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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Suicídio em cadeia. Culpa da vítima. [20/08/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Morte ocorrida em cela de delegacia de polícia. Suicídio comprovado. Culpa exclusiva da vítima.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina . TJSC

Apelação Cível n. 2009.009261. 5, de Balneário Camboriú

Relator: Des. Vanderlei Romer

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE OCORRIDA EM CELA DE DELEGACIA DE POLÍCIA. SUICÍDIO COMPROVADO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NEXO CAUSAL NÃO DEMONSTRADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA BEM PRONUNCIADA.

1. "A prisão não determina por si só, e necessariamente, que um preso se suicide. Tal ato depende da exclusiva vontade enferma do suicida.

"Todos os atos de mau funcionamento do aparelho de custódia dos presos, falta de vigilância, de revista, não se relacionam, necessariamente, com um ato exclusivo do suicida que resolve terminar com a vida. Se o Estado pudesse prever a tendência suicida do preso desde que a quase totalidade destes e a quase totalidade de bêbados não se suicidam, e, assim mesmo, proporcionasse, por sua ação, colocando uma arma ao alcance da mão do suicida, haveria aí uma causação, um ato determinante que, por mais evidente que fosse, dependeria, ainda, da vontade do morituro, podendo este frustrá. lo. Não lobrigo, de conseqüência, no fato do suicídio do preso, condenado ou eventual, um ato de causação do Estado, desde que o ato do autocida corta, rompe a causação que pudesse ter sido iniciada pelo Estado no seu ato de custódia. O preso, de costume, não se mata. Suicida. se alguém que já possui em si o gérmen de doença e que pretende extinguir com a vida. E neste caso, o local, o ambiente, o tempo, não importa, influindo, isto sim, o resultado psíquico negativo limite, a carga enferma máxima psicológica do que atenta contra a vida (RJTJRGS vol. 142, p. 247 e 248)" (Ap. Cív. n. 1997.015379. 1, rel. Des. Orli Rodrigues) [...] (Ap. Cív. n. 2007.021398. 3, da Capital, rel. Des. Vanderlei Romer, j. em 28. 6. 2007).

2. A jurisprudência pátria, em que pese posicionamentos em sentido contrário, é majoritária ao afirmar que "a só ocorrência de evento danoso não importa necessariamente na obrigação de indenizar, se inexistente relação de causa e efeito entre a prisão do suicida e sua morte" (RE n. 121130. 0/SP, rel. Min. Francisco Rezek, j. em 14. 5. 1996).

3. In casu, a detenção da vítima em uma cela da Delegacia de Polícia, quando se encontrava em estado de ânimo visivelmente alterado, era medida preventiva e necessária para a garantia do bem. estar público. A situação, todavia, não exigia vigilância específica, além daquela dispensada pelo preposto do ente público. Assim, não pode o Estado ser responsabilizado pelo infeliz evento (suicídio), porquanto está comprovado nos autos que foi a própria vítima, no curto espaço de tempo em que esteve detida, quem deu causa ao enforcamento, já que estava sozinha na cela, ou seja, não foi colocada junto de outras pessoas que representassem perigo para sua integridade física, tampouco foi deixado no recinto qualquer material que pudesse ser utilizado para aquele fim. Aliás, os policiais tiveram a cautela de retirar. lhe a arma branca (faca) que portava no momento em que foi detida e conduzida à Delegacia. Seria irrazoável exigir que para cada indivíduo encarcerado, se dispusesse, em tempo integral, de um agente para protegê. lo de si mesmo.

Não seria justo, por isso, concluir que o Estado deve à família uma indenização pelo só fato de encontrar. se detida a vítima em instalações do poder público.

DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.009261. 5, da comarca de Balneário Camboriú (Vara da F. Púb., E. Fisc., A. do Trab. e Reg. Púb.), em que são apelantes Edson Reis e outros, e apelado o Estado de Santa Catarina:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata. se de apelação cível interposta por Edson Reis, representado por Isaura Saturnina Reis; Nilton César Venera Júnior, representado por seu pai, Nilton César Venera; e Marcelo Luiz Reis Pimentel, representado por seu genitor, Sérgio Luís Pimentel, contra a sentença que, proferida em ação de indenização por danos morais e materiais proposta contra o Estado de Santa Catarina, julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e condenou os autores ao pagamento dos ônus sucumbenciais, suspensa a exigência, contudo, em razão da concessão do benefício da assistência judiciária.

Aduziram os apelantes, em suma, que a morte da genitora, ocorrida no dia 14. 9. 2003, deu. se por culpa exclusiva do preposto do ente público, autoridade policial, que manteve detida na Delegacia de Polícia da comarca de Tijucas a vítima, ao argumento de que aquela apresentava evidente transtorno emocional.

Afirmaram que a conduta do policial revela a negligência do ente público no zelo com a segurança e integridade física da vítima, uma vez que ficou sozinha em uma cela, usando vestimentas que poderiam ser utilizadas na prática de suicídio.

Enfatizaram que não há provas de que a vítima tenha feito uso de substâncias entorpecentes, tampouco ficou comprovado tratar. se de suicídio.

Clamaram, nestes termos, pela reforma da sentença, com a condenação do ente público ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais a que deu causa.

Com as contrarrazões, que clamam pela manutenção do veredicto, os autos alçaram a esta Corte.

Remetidos à douta Procuradoria. Geral de Justiça, seu nobre representante opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.

VOTO

Pretendem os apelantes a reforma da decisão que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Argumentam, para tanto, que a morte da mãe, ocorrida no interior de uma cela da Delegacia de Polícia da comarca de Tijucas por meio de enforcamento, deu. se por culpa exclusiva da autoridade policial, que agiu com desídia na segurança e integridade física daquela, o que caracteriza a responsabilidade do ente público de indenizar os danos morais e materiais suportados, com pagamento de pensão alimentícia e 13º salários, devidos a partir do óbito até os 25 (vinte e cinco) anos de idade, para cada autor.

O Estado, por sua vez, defende a aplicação da teoria subjetiva ao caso e sustenta que o infeliz evento (suicídio) ocorreu por ação da própria vítima, que, livre e conscientemente, ceifou sua vida, o que afasta a obrigação de indenizar, já que não configurado o nexo de causalidade entre o fato e o dano.

Assevera que os policiais agiram no cumprimento de dever legal ao manter detida a vítima e que a detenção se fez necessária em razão do descontrole emocional e fúria daquela, bem como para resguardar a integridade física de terceiros, que estavam sob suas ameaças. No que concerne à indenização pleiteada, reportando. se à sentença combatida, afirma que é inviável a pretensão, uma vez que os autores não comprovaram a relação de dependência moral e econômica alegada.

Por primeiro, tem. se que, em que pese a existência de precedentes em sentido diametralmente oposto, reputa. se indiscutível que se está diante de responsabilidade objetiva, e cumpre apenas perquirir, in casu, se está presente o nexo de causalidade entre a ação, ou omissão do Estado, e o evento danoso.

Não se ignora que "o ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF, art. 5º, LXLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente" (TJMS - Ap. Cív. n. 55.252. 9, rel. Des. José Augusto de Souza).

Tampouco se desconhece que é obrigação do ente público a preservação da integridade física do preso, com o emprego de todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico. Não o fazendo, corre o risco de ver caracterizada a responsabilidade civil pelos danos a ele ocasionados, ou, por extensão, a seus parentes.

Yussef Said Cahali, com a perspicácia que lhe é peculiar, observa que "na realidade, a partir da detenção do indivíduo, este é posto sob a guarda e responsabilidade das autoridades policiais, que se obrigam pelas medidas tendentes à preservação da integridade corporal daquele, protegendo. o de eventuais violências que possam ser contra ele praticadas, seja da parte de seus próprios agentes, seja da parte de outros detentos, seja igualmente da parte de estranhos" (Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 175).

