Anúncios


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

JURID - Tarifa de renovação é nula [27/08/09] - Jurisprudência


7ª Vara Empresarial do Rio declara nula tarifa de renovação de cadastro do Banco Itaú


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

7ª VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL

Processo nº 2009.001.001650-4

SENTENÇA

Vistos etc.

Tratam os autos de ação coletiva de consumo, com pedido liminar, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face de BANCO ITAÚ S.A. baseando-se o Ministério Público no Inquérito Civil instaurado com intuito de apurar a responsabilidade do réu por possíveis lesões a interesses de consumidores, em razão da cobrança de uma tarifa para renovação de cadastro no valor de R$ 39,00 (trinta e nove reais), parcelado em três vezes.

Alega o Ministério Público que a referida cobrança é ilegal, pois não há qualquer prestação de serviço em favor do consumidor e a atualização alegada constitui uma obrigação das instituições bancárias, bem como que a resolução se refere a serviços essenciais inerentes à atividade bancária, e cabe exclusivamente aos bancos o ônus deste encargo, não devendo ser transferido para o cliente.

Aduz que tem legitimidade para ocupar o pólo ativo desta ação, com base na sua função institucional de promover ação civil pública, conferida pela CRFB, e que não deve ser incluído o Banco Central no pólo passivo da mesma, pois os pedidos formulados são expressamente em face do réu.

Acrescenta que, por tratar de relação entre um banco e seus clientes, há incidência nesta do Código de Defesa do Consumidor, que inclusive dispõe de artigo tratando da prática abusiva a que se refere esta demanda, e aponta a abrangência nacional do dano causado pelo réu, uma vez que a referida tarifa foi autorizada através de ato normativo de autarquia federal e, consequentemente, produz efeito em todo território nacional.

Requer antecipação dos efeitos da tutela para suspender, em todo território nacional, a eficácia da cláusula contratual referente à cobrança da tarifa em questão e para determinar que o réu se abstenha da referida cobrança, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo de outras medidas que se façam necessárias para a garantia do cumprimento desta obrigação.

Por fim, pede publicação do edital que trata o artigo 94 do CDC e a condenação do réu para abster-se da cobrança da tarifa de renovação, nos termos da tutela antecipada requerida; que sejam declaradas nulas, em todo o território nacional, as cláusulas dos contratos que versem sobre a referida tarifa; que o réu restitua em dobro os valores pagos indevidamente, além de danos materiais e morais causados aos consumidores, considerados em sentido individual e coletivo, este no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigidos e acrescidos de juros, cujo valor reverterá ao fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

Além disso, protesta por todos os meios de provas que se fizerem necessárias, bem como a inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, VIII, do CDC. Decisão às fls. 28/34, deferindo a antecipação de tutela requerida pelo autor e determinando a publicação do edital na forma prevista no artigo 94 do CDC Regularmente citado e intimado para o cumprimento da antecipação de tutela, o réu, às fls. 44, informa ter interposto agravo de instrumento contra a decisão que a concedeu.

Às fls. 76/136, o réu apresenta contestação acompanhada de documentos às fls. 137/216, alegando a necessidade de participação do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional no feito como litisconsortes necessários, por serem os entes que regulamentam, executam e fiscalizam as atividades inerentes à política de crédito das instituições financeiras.

Acrescenta que tais órgãos fazem parte da Justiça Federal e que, portanto, a Justiça Estadual é incompetente para processar e julgar esta demanda, sendo indispensável, inclusive, a citação da União Federal para integrar o pólo passivo.

Suscita inépcia da petição inicial, uma vez que o autor não indicou fatos concretos que provassem ser abusiva a tarifa de renovação, que justifique sua pretensão na proibição da cobrança da mesma.

Sustenta que o pedido é juridicamente impossível, tendo em vista que o autor, para o que pretende, apresentou alegações de maneira abstrata e genérica, bem como impossível o pedido de devolução em dobro dos valores cobrados nas situações individuais, pois não há como apurar o valor nem o momento da incidência desta tarifa na conta de cada cliente.

Declara falta de interesse de agir, considerando que a ação pública não é a via adequada para resolver a questão, pois a matéria discutida exige análise da constitucionalidade das normas estabelecidas pelos mencionados órgãos federais, própria da ação direta de inconstitucionalidade.

