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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

JURID - Recurso de revista. Fatos registrados no acórdão do TRT. [05/08/09] - Jurisprudência


Recurso de revista. Fatos registrados no acórdão do TRT. Ausência de conduta culposa do empregado.


Tribunal Superior do Trabalho - TST.

PROC. Nº TST-RR-123/2006-161-18-40.9

A C Ó R D Ã O

6ª Turma

GMHSP/APF/sk/ev

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Verifico que a tese de violação do artigo 945 do Código Civil mostra-se razoável. Agravo de instrumento provido a fim de processar o recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

RECURSO DE REVISTA. FATOS REGISTRADOS NO ACÓRDÃO DO TRT. AUSÊNCIA DE CONDUTA CULPOSA DO EMPREGADO. As provas registradas no acórdão do TRT indicam que o de cujus ostentava boa qualificação técnica, fato este admitido pela própria empresa. Também se extrai da decisão recorrida que não há nenhum indicativo de que o empregado vitimado tivesse violado regras de segurança. Por fim, o TRT deixou registrado: "afasto, enfim, a ilógica conclusão de que o trabalhador experiente seja a única pessoa responsável por sua própria morte, eis que não foi vitimado por uma concorrência de erros, mas por uma única falha que, de tão grosseira, colide com a alta qualificação que ostentava, cujo emblema foi defendido e comprovado pela própria ré. Nesse contexto, considerando que na hipótese vertente não há prova inequívoca de que o empregado tenha concorrido para o sinistro, o recurso de revista deve ser conhecido por violação do artigo 945 do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-123/2006-161-18-40.9, em que é Recorrente LIGIA MENDES DA COSTA e OUTRA e Recorrida HOT LINE CONSTRUÇÕES ELÉTRICAS LTDA.

O e. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, mediante o v. acórdão às fls. 767-801, complementado às fls. 847-856, negou provimento ao recurso ordinário das Reclamantes (representantes do espólio do empregado falecido), mantendo a sentença que reconhecera a culpa concorrente no acidente de trabalho que provocou o óbito do empregado.

As Reclamantes interpuseram recurso de revista, cujo seguimento foi denegado pela Presidência do Tribunal, às fls. 153-155, ao fundamento de que não se vislumbrava violação aos dispositivos de lei denunciados. Desta decisão, as Reclamantes interpõem o presente agravo de instrumento, pretendendo desconstituir os fundamentos do despacho agravado.

Contraminuta e contrarrazões às fls. 166-174 e 176-184.

Considerando a existência de interesse de menor, os autos foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, que opinou pelo não-provimento do agravo de instrumento.

É o relatório.

V O T O

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO (FLS. 02-19)

Satisfeitos os pressupostos de tempestividade, representação e formação (peças trasladadas e declaradas autênticas), registrando o r. despacho denegatório todos os elementos necessários à verificação da tempestividade do apelo, CONHEÇO do agravo de instrumento.

1.1 - INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO - INEXISTÊNCIA DE CULPA DO EMPREGADO NO EVENTO DANOSO

A Presidência do TRT da 18ª Região, às fls. 153-155, denegou seguimento à Revista das Reclamantes ao fundamento de que não vislumbrava violação aos dispositivos de lei denunciados.

Em minuta às fls. 02-19, as Reclamantes pretendem desconstituir os fundamentos da decisão agravada, ao argumento de que a revista reunia condições de admissibilidade.

Com razão.

Verifico que a tese de violação do artigo 945 do Código Civil mostra-se razoável.

Em face do exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, a fim de processar o recurso de revista.

II - RECURSO DE REVISTA (FLS. 137-152)

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade referentes à tempestividade, pois o Despacho à fl. 153 informa as datas de publicação do acórdão (05/06/2007) e de interposição da revista (12/06/2007); representação (fl. 20) e preparo (dispensado na forma da Lei). Passo a examinar os respectivos pressupostos específicos.

1 - CONHECIMENTO

1.1 - DANOS MORAIS - CULPA CONCORRENTE

Quanto ao tema, o TRT negou provimento ao recurso ordinário das Reclamantes (representantes do espólio do empregado falecido), reconhecendo a existência de culpa concorrente de empregado e empregador, no acidente de trabalho que provocou o óbito do empregado. Seus fundamentos:

"No caso dos danos decorrentes de acidente do trabalho provocados pelo empregador ao empregado (responsabilidade civil), é necessária a comprovação da culpa, pois a responsabilidade é subjetiva.

A solução da questão deve levar em conta as disposições contidas no artigo 7°, inciso XXVIII, da Constituição Federal, segundo o qual a indenização reparatória por danos oriundos de acidente do trabalho requer a presença do elemento culpa ou dolo.

Para a apuração da responsabilidade civil da recorrente pelos danos provocados pelo acidente que vitimou seu empregado impõe-se o preenchimento dos seguites requisitos: ação ou omissão culposa ou dolosa do agente, um prejuízo para a vitima e o nexo de causalidade entre ambos.

Tais requisitos são extraídos do artigo 186 do novo Código Civil (artigo 159 do CC de 1916), que, seguindo evolução doutrinária e jurisprudencial, possibilitou, além do ressarcimento do prejuízo material, a reparação do dano moral.

No caso, o prejuízo é evidente, em face do falecimento do empregado.

Por outro lado, depreende-se das provas pericial e testemunhai a culpa concorrente do empregado no infortúnio ocorrido.

Nesse contexto, em que pesem as insurgências de ambas as partes, verifica-se que o d. Julgador de primeiro grau analisou com bastante propriedade a questão da responsabilidade da empregadora em relação ao acidente do trabalho, fazendo um exame acurado das provas constantes dos autos e dando ao caso uma solução jurídica justa, razão pela qual peço vênia para adotar seus fundamentos e adotá-los como razões de decidir quanto a esta matéria:

"Examinemos a alegação capital, de responsabilidade objetiva para os prestadores de serviço, contida no invocado preceito constitucional (art. 37, § 6o da Constituição Federal).

