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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

JURID - Negada retirada de ambulantes. [07/08/09] - Jurisprudência


Negada Ação Civil Pública que pedia retirada de ambulantes.


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SECRETARIA DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA - COMARCA DE NATAL
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 001.06.022423-2

Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
Réu: Município de Natal

EMENTA: Constitucional e administrativo. Ação civil pública. Pedido de obrigação de fazer. Retirada comerciantes ambulantes das vias públicas. Inexistência de lei específica. Poder de Polícia. Discricionariedade da Administração. Necessidade de verbas orçamentárias para albergar os comerciantes em outro local. Impossibilidade de interferência do Poder Judiciário. Violação ao Princípio da Separação dos Poderes e da Autonomia Municipal. Improcedência da ação.

SENTENÇA

Vistos etc.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, pelas 41ª e 45ª Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, ajuizou Ação Civil Pública em face do Município de Natal, alegando, em suma, que:

a) em maio de 2005, recebeu uma representação subscrita pelo Corregedor Geral da Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social, requerendo o ajuizamento de uma ação civil pública com o fim de desocupar a calçada em frente ao prédio da Corregedoria, que fica localizada na Avenida Presidente Bandeira, 490, Alecrim, nesta Capital;

b) recebeu outra representação, desta vez feita por um cidadão que freqüenta o bairro de Alecrim, tratando do mesmo objeto;

c) a solicitação da Corregedoria seria justificada pelo uso e acondicionamento de armas de fogo;

d) solicitou ao município um levantamento acerca de quais daquelas pessoas teriam autorização da SEMSUR para atividades no local;

e) o Município informou, na época, a intenção de transferir os comerciantes do local para uma área apropriada, o que só poderia ser feito no ano seguinte, por falta de recursos;

f) embora as representações estejam relacionadas apenas às ruas que circundam a Corregedoria, a solução deveria ser utilizada para o Alecrim como um todo, conforme a determinação do Plano Diretor de Natal;

g) a inércia do Município em conter o avanço do comércio nos espaços públicos têm aumentado a informalidade e causado problemas de trânsito, acessibilidade e segurança;

h) a ocupação das calçadas chegou a impedir a instalação de abrigos de ônibus.

Trouxe o conceito de "poluição" e de "bens de uso comum do povo", explicou a destinação de tais bens, a regulamentação sobre o desvio de finalidade das calçada e a mobilidade urbana, além de citar o Plano Diretor de Natal.

Alegou que a fiscalização do Município é deficiente e que a edilidade não utiliza do poder de polícia para evitar a prática das infrações administrativas ambientais.

Requereu, ao final, a procedência do pedido para que seja obrigado o demandado a retirar todas as instalações comerciais existentes ou que venham a existir nas áreas públicas de uso comum do povo, especialmente as calçadas e estacionamentos, no bairro do Alecrim, bem como que o Município seja obrigado a realizar constante fiscalização nas áreas públicas de uso comum do povo.

Juntou vários documentos, acostados às fls. 20/295.

Citado, o Município de Natal apresentou contestação (fls. 316), afirmando, inicialmente, que não praticou nenhum ato classificável como poluente ou degradante para o Meio Ambiente.

Ressaltou que os pedidos autorais ofendem ao Princípio da Separação de Poderes e ao Princípio da Autonomia Municipal, uma vez que retiraria do ente público a "possibilidade de atendimento dos interesses públicos postos na questão atinentes ao exercício livre comércio, do uso de bens públicos e da acessibilidade e mobilidade urbana, os quais devem ser adequadamente ponderados" e "somente a Administração possui condições de planejar e executar as atividades de sua competência" (fls. 322/323).

Requereu, deste modo, o total indeferimento dos pedidos formulados na inicial.

O Ministério Público rebateu as acusações, afirmando que o poder de polícia da Administração não é discricionário, e requereu o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC) ou que seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC)

É o que importa relatar. Decido.

A pretensão ministerial na presente Ação Civil Pública recai, sucintamente, na retirada de todas as instalações comerciais existentes nas calçadas e estacionamentos do bairro do Alecrim, bem como que o Município seja obrigado a realizar constante fiscalização nas referidas áreas.

O Município se defendeu alegando que o pedido exordial viola os Princípios da Separação dos Poderes e da Autonomia Municipal.

A Ação Civil Pública é instrumento processual destinado à proteção de interesses difusos da sociedade e, excepcionalmente, para a proteção de interesses coletivos ou individuais homogêneos. A possibilidade de se requerer uma obrigação de fazer ou não fazer, além da condenação em pecúnia, resultou no surgimento de novas discussões.

