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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

JURID - Restaurante demolido em FN [12/08/09] - Jurisprudência


MPF/PE consegue demolição de restaurante irregular em Fernando de Noronha


Justiça Federal de Pernambuco - JFPE

2008.83.00.016385-4 Classe: 1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autuado em 03/10/2008

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADOR: MONA LISA DUARTE ABDO AZIZ ISMAIL

RÉU: TANIA MARIA DA SILVA E OUTROS

ADVOGADO: GILDA OLIVEIRA DE MELO E OUTROS

21a. VARA FEDERAL - Juiz Titular

Objetos: 01.03.01.12 - Funcionamento de Estabelecimentos Empresariais - Licenças - Atos Administrativos - Administrativo: CESSAR

Vistos etc.

Cuida a hipótese de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal em desfavor de Tânia Maria da Silva, Isabel Kácia Pereira dos Santos e Andrea Sabatini, pretendendo a cessação das atividades comerciais (ou de qualquer outra natureza) no local onde atualmente funciona o Bar e Restaurante Meu Paraíso, na Praia do Boldró, em Fernando de Noronha/PE. Requer, ainda, que os réus promovam a recuperação da área mediante a demolição do imóvel e das construções acrescidas, às suas expensas.

Narra, em síntese, que:

a) a ré Tânia Maria da Silva, no final dos anos 90, passou a ser responsável pelo denominado "Bar do Boldró", mediante transferência do cadastro existente em favor de Edilene Maria Gomes Manso;

b) em 2006, transferiu a administração do bar aos réus Isabel e Andréa, que fizeram um investimento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) no local, passando a explorar o restaurante "Meu Paraíso";

c) o imóvel localiza-se na Zona de Proteção da Vida Silvestre da Área de Proteção Ambiental - APA de Fernando de Noronha, local em que não se permitem novas construções e/ou ampliações, pois vedada a ocupação humana de forma permanente;

d) a ré Tânia Maria foi notificada a apresentar as licenças de instalação expedidas pela CPRH e pela Administração da Ilha, não as exibindo;

e) em 20 de agosto de 2007, os fiscais do IBAMA embargaram a obra de ampliação do imóvel, que lhe acrescentou uma área construída de aproximadamente 150 m2;

f) em 03 de outubro de 2007, em nova visita ao local, os fiscais do IBAMA constataram o andamento da obra, em descumprimento ao embargo, lavrando novos autos de infração;

g) os réus não possuem autorização da Gerência Regional do Patrimônio da União para uso do bem público federal;

h) em 2008, o Instituto Chico Mendes elaborou o Parecer Técnico APA/FN/ICMBio n. 08/2008, indicando os danos ambientais causados pelas reformas e construções, destacando o lançamento de água residual e efluentes sanitários e o aumento da iluminação artificial em área de nidificação de tartarugas marinhas;

i) os réus foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos arts. 40 e 64 da Lei n. 9.605/98 e no art. 330 do Código Penal;

j) o art. 225, §3º, da Constituição e o art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/81 impõem ao poluidor o dever de indenizar e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente, independentemente da existência de culpa.

Na decisão de fl. 342, este Juízo solicitou ao Ministério Público Federal informações sobre as atividades do grupo de trabalho designado para negociar a relocalização dos empreendimentos situados em área de preservação, bem como se pronunciar sobre o litisconsórcio passivo necessário da empresa Restaurante Meu Paraíso e Empreendimentos Ltda.

Manifestação do Parquet às fls. 366/375, requerendo a inclusão da mencionada empresa no pólo passivo da demanda, bem como a expedição de ofício à Receita Federal para que se verifique sua regularidade fiscal. Pugnou, ainda, a parte autora pela manutenção dos demais litisconsortes e prestou esclarecimentos sobre o referido grupo de trabalho.

Decisão de fls. 412/418, retificando o pólo passivo do processo, com a inclusão da empresa Restaurante Meu Paraíso e Empreendimentos Ltda. ME, CNPJ 08.751.507/0001-99, e a exclusão dos litisconsortes Isabel Kacia Pereira dos Santos e Andréa Sabbatini. Na mesma decisão foi deferida a medida liminar, determinando-se a imediata paralisação de qualquer obra no imóvel sub judice, bem como a abstenção de qualquer atividade comercial, industrial, de serviços ou de qualquer outra natureza no referido imóvel, até julgamento ulterior da demanda.

A Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha encaminhou a este Juízo a documentação que repousa às fls. 459/466 e à fl. 545.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade apresentou cópia do Plano de Manejo do arquipélago (fl. 469), esclarecendo que "as obras recentes do Bar e Restaurante Meu Paraíso não foram autorizadas ou licenciadas por quaisquer órgãos, por estar situado em uma área não edificante" (fl. 479).