De acordo com a decisão da Excelsa Corte, a responsabilidade objetiva prevista no dispositivo em comento é direcionada ao usuário dos serviços públicos e não se estende a qualquer outra figura vitimada.

Aliás, a dicção do art. 37, § 6o da Carta Magina (sic) é bem explicito:

'§ 6o - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.' (destaquei). Agindo o reclamante como preposto da prestadora de serviços públicos, terceiro seria aquele que, por sua ação ou omissão, viesse a ser vitimado. Trata-se da teoria do risco administrativo, conforme assentado em jurisprudência de nossa mais alta Corte:

'A responsabilidade civil das pessoas juridicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6o, da CF. ' (RE 262.651, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 06/05/05).

Afasto, portanto, a incidência do art. 37, § 6o da Constituição Federal, porque inaplicável na hipótese.

A Carta Magna tem expressa previsão de responsabilidade do empregador, para acidentes de trabalho, como se vê no artigo 7o, XXVIII. Não há que se falar, em responsabilização do empregador sem a demonstração do nexo causal e da ocorrência de dolo e/ou culpa imputado(s).

De acordo com a versão obreira, o falecido teria sido vitimado em acidente com eletrocussão atendendo ordens do supervisor JOSÉ LAISSON JUNQUEIRA. Em cumprimento a tal ordem, o de cujus teria deixado as funções próprias de encarregado e partido para a execução de um trabalho para o qual não estava suficientemente treinado, despido de equipamentos de proteção e em condições totalmente inseguras propiciadas pelas condutas imprudente e negligente da requerida.

A requerida insurgiu-se quanto a estas alegações, negando o desvio de função, negando a existência de qualquer determinação do supervisor, negando que o autor fosse despreparado para a função - vez que era o superior imediato dos eletricistas, assim como negando a existência de qualquer nexo causal entre a conduta da ré e a fatalidade, porquanto o sinistro teria decorrido de exclusiva culpa da vitima.

Refuto a alegação das autoras de que o autor fosse despreparado para a função.

Ocupando o falecido o posto de encarregado, por óbvio sua capacidade de trabalho estava além daquela exigida para os seus subordinados. Se a conclusão óbvia está errada, competia às autoras o fato extraordinário, que seria a conclusão inversa.

Toda a prova técnica e oral coligida ao processo atesta a capacidade técnica do reclamante:

' . . . que a empresa Hot Line é uma das que mais oferece treinamento aos empregados, tanto que eles facilmente conseguem trabalho em outra empresa quando deixam a Hot Line em virtude do treinamento que recebem nessa empresa; que Evandro com certeza participou de cursos oferecidos pela empresa aos eletricistas e de curso de recapacitação para encarregados; (...) que no local do acidente Evandro era a pessoa mais capacitada para o serviço, embora não fosse ele a pessoa destinada a executá-lo.' (depoimento da Ia testemunha da requerida, fls. 355/356);

'(...) que Evandro tinha melhor qualificação que os demais eletricistas da equipe e por isso ele era o encarregado; que constantemente a empresa Hot Line oferece cursos e reciclagens para os eletricistas, sendo que Evandro participava desses cursos; (...)' (depoimento da 2a testemunha da requerida, fls. 357/358).

'(...) que Evandro tinha qualificação e treinamento adequados à realização do serviço; que a própria Hot Line oferece curso aos eletricistas em convênio com o SENAI; que não sabe de quantos cursbí Evandro participou;

(ooo) que como encarregado Evandro tinha mais conhecimento do serviço que os demais membros da equipe.' (fls. 359/360, depoimento da 3a testemunha da requerida).

'Então, no caso especifico do acidente, o Sr. Evandro Antônio da Silva estava executando os serviços em rede de distribuição de energia em linha viva de Alta Tensão na Subestação vez que como Eletricista, como consta em Carteira de Trabalho cópia anexa ao Processo, estava habilitado a executar os mesmos, conforme Certificado do SENAI, cuja cópia nos foi fornecida pelo Assistente Técnico, Sr. Richard Silva de Freitas. Na função de eletricista este profissional tem a tarefa de subir em postes para executar serviços de manutenção e reforma das redes de distribuição e linhas vivas de energia elétrica de transmissão em Alta Tensão com substituições de cabos, isoladores, braçadeiras e componentes elétricos.' (laudo técnico, descrevendo as funções do eletricista e qualificação do autor, fls. 567) .

Não prospera, assim, o argumento de que o autor fosse despreparado para o serviço que o vitimou.

As autoras chamam, também, a atenção para a NR-10, especialmente os itens '10.2.1.1', '10.2.1.3', '10.2.1. 6'y 1 10.2.2.2' , ' 10.3.2.6' e '10.3. aduzindo que a requerida não deu atenção às regras de segurança estabelecidas neste diploma normativo.

Contudo, não assiste razão às autoras.

Importante sublinhar que a NR-10, editada originariamente pela Portaria n°. 3.214/78 foi integralmente revisada pelo Ministério do Trabalho mediante a edição da Portaria n°. 598, de 07/12/2004, publicada no D.O.U. de 08/12/2004 (Seção I).

Como o sinistro ocorreu antes da revisão da portaria, o fato será analisado à luz das regras jurídicas até então vigentes.

O item 10.2.1.1 aborda a necessidade explicita de cautela nas intervenções em sistemas elétricos. O sinistro não significa necessariamente a ausência de planejamento de segurança, mas a violação de regras, algumas até básicas, de proteção.

O item 10.2.1.3 abordava a necessidade de isolamento da corrente elétrica. O item 10.2.1.6 enfatizava proteções especificas à distância, com controles manuais ou automáticos.

O item 10.2.2.2 cuidava de proteções especiais para sobretensões e sobrecorrentes.