A doutrina e a jurisprudência são fartas em admitir a revisão dos atos administrativos, isto é, atos comissivos que atentem contra o ordenamento jurídico. Aliás, não poderia ser diferente, pois prezar pela paz social através do cumprimento das normas tipificadas e dos princípios gerais do direito é o motivo de existir do Poder Judiciário.

Por outro lado, a atuação do Poder Judiciário nos casos de omissão só pode suceder quando o administrador público tem o poder-dever de agir, sob pena de restarem feridas duas características fundamentais das repúblicas democráticas: a discricionariedade típica da Administração e o Princípio da Separação dos Poderes.

A discricionariedade é a liberdade da ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei. A atividade discricionária encontra cabal justificativa na impossibilidade de o legislador enumerar, na lei, todos os atos que a prática administrativa exige.

Sobre o tema, leciona Hely Lopes Meirelles:

"O mérito do ato administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que 'o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária." (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. Malheiros. São Paulo: 2003. pág. 152/153)

Quanto ao Princípio da Separação dos Poderes, vale transcrever excerto da monografia do Professor Doutor Emerson Garcia, membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, intitulada "Princípio da Separação dos Poderes: Os Órgãos Jurisdicionais e a Concreção dos Direitos Sociais":

"Em um primeiro plano, deve-se ressaltar que a ratio do controle exercido pelo Poder Judiciário, longe de buscar a sedimentação de uma superioridade hierárquica no plano institucional ou a frívola ingerência em seara inerente ao Executivo, é a de velar para que o exercício do poder mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência. Dessa forma, não se identificará um juízo censório ou punitivo à atividade desenvolvida por outro poder, mas, sim, uma relevante aplicação do sistema de 'freios e contrapesos', inerente ao regime democrático e cujo desiderato final é garantir o bem-estar da coletividade.

Esse controle, no entanto, provocará uma inevitável tensão entre dois valores indispensáveis ao correto funcionamento do sistema constitucional: o primeiro indica que o poder de decisão numa democracia deve pertencer aos eleitos - cuja responsabilidade pode ser perquirida - e, o segundo, a existência de um meio que permita a supremacia da Constituição mesmo quando maiorias ocasionais, refletidas no Executivo ou no Legislativo, se oponham a ela. Uma forma de harmonizar os dois aspectos dessa dialética é a contemplação dos direitos sociais na própria Constituição, o que, retirando um irrestrito poder de decisão das maiorias democráticas, permite aos juízes decidir se tais direitos devem ser reconhecidos."

A postura tradicional da doutrina, frente a essa separação de poderes, passou a confrontar os interesses defendidos pelo Estado na forma de fixação de diretrizes de governo e a necessidade de controle desses atos pelo Poder Judiciário.

No presente caso, o Ministério Público deseja que o Poder Judiciário condene o réu para que a edilidade adote a conduta positiva (obrigação de fazer) de retirar as instalações comerciais não autorizadas no bairro do Alecrim. Enfim, quer que o Município exerça o seu poder de polícia para sanar a omissão.

O poder de polícia consiste na faculdade de que dispõe a Administração Pública para restringir ou condicionar o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Dentre seus atributos, encontra-se a discricionariedade.

A discricionariedade do poder de polícia traduz-se na liberdade que possui a Administração em empregar os meios que conduzam ao fim colimado (a proteção dos interesses públicos), de acordo com a valoração das atividades policiadas.

Enquanto o pronunciamento jurisdicional restringe-se à apreciação do ato sob o prisma da legalidade, o mérito do ato administrativo, ao contrário, é fixado em um sentido político, isto é, como atendimento ao interesse público.

Desde modo, não pode o Judiciário avocar para si a tarefa de executar os atos administrativos que o Administrador Público deixa de cumprir, sob pena de se instituir uma discricionariedade judicial. A discricionariedade administrativa, por sua vez, compreende aspectos que nem sempre são apreciados judicialmente, tais como a razoabilidade e a utilidade dos procedimentos administrativos.

Ocorre que, como bem pontuou o Município de Natal em sua contestação, não há amparo legal que o compila a atender à pretensão autoral. Inexiste lei, no âmbito do Município de Natal, que obrigue ao governo retirar os comerciantes das esquinas e estacionamentos.

Embora tal medida seja necessária e de grande relevância social, a sua aplicação está adstrita à conveniência e oportunidade da Administração Pública, a quem cabe adotar os planos de governo e estabelecer prioridades para a gestão. Esta valoração política se torna mais importante ainda quando se leva em consideração que a eventual procedência do feito resultaria em graves efeitos sociais, como o desemprego de dezenas de pessoas.