Bem por isso, repita. se, há que se cogitar apenas da causalidade do ato praticado pela Administração Pública.

Contudo, deve. se ter em mente que "o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50)" (STF - RE n. 109.516, rel. Min. Celso Mello).

Em valiosa lição, o Ministro Carlos Velloso registra que "a teoria do risco administrativo que foi adotada pela nossa Carta Magna (CF, art, 107, parágrafo único), todavia, inobstante o seu caráter objetivo, admite abrandamentos, vale dizer: a culpa da vítima, desde que comprovada, influi 'para minorar ou mesmo para excluir a responsabilidade civil do Estado', preleciona Wilson Melo da Silva, com apoio em Paul Due e Aguiar Dias (ob. cit., p. 147)" (TFR, Ap. Cív. n. 33.552). E, mais adiante, remetendo. se a voto do Min. Thompson Flores, consigna:

[...] embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê. lo com temperamentos, para prevenir os excessos e a própria injustiça.

Não obrigou, é certo, à vítima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova da culpa ou dolo do funcionário, para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito de eximir. se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.

A contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo, levaria Jean Derefroidmont (La Sciende du droit positif., p. 339) a cognominar de brutal".

Com apoio na doutrina e jurisprudência transcritas, e após detida análise dos autos, tem. se que o réu não pode ser responsabilizado pela morte da genitora dos autores.

Isso porque, na espécie, não há dúvida de que o evento decorreu da conduta da própria vítima, fator excludente de causalidade.

Explica. se.

Os autos indicam que na data de 14. 9. 2003, por volta das 10h30min, a vítima foi encaminhada à Delegacia de Polícia de Tijucas pela prática de delitos de violação de propriedade, danos, tentativa de homicídio com emprego de arma branca (faca). Devido ao seu estado de ânimo alterado, supostamente pelo uso de substâncias entorpecentes, que a fazia agir de forma rude e agressiva, tentando invadir a residência da ex. esposa do seu atual marido para ferir esta e seus filhos, foi detida em uma cela para, após recuperar seu estado psicológico normal, ser liberada.

O comissário de polícia que estava de plantão naquele dia, Vicente Paulo Duarte, após retornar do almoço, por volta das 13h, encontrou a detida sem vida.

Em declaração de fls. 54. 56, o policial plantonista afirmou:

Na data do dia 14.09.2003 o declarante estava em serviço como plantonista da delegacia de polícia da comarca de Tijucas, salientando estar sozinho haja vista que os plantões da referida delegacia contam apenas com um policial por dia, sendo que nesta data por volta das 1100 horas, a polícia militar de Canelinha deslocou. se até a Delegacia conduzindo Eliane Aparecida Reis a qual havia se envolvido em vias de fato e danos materiais na residência da vítima Rosilene Albino Leal; Que [...] tem conhecimento tratar. se da ex. mulher do atual companheiro de Eliane; Que também teve conhecimento de que estas confusões entre Eliane e Rosilene eram constantes em razão de ter o atual companheiro de Eliane, Sérgio Luiz Pimentel, se separado de Rosilene, porém ainda mantinha contatos com a ex. companheira, coisa que desagradava Eliane; que,na hora dos fatos quando o declarante registrava a ocorrência das vias de fatos e de danos Eliane continuava ameaçando dentro da Delegacia a vítima Rosilene, sendo que esta dizia que voltaria na casa dela para terminar de quebrar tudo e matá. la; Que Eliane foi contida por policiais militares de Tijucas que tentaram acalmá. la [...]; que, quando o declarante achava que estava tudo solucionado e inclusive estava liberando ambas para posteriormente ser elaborado o termo circunstanciado, ambas já se encontravam junto a porta da Delegacia, Eliane novamente pulou em Rosilene Albino e a derrubou no chão, agredindo. a, como se estivesse "desvairada", sendo necessário além do companheiro Sérgio, mais o declarante e mesmo assim estava difícil de separá. las, achando o declarante que Eliane estava "chapada" pelo uso de alguma substância entorpecente; Que, quando foi possível separar as duas e como o declarante já estava atendendo uma ocorrência relativa a esbulho possessório de propriedade da União e sob responsabilidade da Prefeitura Municipal e como o escândalo estava atrapalhando o serviço de atendimento do declarante e Eliane se encontrava incontrolada, não restou nenhuma opção ao declarante a não ser colocá. la em uma das celas do cubículo desta Delegacia, esperando com isto que a mesma se acalmasse e passasse o efeito de possível ingestão de "drogas"; Que Eliane até determinado tempo ficou gritando e reclamando, porém, logo em seguida parecia ter se acalmado um pouco; Que, desta maneira, já após ter atendido os reclames do Prefeito Municipal e como não tinha mais ninguém na Delegacia para atender e já passava do meio. dia, o declarante achou por bem deslocar. se até o centro da cidade para fazer sua refeição; Que, ao retornar à Delegacia foi até a cela onde se encontrava Eliane para verificar se já estava bem calma e em condições de ser liberada, pois o declarante temia que nas condições que se encontrava Eliane, esta poderia retornar até a casa da vítima Rosilene, porém ao chegar até a cela foi surpreendido por ter encontrado Eliane desfalecida, com uma blusa de malha enrolada no pescoço e também na grade da cela; que de pronto o declarante verificou os sinais vitais e verificou que a mesma não mais tinha pulso, lhe parecendo estar morta; Que desta maneira telefonou para o ASU do Corpo de Bombeiros local, os quais aqui compareceram e também verificaram estar Eliane já em óbito (grifamos).