Tânia Maria da Silva compareceu aos autos em 16 de dezembro de 2008, dando-se por citada (fl. 485) e apresentando agravo de instrumento às fls. 491/534.

A Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - CPRH informou que não possui registro de licenças ou autorizações em nome dos réus (fl. 555).

Devidamente citados os réus mediante carta precatória, juntada aos autos em 30 de janeiro de 2009 (fls. 560/596), decorreu in albis o prazo de resposta (fl. 606), sendo designada a Dra. Gilda Oliveira de Melo como curadora especial do Restaurante Meu Paraíso e Empreendimentos Ltda., citado por hora certa.

O Ministério Público Federal comunicou, às fls. 609/617, a desobediência ao comando liminar, apresentando fotos que demonstram o normal funcionamento do restaurante.

Decisão de fls. 618/619, na qual este Juízo determinou à Companhia Energética de Pernambuco - CELPE a suspensão do fornecimento de energia elétrica no local, requisitando-se à Polícia Federal a aposição de lacre no local.

Os réus apresentaram contestações extemporâneas às fls. 629/729 e 731/831, desentranhadas conforme decisão de fls. 632/635, contra a qual foi interposto o agravo de instrumento de fls. 720/734.

Ofícios da Polícia Federal (fls. 640/641 e 737/739) e da CELPE (fls. 643/644), comunicando o atendimento à determinação judicial de fls. 618/619.

A curadora especial do Restaurante Meu Paraíso e Empreendimentos Ltda. apresentou contestação às fls. 646/669, alegando em síntese:

a) a incompetência absoluta da Justiça Federal, nos termos do art. 15 do ADCT e do art. 2º da Lei n. 7.347/85, bem como em face da incompetência do IBAMA e da falta de provas de lesão a bens, serviços ou interesses da União;

b) a necessidade de suspensão do processo até o julgamento da Ação Criminal n. 2008.83.00.009085-1, pertinente aos supostos danos ambientais no local;

c) a regularidade da aquisição e da manutenção do imóvel, pois sua relocação da Praia do Sueste para a Praia do Boldró se deu com autorização do IBAMA e da administração local;

d) a ausência de prova dos danos ambientais, pois os pareceres técnicos apenas aludem à irregularidade decorrente da ausência de licença prévia para a reforma do imóvel;

e) a falta de prova do nexo causal entre a conduta da pessoa jurídica e os danos alegados;

f) a responsabilidade solidária do Estado pela inércia e falta de fiscalização;

g) o direito à relocação e indenização pelo imóvel.

Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 741/745.

É o relatório. Passo a decidir.

Em primeiro lugar, reputo suficiente o acervo documental acostado aos autos, razão pela qual indefiro o pedido de produção de prova pericial realizado genericamente à fl. 669.

No tocante à competência deste Juízo, entendo que a simples presença do Ministério Público Federal no pólo ativo justifica a competência da Justiça Federal, pois o Parquet integra a estrutura da União, enquadrando-se a causa no rol do art. 109, I, da Constituição da República.

Ademais, há notícias de que a utilização do imóvel exorbita os limites autorizados pelo Plano de Manejo da APA-FN e pela Resolução CONAMA n. 10, de 24 de outubro de 1996, o que legitima a atuação do Ministério Público Federal na tutela inibitória dos bens ambientais.

Neste sentido, há acórdão paradigmático do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS.

1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal.

3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos.

4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria - as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa - as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar.

6. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art.

18, e 7.735/89, art. 4º ).

7. Recurso especial provido.

(REsp 440.002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2004, DJ 06/12/2004 p. 195)

Por outro lado, em homenagem à autonomia das instâncias, não verifico qualquer prejudicialidade que conduza à necessidade de suspensão deste processo até o deslinde da ação criminal, mormente quando o feito já se encontra apto à prolação de sentença e o outro ainda aguarda a citação dos réus para apresentação de defesa preliminar (vide anexo).

Neste sentido, sobre a desnecessidade da suspensão requerida pela parte ré, peço vênia para transcrever arestos do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO EM FACE DE AÇÃO PENAL. ART. 64 DO CPP E ART. 110 DO CPC. AFERIÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.

1. Não merece conhecimento o recurso especial, ante a falta de interposição do recurso extraordinário para combater o fundamento constitucional do aresto recorrido, no sentido de que o artigo 37, § 4º, da Carta Maior alberga a independência das esferas cíveis e penais, de modo a fundamentar a pretensão do recorrente quanto à necessidade de suspensão de ação civil pública ajuizada concomitantemente com ação penal em que figura como réu. Aplicação da Súmula 126/STJ.