Assevera que o Ministério Público é ilegítimo para figurar autor desta ação, uma vez que sua pretensão tem o objetivo de defender o direito de um universo restrito de pessoas que contrataram com o seu sistema bancário, e não coletivo, além da ausência de conotação social que justifique uma tutela ampla e abrangente a ponto de ser protegida através de ação civil pública.

Aduz que a renovação de cadastro reflete uma política imposta pelo BACEN, além de ser um serviço prestado em benefício do cliente, uma vez que permite que ele receba informações atualizadas sobre a situação de suas contas e sobre suas obrigações em atraso, facilitando o controle de suas finanças, e está inserida dentre os serviços classificados como prioritários na resolução do CMN.

Salienta que a cobrança dessa tarifa obedece às regras estabelecidas pelas resoluções do BACEN e do CMN, inclusive no que diz respeito à sua previsão constante no contrato firmado com seus clientes e a respectiva autorização, além do fato de que foram comunicados, por mala direta, acerca das mudanças implementadas.

Ressalta que, diante das inúmeras atividades relacionadas com a renovação dos cadastros, o preço cobrado pelo serviço não pode ser considerado abusivo, nem viola o Código de Defesa do Consumidor, pois este não possui qualquer artigo que vede a cobrança de uma tarifa como a que está sendo discutida.

Requer seja revogada a antecipação de tutela e, caso assim não entenda, a redução da multa cominatória; que, caso tenha de devolver os valores pagos, seja de forma simples e não em dobro; se julgada procedente a demanda, que seus efeitos sejam limitados à comarca da capital do Rio de Janeiro; que seja julgado improcedente o pagamento de honorários advocatícios em favor do autor; bem como a inversão do ônus da prova e os pedidos de dano moral e imaterial pretendidos por ele, e ainda que seja expedido ofício à FEBRABAN, para que esclareça sobre a legalidade da cobrança da tarifa de renovação. Decisão às fls. 218/219, revogando parte da decisão que determinou a publicação do edital na forma prevista no artigo 94 do CDC e determinando publicação de outro edital, informando este que deverão os consumidores aguardar o desfecho do mérito da ação, para, se for o caso, ingressar como litisconsortes. Réplica às fls. 222/252.

O réu informa, às fls. 255/256, que tem interesse na realização de audiência de conciliação e que pretende produzir prova pericial.
O autor, às fls. 258/261, declara não ter mais provas a produzir, nem interesse em audiência de conciliação, e requer o julgamento antecipado da lide. Decisão às fls. 264/265 rejeitando as preliminares argüidas pelo réu, bem como a prova pericial por ela requerida.

Às fls. 267/281, informa o réu ter interposto agravo retido contra a decisão que rejeitou as preliminares que argüiu e, às fls. 285/302, o autor apresenta suas contra-razões. Às fls. 304/320, o réu informa ter interposto agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial que requereu. Às fls. 329/330, o réu informa que propôs celebração de compromisso de ajustamento de conduta com o réu e requer audiência de conciliação para um eventual acordo. Às fls. 332/333, o autor informa que o réu não aceitou sua proposta quando ao termo e, portanto, não se faz necessária a audiência requerida, e pede julgamento antecipado.

Decisão da 2ª Câmara Cível, com relação ao agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferiu a tutela antecipada, dando-lhe parcial provimento somente para que os efeitos da decisão sejam restritos à competência deste órgão julgador. Às fls. 353/363, o autor reitera seu pedido de julgamento antecipado da lide.

É o relatório.

Passo a decidir.

O feito comporta julgamento imediato, nos moldes do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. De fato, para a solução da questão veiculada na inicial, faz-se desnecessária a produção de provas complementares. Não se deve olvidar que ao direito de ampla defesa contrapõe-se o poder-dever do Juízo de indeferir as provas inúteis e diligências meramente protelatórias, na forma do artigo 130 do CPC.

Preliminarmente, não merece acolhida a alegação de ilegitimidade passiva do Ministério Público. Compulsando-se os autos, facilmente se constata trata-se de violação a direitos individuais homogêneos a ensejar a defesa coletiva, especialmente pelo Ministério Público.

