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terça-feira, 4 de agosto de 2009

JURID - Valor probatório da palavra da vítima. [04/08/09] - Jurisprudência


Penal. Violência doméstica. Valor probatório da palavra da vítima.


Autos nº 0123.08.027296-6
Autor: Ministério Público Estadual
Acusado: Antônio Soares Pereira
Natureza: Ação Penal Condenatória - arts. 147 do CP na forma da Lei nº 11.340/2006.

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Vistos etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ofereceu denúncia em desfavor de ANTÔNIO SOARES PEREIRA, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, por ter, em tese, cometido o crime previsto no artigo 147, na forma da Lei nº. 11.340/2006.

Segundo consta da denúncia (f. 02/03), no período de setembro de 2007 a janeiro de 2008, na Rua São João, nº. 315, Bairro Piedade, nesta cidade de Capelinha/MG, o acusado ameaçou sua esposa de mal injusto e grave.

Narra a denúncia que o acusado encomendou uma espingarda de fabricação artesanal, dizendo à vítima que com somente um tiro iria matá-la, bem como disse ainda, armado com uma foice que "eu tenho que matar essa mulher é de foice, porque de faca ela esconde e de arma ela dá parte".

Portaria de instauração de inquérito às f. 05; Representação da vítima à f. 09.

Recebimento da denúncia à f. 35.

Citação do acusado à f. 41.

Defesa escrita à f. 40.

Audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que foram ouvidas a vítima e quatro testemunhas, sendo duas da acusação e duas da defesa. Em seguida, foi o acusado interrogado. (ff. 55/61).

Alegações finais em forma de memorial, apresentadas pelo Ministério Público (ff. 63/67), ocasião em que pugnou pela condenação nos termos da denúncia.

Alegações finais apresentadas pela defesa, pleiteando a absolvição do acusado (ff. 69/70).

É o relatório, passo a fundamentar.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Cuidam os presentes autos de ação penal pública em que o Ministério Público Estadual imputa ao acusado o crime de ameaça, na forma da Lei nº. 11.340/2006.

Ao exame dos autos, verifico estarem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação penal. Não foram argüidas questões preliminares ou prejudiciais, nem vislumbro qualquer nulidade que deva ser pronunciada de ofício.

Passo ao exame do mérito.

A materialidade e autoria do fato, no caso em apreço, restaram comprovadas pelas declarações da vítima, prestadas tanto na fase policial como em juízo e corroboradas pelo depoimento das testemunhas, apesar de não compromissadas.

Apesar da negativa do autor, a vítima, em suas declarações em juízo (f.56), afirma que:

(...)são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; (...) que as ameaças ocorriam quando o réu chegava bêbedo, depois do trabalho; (...) que o réu apenas ameaçou a declarante, dizendo que ia mandar fazer uma espingarda, e realmente mandou fazer a arma, mas não chegou a pegá-la; que o réu dizia que um tiro só acabava com a declarante; que em determinada ocasião, o réu chegou em casa bêbado e disse que ia matar a declarante com uma foice; que ele chegou a ir no hospital buscar a foice, mas não encontrou a ferramenta;que antes dessas ameaças a declarante já tinha sido agredida fisicamente pelo réu(...)

Apesar de ouvidas como informantes, as testemunhas de acusação confirmam as declarações da vítima:

(...)que presenciou seu pai dizendo que ia matar sua mãe de foice; que ele sempre fazia essas ameaças quando estava bêbado; que também chegou a ouvir o réu dizer que ia mandar fazer uma espingarda para matar a vítima;(...)que ele já chegou a agredir a vítima; que ele chegava em casa, falava uns palavrões e esmurrava a vítima. (Depoimento de Débora Eliane Camargos Pereira - f. 57)

(...)que já presenciou o seu avô agredindo a vítima uma única vez; que quando o réu bebia, acabava discutindo com o vítima; que o réu bebia praticamente todos os dias; que quando o réu bebia, ele ficava um pouco agressivo; que o réu já chegou a ameaçar a vítima de morte quando estava bêbado; que mora com o réu e com a vítima; (...)que ouviu o réu dizendo que ia encomendar uma espingarda para atirar na vítima; que não presenciou o réu dizendo que ia pegar uma foice para agredir a vítima; que tinha um pouco de medo do avô, quando ele bebia(...)(Depoimento de Thiago Pereira de Azevedo - f. 58)

Não obstante as declarações acima tenham provindo de apenas informantes, corroboram as declarações da vítima e apresentam fortes indícios de que os fatos narrados na denúncia realmente aconteceram.