Consta do Boletim de Ocorrência de fls. 42:

Foi constatado que ao retornar da refeição a detida Eliane Reis encontrava. se enforcada na cela Desta Delegacia, em estado de óbito, com as próprias vestes.

Do Laudo Pericial de fl. 38 colhe. se:

2.3 - No local verificou. se que a vítima utilizou uma blusa de malha de manga longa, com uma das mangas amarradas em um dos ferros da grade metálica da porta da cela, e a outra manga amarrada em volta do pescoço [...]

2.4 - No interior da cela não existia qualquer móvel, e a posição da vítima ou sua indumentária não mostravam sinais característicos de luta corporal.

O laudo cadavérico de fl. 47 confirma como causa da morte a asfixia por enforcamento.

E não se pode cogitar da falta de serviço ou de falha do Estado na guarda da detenta. Ao contrário, conforme demonstram as provas trazidas aos autos, dela foi retirado tudo o que poderia ser usado na prática de um ato desvairado. Outrossim, enfatiza. se, a detenção da vítima era efetivamente necessária para o restabelecimento da ordem e da paz, bem como para a garantia do bem. estar público.

Com muita propriedade consignou o magistrado a quo:

Ao passo que os requerentes afirmam que a culpa do requerido está configurada na atitude negligente dos agentes estatais em deter a vítima Eliane dos Reis em cela, nas dependências da Delegacia local, sozinha e desprovida de qualquer amparo e cuidado (fl. 05), o requerido aduz, de forma veemente, que a detenção era extremamente necessária, eis que vinha praticando inúmeros delitos e contravenções e que, por estes motivos, e considerando que a vítima estava descontrolada e em estado psicológico abalado, colocaram. na em uma cela apropriada e sozinha, para não causar maiores transtornos e não agredir alguém ou ser agredida (fls. 105/106).

Tais assertivas, por si só, afastam a hipótese de dolo, caracterizado na intenção de omitir. se, quando, em certo momento, era obrigatório para o Estado atuar e fazê. lo segundo determinado padrão de eficiência capaz de obstar o evento danoso.

Ademais, o fato do Policial Militar, Sr. Vicente Paulo Duarte, estar de plantão sozinho naquela data, após trancar a vítima na cela, para que esta recuperar seu estado psicológico normal, e passou a atender outra diligência (requerida pelo Prefeito Municipal), afasta a hipótese de haver dolo por parte do requerido, pois não tinha o Policial, na qualidade de agente estatal, a intenção de deixar sozinha a vítima (fls. 54/56).