Não se concluiu pela existência de uma simples soma de interesses individuais que possa ser resolvida em termos de litisconsórcio ativo facultativo, com outorga de mandato judicial a advogado, mas, ao contrário, o que se extrai do feito em análise é a existência de interesses aglutinados por origem comum, cujo número particularmente expressivo de sujeitos abrangidos justifica que se dê tratamento processual coletivo à matéria, evitando-se, destarte, a multiplicação desmesurada de ações individuais, inclusive com risco de soluções divergentes.

Realce-se, neste ponto, que o cotidiano das operações de bancárias, em especial, débitos de tarifas bancárias nas contas dos correntistas, sequer permite a identificação segura das pessoas abrangidas, pois diariamente são efetuados inúmeros débitos desta natureza.

Logo, dado ao interesse social na solução da demanda e à natureza da lide, o meio escolhido - ação civil pública - e a iniciativa do Ministério Público fulcrada na Constituição da República, artigo 129, inciso III, se mostram adequados. Tampouco merecem prosperar as alegações de inépcia da exordial, ilegitimidade passiva, falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido.

Senão vejamos.

Em conformidade com a teoria Eclética da Ação de Enrico Túlio Liebman, pelo Diploma Processual adotada, o direito de ação existe ainda que o autor não possua o direito material alegado, porém, para fazer juz à prestação jurisdicional de mérito, exige-se que o demandante preencha determinadas condições, quais sejam, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido, e legitimidade para a causa.

O interesse de agir se divide em interesse-adequação do meio eleito e interesse-necessidade da tutela jurisdicional pleiteada. A legitimidade das partes se define com a exigência de que o autor e o réu sejam os apontados sujeitos do direito material discutido.

Por fim, a possibilidade jurídica do pedido estará preenchida desde que o pleito não esteja vedado pelo ordenamento jurídico. Assim, se o autor preenche estas três condições terá direito de ação, isto é, direito de que o magistrado aprecie o mérito da causa. Contudo, a verificação da existência das condições deve ser apreciada in statu assertionis, ou seja, deve o magistrado verificar, baseado nos fatos afirmados na petição inicial e sem produção probatória, se estão respeitadas as referidas condições para o legítimo exercício do direito de ação.

Trata-se da teoria da Asserção, adotada, dentre outros, por José Carlos Barbosa Moreira, Elio Fazzalari e Kazuo Watanabe. Neste sentido, Alexandre Freitas Câmara, in Lições de Direito Processual Civil, 1ª edição, Editora Freitas Bastos, páginas 124/125: ´Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As ´condições da ação´ são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito.

Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das condições da ação significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material.

Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo ´carecedor de ação´? A se afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores desta teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as condições da ação quem fizer juz a um provimento jurisdicional favorável.

Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As condições da ação, portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquirir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final´.

Por outro lado, de acordo com a teoria do processo como relação jurídica, de Oscar von Bülow, dominante na doutrina e jurisprudência pátrias, o processo é uma relação entre pessoas, dinâmica, de direito público, e que tem seus próprios sujeitos e requisitos, aos quais deu o autor alemão o nome de pressupostos processuais.

Esses podem ser definidos como requisitos de existência e validade da relação processual e se consubstanciam na presença de um órgão estatal investido de jurisdição, partes capazes e uma demanda regularmente formulada.

A demanda é o ato de impulso inicial da atuação do Estado-juiz, sendo identificada pelas partes, causa de pedir e pedido, consubstanciando-se em um ato solene, posto que submetido a uma série de requisitos formais, e que é praticado através da apresentação em juízo de uma petição inicial. A exordial, por sua vez, deve observar os requisitos elencados no artigo 282 do Código de Processo Civil, essenciais para a regularidade formal da demanda.

Neste sentido, Alexandre Freitas Câmara, in Lições de Direito Processual Civil, volume I, 7ª edição, Editora Lumen Juris, página 207: ´O terceiro e último pressuposto processual de validade é a regularidade formal da demanda. Demanda, como se viu, é o ato de impulso inicial da atuação do Estado-juiz, sendo identificado pelas partes, pela causa de pedir e pelo pedido.