2. "É princípio elementar a independência entre as esferas cíveis e criminais, podendo um mesmo fato gerar ambos os efeitos, não sendo, portanto, obrigatória a suspensão do curso da ação civil até o julgamento definitivo daquela de natureza penal. Deste modo, o juízo cível não pode impor ao lesado, sob o fundamento de prejudicialidade, aguardar o trânsito em julgado da sentença penal" (REsp 347.915/AM, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 29.10.07).

3. Os artigos 64 do Código de Processo Penal e 110 do Código de Processo Civil encerram faculdade de que na instância ordinária se faça análise de eventual prejudicialidade externa entre ação penal e ação civil pública que justifique a suspensão da segunda.

4. No caso dos autos, o aresto fixou que não se cuida de feito em que se reconheceu a existência do fato e a negativa de sua autoria. A revisão dessa premissa esbarra na Súmula 7/STJ.

5. Recurso especial não conhecido.

(REsp 860.097/PI, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 21/05/2008)

RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.

MORTE. SUSPENSÃO DO PROCESSO CÍVEL. FACULDADE.

1 - É princípio elementar a independência entre as esferas cíveis e criminais, podendo um mesmo fato gerar ambos os efeitos, não sendo, portanto, obrigatória a suspensão do curso da ação civil até o julgamento definitivo daquela de natureza penal. Deste modo, o juízo cível não pode impor ao lesado, sob o fundamento de prejudicialidade, aguardar o trânsito em julgado da sentença penal.

2 - Recurso especial não conhecido.

(REsp 347.915/AM, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 16/10/2007, DJ 29/10/2007 p. 238)

Em síntese, rejeito as preliminares e passo a abordar os temas de fundo.

Estabelece a Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, responsável pela regulamentação do art. 225, §1º, da Constituição da República e pela instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza:

Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias de unidade de conservação:

I - Área de Proteção Ambiental; (...)

Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Mesmo antes da Carta Constitucional de 1988, a Lei n. 6.902, de 27 de abril de 1981, previa a criação dessas áreas, fixando limitações ao seu uso:

Art. 8º - O Poder Executivo, quando houver relevante interesse público, poderá declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais.

Art. 9º - Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo:

a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água;

b) a realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais;

c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas;

d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional.

No caso do Arquipélago de Fernando de Noronha, a criação da Área de Proteção Ambiental remonta ao Decreto n. 92.755, de 5 de junho de 1986:

Art. 1º. Sob a denominação de APA de Fernando de Noronha - Rocas - São Pedro e São Paulo, ficam declarados Área de Proteção Ambiental o Território Federal de Fernando de Noronha, a Reserva Biológica do Atol das Rocas e os penedos de São Pedro e São Paulo. (...)

Art. 2º. A APA de Fernando de Noronha - Rocas - São Pedro e São Paulo tem por objetivos principais:

I - proteger e conservar a qualidade ambiental e as condições de vida da fauna e da flora;

II - compatibilizar o turismo organizado com a preservação dos recursos naturais;

III - conciliar, no Território Federal de Fernando de Noronha, a ocupação humana com a proteção ao meio ambiente.

Art. 4º. Na APA de Fernando de Noronha - Rocas - São Pedro e São Paulo ficam proibidas:

I - a implantação de atividades potencialmente poluidoras ou que provoquem sensível alteração nas condições ecológicas locais;

II - a utilização indiscriminada ou em desacordo com as normas e recomendações técnicas oficiais, de biocidas e fertilizantes;

III - a implantação de projetos que, por suas características, possam provocar deslizamento de solos e outros processos erosivos.

O Laudo de Exame de Meio Ambiente n. 789/08, lavrado pelos peritos da Polícia Federal mediante o uso de GPS, deixa claro que o imóvel ora em discussão ("Bar do Boldró" ou "Bar e Restaurante Meu Paraíso", na Praia do Boldró) se insere na Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha - APA-FN, na Zona de Proteção à Vida Silvestre (fl. 186).