Aliás, observando atentamente os depoimentos carreados aos autos, conclui. se que a solução adotada pelo miliciano era a mais viável para o caso, eis que a mãe dos requerentes estava sob os efeitos de substância entorpecente desconhecida, alterada e descontrolada.

O cerne da questão está, então, em se extrair a exegese correta do ato que caracteriza a negligência estatal (culpa) e aplicá. la ao caso. A partir daí ter. se. á a precisa noção de procedência do pleito indenizatório (integral ou parcialmente) ou improcedência.

Pois bem, a doutrina socorre:

"(...) Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.

Não há resposta a priori quanto ao que seria padrão normal tipificador de obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade de eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estado de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso" (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., Malheiros: São Paulo, 2004. p. 895/896).

O caminho é claro. Em síntese, para verificar se o requerido impingiu ato omissivo (negligência), o julgador deve atentar. se ao comportamento padrão legal exigível da época - considerando o meio social, desenvolvimento tecnológico, cultural e econômico -, em outras palavras, atentar às possibilidades médias dentro do ambiente que se produziu o dano.

Na espécie, é fato incontroverso e deve ser, obrigatoriamente, sopesado que a mãe dos requerentes encontrava. se em estado psicológico altamente adulterado em função de uso de alguma substância entorpecente, o que a fez agir de maneira agitada, rude, agressiva e descontroladamente (fls. 04/05, 60/63, 66/71, 73/74).

A vítima, quando da ocorrência, portava instrumento cortante, na tentativa de adentrar na residência e ferir terceiros; gritava e ameaçava a moradora e seus filhos menores, que segundo consta era a ex. esposa e filhos do seu marido; quebrava as janelas, danificava o imóvel e atacava com pedras. Foi necessário, para contê. la, o emprego da força de 03 (três) homens (fls. 60/61, 62/63).

Quando do encaminhamento desta até as dependências da Delegacia de Tijucas, continuou a ameaçar a moradora, seus filhos e aos Policiais que operaram na ocorrência, dizendo que assim que fosse liberada, voltaria àquela casa para matá. los (fl. 60). Lavrada a ocorrência e advertida formalmente, ainda na Delegacia e na presença dos Policiais, agrediu novamente a Sra. Rosilene, sendo necessário detê. la novamente (fl. 60).

Após todo o acontecimento e considerando que a vítima estava visivelmente descontrolada pelo uso de substância entorpecente - o que por si só já é suficiente - e afirmando que consumaria as agressões ditas contra a Sra. Rosilene e seus filhos, os Policiais, temendo mal maior, acharam melhor conter a mãe dos autores em uma cela até que esta retomasse seu estado normal. E assim o fizeram.

Na cela, a Sra. Eliane Reis ainda por certo tempo gritava e apresentava sinais fortes de alteração (fl. 55).

Considerando as possibilidades que os agentes estatais tinham naquela ocasião, principalmente o estado da vítima, a atitude de trancá. la em uma cela até que esta retomasse ao pleno discernimento era a medida mais apropriada ao caso.

Diga. se de passagem que os Policiais Militares, antes de deterem a mãe dos requerentes na cela, recolheram a faca que esta possuía, a fim de evitar qualquer agressão a si própria e a terceiros, compreendidos aí os próprios agentes estatais (fl. 44, 62).

De mais a mais, enforcou. se com a própria roupa e o laudo pericial de fls. 37/42 comprova tais fatos, especialmente que a vítima possuía em seu poder apenas as vestes corporais, não havia qualquer móvel e não havia sinais de luta corporal, o que leva a presumir que os agentes estatais agiram no estrito cumprimento de seus deveres, ao obstar que esta adentra. se naquele recinto com qualquer instrumento que possivelmente poderia lhe causar algum mal.