Alie-se às provas já expostas, o contido na CAC de f. 33, na qual, apesar de não constar condenações em desfavor do acusado, registra outro procedimento envolvendo autor e vítima, sendo extinto em razão do não oferecimento de denuncia. Assim, entendo que os indícios constantes nos autos vêm aderir às declarações da vítima.

Muito embora a defesa tenha colocado em dúvida as palavras da vítima e alegado falta de provas, fato é que em situações de violência doméstica, como a dos presentes autos, não é comum a presença de testemunhas, porque as agressões geralmente ocorrem na intimidade domiciliar e conjugal dos envolvidos. Assim, não há como exigir a apresentação de prova testemunhal robusta, sob pena de restar impune o agressor. Nesses casos, é de extremo relevo a palavra da vítima para a comprovação dos fatos.

Neste sentido, já se manifestou o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. LEGÍTIMA DEFESA NÃO CARACTERIZADA. SÚPLICA ABSOLUTÓRIA. ACOLHIMENTO INVIÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBATÓRIO RELEVANTE. - Havendo prova da materialidade e da autoria do crime de violência doméstica descrito na denúncia, não restando caracterizada a legítima defesa alegada, inviável o acolhimento da súplica absolutória. - Nos delitos cometidos no âmbito doméstico, a palavra da vítima tem relevante valor probatório, porquanto, na maioria das vezes, as violências acontecem dentro do próprio ambiente familiar, longe dos olhos de possíveis testemunhas. (Autos nº. 1.0024.07.759595-7/001. Relator: Des. Renato Martins Jacob. Julgamento: 07.05.2009; Publicação:10.06.2009. Disponível em www.tjmg.jus.br. Acesso em 10.07.2009) - Grifos não originais

AMEAÇA E VIAS DE FATO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - PALAVRA DA VÍTIMA - ALCANCE PROBATÓRIO - INDÍCIOS CONVERGENTES - CONDENAÇÃO MANTIDA. Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância probatória, quando joeirada no crivo do contraditório. Para a condenação do acusado, basta apenas a existência de um quadro suficiente de indícios harmônicos e convergentes a configurar a sua culpa na prática do delito de ameaça e da contravenção das vias de fato. (Autos nº. 1.0177.07.007240-6/001 Relator: Des. Delmival de Almeida Campos. Julgamento: 27.01.2009; Publicação:06.02.2009. Disponível em www.tjmg.jus.br. Acesso em 10.07.2009)

APELAÇÃO CRIMINAL - AMEAÇA NO ÂMBITO DOMÉSTICO - PROVA - PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM OUTRAS PROVAS - VALIDADE - DELITO CARACTERIZADO - REGIME SEMI-ABERTO MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO. I - Em delitos deste jaez, pela usual ausência de outras testemunhas, a palavra da vítima assume essencial relevância, e, se verossímil e corroborada por outros elementos dos autos, serve de lastro a um édito condenatório. II - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal. III - Recurso desprovido. (Autos nº. 1.0049.08.013424-7/001 Relator: Des. Eduardo Brum. Julgamento: 19.05.2009; Publicação:10.06.2009. Disponível em www.tjmg.jus.br. Acesso em 10.07.2009)

A doutrina pátria, no escólio de Fernando da Costa Tourinho Filho, também manifesta-se neste sentido:

Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim, naqueles delitos clandestinos - qui clam committit solent - que se cometem longe dos olhares de testemunhas, a palavra da vítima é de valor extraordinário. (Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal. 12.ed., São Paulo. Saraiva. v.3; p.262)

Por outro lado, é perfeitamente compreensível que o acusado negue ter perpetrado as agressões, exercitando o seu sagrado direito de autodefesa.

Por essas razões, deixo de acatar as alegações de insuficiência de provas feitas pela defesa do acusado.

Verifica-se que a conduta do acusado subsume-se ao tipo do artigo 147, do Código Penal, na forma da Lei nº. 11.340/2006. Do ponto de vista do tipo objetivo, restou comprovado que o acusado, através de palavras, ameaçou a vítima, prometendo-lhe causar-lhe mal injusto e grave, no caso a morte. Do prisma do tipo subjetivo, o acusado agiu com dolo (vontade livre e consciente de ameaçar a vítima).

Não socorre o acusado qualquer causa excludente de ilicitude.

No âmbito da culpabilidade, na esteira da doutrina finalista da ação, o acusado é penalmente imputável e não existe nos autos qualquer prova de não ter capacidade psíquica para compreender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, sendo perfeitamente possível agir de forma diversa, o que caracteriza o juízo de censurabilidade que recai sobre sua conduta típica e ilícita.