Consoante documentos do IBAMA, o plano de manejo da APA-FN, aprovado pela Portaria n. 36, de 2005, determina que nesta Zona de Proteção à Vida Silvestre "todas as edificações e construções existentes nesta Zona não poderão ser ampliadas, a não ser no caso de adequações sanitárias" (fl. 80). E mais: como se trata de imóvel situado na Praia do Boldró, deve-se observar ainda a Resolução CONAMA n. 10, de 24 de outubro de 1996:

Considerando a necessidade de proteção e manejo das tartarugas marinhas existentes no Brasil: Dermochelys coriacea; Chelonia midas; Eretmochelys imbricata; Lepidochelys olivacea e Caretta caretta;

Considerando que, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, através do Centro de Conservação e Manejo das Tartarugas Marinhas - Centro TAMAR, desenvolve atividades para conservação e manejo das tartarugas marinhas nestas áreas;

Considerando que em algumas praias primordiais para a manutenção das populações de tartarugas marinhas estão se implantando projetos de desenvolvimento urbano;

Considerando as atribuições legais da Secretaria de Patrimônio da União e do Ministério da Marinha;

Considerando que é obrigação do poder público manter, através dos órgãos especializados da Administração Pública, o controle permanente das atividades potencial ou efetivamente poluidoras, de modo a compatibilizá-las com os critérios vigentes de proteção ambiental, resolve:

Art. 1o O licenciamento ambiental, previsto na Lei no 6.938/81 e Decreto no 99.274/90, em praias onde ocorre a desova de tartarugas marinhas só poderá efetivar-se após avaliação e recomendação do IBAMA, ouvido o Centro de Tartarugas Marinhas - TAMAR.

Parágrafo único. Para o licenciamento, o órgão licenciador consultará a Secretaria de Patrimônio da União e o Ministério da Marinha.

Art. 2o As áreas previstas no art.1o situam-se: (...)

f) no Estado de Pernambuco, no Distrito Fernando de Noronha, as praias do Boldró, Conceição, Caieira, Americano, Bode, Cacimba do Padre e Baía de Santo Antônio;

Em síntese, a exploração do local resta sujeita às limitações emanadas do Poder Público, que desestimulam a presença humana naquela praia e impedem a reforma ou ampliação das construções existentes, submetendo o licenciamento de qualquer atividade à prévia manifestação de vários órgãos públicos.

No caso, observa-se que na década de 1990 o IBAMA autorizou a Sra. Edilene Maria Gomes Manso a explorar o Bar do Boldró (fl. 58), repassado à ré Tânia Maria da Silva em 1999 sob o nome Bar do Boldró Ltda. (CGC 73.919.003/001-05) (fl. 37). Neste sentido, constam alvarás de localização e funcionamento, emitidos pelo Distrito Estadual de Fernando de Noronha em favor do CNPJ 73.919.003/001-05, vencendo o último em 30 de junho de 2005 (fl. 50).

Constam nos autos, também, requerimentos de reforma do imóvel apresentados à Administração Distrital, a saber:

a) requerimento de "projeto de residência e bar", apresentado em 30 de junho de 2000 (fls. 45/46);

b) requerimento de "projeto do bar do boldró", protocolado em julho de 2002 (fl. 63);

c) requerimento de "entrada de material para reforma interna e piso externo", firmado por Gerson Alves de Souza em 2003, "haja vista o estado precário da cozinha com o escoamento das águas pluviais" (fl. 59);

d) requerimento de "projeto de arquitetura para pequena reforma", no caso, para "reforma na coberta da palhoça", formulado em 11 de novembro de 2004 (fl. 53).

Este último requerimento se fez acompanhar de memorial descritivo, o qual se refere à "relocação de um bar/restaurante" com 151,15 m2 de área coberta, esclarecendo ainda que "o imóvel será de madeira com a cobertura em telha de fibra vegetal e piso em cerâmica" (fl. 55). Logo, não se tratava de "pequena reforma", mas de verdadeira reconstrução do imóvel.

Há, por fim, um requerimento de licença de operação firmado pela ré Tânia Maria da Silva, reportando-se ao CNPJ 02899595/0001-94, sem data nem registro de protocolo na CPRH (fl. 35).

De qualquer modo, esses pedidos não foram acatados pela Administração Distrital, nem pelos demais órgãos encarregados do licenciamento ambiental.

A Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - CPRH informou que não possui registro de licenças ou autorizações em nome dos réus (fl. 555).

O Instituto Chico Mendes também esclareceu que "as obras recentes do Bar e Restaurante Meu Paraíso não foram autorizadas ou licenciadas por quaisquer órgãos, por estar situado em uma área não edificante" (fl. 479).

A Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha encaminhou aos autos a Notificação de Infração n. 006/2001, que noticia o "lançamento irregular de esgoto", "constituído de águas servidas de WC e cozinha, no terreno ao lado do estabelecimento e também com escoamento para a areia da praia, provocando mau cheiro e contribuindo para a proliferação de animais pestilentos" (fl. 460). Apresentou, igualmente, as Notificações de Infração n. 007/2002, 024/2002 e 030/2002, que noticiam a construção irregular no local (fls. 462/464).