Não há, pois, qualquer negligência por parte dos agentes estatais. Muito pelo contrário, em consonância com os ensinamentos narrados e observando as peculiaridades do caso, verifica. se que tais agentes agiram em conformidade com o permitido e com o que era preciso dentro dos limites dos seus deveres e funções, mantendo a ordem, a segurança pública e a paz daquela comunidade, inclusive, revistando a vítima e retirando todo e qualquer material perigoso de seu poder.

Em resumo, o serviço prestado pelo requerido foi adequado ao caso, porquanto a expectativa de todos era apaziguar a situação e aguardar que a mãe dos requerentes retornasse ao seu estado normal.

Por outro lado, lembre. se que a mãe dos autores foi colocada numa cela sozinha, sem outras detentas, quer dizer, afastando o risco de lesão à sua integridade física por terceiros, ou até mesmo que ela viesse agredir outras pessoas. Nem sequer se pode dizer que houve omissão no alojamento dela em cela individual, ou que faltou revistá. la na busca de objetos aptos a causar ferimentos, pois o suicídio foi praticado com as próprias vestes, e não era exigível que a despissem ou qualquer atitude do gênero para evitar o cometimento do ato extremo contra a vida. Ou seja, não era imaginável esperar que ela viesse a se suicidar.

O fato de que determinado agente estatal, plantonista, saiu das dependências da Delegacia de Polícia para atender outra ocorrência não gera, por si só, ato omissivo do dever de vigilância do requerido.

O Estado não agiu deficientemente. Agiu dentro dos limites das suas possibilidades, assegurando as condições médias para o caso em exame, comportando. se dentro dos padrões necessários, não caracterizando ilícito de natureza omissiva.

[...]

Compulsando os autos verifica. se que tal atitude era reiterada, vez que, na data de 29, 30 de abril de 2000, Policiais Militares atenderam ocorrência análoga, quando a vítima agredia outra mulher, atirando pedras em carros, em visível estado de agitação, tendo embatido esforço físico contra estes, tentando até mesmo 'comer uma ficha de ocorrência da qual conseguiu se apossar', sendo necessários dois homens para detê. la (fl.51).

Nesta data a vítima possuía apenas 17 anos de idade! (fls. 252 . 253) (grifamos).

Bem se vê, portanto, que a morte da mãe dos autores, ocorrida no interior de uma cela da Delegacia de Polícia da comarca de Tijucas, decorreu de ato voluntário daquela. Não há falar, pois, em deficiência do serviço público.

Outrossim, em que pese as declarações dos policiais, de que a falecida supostamente teria feito uso de substâncias entorpecentes, dado o seu estado emocional alterado, nada há nos autos a comprovar que efetivamente estivesse ela sob a influência de drogas.

Tampouco se colhe do conjunto probatório qualquer indício de que apresentasse algum distúrbio psíquico que exigisse vigilância específica.

Aliás, a própria mãe da vítima, em depoimento prestado à fl. 192, afirma que esta "não tinha problema psicológico evidenciado".

Seria irrazoável exigir, então, que para cada preso se dispusesse, em tempo integral, de um agente prisional para protegê. lo de si mesmo.

Em ilustrada lição, Rui Stocco nos diz:

Embora a lei civil codificada não faça qualquer menção à culpa da vítima como causa excludente da responsabilidade civil, a doutrina e o trabalho pretoriano construiu a hipótese, pois como se dizia no Direito Romano: Quo quis ex culpa sua damnum sentit, intelligitur daminum sentire.

Como ensina Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade.

Realmente, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos do dano, o direito não se pode conservar alheio a essa circunstância.

Da idéia da culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do agente (o nexo causal), chega. se à concorrência de culpa, que se configura quando a essa vítima, sem ter sido a única causadora do dano, concorreu para o resultado, afirmando. se que a culpa da vítima "exclui ou atenua a responsabilidade, conforme seja exclusiva ou concorrente" [grifamos] (Aguiar Dias, op. cit., n. 221).