Este ato jurídico, na maior parte das hipóteses, está submetido a uma série de requisitos formais, sendo, portanto, ato jurídico solene. Antes de mais nada, há que se dizer que a demanda é ato que se pratica através da apresentação, em juízo, de uma petição inicial. Esta pode ser definida como o instrumento da demanda, ou seja, o instrumento través do qual se corporifica e se documenta a demanda. A petição inicial, por sua vez, deve apresentar uma série de requisitos, chamados requisitos formais da demanda, ou mais simplesmente requisitos da petição inicial. A presença desses requisitos (quase todos enumerados no art. 282 do CPC) é essencial para a regularidade formal da demanda. A ausência de qualquer deles levará, por irregularidade formal da demanda, à extinção do processo sem julgamento do mérito.

É certo, porém, que o juiz deverá dar ao demandante prazo para que este corrija o vício de forma contido em sua petição inicial, para só depois, em não sendo sanado o defeito, extinguir o processo (art. 284 do CPC), indeferindo a petição inicial. O inciso IV do artigo 267 do Código de Processo Civil prevê hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito, pela ausência de algum dos pressupostos processuais. Contudo, é necessário frisar que tal dispositivo somente se aplica à ausência dos pressupostos processuais subjetivos, ou seja, ligados aos sujeitos do processo.

A irregularidade formal da demanda, que corresponde à ausência do pressuposto objetivo, leva à extinção do processo sem resolução do mérito através do indeferimento da petição inicial, aplicando-se, então, o inciso I do mesmo artigo. O artigo 295 do Digesto Processual traz as hipóteses de indeferimento da exordial, destacando-se, por pertinente, o inciso I c/c parágrafo único, que elencam os casos de inépcia da inicial.

Ora, pela simples leitura da peça se observa que há pertinência subjetiva entre as partes, presentes o pedido e a causa de pedir, dos fatos decorre logicamente a conclusão, bem como que os pedidos não são incompatíveis entre si e não são juridicamente impossíveis.

Importante esclarecer que, diferentemente do que alega a o réu em sua defesa, a causa de pedir está perfeitamente delineada na inicial e se consubstancia na cobrança dos correntistas da denominada tarifa de renovação de cadastro, sendo certo que a abusividade ou não de tal tarifa é matéria de direito posta à apreciação judicial.

Com relação à alegação da impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública, bem como da existência de litisconsórcio necessário com o BACEN e a CMN e conseqüente incompetência da justiça estadual para apreciar o presente feito, tampouco merece acolhida.

Isso porque o objeto desta demanda é o reconhecimento da abusividade da COBRANÇA da tarifa de renovação de cadastro por não haver qualquer contraprestação a justificar tal cobrança sendo a atualização alegada uma obrigação das instituições bancárias.

Não se discute a ilegalidade ou inconstitucionalidade de atos normativos oriundos das mencionadas entidades. Por conseguinte, REJEITO todas as preliminares e passo a apreciação do meritum causae.

A nossa ordem jurídica tem como principal escopo proteger o lícito e reprimir o ilícito.

Para tal o direito positivo impõe condutas externas aos indivíduos, denominadas de deveres jurídicos, os quais, uma vez violados, geram um dever reparatório decorrente do dano causado pela violação.

Neste sentido, Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, 3ª tiragem, Editora Malheiros, páginas 19/20: ´ 1.1 Dever jurídico originário e sucessivo A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano.

Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto.

Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano. Por oportuno, vale ressaltar que o Código do Consumidor consubstancia-se em um verdadeiro micro sistema jurídico, tratando-se de uma lei de cunho multidisciplinar já que cuida de questões que se acham inseridas nos Direitos Constitucional, Civil, Penal, Processual Civil, Processual Penal e Administrativo, mas sempre tendo por premissa inafastável a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, bem como sua condição de destinatário final de produtos e serviços, ou desde que não visem a uso profissional.

Assim, consumidor para efeitos da tutela do direito consumerista é o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de outra atividade negocial.

É de se destacar que o Código do Consumidor adotou a teoria da responsabilidade objetiva baseada no risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor do serviço e não do consumidor.

Assim, os riscos inerentes à atividade desenvolvida pelo prestador de serviço ou fornecedor de produtos, se enquadram no chamado fortuito interno, assim entendido como o fato imprevisível e inevitável ocorrido quando da realização da atividade desenvolvida e que, portanto, não afasta sua responsabilidade, já que se refere à essência do próprio empreendimento.