O próprio parquet, na inicial (fls. 04), menciona que a solução viável, encontrada pelo Município, seria albergar os comerciantes do local em uma área apropriada, com a infra-estrutura adequada. É indiscutível que a construção desse novo local exigirá o remanejamento de verbas orçamentárias, o que foge totalmente da competência do Poder Judiciário.

A jurisprudência é farta quanto ao tema, motivo pelo qual transcrevo apenas alguns julgados (grifos acrescidos):

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITOS COMINATÓRIOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DISCRICIONARIEDADE DA MUNICIPALIDADE - NÃO CABIMENTO DE INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NAS PRIORIDADES ORÇAMENTÁRIAS DO MUNICÍPIO - CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM DE AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS DE REALIZAÇÃO DA OBRA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 07/STJ - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL AFASTADA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS DO ECA APONTADOS COMO VIOLADOS.

Requer o Ministério Público do Estado do Paraná, autor da ação civil pública, seja determinado ao Município de Cambará/PR que destine um imóvel para a instalação de um abrigo para menores carentes, com recursos materiais e humanos essenciais, e elabore programas de proteção às crianças e aos adolescentes em regime de abrigo.

Na lição de Hely Lopes Meirelles, "só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência na prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica - lei - de maneira geral e abstrata, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse coletivo".

Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada.


[...]

Recurso especial não provido. (REsp 208.893/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/12/2003, DJ 22/03/2004 p. 263)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMANEJAMENTO DE VERBAS ORÇAMENTÁRIAS. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.

1 - A simples expedição de normas de qualquer hierarquia dentro da competência legislativa da União, através de seus órgãos políticos, não é suficiente para traduzir a competência da Justiça Federal para processar e julgar ações com base nesses dispositivos.

2 - De outra feita, não tem o Ministério Público atribuição, e sequer o Poder Judiciário, para tutelar o emprego de verbas públicas nessa extensão, dado que ao administrador, que desempenha a função de poder político no sistema republicano, é que cabe determinar a conveniência e a oportunidade com relação às prioridades de governo.

3 - Ademais, a ação civil pública não é meio próprio para controle concentrado de constitucionalidade como vem sendo usualmente adotado.

4 - Agravo interno do Ministério Público Federal prejudicado.

5 - Agravo de instrumento provido (TRF 2ª Região - Sétima Turma - AG 122607 - Relatora: Liliane Roriz - Publicação: 14/04/2005)

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES. INCOERÊNCIA ENTRE FUNDAMENTAÇÃO E DISPOSITIVO. INEXISTÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REJEIÇÃO. DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DO ORÇAMENTO DOS ENTES FEDERADOS ESPECIFICAMENTE PARA O CUSTEIO DO AUMENTO DOS LEITOS DE UTI PEDIÁTRICA EM FORTALEZA-CE. OUTRAS MEDIDAS PARA A MINIMIZAÇÃO DOS PROBLEMAS RELATIVOS À SAÚDE INFANTIL. POLÍTICAS PÚBLICAS. FORMULAÇÃO PELO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO.

[...]

IV - Não compete ao Judiciário, no seu mister, editar normas genéricas e abstratas de conduta, nem fixar prioridades no desenvolvimento de atividades de administração. Ao Poder Executivo compete analisar a conveniência e oportunidade da adoção de medidas administrativas (STJ: AGRG no RESP 261144-sp).

V - A independência e a harmonia dos poderes (art. 2º, da CF) evidenciam-se como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Ademais, a separação dos poderes constitui cláusula pétrea constitucional que impõe sua observância pelo Poder Judiciário.

VI - Improvimento da apelação do Ministério Público. (TRF 5ª Região - Ac. 64808 - Relator: Alcides Saldanha - Julgamento: 17/10/2002)

Conclui-se, portanto, pela impossibilidade de atuação do Poder Judiciário na forma como deseja o Órgão Ministerial, sob pena de restarem violados os princípios da Separação dos Poderes e da Autonomia Municipal.

Destaco, por fim, que é preciso muita cautela e ponderação na utilização da ação civil pública, para que não se incorra, eventualmente, em uma indevida ingerência na esfera reservada de competência dos Poderes do Estado.

Isto posto, julgo improcedente a pretensão autoral.

Deixo de condenar o Ministério Público em verbas sucumbenciais por ter agido no interesse da coletividade e face à isenção legal.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos com as formalidades legais.

Publique-se, registre-se e intime-se.

Natal, 13 de abril de 2009.

Virgílio Fernandes de Macêdo Júnior
Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública



JURID - Negada retirada de ambulantes. [07/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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