O item 10.3.2.6 é importante para o exame deste caso, porque especificamente relatava a necessidade de aperfeiçoamento técnico para os serviços de reparação Em redes elétricas.

Como já vimos, o autor preenchia adequadamente a exigência.

Por fim, o item 10.3.2.7, que trata do acompanhamento do serviço por profissional de supervisão.

Poder-se-ia dizer que a requerida faltou com o procedimento adequado, com o afastamento do supervisor, fazendo eco ao argumento das autoras. No entanto, afasto tal premissa, uma vez que restou comprovado nos autos que o de cujus não estava incumbido da missão de reparo. A ele, sim, cabia o papel de supervisionar o serviço de reparo. As provas orais assim demonstram:

'...que tem conhecimento de que o supervisor havia indicado outra pessoa para executar o serviço, sendo ela o eletricista Sebastião Silva; que não sabe por qual motivo Evandro resolveu executar pessoalmente o serviço." (fls. 356, depoimento da Ia testemunha da requerida). ' . . .que o supervisor José Laisson não estava presente no local no momento do acidente, mas ele havia passado a coordenação do serviço para Evandro; que por ordem do supervisor quem deveria realizar o serviço era o eletricista Sebastião de Tal; que Sebastião estava presente no local; que o supervisor já havia feito a escala de serviço e indicado Sebastião para a tarefa; que não sabedor qual motivo Evandro resolveu exercitar pessoalmente o serviço; que Sebastião chegou a pedir a Evandro para executar o serviço; que o depoente também pediu para executar o serviço, mas Evandro não deixou, dizendo que depois que ele fizesse aquele serviço o depoente e Sebastião dariam prosseguimento; que Evandro tinha melhor qualificação que os demais eletricistas da equipe e por isso ele era o encarregado;...' (depoimento da 2a testemunha da requerida, fls. 357/358); ...que o supervisor desse trabalho de manutenção era o Sr. José Laisson, tendo ele comentado com o depoente que ele precisaria sair do local onde ocorreu o fato e deixou Evandro no comando do serviço; que José Laisson contou que já havia orientado Evandro de quem realizaria o serviço seria Sebastião de tal; que não sabe por qual motivo Evandro resolveu realizar pessoalmente o serviço; que tem conhecimento de que Sebastião se encontrava no local onde seria realizado o serviço; M. que Evandro tinha qualificação e treinamento adequados a realização do serviço;...' (fls. 359, depoimento da 3a testemunha da requerida).

Eis aí o grande mistério da vida: o que, então, causou a morte de Evandro Antônio da Silva, um pai e esposo, com 2 7 anos de idade, trabalhador competente responsável para ocupar a função /de encarregado, bem treinado, bem equipado num ambiente de provável segurança ?

Enfatizo que essas qualidades profissionais são sustentadas pela própria requerida. São as autoras que negam a capacidade profissional do falecido, argumento que rejeito ante a inequívoca prova (em seu conjunto) coligida nestes autos.

A descrição técnica do sinistro pode ser colhida, primeiro, no laudo interno, providenciado pela requerida:

'E) Acidente:

- Concluído um By Pass provisório para abrir um Fly Tap, a vitima subiu ao local no SKY, ao contato vestido de roupa condutiva, tratou logo de desconectar o Fly Tap, quando então aconteceu o acidente vez que o by Pass provisório estava aberto, provocando um arco elétrico e conseqüente queimaduras em seu tórax, Braços e Cabeça.

F) CAUSA DO ACIDENTE:

Em que pese estarem todos os componentes em perfeita ordem, tais como ferramentas, equipamentos, métodos de trabalho, planejamento; Houve o imprevisto, pois esqueceram e não notaram que o By Pass estava aberto, causando o acidente.

G) CONCLUSÃO:

Ante estas informações prestadas pelo supervisor José Laisson Junqueira, esclarecendo mais, que instantes antes acidente havia acertado com a vitima eletricista Sr. Sebastião da Silva Dias seria o executor da tarefa, salvo interpretação e outras informações, concluimos que: a falta de revisão no passo a passo da tarefa contribuiu decisivamente para o ocorrido, vez que na revisão constataria que o By Pass estava aberto.' (vide fls. 85/86 - os destaques são meus).

O laudo pericial encomendado pelo juizo, não destoa da narrativa fática, até porque o perito formulou seu laudo após oitiva do Sr. Arnilson:

'As informações colhidas junto ao Sr. Arnilson Pereira, eletricista à época na CONTERRA, hoje na COSERN, e que estava executando serviços próximos em manutenção da rede de distribuição esteve presente no local quando do acontecimento do acidente, são de que é norma da COSERN não permitir a execução de serviços em rede e linha via de distribuição de energia elétrica de Alta Tensão, frente à sua natureza complexa, de eletricistas que não tenham treinamento teórico e prático, e qualificação técnica especifica para essa atividade.

(...) Segundo Sr. Arnilson, o Sr. Evandro ao tentar efetuar a substituição de isoladores fazendo o uso de cestas de caminhão tipo SKY, com aterramento, eusando o EPI, não fez o desligamento da conexão entre cabos de niveis inferior superior, operação esta que consiste em fechar o Jumper (ou By Pass) de isolac provocando desta forma, o acidente'.

Para nós outros, do mundo do Direito, o relato técnico não permite visualizar, com a clareza necessária, o que de fato teria ocorrido.

Mas não se trata de tarefa impossível.

Antes, é preciso compreender dois instrumentos essenciais adotados pelo falecido e que foram participes de sua lamentável morte: o by pass e o fly tap.

By pass quer dizer, em pobre tradução, desvio, atalho, ou seja, um caminho alternativo. É adotado para denominar a intervenção na rede com a criação de um caminho alternativo para a corrente elétrica, isolando a área em que serão executadas as tarefas pelo eletricista.

Também é expressão comum na medicina, especialmente na área cardiologica, quando são criados caminhos alternativos de irrigação para cirurgias cardíacas.