Alega o réu que a cobrança da tarifa de renovação de cadastro decorre do artigo 1º da Resolução 2953/2002 do BACEN que alterou o parágrafo 2ª do artigo 3º da Resolução 2025/1993 do MCN.

Ora, o que determina o Banco Central é que os bancos adotem políticas e procedimentos para a prevenção da utilização de tais instituições para práticas ilícitas. Por outro lado, a Resolução 3518/2007 artigo 1º determina que a cobrança de tarifa pelos bancos para prestação de serviços deve estar prevista em contrato. Como bem destaca o ilustre membro do parquet, a resolução 351807 elenca uma série de ´serviços essenciais´ ou seja, inerentes à atividade bancária mas que, na verdade, são encargos que as instituições bancárias devem suportar para a exploração de sua atividade.

Portanto, não há qualquer base legal para que o banco transfira um encargo seu ao consumidor, cobrando uma tarifa SEM QUE FORNECER UM SERVIÇO CORRESPONDENTE, não podendo simplesmente onerar o cliente com um procedimento de atualização de dados para melhoria da segurança, visando minimizar os riscos de fraude. Aliás, tal procedimento somente ao banco trará benefícios, já que busca diminuir a ocorrência daqueles eventos dolosos de terceiro considerados, em regra, fortuito interno, ou seja, riscos do empreendimento que, como tais, deverão ser suportados pela própria instituição.

O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. In casu, não há falar-se em dano moral individual.

Isso porque a conduta dos réus se consubstancia naqueles aborrecimentos corriqueiros vividos no cotidiano, caracterizando mero ilícito contratual nos moldes do verbete nº 75 deste Egrégio Tribunal de Justiça: ´O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte.´ Já quanto ao dano moral coletivo, entendo que se faz presente diante da abusividade da conduta do réu em face da coletividade consumerista.

Entendem a melhor doutrina e jurisprudência que o dano moral está incito na própria ofensa, decorrendo da gravidade do ilícito em si, existindo in re ipsa, ou seja, comprovada a ofensa, demonstrado estará o dano moral em decorrência de uma presunção natural.

No que tange ao quantum indenizatório não há valores fixos nem tabelas preestabelecidas para o arbitramento do dano moral. Essa tarefa cabe ao juiz no exame de cada caso concreto, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizando-se de seu bom senso prático. Em relação à devolução em dobro dos valores cobrados a título da tarifa ora em tela, afigura-se incabível. Isso porque o parágrafo único do artigo 42 da Lei 8078/90 trás uma sanção civil para aquele que cobrar dívida em maior valor que o real, o que não é a hipótese.

Por fim, destaco que os efeitos da presente decisão operar-se-ão em todo território nacional, já que se trata de ação coletiva para tutela de direito individual homogêneo, sendo inaplicável o disposto no artigo 16 da lei da Ação Civil Pública. Nesse sentido, o aresto do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

(...)A questão em discussão diz respeito à interpretação de dois dispositivos legais,a saber, o art. 16 da Lei nº 7.437/85 (Lei da Ação Civil Pública - LAP), com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.494/97, e 103, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicável ao procedimento regulado pela LAP por força do que dispõe seu art. 21 (incluído nesta Lei em conformidade com o que dispõe o art. 117 do CDC).(...) A ação civil pública, disciplinada pela Lei nº 7.347/85, ao menos em sua origem, não se destinava à defesa de direitos individuais homogêneos , mas apenas a interesses difusos ou coletivos. (...)A intenção original da LACP, de tutelar apenas essas duas modalidades de interesses, determinou toda a arquitetura da lei.(...) Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, todavia, duas novidades surgiram: (i) em primeiro lugar, a tutela de qualquer modalidade de direitos do consumidor, sejam difusos, sejam coletivos, passou a contar com uma regulação específica ; (ii) paralelamente, uma nova categoria de direitos passou a ser protegida: a dos interesses ou direitos individuais homogêneos.(...) Disso decorreu que, a partir do CDC, a ordem jurídica brasileira passou a contar com uma disciplina específica , independente da disciplina da ação civil pública, para a tutela dos direitos transindividuais dos consumidores em juízo e, dentro dessa disciplina , normas ainda mais específicas regulando a tutela de direitos individuais homogêneos.