A própria ré Tânia Maria da Silva consignou no depoimento prestado à Polícia Federal "que, solicitou por várias vezes ao IBAMA e à administração da ilha, autorização para reforma, porém todos os pedidos foram negados, tampouco estes órgãos viabilizaram um meio para a estrutura do imóvel pudesse ser mantida adequadamente" (Inquérito Policial n. 2008.83.00.013677-2, fls. 129/130).

O ilícito ambiental, portanto, configura-se pela transformação do modesto Bar do Boldró no atual Bar e Restaurante Meu Paraíso, cujas fotos dormitam às fls. 65/66 e 109/110, em área non aedificandi.

Para se ter uma idéia da inovação operada no imóvel, o Auto de Infração relata que a reforma compreendeu a construção de "seis blocos (2 mirantes, bloco de ampliação do bar, bloco com 1º pavimento e dois blocos de apoio)", totalizando "aproximadamente 150 m2 de área construída, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes" (fl. 32).

A ré Tânia Maria da Silva, ao seu turno, informou que "o dinheiro para a reforma do seu estabelecimento, cujo custo girou em torno de R$ 200.000,00, foi financiado pelo italiano ANDREAS" (fls. 129/130, destaquei).

Duzentos mil reais, vale dizer, equivalem a um imóvel de luxo em área nobre desta capital, o que denota a grande envergadura da obra e seus impactos sobre o meio ambiente, em área considerada de proteção à vida silvestre.

Consoante as conclusões do Parecer Técnico APA-FN/ICMBio n. 08/2008, lavrado por analista ambiental do Instituto Chico Mendes, a reforma do imóvel acarretou a supressão da vegetação, a compactação e impermeabilização do solo, o aumento no lançamento de resíduos e efluentes sanitários e o aumento da iluminação artificial em área de nidificação de tartarugas marinhas (fl. 133).

O Laudo de Exame de Meio Ambiente n. 789/08, da Polícia Federal, também atesta que "qualquer atividade que implique em emissão de luz e ruídos desnecessários pode provocar efeitos indesejados nas práticas de ovoposição de quelônios marinhos". Ademais, "a edificação impede a regeneração natural da área relativa à sua base e está em desacordo com o uso estabelecido pelo plano de manejo da APA" (fls. 192/193).

Narram, ainda, os policiais federais que as construções mais recentes medem "aproximadamente 193 m2" (fl. 189) e que, "durante a realização da perícia, observou-se lançamento a céu aberto de efluentes com características de águas servidas, ou seja, apresentavam cor e odor de esgoto doméstico, os quais estavam sendo lançados sob uma das estruturas do complexo de edificações" (fl. 190).

Em síntese, reputo provado o ilícito ambiental, bem como a responsabilidade dos réus pelos fatos dantes narrados, impondo-se a demolição do imóvel irregular sem que se fale em direito à relocação ou a qualquer tipo de indenização.

Por fim, observo que as várias notificações de infração acostadas aos autos demonstram que o Poder Público não se omitiu no exercício de seu poder de fiscalização, denotando-se apenas o comportamento recalcitrante dos réus, ao infringirem os embargos e determinações da autoridade competente, como verificado em relação à medida liminar deste Juízo (fls. 609/617 e 618/619).

Diante do exposto, julgo procedente o pedido, determinando aos réus que cessem, em caráter definitivo, as atividades exercidas no imóvel e promovam, às suas expensas, a demolição das construções realizadas no local.

Fixo o prazo de quinze dias para início da demolição (contado da intimação da presente sentença), a qual deve estar concluída em trinta dias após seu início, sob multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser rateada entre os réus.

Caso a obra de demolição não se inicie no prazo de trinta dias, contados da intimação desta sentença, faculto aos órgãos públicos competentes providenciá-la, ressarcindo-se dos réus, sem prejuízo da multa dantes cominada.

Custas na forma da lei. Sem honorários advocatícios em face do princípio da simetria (REsp 493.823/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2003, DJ 15/03/2004 p. 237).

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Publicado em 06/08/2009



JURID - Restaurante demolido em FN [12/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Um comentário:

  1. Entendo que a decisão restou injusta e nociva à comunidade e ao turismo noronhense, uma vez que o imóvel em questão é resultado da exploração turistica do local há nada mais nada menos que 19 anos, cuja instalação foi autorizada pelo IBAMA e ADFN na época, ou seja, o MPF aduz irregularidade em uma obra que resta consolidada no local há quase duas decadas proporcionando pontos de trabalho e serviços de qualidade ao turismo noronhense e à propria comunidade

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