Já o equipamento chamado Fly Tap consiste em espécie de espaçadores para cruzamento de linhas aéreas. Um exemplo de especificações de modelo de Fly Tap pode ser encontrado também na internet, como no documento elaborado pela COPEL10. Imagem, para identificação de um Fly Tap, pode ser encontrada também no projeto publicado na internet pelo Grupo EBD - Bandeirante.

Portanto, se na dinâmica dos fatos, adotou-se o procedimento de instalação/de by pass, foi para evitar a circulação corrente elétrica no ponto que seria manuseado pelo trabalhador. E foi justamente neste momento que ocorreu a chamada falha, cuja responsabilidade a requerida quer imputar exclusivamente ao falecido Evandro.

Ora, como poderia um trabalhador competente e qualificado ter se descuidado de fechar o by pass ou jumper? Se é inequívoco que o desvio da corrente é essencial para se trabalhar em rede viva, seria plausível admitir que o trabalhador ousasse interferir numa rede não isolada, sem que, para tal ousadia, houvesse risco total à sua vida?

Basta atentar que não estamos diante de uma rede de baixa tensão. A área onde ocorreu o sinistro era de Alta Tensão, em uma sub-estação de energia elétrica, com correntes acima de 1000 V - segundo definição do IEE.

É sabido que é dever da empresa guardar um. ambiente seguro, livre de acidentes de trabalho que possam lesionar, parcial ou definitivamente, seus trabalhadores. A regra, edificada há eras, está inserida no art. 157 da CLT. Também é dever do empregado observar as regras de segurança para preservação própria e de seus pares (art. 158, CLT), devendo sempre observar as diretrizes de seu empregador.

Veja que é da empresa a direção trabalhos, dos contratos, do comando, cujo traço maior é a subordinação de seus trabalhadores. Numa relação assim, não é de se admitir que o trabalhador perca a vida no local onde foi buscar o pão de cada dia.

Tudo e mais vim pouco deve ser adotado para fazer frente à imprudências, negligências, impericias. Se nem os elementos de culpa podem ser tolerados num ambiente de trabalho, muito menos o será a figura dolosa de irresponsabilidade, que joga com a vida das pessoas.

No caso, certamente, não estamos diante do dolo, mas de aferir se, no quadro apresentado, agiu ou não o trabalhador com culpa exclusiva no sinistro que lhe subtraiu a vida.

E a resposta, concluo, é negativa.

Não posso assomar as qualidades ostentadas pela requerida para concluir que, num momento de distração, teria o autor faltado com a premissa básica: promover o isolamento da corrente por meio do jvmper ou by pass antes de tocar em rede de energia viva de alta tensão. Não se trata de mera distração ou excesso de confiança, como opinam os técnicos. Trata-se de erro brutal e grosseiro, para o qual não concorre o perfil do alta qualidade anunciado e comprovado pela própria requerida. Por que não uma falha de equipamento? Por que não considerar que o equipamento isolamento falhou? Onde está o by pass adotado naquele infeliz dia? Foi ele submetido à perícia? Qual o modelo de by pass adotado pela COSERN e utilizado pela requerida?

Tenho que se o evento danoso ocorreu por defeito de peça utilizada, ou porque esta não apresenta características técnicas que sustentem a segurança necessária, a lógica estaria preservada, pois não é crivei que o trabalhador houvesse omitido a premissa básica de fechar o by pass antes de tocar na rede viva de alta tensão.

É de se atentar que o by pass não está pendurado em redes de linha viva. São equipamentos que são transportados pelo eletricista para ser instalado provisoriamente. Ora, como poderia o autor portar o equipamento, levando-o para as alturas justamente com a finalidade de instalá-lo e, nesse iter, acabar se esquecendo de cumprir com a finalidade natural do instrumento que é construir o caminho alternativo da corrente e promover o isolamento do ponto de reparo?

Data máxima venia, não encontro lógica que suporte essa conclusão, por mais auto confiança que possa emprestar ao falecido trabalhador.

Outra dúvida capital assola o quadro: 'a quem caberia acompanhar a execução tarefas de reparo?

Certamente, ao supervisor, que não estava presente no local e que, por necessidade do serviço, afastou-se para outro ponto, ainda que próximo.

E teria o falecido trabalhador violado alguma regra substancial de segurança, ao promover, ele próprio, o reparo?

Não posso crer que a conduta do trabalhador vitimado seja fruto de uma violação de regra substancial de segurança.

O fato de ter recebido a delegação do superviso (sic), não quer dizer que o trabalhador Evandro estivesse terminantemente proibido de auxiliar, com suas próprias mãos, a realização das tarefas. Aliás, de que outro modo teriam os trabalhadores que testemunharam no processo a impressão da alta qualificação do falecido obreiro, se não o tivesse visto atuando?

E fosse uma regra substancial de segurança, o procedimento deveria ter sido adotado por escrito pela requerida, com plena ciência de todos os envolvidos em seguir o prescrito.

Se não há uma comprovação de uma regra absoluta de segurança, que impedisse o supervisor ou quem suas vezes fizesse, de ascender ao topo da rede viva e executar o serviço, é porque as normas coletivas de segurança no ambiente de trabalho devem ser indistintamente cumprida por todos, atribuição de tarefas especificas para A, B ou C.

Então, ainda a pergunta: a quem caberia conferir se houve ou não o completo fechamento do by pass? Apenas ao trabalhador vitimado? Não creio que fosse essa uma tarefa exclusiva, atribuída apenas ao trabalhador vitimado. Não é crivei que em um exercício de alta periculosidade, não seja dever de todos os envolvidos estarem atentos, passo a passo, ao que está sendo executado. E bem por isso, imagino, a conclusão do laudo técnico trazido pela própria requerida faz uso do verbo esquecer na 3a pessoa do singular: 'Houve o imprevisto, pois esqueceram e não notaram que o Bv Pass estava aberto, causando o acidente.' (grifei e sublinhei).

Nesse universo de especulações e conclusões, entendo que se o defeito decorria da peça (by pass), Evandro salvou a vida de Sebastião, mas não evitou o sacrifício de um trabalhador.

Se o erro foi de procedimento, atribuído exclusivamente ao ser humano, certamente há falha de segurança coletiva cuja culpa deve ser atribuída à requerida, porquanto não se pode admitir que a responsabilidade recaia exclusivamente sobre a figura do trabalhador, quando há tantos outros envolvidos e com a obrigação de acompanhar e alertar eventual falha de procedimento. Aliás, a antiga redação da NR-10 preconizava a necessidade de previsão de SISTEMA DE PROTEÇÃO COLETIVA, com medidas de isolamento, aterramento e outras medidas similares necessárias à demonstração de que todo o possível foi arquitetado para zelar da saúde humana. As regras de segurança devem, como já disse, ser capitaneadas pela empresa, consoante prevê a legislação consolidada. A revisão da NR-10 não veio acrescentar novas responsabilidades, mas tornar mais minudentes os procedimentos de segurança, definindo: desligamento, bloqueio, teste, aterramento, sinalização e proteção. Afasto, enfim, a ilógica conclusão de que o trabalhador experiente seja a única pessoa responsável por sua própria morte, eis que não foi vitimado por uma concorrência de erros, mas por uma única falha que, de tão grosseira, colide com a alta qualificação que ostentava, cujo emblema foi defendido e comprovado pela própria ré.

Entendo como não comprovado pela requerida a existência de procedimentos especificos olvidados pelo falecido trabalhador, eis que todo o sinistro decorreu da exclusiva falha no fechamento do by pass, sendo certo que não comprovação segura de que a falha atribuída exclusivamente ao ser humano, quando é bem possível que o próprio equipamento tenha apresentado problemas de isolamento. Se não, no minimo há falha no procedimento coletivo de segurança, por não haver, no momento, ninguém que o alertasse, ainda que não faltassem testemunhas para concluir que o by pass não fechou completamente o circuito para passagem alternativa da corrente.

Concluo, assim, pela culpa concorrente da empresa e empregador, eis que há falhas possíveis atribuídas a ambos. Como já dito, é dever da empresa capitanear os procedimentos de segurança, mas também é dever funcional do empregador concorrer para que o objetivo de um ambiente ae trabalho seguro seja alcançado.

Não se pode imaginar que o autor trabalhe sem verificações continuas do procedimento, atuando à espera de um grito de alerta de quem esteja ao seu lado. O dever de observância é de todos. Ainda que seja prudente distribuir a mesma tarefa de observação dos procedimentos de modo coletivo, isso não exclui nenhum trabalhador em especial da obrigação de vigiar as regras de segurança.

A atuação expedita do falecido trabalhador, abandonando o posto de supervisão para execução direta da tarefa, aliado ao fato de que não há narrativa que tenha adotado procedimento de no sentido de testar a eficácia do by pass, evidenciam que o autor concorreu para o evento. A soma dessa conduta, pela total inércia da requerida, mormente na ausência do alerta por qualquer dos trabalhadores presentes e envolvidos, por ausência de regras especificas de procedimento, por ausência de comprovação de equipamentos de testes da eficácia do by pass adotado, assim como ausência de comprovação de que agiu na completude de sua obrigação de manter higido o ambiente de trabalho, como lhe exige a legislação consolidada e diplomas complementares, fazem emergir igualmente sua responsabilidade. A propósito, já há jurisprudência assentada nesse sentido (...)

O conectivo é aditivo ('e'), o que recomenda a leitura conjugada desses parâmetros.

Destarte, considerando a perda irreparável do esposo, ainda jovem, e do pai, em idade para a filha ainda tão precoce, bem como atento ao fato de que o sinistro resultou da conduta concorrente do falecido e da ex-empregadora, fixo o dano moral em R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), sem prejuizo de atualizações futuras. Atribuo 50% (cinqüenta por cento) de cada valor às autoras, devendo a cotaparte da menor impúbere ser depositada em conta poupança onde permanecerá, salvo urgências excepcionais, até que esta atinja a maioridade.

No que concerne aos danos materiais, aqui configurados como lucros cessantes, pedem as autoras que seja fixado valor único. Apresentam como resultado a cifra correspondente a 38 (trinta e oito) anos de salários perdidos, à unidade de R$876,73 (oitocentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos).

Ocorre que os lucros cessantes devem corresponder ao que foi deixado de ganhar e não ao capital acumulado do que se deixou ganhar, como pretendem as autoras. Num raciocínio de matemática simples, veja que bastaria depositar o valor total da condenação pedida para, manter-se o capital pretendido (R$476.189,02), sem prejuízo imediata percepção dos juros (e apenas juros) de 1% correspondentes a R$ 4.761,89 (quatro mil, setecentos e sessenta e um reais e oitenta e nove centavos) . Isto, repito, sem prejuízo da atualização monetária do capital pretendido.

Fixo, portanto, a condenação em danos materiais, para pagamento único, em R$100.000,00 (cem mil reais), valor arbitrado nesta data, sem prejuízo de atualizações futuras e atento para o fato da culpa concorrente.

Desse montante, 50% (cinqüenta por cento) deverá ser reservado à requerente menor, destinando-se a importância a uma conta poupança para saque futuro, assim que atinja a maioridade, a exemplo do que já foi determinado com sua cota-parte dos danos morais.

Rejeito a alegação da requerida de que o seguro privado percebido pelas autoras possa ser admitido como compensação.

De acordo com o documento de fls. 89, a requerida atuou como mera estipulante no contrato de seguro, sendo o segurado principal o próprio trabalhador vitimado.

O papel da estipulante em seguro facultativo contratado é de mera mandatária dos segurados reunidos em grupo (vide art. 21, § 2o, Decreto-lei 73/66). /

Tanto assim que a jurisprudência e uníssona no sentido de vedar a denuncd/a-qão da lide, muitas vezes perpetrada entre empresa estipulante e seguradora, justamente porque inexiste direito de ação de regresso de uma em face da outra. A relação contratual é exclusivamente entre segurado 'trabalhador) e seguradora, razão pela qual descabe autorizar que a requerida seja compensada em importância que foi objeto de seguro contratado pela vitima.

Afasto, igualmente, o pedido de compensação com as verbas percebidas a titulo de proventos (pensão) previdenciarios. A reparação dos danos materiais e morais deve ser efetuada sem prejuízo do seguro a que tem direito o trabalhador e seus dependentes por força da Previdência Social.

Por fim, afasto o pedido de compensação dos lucros cessantes com verbas tipicas de danos emergentes, eis que correspondem estas últimas a despesas decorrentes do evento danoso e não prejuizo colhido por força do que se deixou de ganhar" (fls. 96-119 - sem destaques no original).

Em razões de revista (fls. 137-152), as Reclamantes sustentam a ausência de culpa do empregado falecido e por consequência, a culpa exclusiva da reclamada. Dizem que a responsabilidade do empregador, in casu, é objetiva, e que deve ser aplicada a teoria do risco, "seja porque o falecido era seu empregado e estava em serviço, seja porque é ela uma empresa prestadora de serviço público de eletricidade, cujos prepostos causaram danos a terceiros, que no caso são as terceiras." (fl. 141).

Denunciam violação do artigo 37, § 6º, da CF; 159 do CC de 1916; 186, 945 e 947 do Código Civil de 2002.

À fl. 146, denunciam que a reclamada não provou a conduta culposa do Reclamante, e que a decisão do TRT violou o artigo 333 do CPC.

Argumentam que a reclamada alterou a verdade dos fatos, e que por esta razão deve sofrer a sanção prevista no artigo 18 do Código de Processo Civil por litigância de má-fé.

No exame da controvérsia é necessário perquirir se houve conduta culposa do empregado para a implementação do acidente.

Destaco, inicialmente, que no acórdão da 18ª Região foi transcrita, ipsis litteris, a sentença. E nesta última, constam todos os elementos fáticos que autorizam o exame do enquadramento jurídico dado pelas instâncias ordinárias, restando afastado o óbice da Súmula 126/TST.

Com efeito, as provas registradas no acórdão do TRT indicam que o de cujus ostentava boa qualificação técnica, fato este defendido pela própria empresa, senão vejamos:

"Afasto, enfim, a ilógica conclusão de que o trabalhador experiente seja a única pessoa responsável por sua própria morte, eis que não foi vitimado por uma concorrência de erros, mas por uma única falha que, de tão grosseira, colide com a alta qualificação que ostentava, cujo emblema foi defendido e comprovado pela própria ré.

Entendo como não comprovado pela requerida a existência de procedimentos especificos olvidados pelo falecido trabalhador, eis que todo o sinistro decorreu da exclusiva falha no fechamento do by pass, sendo certo que não comprovação segura de que a falha atribuída exclusivamente ao ser humano, quando é bem possível que o próprio equipamento tenha apresentado problemas de isolamento. Se não, no minimo há falha no procedimento coletivo de segurança, por não haver, no momento, ninguém que o alertasse, ainda que não faltassem testemunhas para concluir que o by pass não fechou completamente o circuito para passagem alternativa da corrente."

Outrossim, extrai-se da decisão recorrida que não há nenhum indicativo de que o empregado vitimado tivesse violado regras de segurança.

A conclusão da perícia interna da empresa, posteriormente confirmada pela perícia judicial, foi a de que o acidente ocorrera porque o aparelho denominado "by pass" estava aberto, falha esta que o exame técnico não imputou ao empregado falecido. Nesse contexto, não há prova concludente de que o empregado tenha praticado conduta culposa, pois o acidente pode ter ocorrido, até mesmo, por falha no próprio aparelho.

Note-se que as instâncias ordinárias concluíram pela culpa concorrente ao fundamento de que:

"A atuação expedita do falecido trabalhador, abandonando o posto de supervisão para execução direta da tarefa, aliado ao fato de que não há narrativa de que tenha adotado procedimento de prevenção no sentido de testar a eficácia do by pass, evidenciam que o autor concorreu para o evento." (fl. 117-sem destaques no original)

Considero irrelevante discutir se o empregado estava ou não incumbido da missão de reparo, pois se não era de sua responsabilidade e a executou, certamente porque a empresa não cumpriu o dever de fiscalizar como deveria. Tanto assim que o TRT noticia que:

"O fato de ter recebido a delegação do superviso (sic), não quer dizer que o trabalhador Evandro estivesse terminantemente proibido de auxiliar, com suas próprias mãos, a realização das tarefas. Aliás, de que outro modo teriam os trabalhadores que testemunharam no processo a impressão da alta qualificação do falecido obreiro, se não o tivesse visto atuando? "

A atividade em questão deveria, segundo as normas regulamentadoras indicadas no acórdão do TRT, ser fiscalizada por outro preposto da empresa. As instâncias ordinárias admitem que o de cujus apresentava-se naquela ocasião, como empregado qualificado, preparado o suficiente para cumprir a tarefa que lhe custou a vida.

Igualmente, não há como se presumir "pela ausência de narrativa a respeito", que o trabalhador não tenha testado a eficácia do by pass.

Sobre a temática em exame, o ilustre Magistrado e Jurista Sebastião Geraldo de Oliveira, em substanciosa monografia, acentua:

"(...) Está sedimentado o entendimento de que os acidentes de trabalho ocorrem em razão de uma rede de fatores causais, cujas variáveis são controladas, em sua maior parte, exclusivamente pelo empregador. Com isso, muitas vezes a culpa patronal absorve ou mesmo neutraliza a culpa da vítima, em razão das diversas obrigações preventivas que a lei atribui às empresas.

E continua:

"Estudos recentes estão demonstrando que há uma cultura arraigada no Brasil de atribuir a culpa dos acidentes às 'falhas humanas' ou aos 'atos inseguros' da própria vítima (culpabilização da vítima), desprezando todo o contexto em que o trabalho estava sendo prestado. Quando ocorre um acidente, as primeiras investigações, normalmente conduzidas por prepostos do empregador, sofrem forte inclinação para localizar um 'ato inseguro' da vítima, analisando apenas o último fato desencadeante do infortúnio, sem aprofundar nos demais fatores da rede causal, até mesmo com receio das conseqüências jurídicas ou para não expor a fragilidade do sistema de gestão de segurança da empresa.

Essa visão já ultrapassada está impedindo que haja progresso nas políticas de segurança e saúde do trabalhador, bastando mencionar que os índices de acidentes do trabalho continuam elevados e com tendência de crescimento nos últimos anos". (Indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional LTR - 4ª ed. 2008, p. 184).

O artigo 945, denunciado como violado pelas Reclamantes, dispõe que:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Considerando que na hipótese vertente não há prova inequívoca de que o empregado tenha concorrido para o sinistro, conheço do recurso de revista por violação do artigo 945 do Código Civil.

1.2 - LUCROS CESSANTES

Eis os fundamentos do acórdão do TRT para condenar a empresa a pagar a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de lucros cessantes:

"...Ocorre que os lucros cessantes devem corresponder ao que foi deixado de ganhar e não ao capital acumulado do que se deixou ganhar, como pretendem as autoras".

Por este fundamento, à fl. 147 do recurso de revista, as reclamantes argumentam que o acórdão do TRT teria violado o artigo 402 do Código Civil.

Afirmam que "aplicando corretamente a regra do citado art. 402, do CCB, levando em conta que o falecido ainda tinha pela frente no mínimo mais 38 anos de vida, verifica-se que deixou ele de ganhar a importância de R$ 476.189,02 (quatrocentos e setenta e seis mil cento e oitenta e nove reais e dois centavos), valor este que representaria o patrimônio da família" (fl. 148).

Colacionam um aresto oriundo do Superior Tribunal de Justiça.

Passo a examinar.

Ao fixar as indenizações por danos morais e materiais, o TRT fundamentou:

"Destarte, considerando a perda irreparável do esposo, ainda jovem, e do pai, em idade para a filha ainda tão precoce, bem como atento ao fato de que o sinistro resultou da conduta concorrente do falecido e da ex-empregadora, fixo o dano moral em R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), sem prejuizo de atualizações futuras. Atribuo 50% (cinqüenta por cento) de cada valor às autoras, devendo a cotaparte da menor impúbere ser depositada em conta poupança onde permanecerá, salvo urgências excepcionais, até que esta atinja a maioridade.

No que concerne aos danos materiais, aqui configurados como lucros cessantes, pedem as autoras que seja fixado valor único. Apresentam como resultado a cifra correspondente a 38 (trinta e oito) anos de salários perdidos, à unidade de R$876,73 (oitocentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos).

Ocorre que os lucros cessantes devem corresponder ao que foi deixado de ganhar e não ao capital acumulado do que se deixou ganhar, como pretendem as autoras. Num raciocínio de matemática simples, veja que bastaria depositar o valor total da condenação pedida para, manter-se o capital pretendido (R$476.189,02), sem prejuízo imediata percepção dos juros (e apenas juros) de 1% correspondentes a R$ 4.761,89 (quatro mil, setecentos e sessenta e um reais e oitenta e nove centavos) . Isto, repito, sem prejuízo da atualização monetária do capital pretendido.

Fixo, portanto, a condenação em danos materiais, para pagamento único, em R$100.000,00 (cem mil reais), valor arbitrado nesta data, sem prejuízo de atualizações futuras e atento para o fato da culpa concorrente.

Desse montante, 50% (cinqüenta por cento) deverá ser reservado à requerente menor, destinando-se a importância a uma conta poupança para saque futuro, assim que atinja a maioridade, a exemplo do que já foi determinado com sua cota-parte dos danos morais.

Rejeito a alegação da requerida de que o seguro privado percebido pelas autoras possa ser admitido como compensação.

De acordo com o documento de fls. 89, a requerida atuou como mera estipulante no contrato de seguro, sendo o segurado principal o próprio trabalhador vitimado.

O papel da estipulante em seguro facultativo contratado é de mera mandatária dos segurados reunidos em grupo (vide art. 21, § 2o, Decreto-lei 73/66). /

Tanto assim que a jurisprudência e uníssona no sentido de vedar a denunciação da lide, muitas vezes perpetrada entre empresa estipulante e seguradora, justamente porque inexiste direito de ação de regresso de uma em face da outra. A relação contratual é exclusivamente entre segurado 'trabalhador' e seguradora, razão pela qual descabe autorizar que a requerida seja compensada em importância que foi objeto de seguro contratado pela vitima.

Afasto, igualmente, o pedido de compensação com as verbas percebidas a titulo de proventos (pensão) previdenciarios. A reparação dos danos materiais e morais deve ser efetuada sem prejuízo do seguro a que tem direito o trabalhador e seus dependentes por força da Previdência Social.

Por fim, afasto o pedido de compensação dos lucros cessantes com verbas tipicas de danos emergentes, eis que correspondem estas últimas a despesas decorrentes do evento danoso e não prejuizo colhido por força do que se deixou de ganhar" (fls. 117-119 - sem destaques no original).

Com razão em parte.

Nos dias de hoje, a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais), se aplicada em uma caderneta de poupança, não alcançaria rendimentos mensais superiores a R$ 700,00 (setecentos reais). Considerando que na data de falecimento o empregado de 27 anos recebia remuneração no importe de R$ 876,73 (oitocentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos), é de se concluir que o valor arbitrado está aquém dos danos materiais efetivamente sofridos. Certo é que os danos morais não podem servir para enriquecimento, mas também não não podem servir como causa de embobrecimento das dependentes do de cujus.

Também não prospera a tese dos reclamantes de que os lucros cessantes devem ser calculados em média aritmética simples, multiplicando-se a remuneração mensal pelo número de salários que o empregado receberia até os 65 anos de idade.

Com efeito, apesar de o artigo 948, II, do Código Civil de 2002 dispor que a pensão em caso de homicídio por ato ilícito deve levar em conta a "duração provável da vida da vítima", a referida fórmula somente se aplica à hipótese de ato ilícito da empresa, fato que não restou provado na hipótese concreta. Ao fundamentar, o TRT registra que a responsabilidade é subjetiva, no entanto, deixou de indicar qual teria sido o ato ilícito (culposo ou doloso) praticado pela empresa.

Com o intuito de examinar se o artigo 402 do Código Civil restou, ou não, violado nos valemos novamente das lições da doutrina mais abalizada:

"Anota Arnaldo Rizzardo, com apoio na jurisprudência, que é mais viável a garantia por intermédio de um depósito bancário em caderneta de poupança, que renda correção monetária e juros, com bloqueio dos saques, salvo o valor da pensão pensal, tomando-se o cuidado para que o montante das retiradas não consuma o capital constituído. Essa solução apontada pela doutrina e jurisprudência acabou acolhida pelo novo dispositivo introduzido pela Lei n. 11232/2005 que possibilitou a garantia também por "aplicações financeiras em banco oficial" (artigo 475-Q, § 1º, do CPC).

Outra opção, um pouco mais flexível e menos burocrática, também indicada por Arnaldo Rizzardo, é a que o devedor 'clausule os bens de impenhorabilidade e inalienabilidade" e passe a efetuar mensalmente o pagamento da pensão, já que o objetivo da norma é garantir o cumprimento das prestações e não que aqueles bens gravados produzam diretamente as rendas. Enquanto perdura a obrigação do pensionamento, os imóveis ficarão onerados, devendo ser expedido mandado de registro ao cartório competente para evitar qualquer probabilidade de venda por parte do devedor." (Indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional LTR - 4ª ed. 2008, p. 231).

Reitere-se que na data do óbito, aos 27 anos, o reclamante percebia remuneração mensal no importe de R$ 876,73 (oitocentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos). É incontroverso que do acidente de trabalho decorreu a interrupção dos rendimentos de suas dependentes. Nesse contexto, o pré-citado especialista em acidente de trabalho leciona:

"Daí mencionar o artigo 402 do Código Civil que as perdas e danos abrangem o que o prejudicado perdeu mais o que razoavelmente deixou de lucrar, ou de receber no caso de acidente de trabalho.

A lógica dos lucros cessantes leva em conta os rendimentos que a vítima recebia e não as necessidades dos seus dependentes. Como adverte Aguiar Dias "o que se procura, com a indenizaçãoé restabelecer o status quo anterior ao dano. A indenização não empobrece nem enriquece. O responsável é obrigado a repor os beneficiários da vítima na situação em que estariam , sem o dano'. A concepção dos alimentos aqui tem enfoque e natureza diferentes do que ocorre no Direito de Família, como veremos no item 9.3". (Indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional LTR - 4ª ed. 2008, p. 184).

Considerando que rendimentos mensais de R$ 700,00 (setecentos reais) não são compatíveis com a renda mensal auferida em vida pelo empregado falecido, e levando em conta que não supre o mesmo padrão de vida ao grupo de dependentes, conheço do recurso por violação do artigo 402 do Código Civil.

2 - MÉRITO

2.1 - CULPA CONCORRENTE

Conhecido o recurso por violação do artigo 945 do Código Civil, dou-lhe provimento para considerar que a responsabilidade pelos prejuízos morais e materiais deve ser atribuída exclusivamente à empregadora e, em consequência elevar para R$ 90.000,00 (noventa mil reais) o valor da indenização por danos morais.

2.2 - LUCROS CESSANTES

Conhecido o recurso por violação do artigo 402 do Código Civil, dou-lhe provimento para elevar a condenação por lucros cessantes.

Para se chegar a um valor, deve ser considerado o salário do reclamante na data do óbito, bem como a variação dos juros da poupança. Ou seja, a importância a ser aplicada em caderneta de poupança, cujo rendimento mensal tem sido no percentual de 0,5 (meio por cento), deve render às dependentes do de cujus uma renda mensal no importe de R$ 876,73 (oitocentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos).

Nesse contexto, dou provimento ao recurso de revista das reclamantes para elevar a condenação da indenização por danos materiais (lucros cessantes) para R$ 175.346,00 (cento e setenta e cinco mil e trezentos e quarenta e seis reais).

2.3 - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Não há prova a evidenciar dolo processual no agir da reclamada, pelo que o recurso, com espeque no art. 18 do CPC, não merece prosperar.

Não conheço.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: a) dar provimento ao agravo de instrumento para processar o recurso de revista; b) conhecer do recurso de revista por violação do artigo 945 do Código Civil e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a culpa concorrente do empregado e determinar que a responsabilidade pelos prejuízos morais e materiais sejam atribuídos exclusivamente à empregadora e, em consequência, elevar para R$ 90.000,00 (noventa mil reais) o valor da indenização por danos morais; b) conhecer do recurso de revista por violação do artigo 945 do Código Civil e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para elevar a condenação da indenização por danos materiais (lucros cessantes) para R$ 175.346,00 (cento e setenta e cinco mil e trezentos e quarenta e seis reais). Custas pela reclamada, considerando o acréscimo de condenação (R$ 120.000,00) de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais).

Brasília, 17 de junho de 2009.

HORÁCIO SENNA PIRES
Ministro Relator


Publicado em 26/06/09




JURID - Recurso de revista. Fatos registrados no acórdão do TRT. [05/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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