O procedimento da ação civil pública, todavia, notadamente no que diz respeito à tutela dos direitos difusos ou coletivos, ainda permanecia aplicável, porém forma subsidiária - ou seja, naquilo que não contrariasse as normas do CDC (art. 90, do CDC).

Os direitos individuais homogêneos também passaram a poder ser resguardados mediante esse mecanismo jurídico (art. 21 da LACP), todavia, dadas as suas características específicas, pouco do procedimento estabelecido pela LACP foi utilizado.

Uma disciplina própria e praticamente exaustiva foi estabelecida nos arts. 91 a 100 do CDC.(...) Diante desse panorama, questiona-se: a norma do art. 16 da LACP, introduzida pela Lei nº 9.494/97, pode ser estendida às ações em que se busca a tutela dos direitos transindividuais protegidos pelo CDC? A resposta só pode ser negativa. Isso porque, se a LACP somente se aplica às relações de consumo no que não contrariar o CDC, ela somente terá incidência nas hipóteses em que este diploma legal seja omisso.

Ocorre que o CDC contém, em seu art. 103 e §§, uma disciplina expressa a respeito da formação da coisa julgada, disciplina essa que não contém qualquer limitação territorial para seu alcance.

Assim, o art. 16 da LACP, como norma geral, mesmo tendo sido posteriormente introduzido no ordenamento jurídico, somente se aplicará às hipóteses dos incisos I, III, IV, V e VI do art. 1º dessa lei.

Jamais às hipóteses do inciso II.(...)´ Prossegue o voto trazendo argumento subsidiário, no sentido de que o disposto no artigo 16 da Lei nº 7347/85 somente se aplicaria às hipóteses de direitos difusos e coletivos, em relações de consumo, mas nunca aos direitos individuais homogêneos: ´Ainda que não se coadune do entendimento ora defendido, e se entenda que, efetivamente, o art. 16 da LACP poderia estender sua eficácia também a hipóteses em que se discutem relação de consumo, tal extensão deveria se limitar aos direitos difusos e aos coletivos, jamais alcançando os direitos individuais homogêneos.

Isso por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o escopo da LACP é, como já referido acima, o de tutelar apenas direitos difusos ou coletivos. A tutela a direitos individuais homogêneos foi introduzida originariamente pelo Código de Defesa do Consumidor e é nesse diploma que encontra sua regulação exaustiva. Em segundo lugar, porque a própria redação do art. 16 da LACP aponta no sentido de que tal norma visa abranger apenas essas duas modalidades de direitos.

Com efeito, tanto o art. 16 da LACP, como o art. 103, incs. I e II do CDC, disciplinam da mesma forma produção da coisa julgada erga omnes, ou seja: mencionam que ela se forma independentemente de a sentença julgar procedente ou improcedente o pedido, e excetuam expressamente a hipótese de improcedência por insuficiência de provas.

Ao utilizarem praticamente a mesma redação, tais normas dão uma indicação bastante significativa de estarem regulando as mesmas hipóteses. A coisa julgada erga omnes que se forma com relação aos direitos individuais homogêneos , todavia, é completamente distinta. Ela, nos expressos termos do inc. III, do art. 103 do CDC, ocorre ´apenas no caso de procedência do pedido´, e não há qualquer menção ao julgamento de improcedência por ausência de provas.

Também dessa circunstância, portanto, decorre que essa modalidade de direitos é autônoma em relação aos direitos difusos e coletivos.(...)´ (STJ - Resp. nº 411.529 - Rel. Min. Nancy Andrighi - 3ªTurma).

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE A PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO para, confirmando a tutela antecipada de fls.28/34, declarar nulas, em todo o território nacional, as cláusulas dos contratos que versem sobre tarifa de renovação de cadastro e condenar o réu a abster-se da cobrança da referida tarifa.

Condeno o réu, ainda, ao pagamento de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de dano moral coletivo, corrigidos monetariamente a contar da publicação desta e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, na forma do artigo 13 da Lei 7.347/85.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, que serão revertidos que serão revertidos ao Centro de Estudos Jurídicos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Ciência ao MP.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2009.

NATASCHA MACULAN ADUM
Juíza de Direito



JURID - Tarifa de renovação é nula [27/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário