimplência do Estado da Paraíba no sistema CAUC/SIAFI, especificamente no que concerne aos CONVÊNIOS ORIGINAIS nº 085/2001 e nº 018/2003, celebrados com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ministério da Justiça).
72. O atraso na remessa das informações e a não aplicação em tempo hábil dos recursos conveniados pela Administração Estadual anterior foram os principais motivos para as anotações no sistema CAUC/SIAFI (após a abertura de tomadas de contas especiais pelo próprio Ministério da Justiça).
73. Por óbvio, a nova administração estadual está a empreender os esforços no sentido de, não só corrigir as eventuais inaptidões de aplicação e execução dos recursos (especificamente quanto ao Convênio nº 018/2003), como também na coleta e remessa das informações pertinentes à Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Contudo, até o término da resolução administrativa, Estado da Paraíba não pode sofrer com tais restrições.
74. Esta assertiva ganha fôlego quando os documentos ora acostados comprovam que todas as pendências - apontadas para a plena aprovação das contas dos convênios - foram devidamente sanadas ou estão em fase final de saneamento.
75. Por exemplo: Sobre o convênio nº 085/2001, apontou a SENASP que perduraria a falta de algumas informações sobre a realização de alguns cursos, especificamente de Política Comunitária, Direitos Humanos e Cidadania e de Identificação Veicular (a comprovação dar-se-ia, segundo a SENASP, por intermédio de certificados e lista de presença). Contudo, os documentos ora acostados aos autos atestam a realização de tais cursos, especialmente com a apresentação das listas de presença e dos certificados (anexos).
76. Assim também o foi com o Convênio nº 018/2003.
77. A SENASP apontou no parecer nº 08020.002594/2003-18 (Convênio nº 018/2003 - SIAFI 483989) seis (06) pontos para saneamento (itens de ‘a’ e ‘f’)
78. Em ofício endereçado à SENASP, a Secretaria de Segurança Pública do Estado justificou o cumprimento de quatro dos seis pontos (Ofício n° 0123/2008/GS/SEDS/PB); faltava, assim, apenas a execução integral do item ‘c’, isto porque o item ‘d’ (devolução dos recursos) era uma conseqüência na hipótese de inadimplemento do referido item  ‘c’ (instalação e funcionamento do Centro de Atendimento e Despacho Integrado).
79. Sob os auspícios da nova gestão que se iniciou em fevereiro de 2009, as obras do Centro de Atendimento e Despacho Integrado foram concluídas (vide fotos contidas no relatório acostado) e os equipamentos reinstalados.
80. Dentre os equipamentos reinstalados, constatou-se um problema técnico no HD do servidor, situação que foi imediatamente encaminhada com a empresa fabricante que não só se comprometeu em solucionar graciosamente o defeito, como também se responsabilizou que ira efetuar, também sem custo para o erário, a atualização de todos os softwares do sistema outrora fornecido, o que gerará, em termos de modernização, ganho substancial para a operabilidade do centro (vide correspondência do fabricante, acostada ao relatório do caso).
81. Assim, se houve pontos a serem corrigidos nas prestações de contas dos referidos convênios, estas foram sanadas, o que não justifica, com todo o respeito, a permanência do Estado da Paraíba no sistema SIAFI/CAUC. (...).” (grifei)

Registre-se, finalmente, que o Estado da Paraíba justificou, de maneira inteiramente adequada, as razões que caracterizam a concreta ocorrência, na espécie, da situação configuradora do “periculum in mora”, enfatizando, a esse propósito, o que se segue (fls. 34/36):

“(...) 91. No que concerne ao perigo da demora, cumpre ponderar que o bloqueio decorrente da manutenção de restrição no CAUC/SIAFI poderá represar, no mínimo, recursos da ordem de 450 milhões de reais, relativos a inúmeros convênios firmados pelo Estado da Paraíba para a consecução de projetos essenciais à população, comprometendo a continuidade de serviços públicos essenciais.
92. Há, por exemplo, o perigo de se inviabilizar a operação de crédito do Programa de Modernização Fiscal do Estado da Paraíba - PROFISCO que tem por objetivo apoiar a modernização da gestão fiscal do Estado visando a aumentar a receita, a eficiência e a eficácia do gasto público e prover melhores serviços ao cidadão. A pré-negociação do contrato que está em vias de ser firmado entre o Estado da Paraíba e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está agendada para o período de 07 a 10 de julho de 2009, cujo valor está estimado em U$ 8.757.221,00 (oito milhões, setecentos e cinqüenta e sete mil, duzentos e vinte um dólares dos Estados Unidos da América).
93. Mais grave ainda: a manutenção desta restrição poderá comprometer o recebimento dos valores do empréstimo autorizado pelo Governo Federal, via BNDES, para diminuição do impacto financeiro dos Estados com a queda de seus respectivos Fundos de Participação.
94. O perigo da demora, pois, está ‘in re ipsa’. O Estado da Paraíba está com sua regularidade comprometida. Os efeitos são os mais graves possíveis.
95. O não-recebimento de recursos federais e internacionais no contexto da frágil autonomia financeira dos Estados Membros da Federação, extremamente centralizadora, é de molde a causar graves danos à população paraibana, com inviabilização potencial da máquina pública e da manutenção dos serviços públicos mais caros à sociedade paraibana. (...).” (grifei)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro, “ad referendum” do E. Plenário do Supremo Tribunal Federal (RISTF, art. 21, inciso V), até final julgamento da causa principal, o pedido de medida liminar formulado pelo Estado da Paraíba, em ordem a “(...) que a União Federal afaste todos os efeitos contra o Estado da Paraíba das inscrições contidas no SIAFI, CAUC, CONCONV e em quaisquer outros cadastros, listagens ou sistemas que lhes fizessem as vezes ou tivessem semelhante finalidade, relativamente ao descumprimento da determinação constitucional de aplicação mínima de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino (Seq. 301 – Educação – art. 212, CF), bem como ao Convênio nº 085/2001 (Convênio SIAFI nº 423117 – Concedente Secretaria Nacional de Segurança Pública) e Convênio nº 018/2003 (Convênio SIAFI nº 483989 – Concedente Secretaria Nacional de Segurança Pública) (...)” (fls. 36/37 – grifei).
2. Comunique-se, com urgência, o teor da presente decisão, para cumprimento imediato, ao Senhor Ministro da Educação, ao Senhor Advogado-Geral da União, ao Senhor Procurador-Geral da Fazenda Nacional, ao Senhor Secretário Nacional de Segurança Pública, ao Senhor Secretário da Receita Federal do Brasil e ao Senhor Secretário do Tesouro Nacional.
Publique-se.
Brasília, 17 de julho de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO
Presidente, em exercício
(RISTF, art. 37, I)

* decisão publicada no DJE de 5.8.2009

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

31 de agosto a 11 de setembro de 2009

LUTO OFICIAL
Decreto de 1 de setembro de 2009 - Declara luto oficial. Publicado no DOU de 2/9/2009, Seção 1, p. 1.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) Processo Judicial - Distribuição - Ministro - Falecimento
Portaria nº 174, de 3 de setembro de 2009 - Autoriza a redistribuição, independentemente de pedido das partes, de determinadas classes processuais de relatoria do Ministro Menezes Direito. Publicada no DJE/STF de 9/9/2009, n. 169, p. 1.


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 558 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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