Comprovadas a materialidade do fato e sua autoria e preenchidos os requisitos que compõem o conceito analítico de crime, a condenação do acusado é medida imperativa.

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público na denúncia para submeter o acusado ANTÔNIO SOARES PEREIRA às disposições do artigo 147 do Código Penal, na forma da Lei nº. 11.340/2006.

Passo, então, à dosimetria da pena, de forma individualizada, nos termos do art. 5º, XLVI da Constituição da República e artigos 59 e 68, ambos do Código Penal.

Analisando as circunstâncias judiciais verifica-se que a culpabilidade é normal à espécie, nada existindo na prova dos autos que aumente ou diminua o juízo de censurabilidade da conduta em análise; no que tange aos antecedentes, conforme se verifica pela CAC de f. 31, o acusado não possui outros registros criminais a serem considerados nesta circunstância; quanto à conduta social nada se extrai, de mais consistente, que possa ser considerado em seu desfavor; no que diz respeito à sua personalidade, verifica-se que não há nos autos elementos suficientes que permitam aferi-la, de modo que a presente circunstância não pode ser considerada em seu prejuízo; os motivos são aqueles inerentes ao próprio tipo penal; em relação às circunstâncias, nada a ser tomado em desfavor do acusado; as consequências do fato são normais à espécie, nada tendo a se desvalorar como fator extrapenal; o comportamento da vitima em nada influenciou para a consumação do delito.

Desta forma, tendo em vista que todas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal são favoráveis, fixo a pena-base em 1 (um) mês de detenção.

Em análise à segunda fase, verifica-se estar presente a circunstância agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal, uma vez que a infração penal foi cometida no contexto da violência doméstica. Não vislumbro a ocorrência de nenhuma circunstância atenuante. Desse modo, majoro a pena base em 5(cinco) dias, e fixo a pena provisória em 1(um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.

Na terceira fase, verifica-se que não há causas de diminuição ou de aumento de pena a serem apreciadas. Assim, torno concreta e definitiva a pena privativa de liberdade em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.

Para cumprimento da pena privativa de liberdade, fixo o regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.

No caso, mostra-se inviável a substituição da pena privativa de liberdade por outra espécie de pena tendo em vista que o crime foi cometido com grave ameaça à pessoa da vítima, o que acarreta a aplicação da norma impeditiva da substituição prevista no art. 44, I, do Código Penal.

Entretanto, o acusado faz jus à suspensão condicional da pena, uma vez que restam configurados os requisitos previstos nos incisos I a III do art. 77 do Código Penal, vez que não é reincidente em crime doloso; a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos e circunstâncias do crime autorizam a concessão do benefício; e não é cabível a substituição prevista no art. 44 do Código Penal.

Assim, concedo ao acusado o referido benefício, suspendendo a execução da pena pelo prazo de 02(dois) anos, mediante o cumprimento cumulativo das seguintes condições:

a) proibição de freqüentar bares e estabelecimentos congêneres;

b) proibição de se ausentar da comarca por mais de 10(dez) dias, sem autorização da Justiça;

c) comparecimento pessoal e obrigatório em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Não estando presentes os requisitos da prisão cautelar, diante da concessão do sursis ao sentenciado e, em atenção ao teor da Súmula 5 do Grupo de Câmaras Criminais do TJMG, defiro-lhe o direito de recorrer em liberdade.

Atento à norma prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, deixo de fixar o valor mínimo de indenização, à mingua de elementos nos autos, ressalvada a propositura da ação civil cabível.

Com o trânsito em julgado da sentença:

I-lance-se o nome do acusado no rol dos culpados;

II-deixo de determinar que se oficie à Justiça Eleitoral para os fins do art. 15, III, da Constituição da República, haja vista a suspensão condicional da pena;

III-preencham-se os boletins estatísticos, encaminhando-os ao Instituto de Identificação da Secretaria de Estado de Defesa Social.

IV-voltem os autos conclusos para designação de audiência admonitória.

Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade fica suspensa nos termos da Lei nº. 1060/50.

Intimem-se, pessoalmente, o acusado e o Ministério Público.

Intime-se o defensor.

Intime-se também a vítima no endereço constante dos autos.

Publique-se. Registre-se. Cumpra-se.

Capelinha/MG, 10 de julho de 2009.

Vitor Luís de Almeida
Juiz de Direito Substituto



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