Quando se verifica a culpa exclusiva da vítima, tollitur quaestio: inocorre indenização. (...). O que importa, no caso, como observam Alex Weill e François Terré, é apurar. se se a atitude da vítima teve o efeito de suprimir a responsabilidade do fato pessoa do agente, afastando a sua culpabilidade (Droit Civil, Les Obligacions, n. 635, p. 647; Malaurie e Aynès, ob. cit., n. 59, p. 5, apud Caio Mário, op. cit., p. 269) (Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 89).

Em caso análogo, esta Corte assim se manifestou:

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - MORTE DE PRESO OCORRIDA NAS DEPENDÊNCIAS DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL - SUICÍDIO COMPROVADO - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA CARACTERIZADA - DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE - RECURSO DESPROVIDO.

Não se desconhece o dever do Estado de assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CRFB), bem como a sua obrigação de fiscalizar e preservar segregação na prisão.

Entretanto, não se considera legítima a atribuição da responsabilidade civil ao Estado pela morte de preso, que, por ato voluntário e exclusivo, comete suicídio, tendo em vista, inclusive, a comprovação de que não houve negligência por parte do ente público e seus agentes, que atuaram oportunamente, tomando as providências necessárias para que tal fato não viesse a acontecer (Ap. Cív. 2005.010068. 0, de Mondaí, rel. Des. Nicanor da Silveira, j. em 30. 3. 2005).

Ainda:

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRISÃO EM FLAGRANTE - SUICÍDIO DO CONDUZIDO - ALEGAÇÃO DE OMISSÃO DO ESTADO - INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE - FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA

1 A pessoa jurídica de direito público responde objetivamente pelos danos originados em evento propiciado por conta de omissão específica, quando tinha o dever de agir e impedir o resultado danoso. Se a omissão for genérica, responderá subjetivamente, cabendo a análise de culpa em uma de suas vertentes.

2 O suicídio de detento não gera ao Poder Público, por si só, o dever de indenizar os danos materiais e morais reclamados por seus dependentes. Inexistentes elementos probatórios de que o de cujus necessitava de cuidados especiais e não demonstrado que houve omissão específica ou culpa em uma de suas modalidades, resta afastada a responsabilidade do Estado, ante o fato exclusivo da vítima (Ap. Cív. n. 2008.025121. 6, de Lages, rel.: Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 11. 9. 2008).

Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, retira. se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DETENTO QUE PRATICA SUICÍDIO DEPOIS DE SER PRESO POR EMBRIAGUEZ. INOCORRÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO.

A só ocorrência do evento danoso não importa necessariamente na obrigação de indenizar, se inexistente relação de causa e efeito entre a prisão do suicida e sua morte.

Recurso extraordinário não conhecido (RE n. 121130. 0/SP, rel. Min. Francisco Rezek, j. em 15. 5. 1996).

E do voto condutor do aresto extrai. se excerto, no que interessa:

Em cela absolutamente segura, onde o extinto não foi posto ao lado de qualquer pessoa que representasse perigo para sua integridade (como acontecera nos precedentes em que esta Corte deu guarida à postulação familiar), o que aconteceu foi um infortúnio, por conta do qual não é justo, não é de bom direito, entender. se que o Estado deve à família uma indenização, que o Estado deve, segundo a teoria da responsabilidade objetiva e pelo só fato de encontrar. se detido o suicida em instalações de domínio público, ressarcir a família.

Ademais, tendo os familiares conhecimento da instabilidade emocional da vítima, que, diga. se, já tinha passagem pela polícia também por agressão, não podem agora pretender transferir para o poder público a responsabilidade pelo infeliz evento.

Diante desse contexto, o voto é pela confirmação da sentença e, por conseguinte, pelo desprovimento do recurso.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, por votação unânime, desprover o recurso.

O julgamento, realizado no dia 9 de junho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.

Florianópolis, 23 de junho de 2009.

Vanderlei Romer
RELATOR

Publicado em 17/07/09




JURID - Responsabilidade civil. Suicídio em cadeia. Culpa da vítima. [20/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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